Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0789/17
Data do Acordão:07/06/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22130
Nº do Documento:SA1201707060789
Data de Entrada:06/27/2017
Recorrente:ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE ...
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………….. intentou, no TAF de Braga, contra Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ……….. (AHBV……….), acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos pedindo:
“Seja declarada a nulidade da deliberação de cessação do mandato para o exercício do cargo de Comandante emitido pela R. em 18.05.2017, por entender ter tido lugar usurpação de poderes e violação de lei”.

O TAF, por sentença de 31/03/2011, julgou procedente a acção.

A Ré recorreu para o TCA Norte e este, por Acórdão de 24/02/2017, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a AHBV………… vem recorrer ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor pretende a declaração de nulidade da deliberação da Ré, 18.05.2017, que determinou a cessação do seu mandato do cargo de Comandante do Corpo dos Bombeiros de ………. por entender que a mesma era ilegal por usurpação de poderes e violação de lei.
E o TAF julgou procedente a acção por ter entendido que a competência para decisão de cessação do mandato do A., enquanto comandante do corpo de bombeiros, pertencia “à Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), entidade que, nos termos legais, sucedeu ao Serviço Nacional de Bombeiros (SNB). …. Podemos, assim, concluir que, embora os comandantes dos corpos de bombeiros voluntários sejam nomeados pela respectiva entidade detentora, essa nomeação e renovação carecem de homologação, o que significa que a nomeação é uma proposta da entidade detentora dos corpos de bombeiros, cabendo a decisão final, a homologação, à ANPC, pelo que o acto final é o acto de homologação.”
Independentemente de se qualificar ou não essa homologação como mera condição de eficácia, temos de concluir que a nomeação, renovação da nomeação e, logicamente, da demissão dos comandantes dos corpos de bombeiros voluntários pertencerá, presentemente à ANPC que veio, nesta esfera de competências, substituir o inspector distrital de bombeiros, integrado no Sistema Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC). …..
Conclusão:
Considerando o disposto no preceito acima transcrito, no caso dos autos, tendo a Direcção da Associação dos Bombeiros Voluntários de ……….. decidido a demissão do recorrente, sem a sujeitar a homologação da ANPC, terá invadido a esfera de atribuições desta última o que, consequentemente, determinará a nulidade da deliberação em crise, cumprindo à Ré reintegrar o Autor no respectivo mandato até que se verifique o seu termo, em 29.09.2011.”

A AHBV… apelou para o TCA Norte e este negou provimento ao recurso com a fundamentação que foi colher ao Acórdão deste Supremo Tribunal, de 26/11/2012 (rec. 767/11) donde respigou o seguinte:
Ora, a recorrente objecta que, enquanto associação privada, tem o direito de gerir os seus recursos humanos conforme entenda; e que a falta de previsão, no RGCB, desses seus poderes gestionários corresponde a uma «lacuna legis» que ela preencheu com recurso a outras normas, justificativas da deliberação impugnada. A isso, a recorrente acrescenta ainda duas coisas: que tal lacuna traduz uma «inconstitucionalidade por omissão» (mas violadora do art. 46º da CRP), já que o RGCB devia ter previsto a possibilidade das associações do género despedirem os comandantes dos corpos de bombeiros, tal e qual o acto decidiu; e que o RGCB também é inconstitucional no ponto em que priva tais associações do poder de aplicar penas expulsivas aos aludidos comandantes.
Mas, no essencial, a recorrente não tem razão – o que radica no facto de não existir a lacuna que ela divisa no RGCB.
Com efeito, óbvias razões de interesse público, ligadas à operacionalidade dos corpos de bombeiros, explicam que a escolha dos seus comandantes fundamentalmente dependa de um juízo da Administração; e, sobretudo, que tais comandantes actuem com independência em relação aos órgãos dirigentes das associações respectivas – com natural quebra dos poderes de direcção, de regulamentação e de disciplina, que normalmente cabem às entidades patronais. Assim, as nomeações dos comandantes dos corpos de bombeiros, embora efectuadas pela «entidade detentora» desses corpos, «estão sujeitas a homologação» administrativa (art. 19º, n.º 1, als. a) e e), do RGCB – sendo agora irrelevante apurar se essa «homologação» da nomeação constitui um acto integrador de eficácia ou algo mais). Homologada a nomeação, tais comandantes exercem as funções por um «período de cinco anos, renováveis» (n.º 6 desse art. 19º), prevendo o RGCB um único meio de eles serem entretanto excluídos do cargo – o de sofrerem uma pena de demissão, aplicada pela Administração em processo disciplinar (art. 34º). E é extremamente significativo o que o RGCB dispõe para o fim do período de cinco anos: não só a renovação desse período, mesmo que proposta pela entidade detentora do corpo de bombeiros, continua sujeita a homologação administrativa (art. 19º, n.º 7, do RGCB), como a circunstância de tal entidade recusar a renovação pode não ser suficiente para que as funções do comandante cessem; pois, dessa decisão de não renovação, cabe recurso para uma comissão arbitral (art. 19º, n.º 8), constituída na órbita da Administração e que definitivamente decidirá o assunto.
Tudo isto genericamente mostra que o regime jurídico inserto no RGCB se caracteriza, quanto ao modo de ingressar e de permanecer no cargo e nas funções de comandante de um corpo de bombeiros, pela prevalência da vontade da Administração – com a correlativa perda de importância do que, a tal respeito, pensem e pretendam as entidades detentoras desses corpos. E, se estas entidades vêem fortemente atenuado o seu campo de intervenção em tal domínio, sugerido fica que o RGCB não contém uma «lacuna legis», resultante de aí se lhes não reconhecer amplos poderes interventivos.
E essa sugestão é confirmada por um argumento especial e incontornável. O regime do RGCB, na medida em que recusa às entidades detentoras dos corpos de bombeiros a palavra final sobre a não renovação do exercício de funções dos comandantes, há-de também, e por maioria de razão, recusar-lhes a possibilidade de, «motu proprio», afastarem os comandantes no decurso daquele exercício. Não fora assim, atribuir-se-ia àquelas entidades o mais, supostamente silenciado e lacunoso, quando o RGCB, «expressis verbis», já lhes recusara o menos. Tem, pois, de prevalecer a ideia, transversal ao RGCB, de que é fundamentalmente à Administração que cabe decidir se os comandantes dos corpos de bombeiros entram, ficam ou saem – não havendo qualquer lacuna de regulamentação no tocante à outorga de poderes do género às entidades detentoras dos corpos de bombeiros.
…..
Mostram-se, portanto, improcedentes ou irrelevantes todas as conclusões da alegação do recurso, devendo o aresto «subspecie» ser inteiramente confirmado.”

3. A problemática trazida a juízo respeita à legalidade da decisão da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de …………. que determinou a cessação do mandato do Autor para o exercício do cargo de Comandante do Corpo de Bombeiros daquela localidade.
A decisão recorrida, fazendo apelo a anterior Acórdão deste Supremo, manteve a sentença do TAF que havia julgado a acção procedente e que, em consequência, declarou nula a deliberação impugnada.
Ora, a Recorrente não demonstrou neste recurso que tal decisão merece censura.
Não existe, assim, necessidade de uma nova reapreciação daquela problemática e esta também não é exigida pela natureza do assunto que, pese embora poder ser replicado, por um lado, já foi apreciado e decidido por este Supremo Tribunal e, por outro, carece de importância jurídica ou social justificativa da admissão do recurso.
Finalmente, os problemas de inconstitucionalidade dizem respeito a questões sobre as quais a intervenção deste STA não pode assegurar as finalidades inerentes à razão de ser do recurso de revista na justa medida em que a última palavra sobre a questão caberá sempre ao Tribunal Constitucional.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 6 de Julho de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.