Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0306/13.9BELRS 0424/17
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:NULIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PODERES DE COGNIÇÃO
DERRAMA
DEDUÇÃO
VALOR
CRÉDITO
IMPOSTO
DUPLA TRIBUTAÇÃO
GRUPO DE EMPRESAS
Sumário:I - Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 5.º do CPC).
II - Sendo certo que o tribunal de recurso, com excepção das questões de conhecimento oficioso, tem a sua actividade balizada pelas conclusões das alegações do recurso (art. 684.º, n.º 3, do CPC), mantém total liberdade no julgamento da matéria de direito, designadamente ao conferir à norma escolhida o sentido e alcance que, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, entende ser o correcto, ainda que divergentes dos conferidos pelas partes.
III - O excesso de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante do conhecimento pelo tribunal de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 608.º, n.º 2, do CPC); esse vício não pode resultar do conhecimento de uma questão suscitada pelas partes, ainda que decidida com argumentos diversos dos invocados, conferindo à norma escolhida o sentido e alcance que, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, entende ser o correcto, ainda que divergentes dos conferidos pelas partes.
IV - Como decorre das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal e do artigo 91.º do Código do IRC, o crédito de imposto por dupla tributação internacional deve poder ser deduzido à colecta da derrama estadual individual de molde a evitar a dupla tributação que resulta de o rendimento obtido e tributado no estrangeiro contribuir também para o lucro tributável da empresa em Portugal sobre o qual recaiu a derrama estadual individual da empresa.
V - Uma empresa residente em Portugal que tenha suportado imposto sobre o rendimento no estrangeiro e não possua colecta de IRC em Portugal (nomeadamente pela existência de prejuízos fiscais) mas possua colecta de derrama estadual, será duplamente tributada no mesmo rendimento se não puder deduzir o imposto pago no estrangeiro, nos termos preceituados no artigo 91.º do Código do IRC, à sua colecta de derrama estadual.
VI - As dissemelhanças de regime entre o IRC e a derrama estadual, não são aptas a afastar a derrama estadual do âmbito de aplicação das referidas Convenções e, também, que do artigo 91.º do Código do IRC, uma vez que se trata incontestavelmente de um imposto de natureza idêntica ou substancialmente semelhante ao do IRC, pressuposto pelo artigo 2.º, n.º 4, do Modelo de Convenção.
VII - Estando em causa o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, deve aplicar-se o disposto no n.º 6 do artigo 90.º do Código do IRC na sua plenitude, efectuando-se as deduções dos benefícios fiscais às colectas de IRC e da derrama estadual.
VIII – O Tribunal a quo fundamentou a interpretação que preconiza do artigo 88º, n.º 14, do CIRC, na redacção em vigor em 2011, no disposto no número 20 do mesmo artigo, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que estabelece que para efeitos do disposto no número 14 do artigo 88.º, quando seja aplicável o RETGS, o prejuízo fiscal a considerar é o prejuízo fiscal do grupo e, em particular, no artigo 135.º daquela lei que confere carácter interpretativo à regra introduzida no mencionado número 20 do artigo 88.º.
IX – Porém, a norma que desponta do artigo 88.º, n.°14, do CIRC, numa interpretação que tome em consideração os elementos gramatical, histórico, teleológico e sistemático, aponta claramente no sentido de que os "sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal” a que se refere o dispositivo são as empresas individualmente consideradas e não o grupo empresarial.
X - Segundo a jurisprudência constitucional plasmada no Acórdão do TC n.º 172/2000, no Processo n.º 762/98, ocorre a violação da proibição da retroactividade em matéria fiscal (artigo 103º, nº 3, da Constituição) pela norma interpretativa que a si mesma confere eficácia relativamente a factos anteriores à sua entrada em vigor.
Nº Convencional:JSTA000P26569
Nº do Documento:SA2202010280306/13
Data de Entrada:04/05/2017
Recorrente:EDP - ENERGIAS DE PORTUGAL, SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por EDP – Energias de Portugal, SA, melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 19-12-2016, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação intentada, tendo por objecto a autoliquidação de IRC, derrama municipal, derrama estadual e tributações autónomas, respeitante ao exercício de 2011, tendo, consequentemente, anulado os atos impugnados, na parte respeitante à derrama municipal, mantendo-se quanto ao demais, com as necessárias consequências em termos de devolução do imposto correspondente.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente EDP – ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A. as seguintes conclusões:

A. Em primeira instância a ora Recorrente havia pedido que fosse julgada a ilegalidade do entendimento da Autoridade Tributária que impossibilitava a dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional registado por algumas empresas do grupo tributado no âmbito do RETGS e, bem assim, do benefício fiscal do RFAI registado por outras empresas do mesmo grupo, à colecta da derrama estadual do grupo.
B. Nunca tendo pedido ao tribunal a quo para julgar qualquer suposta ilegalidade resultante da AT não admitir que o crédito de imposto por dupla tributação internacional e o RFAI registados por algumas das empresas do grupo fosse dedutível à derrama estadual individualmente apurada por essas mesmas empresas do grupo.
C. Todavia, a sentença recorrida julgou improcedente a ilegalidade arguida pela ora Recorrente, tendo concluído que em virtude da derrama estadual ser um imposto distinto do IRC e «calculada por referência ao lucro tributável, não há que considerar quaisquer deduções à colecta» (página 34 da sentença).
D. Ora, a sentença recorrida, ao não distinguir a derrama estadual individualmente considerada, da soma das colectas das derramas estaduais individuais das empresas que compõem o grupo tributadas pelo RETGS e ao preceituar a mesma consequência jurídica - impossibilidade de considerar quaisquer deduções à colecta - às duas situações, padece de nulidade.
E. Padece de nulidade porque tomou conhecimento sobre uma questão - a (im)possibilidade da dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional e do RFAI apurados por uma empresa do grupo à sua própria derrama estadual - de que não podia ter tomado conhecimento, pois não havia sido invocada pela Recorrente cm primeira instância, nulidade esta prevista no artigo 125.º do CPPT.
F. Caso assim não se entenda e sem conceder, então a sentença recorrida errou ao concluir que a derrama estadual não é susceptível de qualquer dedução.
G. Em primeiro lugar, esse entendimento representa uma violação do disposto nas convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal.
H. Com efeito, nas situações abrangidas por aquelas convenções não há qualquer dúvida de que Portugal se vinculou perante os outros Estados e perante os contribuintes a, nas situações de dupla tributação jurídica internacional, deduzir o imposto suportado na fonte não só ao IRC, mas também à derrama estadual. É o que resulta da norma relativa aos impostos abrangidos pela convenção (normalmente o artigo 2.º) e da norma relativa ao método para eliminar a dupla tributação (normalmente o artigo 23.º) das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal.
I. E se é este o entendimento resultante directamente das situações em que existe uma convenção para eliminar a dupla tributação, não se vê porque é que há-de ser diferente nas situações em que não exista convenção, maxime se tomarmos em consideração que a norma que regula sobre o funcionamento do credito de imposto - o artigo 91.° do CIRC - é a mesma, quer haja convenção celebrada com o Estado da fonte, quer não haja.
J. Em suma, como decorre das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal e do artigo 91.º do Código do IRC, o crédito de imposto por dupla tributação internacional deve poder ser deduzido à colecta da derrama estadual individual de molde a evitar a dupla tributação que resulta de o rendimento obtido e tributado no estrangeiro contribuir também para o lucro tributável da empresa em Portugal sobre o qual recaiu a derrama estadual individual da empresa.
K. Pelo que mesmo que se considerasse que a sentença recorrida não padecia da invocada nulidade, sofreria de erro de julgamento ao entender não haver que considerar quaisquer deduções à colecta no que respeita à derrama estadual. Na verdade, uma empresa residente em Portugal que tenha suportado imposto sobre o rendimento no estrangeire e não possua colecta de IRC em Portugal (nomeadamente pela existência de prejuízos fiscais) mas possua colecta de derrama estadual, será duplamente tributada no mesmo rendimento se não puder deduzir o imposto pago no estrangeiro, nos termos preceituados no artigo 91.º do Código do IRC, à sua colecta de derrama estadual.
L. No que respeita à impossibilidade de deduzir o RFAI de algumas sociedades do grupo à colecta da derrama estadual do grupo, a sentença recorrida padece da mesma nulidade que foi acima invocada relativamente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional.
M. Com efeito, a ora Recorrente não impugnou qualquer suposta ilegalidade resultante da AT não admitir que o RFAI não pudesse ser deduzido à colecta da derrama estadual individual da empresa que apurou esse RFAI, mas apenas a interpretação da AT segundo a qual o RFAI de uma empresa do grupo não podia ser deduzido à colecta da derrama estadual do grupo.
N. A sentença recorrida neste particular padece também de erro de julgamento pois, como é actualmente reconhecido pela própria Autoridade Tributária, a derrama estadual é IRC e consequentemente ao não admitir a dedução do RFAI de algumas empresas do grupo à colecta da derrama estadual do grupo, a sentença recorrida violou o artigo 90.º, n.º 6, do Código do IRC.
O. Nas palavras da própria AT «analisando agora a questão da dedução à derrama estadual do valor dos benefícios fiscais referentes ao RFAI e SIFIDE, começa-se por notar que a posição espelhada no Relatório de Inspecção correspondia ao entendimento que na altura a Administração Tributária tinha sobre o assunto. Desde então para cá, tal posição foi alterada em consonância com o entendimento perfilhado quanto à natureza de IRC atribuída à Derrama Estadual e à consequente orientação de que as deduções à colecta previstas no artigo 90.º do Código do IRC devem também levar em linha de conta a derrama estadual. Assim, estando em causa o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, é entendimento da Administração tributária que se deve aplicar o disposto no n.º 6 do artigo 90.º do Código do IRC na sua plenitude, efectuando-se, por conseguinte, as deduções dos benefícios fiscais às colectas de IRC e da derrama estadual relativamente ao grupo».
P. Relativamente ao segundo tema do presente recurso a decisão recorrida considerou que, no que respeita às sociedades abrangidas pelo RETGS previsto no Código do IRC, a tributação agravada em 10 pontos percentuais aplica-se quando o próprio grupo declare prejuízo fiscal.
Q. Ou seja, mesmo as sociedades do grupo que apurem lucro tributável são abrangidas por esta penalização na medida em que o grupo, no seu todo, registe prejuízo fiscal.
R. O Tribunal a quo fundamenta a interpretação que preconiza do artigo 88º, n.º 14, do CIRC, na redacção em vigor em 2011, no disposto no número 20 do mesmo artigo, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que estabelece que para efeitos do disposto no número 14 do artigo 88.º, quando seja aplicável o RETGS, o prejuízo fiscal a considerar é o prejuízo fiscal do grupo e, em particular, no artigo 135.º daquela lei que confere carácter interpretativo à regra introduzida no mencionado número 20 do artigo 88.º.
S. Em primeiro lugar, importa esclarecer que à data a que se reportam os factos - 2011 - é mais do que duvidoso que se possa afirmar que a interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, na linha da posição defendida pela AT, fosse uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, desde logo porque a AT apenas publicitou a sua posição em 2012.
T. Depois porque mesmo que assim se entenda, é manifesto que estamos perante uma situação de retroactividade autêntica e a posição da jurisprudência do Tribunal Constitucional é absolutamente clara e unânime no sentido de que as normas interpretativas em matéria fiscal não são admitidas porque violam o princípio da proibição da retroactividade dos impostos.
U. Pelo que a decisão recorrida neste particular viola o disposto nos artigos 12.º, n.º 1. da LGT e 103.º, n.º 3. da CRP, devendo, consequentemente, ser anulada.
V. Caso assim não se entenda, deverá considerar-se que a norma do artigo 88.º, n.º 20. do CIRC, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, conjugada com a norma do artigo 135.º do mesmo diploma, interpretadas e aplicadas no sentido de, independentemente da respetiva natureza interpretativa, abrangerem no seu âmbito de vigência temporal factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, viola o princípio da proibição da retroactividade previsto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o que desde já se invoca.
W. A norma que desponta do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, numa interpretação que tome em consideração os elementos gramatical, histórico, teleológico e sistemático, aponta claramente no sentido de que os "sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal” a que se refere o dispositivo são as empresas individualmente consideradas e não o grupo empresarial.
X. Bem como que os prejuízos fiscais em causa são os prejuízos fiscais apurados individualmente por cada empresa e não os prejuízos fiscais do grupo, como deixámos acima mais detalhadamente demonstrado.
Y. Pelo que, alicerçados numa adequada hermenêutica jurídica, se conclui que a interpretação do artigo 38.º, n.º 14, do CIRC, efectuada pela sentença recorrida é errada, devendo, consequentemente ser anulada.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas, por certo suprirão deverá ser concedido provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença a quo na parte aqui recorrida, pois só assim se fará a costumada e sempre reclamada JUSTIÇA!
Mais se requer, à cautela e à semelhança do fixado em primeira instância, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda € 600,000.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, no que concerne à nulidade por excesso de pronúncia, mas merecer provimento no que aos erros de julgamento diz respeito.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1) A impugnante é a sociedade dominante do grupo, que integrava, em 2011, para além da impugnante, as seguintes sociedades:
a) EDP – Gestão de Produção de Energia, SA, NIF 503 293 695;
b) EDP – Serviço Universal, SA, NIF 507 846 044;
c) Balwerk C e E Participações Sociais Sociedade Unipessoal, Lda, NIF 511 163 894;
d) EDP Gás – SGPS SA, NIF 504 930 087;
e) EDP Serviner Serviços de Energia SA, NIF 506 127 338;
f) OeM Serviços – Operação e Manutenção Industrial, SA, NIF 504 610 236;
g) Empresa Hidroelétrica do Guadiana, SA, NIF 508 852 382;
h) EDP Distribuição – Energia, SA, NIF 504 394 029;
i) EDP Comercial – Comercialização de Energia, SA, NIF 503 504 564;
j) Tergen Operação e Manutenção de Centrais Termoeléctricas, SA, NIF 505 643 626;
k) EDP MOP – O de P de Carregamento de Mobilidade Eléctrica, SA, NIF 509 486 886;
l) EDP Imobiliária e Participações. SA, NIF 503 529 524;
m) Labelec – E Desenvolvimento e Actividades Laboratoriais, SA, NIF 503 326 755;
n) Sãvida Medicina Apoiada, SA, NIF 503 293 512;
o) EDP Internacional SA, NIF 505 039 273;
p) SCS Serviços Complementares de Saúde, SA, NIF 505 403 668;
q) EDP Valor Gestão Integrada de Serviços, SA, NIF 505 938 022;
r) EDP Soluções Comerciais, SA, NIF 507 119 843;
s) EDP Estudos e Consultoria SA, NIF 506 042 723;
t) EDP Inovação SA, NIF 507 988 760 (cfr. fls. 76 a 247).
2) No exercício de 2011, o grupo mencionado em 1) era tributado de acordo com o RETGS (cfr. fls. 76 a 247).
3) A 29.05.2012, a impugnante submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Prejuízo para efeitos fiscais (campo 777): 262.947.053,78 Eur.;
b) Dupla tributação internacional (campo 353): 1.025.929,08 Eur.;
c) Derrama (campo 364): em branco;
d) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
e) Tributações autónomas (campo 365): 1.234.002,46 Eur.;
f) Quadro 11:


(cfr. fls. 84 a 92).
4) A 30.05.2012, a EDP – Gestão de Produção de Energia, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 577.351.355,04 Eur.;
b) Dupla tributação internacional (campo 353): 213.725,15 Eur.;
c) Derrama (campo 364): 8.371.594,65 Eur.;
d) Derrama estadual (campo 373): 14.383.783,88 Eur.;
e) Tributações autónomas (campo 365): 497.483,12 Eur.;
f) Quadro 11:





g) Anexo D:



(cfr. fls. 93 a 103).
5) A 25.05.2012, a EDP – Serviço Universal, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Prejuízo para efeitos fiscais (campo 777): 465.110.911,46 Eur.;
b) Dupla tributação internacional (campo 353): 1.829,92 Eur.;
c) Derrama (campo 364): em branco;
d) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
e) Tributações autónomas (campo 365): 26.506,81 Eur.;
f) Quadro 11:


(cfr. fls. 104 a 110).
6) A 25.05.2012, a Balwerk C e E Participações Sociais Sociedade Unipessoal, Lda, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 17.079.593,50 Eur.;
b) Dupla tributação internacional (campo 353): 1.276.798,00 Eur.;
c) Derrama (campo 364): 128.096,95 Eur.;
d) Derrama estadual (campo 373): 376.989,84 Eur.;
e) Tributações autónomas (campo 365): 0,00 Eur. (cfr. fls. 111 a 115).
7) A 28.05.2012, a EDP Gás – SGPS, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 72.033,67 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 1.080,51 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 90.073,22 Eur.;
e) Quadro 11:


(cfr. fls. 117 a 124).
8) A 25.05.2012, a EDP Serviner Serviços de Energia, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 474.379,28 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 7.115,69 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 4.966,22 Eur.;
e) Quadro 11:



(cfr. fls. 125 a 132).
9) A 25.05.2012, a OeM Serviços – Operação e Manutenção Industrial, SA,
submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Prejuízo para efeitos fiscais (campo 777): 370.908,58 Eur.;
b) Derrama (campo 364): em branco;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 51.375,33 Eur.;
e) Quadro 11:


(cfr. fls. 133 a 139).
10) A 30.05.2012, a Empresa Hidroelétrica do Guadiana, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 14.261.430,09 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 213.921,45 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 306.535,75 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): Eur. 274,00 Eur.;

e) Quadro 11:


f) Anexo D:

(cfr. fls. 140 a 146).
11) A 30.05.2012, a EDP Distribuição – Energia, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 96.528.911,18 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 1.390.016,32 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 2.363.222,78 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): Eur. 780.519,76;
e) Quadro 11:




f) Anexo D:

(cfr. fls. 147 a 159).
12) A 29.05.2012, a EDP Comercial – Comercialização de Energia, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Prejuízo para efeitos fiscais (campo 777): 50.251.939,94 Eur.;
b) Derrama (campo 364): em branco;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 114.420,73 Eur.;
e) Quadro 11:



(cfr. fls. 160 a 164).
13) A 25.05.2012, a Tergen Operação e Manutenção de Centrais Termoeléctricas, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Prejuízo para efeitos fiscais (campo 777): 593.760,79 Eur.;
b) Derrama (campo 364): em branco;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 11.999,99 Eur.;
e) Quadro 11:



(cfr. fls. 165 a 171).

14) A 25.05.2012, a EDP MOP – O de P de Carregamento de Mobilidade Eléctrica, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Prejuízo para efeitos fiscais (campo 777): 80.198,48 Eur.;
b) Derrama (campo 364): em branco;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 2.872,07 Eur.;
e) Quadro 11:



(cfr. fls. 172 a 176).
15) A 28.05.2012, a EDP Imobiliária e Participações, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Prejuízo para efeitos fiscais (campo 777): 6.195.865,55 Eur.;
b) Derrama (campo 364): em branco;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 32.364,10 Eur.;
e) Quadro 11:



(cfr. fls. 177 a 181).
16) A 28.05.2012, a Labelec – E Desenvolvimento e Actividades Laboratoriais, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 421.722,50 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 6.325,84 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 27.038,92 Eur.;
e) Quadro 11:

(cfr. fls. 182 a 189).
17) A 28.05.2012, a Sãvida Medicina Apoiada, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 2.889.223,90 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 43.338,36 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 22.230,60 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 36.812,99 Eur.;
e) Quadro 11:



(cfr. fls. 190 a 198).
18) A 28.05.2012, a EDP Internacional, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 4.647.097,36 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 69.706,46 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 66.177,43 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 58.064,38 Eur.;
e) Quadro 11:

(cfr. fls. 199 a 205).
19) A 28.05.2012, a SCS Serviços Complementares de Saúde, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 5.749,58 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 43,13 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 96,04 Eur.;
e) Quadro 11:



(cfr. fls. 206 a 210).
20) A 29.05.2012, a EDP Valor Gestão Integrada de Serviços, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 7.936.988,50 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 118.261,13 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 148.424,71 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 150.128,60 Eur.;
e) Quadro 11:

(cfr. fls. 211 a 220).
21) A 25.05.2012, a EDP Soluções Comerciais, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Lucro Tributável (campo 778): 15.775.625,52 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 220.858,76 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 344.390,64 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 145.530,47 Eur.;
e) Quadro 11:



(cfr. fls. 221 a 231).
22) A 29.05.2012, a EDP Estudos e Consultoria, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Prejuízo para efeitos fiscais (campo 777): 517.218,75 Eur.;
b) Derrama (campo 364): em branco;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 91.199,91 Eur.;
e) Quadro 11:


(cfr. fls. 233 a 239).
23) A 25.05.2012, a EDP Inovação, SA, submeteu junto dos serviços da AT a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2011, na qual declarou designadamente o seguinte:
a) Prejuízo para efeitos fiscais (campo 777): 156.567,91 Eur.;
b) Derrama (campo 364): em branco;
c) Derrama estadual (campo 373): 0,00 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 68.247,73 Eur.;
e) Quadro 11:

(cfr. fls. 240 a 247).
24) A impugnante, a 31.05.2012, submeteu a Declaração Modelo 22 de IRC do grupo mencionado em 1), relativamente ao exercício de 2011, na qual apurou:
a) Soma algébrica dos resultados fiscais: - 30.592.771,64 Eur.;
b) Derrama (campo 364): 10.944.684,45 Eur.;
c) Derrama estadual (campo 373): 18.517.994,17 Eur.;
d) Tributações autónomas (campo 365): 5.127.943,27 Eur. (cfr. fls. 76 a 83).
25) Os valores mencionados em 24) b), c) e d) foram calculados de acordo com orientações da AT e de acordo com a configuração do sistema informático, não permitindo este a apresentação de cálculos diferentes (facto alegado pela impugnante, não posto em causa pela FP).
26) Na sequência da declaração referida em 24) foi apurado pela impugnante um valor a recuperar de 9.746.091,17 Eur. (cfr. fls. 76 a 81, dos autos, e fls. 202, do processo administrativo).
27) Foi calculado um crédito por dupla tributação internacional a favor da impugnante no valor de 2.518.282,15 Eur. (cfr. fls. 202, do processo administrativo).
28) Na sequência do referido em 26) e 27), foi apurado o valor a reembolsar de 12.308.795,72 Eur., devolvido à impugnante (cfr. fls. 250, dos autos, e fls. 202 e 203, do processo administrativo).
29) Através de documento escrito, que deu entrada nos serviços da AT a 17.09.2012, a impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação decorrente da declaração referida em 24) (cfr. Documento junto de fls. 46 a 75).
30) Na sequência do referido em 29), foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.º 3247201204006704 (cfr. fls. 164, do processo administrativo).
31) A presente impugnação foi remetida a este tribunal, via correio postal registado, a 13.02.2013 (cfr. fls. 2 e 251).
32) No âmbito do procedimento mencionado em 30), não foi proferida decisão até ao momento referido em 31) (do processo administrativo nada consta).
33) Foi emitida e publicada instrução administrativa, pelos serviços da AT (direção de serviços do IRC), sob a forma de ofício circulado, ao qual foi atribuído o n.º 20.132, de 14.04.2008, da qual consta designadamente o seguinte:
“No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64.º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais. Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável. Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual. Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso. O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante, em consonância com o entendimento sancionado por despacho de 2008-03-13, do substituto legal do Director-Geral…”
(cfr. documento junto a fls. 296 e 297).
34) Foi emitida informação pela AT (direção de serviços do IRC), n.º 405/2012, segundo a qual o art.º 88.º, n.º 14, do CIRC, implica a majoração de 10% no caso de o grupo sujeito ao RETGS apresentar prejuízo fiscal (facto não controvertido – cfr. art.º 46.º, da petição inicial, e art.ºs 131.º a 133.º, da contestação).
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso jurisdicional é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos, 282.º, nºs. 5 a 7, do CPPT, 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 640.º, estes últimos do CPC de 2013, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e artigo 2.º, al. e), do CPPT, atentas as datas da prolação da sentença em crise e da apresentação do recurso jurisdicional, a saber, 19/12/2016 e 10/01/2017, respectivamente (v. fls. 408 e 414 do p. f.).
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação:
i) padece de nulidade por excesso de pronúncia;
ii) padece de erros de julgamento no que concerne:
- à impossibilidade de dedução à derrama estadual do valor do crédito do imposto por dupla tributação internacional,
- à não admissão da dedução do benefício fiscal do RFAI de algumas empresas do grupo, à colecta da derrama estadual do grupo e
- à interpretação efectuada do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, violando os artigos 12º, n.º 1 da LGT e o artigo 103.º, n.º 3 da CRP.
Vejamos.

Sobre a nulidade por excesso de pronúncia:

Quanto a este segmento recursório, afirma a ora Recorrente que inicialmente havia pedido que fosse julgada a ilegalidade do entendimento da Autoridade Tributária que impossibilitava a dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional registado por algumas empresas do grupo tributado no âmbito do RETGS e, bem assim, do benefício fiscal do RFAI registado por outras empresas do mesmo grupo, à colecta da derrama estadual do grupo, nunca tendo pedido ao tribunal a quo para julgar qualquer suposta ilegalidade resultante da AT não admitir que o crédito de imposto por dupla tributação internacional e o RFAI registados por algumas das empresas do grupo fosse dedutível à derrama estadual individualmente apurada por essas mesmas empresas do grupo.
Não obstante, segundo a recorrente, a sentença recorrida julgou improcedente a ilegalidade arguida pela ora Recorrente, tendo concluído que em virtude da derrama estadual ser um imposto distinto do IRC e «calculada por referência ao lucro tributável, não há que considerar quaisquer deduções à colecta» (página 34 da sentença).
Considera, pois, a recorrente que a sentença recorrida, ao não distinguir a derrama estadual individualmente considerada, da soma das colectas das derramas estaduais individuais das empresas que compõem o grupo tributadas pelo RETGS e ao preceituar a mesma consequência jurídica - impossibilidade de considerar quaisquer deduções à colecta - às duas situações, padece de nulidade porque tomou conhecimento sobre uma questão - a (im)possibilidade da dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional e do RFAI apurados por uma empresa do grupo à sua própria derrama estadual - de que não podia ter tomado conhecimento, pois não havia sido invocada pela Recorrente em primeira instância, nulidade esta prevista no artigo 125.º do CPPT.
Na verdade, nos termos da parte final do n.º 1 do art. 125.º do CPPT, preceito legal que prevê as nulidades da sentença, integra tal vício «a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».
O preceito está em uniformidade com o art. 615.º, n.º 1, do CPC, cuja alínea d) prevê como uma das nulidades da sentença que «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Trata-se de uma norma correlacionada com o n.º 2 do art. 608.º do mesmo código, que dispõe: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Saliente-se que, na falta de norma do CPPT sobre os deveres de cognição do tribunal, há que recorrer àquele art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT.
Do que vem dito decorre que o tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, ainda que seja para dizer por que delas não conhece (sob pena de omissão de pronúncia) e, com excepção das questões de conhecimento oficioso, não pode conhecer senão dessas questões (sob pena de excesso de pronúncia na parte em que ocorrer esse excesso).
Sobre ao que deve entender-se por questão para este efeito, Jorge Lopes de Sousa elucida:
«O conceito de «questões» abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.
[…]
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 10 b) ao art. 125.º, págs. 363/364, com indicação de jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo nesse sentido.).
Fernando Amâncio Ferreira adverte para uma confusão muito amiudada e que dá origem a que a omissão de pronúncia seja frequente e indevidamente invocada nos tribunais nos seguintes termos:
«Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda» e «não enferma de nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio» (Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9.ª edição, pág. 57.).
Evocando o clássico Alberto dos Reis:
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Código de Processo Civil Anotado, V volume, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 143.).
Igualmente Jorge Lopes de Sousa chama a atenção para a necessidade de ter presente essa distinção:
«O conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes e só a falta de conhecimento de questões constitui nulidade por omissão de pronúncia, como resulta do texto do art. 125.º do CPPT e da alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC» (Ob. e loc. cit..).
É, pois, inquestionável que só a omissão do conhecimento de uma questão, que não o de argumentos, razões ou fundamentos, constitui a nulidade por omissão de pronúncia (Neste sentido, também Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, pág. 670.).
Correspectivamente, também o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conhecer de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes e já não quando o tribunal, na apreciação das questões suscitadas pelas partes, tenha utilizado argumentos, razões ou fundamentos diversos dos invocados pelas partes.
Neste particular, diz Jorge Lopes de Sousa:
«O que se proíbe naquele art. 660.º, n.º 2, do CPC [actual 608º], é que se conheça de «questões» não suscitadas. Não se deve confundir «questões» com «argumentos». Quanto a argumentos o tribunal não está limitado pelos invocados pelas partes, podendo utilizar os que entender, para apreciar as questões que lhe tenham sido suscitadas» (Ob. e vol. cit., anotação 12 ao art. 125.º, pág. 366, com indicação de jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo nesse sentido).
Dito por outros vocábulos: na sua função jurisdicional, ao tribunal compete determinar qual a norma ou normas jurídicas aplicáveis e interpretá-las e aplicá-las, sendo livre nessa tarefa, em conformidade com o disposto no art. 5º do CPC, que consagra o princípio do dispositivo, segundo o qual e na linha do que que já dispunham os art.ºs 264.º e 664.º CPC 1961, dispõe: o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, (Trata-se de um princípio expresso nas velhas máximas dos romanistas: iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius.).
Quer isto dizer que, contrariamente ao que sucede relativamente à matéria de facto, em que os poderes do tribunal se encontram, em regra (Com excepção dos factos respeitantes a questões de conhecimento oficioso, nos termos do CPC, aplicável ex vi o art. 2.º, alínea e), do CPPT, o tribunal só poderá de factos não alegados pelas partes quando estes sejam factos notórios, ou do seu conhecimento oficial, ou revelem uso reprovável do processo. Permite-se ainda o conhecimento dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa (art. 5º, n.º 2) e dos factos essenciais complementares ou concretizadores de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (art. 5º, n.º 2).), limitados pela factualidade essencial alegada pelas partes, em sede da matéria de direito o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza da mais ampla liberdade na aplicação do Direito.
Na esteira de Fernando Amâncio Ferreira «Em três momentos se desenvolve a actividade do juiz no âmbito jurídico, segundo a enunciação do n.º 1 do art. 664.º, a saber: indagação, interpretação e aplicação.
Pela indagação, o juiz elege a norma jurídica que julgue ajustada à regulação da situação fáctica dos autos, afastando a indicada pelas partes, se entender que ela não se adapta ao caso em litígio.
Pela interpretação, o juiz atribui à norma eleita a significação e o alcance que considera certo, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, mesmo que divergentes dos conferidos pelas partes.
Pela aplicação, o juiz declara os efeitos que resultam para a situação ajuizada da norma escolhida, independentemente dos reclamados pelas partes» (Ob. cit., pág. 42.).
E, tal como acentua Jorge Lopes de Sousa, «A limitação dos poderes de cognição em matéria de recursos restringe-se às questões colocadas pelas partes nas conclusões das alegações (684.º, n.º 3, do CPC). Mas, quanto às questões que forem colocadas, o tribunal de recurso pode conhecer de tudo que para elas releve, não estando limitado pelo afirmado pelas partes nas alegações de recurso, tanto em matéria de direito (art. 664.º do CPC), como em relação à matéria de facto que pode ser alterada oficiosamente» (Ob. cit., volume I, anotação 7 c) ao art. 13.º, pág. 180.
Vinculados a tais princípios, e volvendo ao caso sub judice, afigura-se-nos que não pode proceder a pretensão da recorrente.
De facto, como se vê da sentença recorrida e denota a EPGA, a Mª Juíza identificou como thema decidendum, quanto à concreta questão de a derrama estadual do grupo dever - ou não - ser calculada deduzindo-se o valor relativo a crédito de imposto por dupla tributação internacional e do benefício fiscal do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), fê-lo por referência à determinação do imposto a recuperar pelo grupo de sociedades, relativo ao exercício do ano de 2011 (cfr. fls. 388 e 393 do p. f.).
E consideramos assertivo o expendido pela M.mª Juíza do Tribunal a quo, no seu despacho de sustentação, quanto à não verificação de excesso de pronúncia, "(...)porquanto na sentença recorrida foram analisados os argumentos aventados pela impugnante, por análise dos institutos concretamente controvertidos em toda a sua dimensão, tendo sido feita uma análise em termos do grupo societário, ainda que considerando as particularidades concretas das questões a apreciar" (v. fls. 461 do p. f.)
Da fundamentação fáctico-jurídica da sentença recorrida resulta que foi com base na realidade reflectida nos autos que a causa foi julgada o que está plasmado no dispositivo que é do seguinte teor: "improcede a pretensão da impugnante nesta parte" (v. fls.396 do p, f.)
Como sublinha a EPGA, se, como bem enfatizou a Recorrente, nunca esteve em causa, na petição inicial, a possibilidade de dedução da derrama estadual individual à respetiva coleta, é ostensivo que, ao julgar improcedente essa concreta pretensão, a julgadora se reportou à derrama estadual do exercício de 2011, relativa ao grupo de sociedades tributado em IRC segundo o RETGS, da qual a ora Recorrente é a sociedade dominante.”
Assim, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a recorrente confunde questões com argumentos.
Sendo certo que o tribunal, com excepção das questões de conhecimento oficioso, tem total liberdade no julgamento da matéria de direito, designadamente ao conferir à norma escolhida o sentido e alcance que, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, entende ser o correcto, ainda que divergentes dos conferidos pelas partes.
Portanto, ponderando que a M.mª Juíza do Tribunal Tributário a quo não julgou o caso em presença, mormente nos questionados segmentos, fora dos limites que lhe são impostos pela lei, não tendo, pois, apreciado causas de invalidade diversas das que foram suscitadas em juízo, não se verifica a arguida nulidade por excesso de pronúncia.
*
A questão principal é a dedução à derrama estadual do valor do crédito do imposto por dupla tributação internacional e a dedução do benefício fiscal do RFAI e, sobre o fundamentado e decidido na sentença recorrida, são a esta assacados pela recorrente erros de julgamento que passaremos a analisar pela ordem elencada na síntese conclusiva.
Assim:

Impossibilidade de dedução à derrama estadual do valor do crédito do imposto por dupla tributação internacional
No ponto, visando demonstrar que a sentença recorrida errou ao concluir que a derrama estadual não é susceptível de qualquer dedução, alega a Recorrente que, adversamente à percepção moldada na sentença recorrida, à derrama estadual deverá ser deduzido o valor do crédito de imposto por dupla tributação internacional e do benefício do RFAI.
Nesse sentido, argumenta que a solução ditada na sentença representa uma violação do disposto nas convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal, na medida em que nas situações abarcadas por aquelas convenções resulta que Portugal se vinculou perante os outros Estados e perante os contribuintes a, nas situações de dupla tributação jurídica internacional, deduzir o imposto suportado na fonte não só ao IRC, mas também à derrama estadual. É o que resulta da norma relativa aos impostos abrangidos pela convenção (normalmente o artigo 2.º) e da norma relativa ao método para eliminar a dupla tributação (normalmente o artigo 23.º) das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal.
Ora, afirma ainda a recorrente, sendo este o entendimento resultante directamente das situações em que existe uma convenção para eliminar a dupla tributação, não se vê porque é que há-de ser diferente nas situações em que não exista convenção, maxime se tomarmos em consideração que a norma que regula sobre o funcionamento do crédito de imposto - o artigo 91.° do CIRC - é a mesma, quer haja convenção celebrada com o Estado da fonte, quer não haja.
Enfim, seguindo ainda as palavras da recorrente, como decorre das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal e do artigo 91.º do Código do IRC, o crédito de imposto por dupla tributação internacional deve poder ser deduzido à colecta da derrama estadual individual de molde a evitar a dupla tributação que resulta de o rendimento obtido e tributado no estrangeiro contribuir também para o lucro tributável da empresa em Portugal sobre o qual recaiu a derrama estadual individual da empresa, sendo que, uma empresa residente em Portugal que tenha suportado imposto sobre o rendimento no estrangeiro e não possua colecta de IRC em Portugal (nomeadamente pela existência de prejuízos fiscais) mas possua colecta de derrama estadual, será duplamente tributada no mesmo rendimento se não puder deduzir o imposto pago no estrangeiro, nos termos preceituados no artigo 91.º do Código do IRC, à sua colecta de derrama estadual.
Ora, como bem denota o Ministério Público em alinhamento com a tese da recorrente, quer do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e sobre o Património, do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, quer do texto das 82 Convenções para evitar a dupla tributação, celebradas por Portugal, resulta cristalinamente que a derrama estadual aí se mostra, expressa ou implicitamente, abrangida.
Também se afigura relevante na matéria em análise que, pese embora a riqueza das citações doutrinais e jurisprudenciais contidas na sentença referentemente às dissemelhanças de regime entre o IRC e a derrama estadual, concordando com a recorrente e o Ministério Público, é forçoso concluir que essas diferenças não são de molde a afastar a derrama estadual do âmbito de aplicação das referidas Convenções e, também, que do artigo 91.º do Código do IRC, uma vez que se trata incontestavelmente de um imposto de natureza idêntica ou substancialmente semelhante ao do IRC, pressuposto pelo artigo 2.º, n.º 4, do já supradito Modelo de Convenção (cfr. o respetivo Texto, publicado nos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 197 - Tradução de Teresa Curvelo e Salomé Rebelo, apud info.portaldasfinancas.gov.pt).
Mas, mais importante ainda (se não mesmo decisivo), circunscrevendo a sentença recorrida a sua análise à natureza da derrama estadual e ao regime legal que lhe é aplicável, pondo-os em contraponto ao IRC, a julgadora não cuidou de examinar a norma ínsita no artigo 91.º do Código do IRC, que implicava um exame mais aprofundado das já mencionadas Convenções.
Dito de outro modo, a recorrente tem razão quando assevera que a fundamentação vazada na sentença recorrida desacatou as 82 Convenções já celebradas por Portugal, relacionadas na Tabela Prática das Convenções para Evitar a Dupla Tributação, disponível in info.portaldasfinancas.gov.pt..
Destarte, a sentença errou ao julgar pela impossibilidade de dedução à derrama estadual do grupo de sociedades em causa, relativa ao exercício de 2011, do valor do crédito do imposto por dupla tributação internacional, procedendo o recurso nessa vertente.

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Da não admissão da dedução do benefício fiscal do RFAI de algumas empresas do grupo à colecta da derrama estadual do mesmo grupo

Contra o entendimento da sentença de que ocorria a impossibilidade de a impugnante deduzir o RFAI de algumas sociedades do grupo à colecta da derrama estadual do grupo, a recorrente aduz que enferma de erro de julgamento em termos similares ao cometido quanto ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, uma vez que não impugnou qualquer suposta ilegalidade resultante da AT não admitir que o RFAI não pudesse ser deduzido à colecta da derrama estadual individual da empresa que apurou esse RFAI, mas apenas a interpretação da AT segundo a qual o RFAI de uma empresa do grupo não podia ser deduzido à colecta da derrama estadual do grupo.
É que, refere ainda a recorrente, actualmente é reconhecido pela própria Autoridade Tributária, que a derrama estadual é IRC e consequentemente ao não admitir a dedução do RFAI de algumas empresas do grupo à colecta da derrama estadual do grupo, a sentença recorrida violou o artigo 90.º, n.º 6, do Código do IRC.
Na verdade, (vide o artigo 36.9 das alegações, inserto a fls. 437 do p. f.), nesta matéria, houve uma inversão de posição por banda da Recorrida AT, ao expender que «analisando agora a questão da dedução à derrama estadual do valor dos benefícios fiscais referentes ao RFAI e SIFIDE, começa-se por notar que a posição espelhada no Relatório de Inspecção correspondia ao entendimento que na altura a Administração Tributária tinha sobre o assunto. Desde então para cá, tal posição foi alterada em consonância com o entendimento perfilhado quanto à natureza de IRC atribuída à Derrama Estadual e à consequente orientação de que as deduções à colecta previstas no artigo 90.º do Código do IRC devem também levar em linha de conta a derrama estadual. Assim, estando em causa o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, é entendimento da Administração tributária que se deve aplicar o disposto no n.º 6 do artigo 90.º do Código do IRC na sua plenitude, efectuando-se, por conseguinte, as deduções dos benefícios fiscais às colectas de IRC e da derrama estadual relativamente ao grupo».
Ora, como enfatiza a EPGA no seu douto Parecer louvando-se em HELENO TAVEIRO TORRES, "A conformidade ou a desconformidade de uma conduta em face da legislação tributária, no Estado Democrático de Direito, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiabilidade, deve ser examinada à luz do princípio da boa-fé do contribuinte. Se o ato administrativo vinculado tem a "função de concretizar e de estabilizar as relações jurídicas entre o Estado e o cidadão particular", como bem resume Hartmut Maurer, essa qualidade estabilizadora da relação jurídica entre Administração e contribuinte propicia as bases de confiança na sua permanência quando adotado dentro de condições de legitimidade e certeza jurídica, excetuado o caso do controle hierárquico. Essa certeza na conduta futura das autoridades, quanto à preservação dos seus próprios atos, oferece-se ao cidadão como expectativa de confiança no próprio] Estado Democrático de Direito" («interpretação das normas tributárias», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano III, n.» 3, 09,10, págs. 94 e 95; o itálico consta do original).
Todavia, se o ato for vinculado, o princípio da confiança pode e deve ceder perante o princípio da legalidade, sendo certo que é ao tribunal que incumbe conhecer e aplicar o direito, de harmonia com o artigo 5.º n.º 3, do CPC.
Acresce que, nos termos do n.º 2 do artigo 205.º da CRP, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.
Sem embargo, não vislumbramos razões de índole técnico-jurídica que aconselhem e/ou imponham a consagração da primitiva solução encontrada pela AT, posteriormente revista em moldes que, na perspetiva do Ministério Público, não contendem com a legalidade da sua atuação.”
Pontifica a respeito também a doutrina que dimana do acórdão deste STA de 06-11-2019, tirado no Processo nº 01047/14.5BEALM 0889/17, publicado em www.dgsi.pt, em que interveio o relator desta formação como adjunto, condensada no sumário que, sob os Descritores: REGIME GERAL- APOIO- INVESTIMENTO- BENEFÍCIO- IRC, proclama que:
“I - No artigo 2.º, n.º 1, do Regime Geral de Apoio ao Investimento (RFAI) aprovado pelo art. 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10/3, definem-se os sujeitos passivos que podem beneficiar desse regime por referência à atividade exercida, a título principal, nomeadamente a de transformação exercida pela impugnante.
II - Nos n.ºs 2 e 3 desse art. 2.º encontram-se previstas as condições ou pressupostos a observar pelos sujeitos passivos de IRC, quer quanto aos investimentos, quer quanto aos próprios sujeitos passivos.
III - No RFAI, devido às graves dificuldades que o país atravessava, foi alterado o paradigma anterior, o qual era de conceder benefícios para fins específicos.
IV – Assim sendo, e tendo o investimento ocorrido na área da energia, resulta não ser de excluir o benefício fiscal de dedução à coleta de IRC previsto no art. 3.º.
V - O dito investimento não ter sido assumido juridicamente pela recorrida, mas por sociedade que é do mesmo grupo da recorrida que a detém a 100%, não se encontra previsto como pressuposto nos ditos artigos 2.º e 3.º do RFAI.”
Daí que também se concorde com a recorrente e com a asserção do Ministério Público, de que a última interpretação reconhecida pela AT respeita a letra e o espírito do n.º 6 do artigo 90.º do Código do IRC, razão por que o presente recurso jurisdicional merece provimento, também na parte em que a sentença se decidiu pela não admissão da dedução do benefício fiscal do RFAI de algumas empresas do grupo, à colecta da derrama estadual do grupo.
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Da interpretação efectuada do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC

Nesta vertente, subleva-se a Recorrente contra a sentença recorrida na hermenêutica que fez do n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC, considerando que a mesma afronta os artigos 12º, n.º 1 da LGT e o artigo 103.º, n.º 3 da CRP.
Com efeito, a decisão recorrida considerou no que tange às sociedades abrangidas pelo RETGS previsto no Código do IRC, a tributação agravada em 10 pontos percentuais aplica-se quando o próprio grupo declare prejuízo fiscal o que significa que mesmo as sociedades do grupo que apurem lucro tributável são abrangidas por esta penalização na medida em que o grupo, no seu todo, registe prejuízo fiscal.
Como bem alega a recorrente, o Tribunal a quo fundamenta a interpretação que preconiza do artigo 88º, n.º 14, do CIRC, na redacção em vigor em 2011, no disposto no número 20 do mesmo artigo, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que estabelece que para efeitos do disposto no número 14 do artigo 88.º, quando seja aplicável o RETGS, o prejuízo fiscal a considerar é o prejuízo fiscal do grupo e, em particular, no artigo 135.º daquela lei que confere carácter interpretativo à regra introduzida no mencionado número 20 do artigo 88.º.
Segundo a recorrente, à data a que se reportam os factos - 2011 - é mais do que duvidoso que se possa afirmar que a interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, na linha da posição defendida pela AT, fosse uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, desde logo porque a AT apenas publicitou a sua posição em 2012.
De todo o modo, sustenta ainda a recorrente, mesmo que assim se entenda, é manifesto que estamos perante uma situação de retroactividade autêntica e a posição da jurisprudência do Tribunal Constitucional é absolutamente clara e unânime no sentido de que as normas interpretativas em matéria fiscal não são admitidas porque violam o princípio da proibição da retroactividade dos impostos e, assim sendo, a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 12.°, n.º 1. da LGT e 103.º, n.º 3, da CRP, devendo, consequentemente, ser anulada.
E mesmo que assim não se entenda – esgrime ainda a recorrente - deverá considerar-se que a norma do artigo 88.°, n.º 20, do CIRC, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, conjugada com a norma do artigo 135.º do mesmo diploma, interpretadas e aplicadas no sentido de, independentemente da respectiva natureza interpretativa, abrangerem no seu âmbito de vigência temporal factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, viola o princípio da proibição da retroactividade previsto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o que desde já se invoca.
Enfim, para a recorrente, a norma que desponta do artigo 88.º, n.°14, do CIRC, numa interpretação que tome em consideração os elementos gramatical, histórico, teleológico e sistemático, aponta claramente no sentido de que os "sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal” a que se refere o dispositivo são as empresas individualmente consideradas e não o grupo empresarial, sendo errada a interpretação do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, efectuada pela sentença recorrida que, por essa razão, deve ser anulada.
Vejamos.
A julgadora arrimou-se a dada jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional para concluir pela conformidade à Lei Fundamental da norma interpretativa consagrada no n.º 20 do artigo 88.º do CIRC.
Todavia, conforme bem assinalou a Recorrente, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, mormente o douto Acórdão n.º 172/2000, da 29 Secção, no Processo n.º 762/98, veio declarar a incompatibilidade das normas interpretativas com o princípio da proibição de retroactividade dos impostos.
Rastreamos a fundamentação desse douto aresto do TC, disponível in www.tribunalconstitucionai.pt, e sufragando plenamente o seu discurso fundamentador, que se excerta:
“B) A delimitação da questão de constitucionalidade
A questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente refere-se à eventual violação da proibição de retroactividade em matéria fiscal (consagrada pelo nº 3 do artigo 103º da Constituição, no texto que resultou da 4ª Revisão Constitucional) pelo artigo 28º, nº 7, da Lei nº 10-B/96, de 23 de Março, norma que conferiu natureza interpretativa à nova redacção por ela consagrada do artigo 41º, nº 1 alínea a), do CIRC, e segundo a qual daquele preceito resultaria que as derramas não devem ser considerados custos para efeitos de IRC. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta norma em anteriores Acórdãos, nomeadamente no Acórdão nº 275/98, D.R., II Série, de 24 de Novembro de 1998. Todavia, nesses casos a decisão recorrida fez aplicação de tal norma em momento anterior à 4ª Revisão Constitucional. Entendeu-se, por isso, que não estaria em causa, como parâmetro constitucional, o actual artigo 103º, nº 3, da Constituição que prevê explicitamente e sem restrições a proibição da retroactividade em matéria fiscal.
No aresto referido, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma sub judicio por entender que a versão da Constituição com que tal norma deveria ser confrontada não impunha qualquer generalizada proibição da retroactividade em função da matéria fiscal, mas apenas a imporia quando a retroactividade ofendesse, de modo inadmissível, a confiança e a segurança jurídicas.
Na decorrência de tais pressupostos o Tribunal Constitucional veio a pronunciar-se no sentido da não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 28º, nº 7, da Lei nº 10-B/96.
Nos presentes autos o contexto de aplicação no tempo da lei constitucional é diverso do que se verificava nos anteriores arestos do Tribunal Constitucional. Com efeito, embora a decisão da primeira instância date de 18 de Junho de 1997 e, por isso, seja anterior à entrada em vigor do texto da 4ª Revisão Constitucional, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de que foi interposto recurso de constitucionalidade foi proferido em 20 de Maio de 1998, quando já estava plenamente em vigor a 4ª Revisão Constitucional.
Não será, assim, possível deixar de utilizar como parâmetro do juízo de constitucionalidade o texto da última revisão constitucional, confrontando a norma sub judicio com o nº 3 do artigo 103º da versão agora vigente da Constituição. Na verdade, embora as novas versões da Constituição não possam ser, em princípio, critério do julgamento de constitucionalidade de normas já aplicadas anteriormente, salvaguardando-se, geralmente, o caso julgado quanto à aplicação do Direito infraconstitucional, no caso sub judicio a decisão recorrida aplicou a norma em crise após a entrada em vigor do novo texto constitucional. O facto de estar em vigor o novo texto constitucional no momento da aplicação da norma implica, obviamente, a necessidade de o tribunal que a aplica se subordinar aos princípios e critérios vigentes consagrados no texto constitucional, não devendo aplicar lei inconstitucional (cf. artigo 204º. No sentido de que o parâmetro de constitucionalidade após uma revisão constitucional é o texto constitucional vigente ao tempo da aplicação de norma que é questionada, cf. Acórdão nº 408/89, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º vol., t. II, pp. 1147 e ss.).
Não estaria, deste modo, excluída genericamente a aceitação de inconstitucionalidade superveniente de normas retroactivas.
Sendo o texto decorrente da 4ª Revisão Constitucional o parâmetro pelo qual se há-de aferir a constitucionalidade da norma sub judicio, verificar-se-á, efectivamente, uma violação da proibição de retroactividade em matéria fiscal?
Contra uma resposta afirmativa, poderia ser sustentado que a norma que agora se julga não é retroactiva por ser meramente interpretativa de lei anteriormente vigente, explicitando apenas o sentido daquela e integrando-se consequentemente no seu texto. Todavia, poderá opor-se a este argumento que, sendo a lei interpretativa vinculativa de uma determinada interpretação e excludente de outras possíveis e já realizadas pelos tribunais, ela se tornará o critério jurídico decisivo da consagração da interpretação propugnada pela lei interpretativa, implicando, necessariamente, uma aplicação retroactiva da lei (sobre a questão da retroactividade das leis interpretativas, cf. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 10ª ed., 1997, p. 562 e ss. E BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 1989, p. 245 e ss.).
Nos Acórdãos do Tribunal Constitucional anteriormente citados, foi aceita a natureza retroactiva do nº 7 do artigo 28º, nº 1, da Lei nº 10-B/96, de 23 de Março. O Tribunal não chegaria a discutir se a retroactividade da lei interpretativa está proibida pelo novo texto constitucional, por não ser esse texto o parâmetro de constitucionalidade no caso concreto.
Admitia-se, assim, implicitamente, algum espaço de discussão para a constitucionalidade da retroactividade das leis interpretativas em face da proibição constitucional da retroactividade em matéria fiscal. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional admitia, implicitamente, como questão pertinente, a questão de saber se a proibição de retroactividade em matéria fiscal abrangeria as leis interpretativas que vinculassem retroactivamente, embora não se pronunciasse sobre ela, por ser irrelevante no caso então julgado.
Deste modo, a questão que a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sugere é a de saber se a proibição constitucional de retroactividade em matéria fiscal se refere apenas a uma retroactividade material, lesiva da confiança, e não admitirá, ainda, uma retroactividade que não viole em concreto a confiança protegida dos destinatários das normas.
De todo este enquadramento da questão de constitucionalidade, relativa à proibição de retroactividade em matéria fiscal, em confronto com as leis interpretativas, resulta, desde logo, que qualquer controvérsia doutrinária sobre a natureza verdadeiramente ou apenas aparente retroactiva das leis interpretativas não protagoniza a questão de constitucionalidade que aqui se formula.
Com efeito, o cerne da questão de constitucionalidade aqui suscitada consiste, antes, no saber se as leis interpretativas que vinculem retroactivamente o intérprete contendem com a retroactividade proibida na Constituição.
Ora, os fundamentos de proibição da retroactividade respeitam à segurança dos cidadãos. Assim, tal segurança é afectada perante alterações legislativas que, no momento da prática ou ocorrência dos factos que os envolvem, nem poderiam ser previstas nem tinham que o ser. Mas tal segurança também é afectada onde o seja a vinculação do Estado pelo Direito que criou, através de alteração de situações já instituídas ou resolvidas anteriormente.
Desta sorte, se é verdade que as leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expectativas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada (cf. sobre essa natureza das leis autenticamente interpretativas, BAPTISTA MACHADO, ob.cit., p. 247), todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos (como acontece na situação presente) leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica.
Nesta medida, poder-se-á entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do artigo 13º do Código Civil, altera o contexto de auto-vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afecta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroactividade. Haverá, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroactividade.
Ora, a proibição constitucional explícita de retroactividade em matéria fiscal não pode ser interpretada de modo que exclua o sentido forte anteriormente referido de protecção da segurança, ou seja restritivamente em termos semelhantes à jurisprudência anterior do Tribunal, como se não tivesse sido alterado o texto constitucional e apenas resultasse dos princípios gerais. Na expressa proibição de retroactividade não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objectividade e auto-vinculação do Estado pelo Direito.
Deste modo, no caso sub judicio, ter-se-á que concluir pela violação da proibição da retroactividade em matéria fiscal (artigo 103º, nº 3, da Constituição) pela norma interpretativa que a si mesma confere eficácia relativamente a factos anteriores à sua entrada em vigor o questionado artigo 28º, nº 7, da Lei nº 10-B/96, de 23 de Março.”
Por esse prisma, procedem inteiramente as razões supra aduzidas pela recorrente quanto ao fundamento recursório sob análise.

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De tudo o que vem dito decorre que o recurso deve ser provido nos vectores contra os quais se recalcitrou a recorrente sendo de revogar a sentença recorrida e julgar totalmente procedente a presente impugnação judicial.
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Quanto à dispensa do remanescente que também é peticionada, entendemos ser pertinente o juízo emanado pela Mª Juíza em louvação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2014 (Processo: 01953/13) no sentido de que : “A norma constante do nº 7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (sublinhado nosso).
Ora, atenta a complexidade da causa, a conduta das partes, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos do tabela I.a., do RCP, é excessivo, pelo que não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entendendo-se ser adequado e proporcional, atenta a utilidade económica da causa, a complexidade do processado e o comportamento das partes, dispensar em 75% o pagamento da taxa de justiça.
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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença nos segmentos recorridos, julgar totalmente procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, anular os actos impugnados e condenar a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios peticionados.
Custas pela recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em 75%.

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Lisboa, 28 de Outubro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Ferraz – Paula Cadilhe Ribeiro.