Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0128/12
Data do Acordão:04/04/2013
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:FERNANDA XAVIER
Descritores:NACIONALIZAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - O princípio da “justa indemnização”, no sentido do direito do lesado a uma indemnização integral, efectiva ou full compensation, consagrado no nº2 do artº62º da CRP para expropriações por utilidade pública, não tem aplicação no caso de nacionalizações.
II - Às nacionalizações aplica-se o artº83º da CRP (anterior artº82º), segundo o qual a toda a nacionalização corresponde uma indemnização, sendo os critérios de fixação dessa indemnização fixados pelo legislador ordinário.
III - Embora a indemnização por nacionalização não tenha de corresponder ao valor integral dos bens nacionalizados, não pode ser irrisória, manifestamente desproporcional ou arbitrária, sob pena de violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade ínsitos num Estado de Direito.
IV - Os critérios para fixação da indemnização devida aos ex-titulares de acções e participações sociais em empresas nacionalizadas em 1975, constantes dos artº1º a 8º do DL 332/91 e dos artº18º, 19º e quadro anexo, 21º, 14º e 28º da Lei nº80/77, não violam os princípios constitucionais referidos em III, nem o direito internacional que, em matéria de indemnizações por nacionalizações, vincula o Estado Português.
Nº Convencional:JSTA00068194
Nº do Documento:SA1201304040128
Data de Entrada:02/06/2012
Recorrente:A...... E OUTROS
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAC LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL - ARGUIÇÃO DE NULIDADE - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Legislação Nacional:CPC96 ART688 N1 D ART660 N2 ART664.
ETAF84 ART6.
LPTA85 ART24 ART95 ART96 ART69.
CONST76 ART62 ART83 ART2 ART17 ART18 ART80.
L 80/77.
DL 332/91 ART1 ART2 ART3 ART7.
DL 528/76.
Referências Internacionais:
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC029768 DE 1992/06/02.; AC STA PROC029841 DE 1996/03/14.; AC STA PROC029776 DE 1997/01/30.; AC STA PROC029773 DE 1997/05/14.; AC TC N39/88 DE 1988/02/09.; AC TC N452/95 DE 1995/07/06.; AC TC N148/2004 DE 2004/03/10.; AC TC N493/2009 DE 2009/09/29.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I- RELATÓRIO

A……… E OUTROS, com os sinais dos autos, vieram interpor recurso da sentença da Mma. Juíza do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proferida a fls. 1162 e seguintes dos autos, que julgou improcedente, por não provada, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário e absolveu o Réu ESTADO do pedido.

Terminam as suas alegações formulando as seguintes CONCLUSÕES:

NULIDADE DA SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
I) A douta sentença recorrida partiu do pressuposto de que a presente acção, com as respectivas causas de pedir e pedido, configura a efectivação de responsabilidade civil do Estado por acto ilícito, decorrente da nacionalização e da inconstitucionalidade das normas em que se baseou a fixação da indemnização arbitrada pelo Governo.
II) Ora, ao apreciar e decidir a acção com base nesse pressuposto, designadamente valorando a fixação do valor indemnizatório devido ao A. à luz dos critérios da ilicitude e da culpa, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão de que não podia pronunciar-se, incorrendo num vício gerador de nulidade, nos termos do artigo 688º, nº1 d) do CPC, aplicável ex vi artº 1º e 140º do CPTA.
III) Na verdade, os factos alegados pelo A. não comportam nem visam invocar a responsabilidade do Estado por acto ilícito.
IV) O próprio Estado, ao contestar a acção, considerou que a presente acção se enquadra na responsabilidade civil extracontratual do Estado por acto lícito (vide artigos 56º a 60º da Contestação).
V) Assim, deverá este Supremo Tribunal declarar a nulidade arguida, com todos os efeitos legais.

DO MEIO PRÓPRIO PARA APRECIAÇÃO DO PEDIDO DO AUTOR

VI) A sentença considera que a presente acção não é o meio próprio para apreciar o pedido do Autor. E isto porque: Não pode o A. com esta acção visar a “Substituição” do valor da indemnização já atribuída pelo Ministro, ou decorrente da demora no pagamento ou da depreciação da moeda, pois quanto a essa matéria competia ao A. recorrer contenciosamente através de um recurso contencioso de anulação do acto do Ministro que calculou o valor de indemnização em 2.715.831.504 contos, mais juros, no valor total de 3.013.419 contos (cf. factos provados em 5 e 8).
VII) O Tribunal a quo labora aqui num erro, já que o pedido do A., baseado nos factos que constituem a causa de pedir, nunca poderia ser apreciado e efectivado através do recurso de anulação do despacho do ministro que fixou originariamente o valor indemnizatório.
VIII) Na verdade. O Autor pede a condenação do Estado no pagamento de uma justa indemnização pela nacionalização, com base nos seguintes factos: (i) as normas observadas pelo Governo não tomaram em conta o real valor das acções; (ii) terem sido fixados, com base nas mesmas normas, períodos muitos longos de amortização; (iii) as taxas de juros aplicadas pelo diferimento do pagamento serem muito baixas e inferiores às taxas de inflação verificadas durante o período de amortização dos títulos.
IX) Na tese da A, pela conjugação deste três factores, as indemnizações arbitradas pelo Governo ofendem o princípio constitucional da justa indemnização.
X) Esta causa de pedir e este pedido, podem interpretar-se como o reconhecimento de um direito (visão do Autor) ou como o pedido de uma indemnização por responsabilidade extracontratual por acto lícito (visão que levou à atribuição da competência à jurisdição administrativa).
XI) Em qualquer destas visões, é evidente que, quer a causa de pedir, quer principalmente o pedido, não poderiam ser objecto de um recurso contencioso de anulação.
XII) Na verdade, nos acórdãos proferidos (cf. acórdão de 23 de Janeiro de 1988, em Apêndice ao DR, pág. 908 e 91; acórdão de 3 de Junho de 1990, no recurso nº26.288, da 1ª Secção, acórdão de 14.02.91, no recurso nº27.705 da 1ª Secção, BMJ nº404, p.267, acórdão de 05.05.92, no recurso nº26.215, acórdão do Tribunal Pleno de 25.11.92, Acórdãos Doutrinais nº396, pág. 1432) perfilhou o Supremo Tribunal Administrativo a seguinte orientação:
(i) Os conflitos gerados entre a Administração e os particulares, no respeitante à fixação dos valores indemnizatórios devidos pelas nacionalizações, só podem em definitivo ser dirimidos pelos Tribunais, por força do princípio constitucional que reserva aos Tribunais a função jurisdicional.
(ii) As Comissões Arbitrais criadas ao abrigo da Lei nº80/77 tinham de entender-se como autênticos Tribunais, com a independência que lhes é imanente.
(iii) Logo, o poder atribuído ao Ministro das Finanças que homologou ou não as decisões dessas Comissões, ofendia os artigos 205º e 206º da Constituição da República Portuguesa.
XIII) Assente, como não pode deixar de ser, que compete ao poder jurisdicional, decidir, em última instância, o conflito entre o Estado e os particulares titulares do direito à indemnização pelas nacionalizações, conforme alias é pacífico na doutrina e na jurisprudência citadas, o recurso contencioso de anulação do despacho do ministro das Finanças que fixou os valores indemnizatórios, constitui meio inidóneo para apreciar a pretensão do A..
XIV) Na verdade, a recorribilidade contenciosa do acto administrativo do Governo que fixa os valores indemnizatórios está muito longe de assegurar a garantia da plena jurisdicionalização do conflito substancial que opõe a Administração aos particulares, uma vez que tal recurso está circunscrito à legalidade do acto impugnado.
XV) É evidente que tal recurso não dá plena satisfação, nem sequer mínima satisfação, ao princípio da reserva aos Tribunais da função jurisdicional, na qual indiscutivelmente se inclui a resolução do conflito de interesses suscitado entre a Administração e os particulares a propósito da determinação do valor indemnizatório devido pelo acto de nacionalização.
XVI) Como afirma MARCELO REBELO DE SOUSA (cfr. Direito e Justiça, Vol. V, 1991, p.93), a mera recorribilidade contenciosa do acto administrativo que fixa o valor da indemnização, não assegura a plena jurisdicionalização da questão substancial, “pois o recurso contencioso de anulação está circunscrito à legalidade do acto e não pode apreciar a titularidade e conteúdo do direito que integra a relação material controvertida senão na exacta medida em que tal releva para o apuramento da legalidade do acto administrativo em causa.
XVII) Mesmo inexistindo qualquer preceito legal que expressamente conferisse aos particulares o direito de recurso aos Tribunais para a resolução desse conflito, é evidente que esse direito adjectivo é consequência directa do direito substantivo à indemnização resultante dos actos de nacionalizações, direito, aliás, reconhecido por todos os diplomas legais que determinaram as nacionalizações.
XVIII) Como dispõe o artigo 2º do Código de Processo Civil, a todo o direito …corresponde uma acção, destinada a fazê-lo reconhecer em juízo ou a realizá-lo coercivamente…..
XIX) Conclui-se, pois, eu decidiu mal a Sentença recorrida, ao considerar que não é pela presente acção que se pode discutir o valor da indemnização atribuído ao Autor/Recorrentes.
XX) Muito pelo contrário. É através deste processo que a causa de pedir e o pedido devem ser apreciados, decidindo-se qual o valor da indemnização devida ao A.

DA INSCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS RELATIVAS À DETERMINAÇÃO DO VALOR DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA POR ACTOS DE NACIONALIZAÇÃO

XXI) Tal como consta do facto 11 da matéria provada na Sentença recorrida, e tomando em conta as participações sociais de que o A. era titular (facto 1 da matéria provada), a essas participações corresponde o valor total de Esc. 10.591.271,986, valor reportado à data das nacionalizações das respectivas empresas.
XXII) O Governo, através do Ministério das Finanças atribuiu às mesmas participações o valor de Esc. 2.715.831,504 (facto 5 da matéria dada como provada), reportado à mesma data.
XXIII) Existe, pois, um enorme desfasamento entre o valor que o Governo atribuiu às participações sociais do Autor e os valores resultantes da mataria dada como provada no facto 11, constante de fls.1167 dos autos.
XXIV) Sucede, no entanto, que o Estado não pagou esse valor na data em que transferiu as empresas nacionalizadas do património dos seus accionistas para o seu património.
XXV) O valor indemnizatório fixado, por arredondamento, 3.013.419 contos, foi pago ao Autor através da entrega de 3.013.419 títulos da dívida pública, do valor nominal de 1000$00 cada, distribuídos pelas classes I a XII constantes no quadro anexo à Lei nº80/77, de 26 de Outubro, nas quantidades e vidas médias constantes dos factos provados em 8 e 9, constantes de fls.1166 dos autos.
XXVI) Resulta directamente dos elementos constantes no facto 12 da Sentença recorrida que o valor efectivo da indemnização que foi paga ao Autor corresponde a 5,2% do valor que deveria ter sido pago, tomando em conta o valor real das participações nacionalizadas em 1975 e a desvalorização decorrente dos longos prazos de amortização dos títulos da dívida pública com que o estado pagou e a taxa de juro paga pelo deferimento do pagamento.
XXVII) Este enorme desfasamento entre o valor a que o Autor/Recorrente se acha com direito e o valor que recebeu, resulta de dois factores:
– primeiro, a deficiente avaliação dos bens nacionalizados, como resultou demonstrado pelo facto provado em 11, a fls. 1167 dos autos; e,
– segundo, o facto de a Lei nº80/77 ter estabelecido prazos de amortização dos Títulos do Tesouro dados ao Autor, em cumprimento da obrigação de indemnizar de longo prazo (a quase totalidade são de classe XII com uma vida média de 16,5 anos) e taxas de juro anuais irrisórias, muito abaixo das próprias taxas de inflação (cfr. facto provado em 1\2, a fls. 1168 dos autos).
XXVIII) Note-se que o resultado a que se chegou no apuramento do valor efectivo recebido pelo Autor (5,2% do valor devido) está ainda calculado de modo extremamente favorável ao Estado, na medida em que, por uma questão de extrema prudência, a valia financeira dos títulos de indemnização recebidos pelo Autor foi apurada tomando como referência a taxa de juro dos Títulos entregues pelo Estado da Classe I (13%).
XXIX) Ora, esta taxa é ainda expoliatória, porque muito inferior às taxas normais em vigor durante o período em que os títulos foram amortizados (pagos) e até muito inferior às próprias taxas de inflação que o País conheceu durante o mesmo período.
XXX) Se, para calcular a valia financeira dos títulos com que o estado pagou a Indemnização tomássemos em consideração as taxas de inflação que o País teve durante o período de amortização, teríamos concluído que o Autor recebeu não mais do que cerca de 2,41% do valor devido. É este o resultado do apuramento a que chegou o prestigiado ANTÓNIO PINTO BARBOSA, Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, através do estudo técnico já junto pelos ora Recorrentes aos presentes autos, com as alegações de direito apresentadas em 20.12.2011.
XXXI) Por outro lado, analisada a questão numa perspectiva global, ou seja, para o universo das empresas nacionalizadas e tomando como padrão a taxa de juro das Obrigações da classe 1 (13%), a valia financeira dos Títulos do Tesouro dados em cumprimento aos titulares de empresas nacionalizadas é a constante do facto provado em 13, também constante a fls.1168 dos autos.
XXXII) Para os títulos da classe XII, que constituem 68,95% de todos os emitidos (cfr ainda o facto provado em 10, a fls. 1167), a sua valia efectiva é de apenas 9,92% do valor facial (facto provado em 13, a fls. 1168 dos autos).
XXXIII) Estes dados resultam directamente da matéria dada como provada nos presentes autos e que fazem parte integrante da Sentença recorrida.
XXXIV) É a partir desta base de facto que importa discutir a questão fulcral do processo, que é a de saber se as normas que conduziram àquela “indemnização” ofendem ou não os princípios Constitucionais.
XXXV) É, justamente, com base nos factos que o Tribunal deu como assentes que os ora Recorrentes sustentam a inconstitucionalidade das normas legais de cuja aplicação resultou o confisco perpetrado pelo Estado contra o Autor.
XXXVI) Mais concretamente, os Recorrentes argúem a inconstitucionalidade material dos artigos 18º, 19º e quadro anexo 21º, 24º e 28º da Lei nº80/77 de 26 de Outubro e dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei nº528/76, de 7 de Junho e artigos 1º a 8º do Decreto-Lei nº332/91, de 6 de Setembro.
XXXVII) Já que estas mesmas disposições legais – com base nas quais foi fixado o valor da indemnização atribuída ao Autor – violam gritantemente os princípios de apropriação pública e o direito de propriedade privada, consagrados, respectivamente, nos artigos 83º e 62º da Constituição da República Portuguesa, bem como os princípios do Estado de Direito consagrados nos artigos 2º, 17º e 18º da mesma Lei Fundamental.
XXXVIII) As mencionadas disposições legais violam ainda os princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa quanto ao direito internacional e a interpretação conforme a Declaração Universal dos Direitos do Homem, como ditam os artigos 8º e 16º, já que não resultam respeitados o direito de propriedade e o princípio da justa indemnização por nacionalizações, consagrados no Direito Internacional vinculativo para Portugal, como a Carta das Nações Unidas, os Pactos de 1966, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as Directivas do Banco Mundial de 1992, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (e designadamente o artigo 1º, nº1 do Primeiro Protocolo Adicional).
XXXIX) No entender dos Recorrente, as normas legais citadas conduziram à fixação das indemnizações em valores manifestamente desproporcionados, mesmo irrisórios, tendo em conta os valores reais das empresas objecto da nacionalização e a degradação do valor facial dos Títulos com que o Estado pagou os valores atribuídos às empresas.
XL) Por isso, deve ser declarada a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto nos preceitos constitucionais invocados, não restando outra solução do que revogar a sentença recorrida e substitui-la por outra que reconheça a inconstitucionalidade dos referidos preceitos.
XLI) Embora o Tribunal Constitucional não tenha assumido integralmente a posição que aqui sustentamos, a verdade é que da sua jurisprudência resulta a inconstitucionalidade das normas em causa, face à matéria de facto apurada.
XLII) Para o Tribunal Constitucional (vide Acórdão nº39/88, cuja doutrina tem sido mantida noutros arestos do mesmo Tribunal) das regras constitucionais conjugadas com os princípios próprios de um Estado de Direito decorre que a indemnização por nacionalização – distinta da indemnização por expropriação – deve ser justa, mas não tem que ser necessariamente prévia nem homogénea no tratamento de situações diferenciadas.
XLIII) Para o Tribunal Constitucional, a indemnização pode não ser plena, mas tem de ser razoável e não manifestamente desproporcionada.
XLIV) Como resulta da factualidade provada na presente acção e constante da Sentença recorrida, o diferimento no tempo do pagamento da indemnização, os juros compensatórios fixados por esse diferimento, e também a deficiente avaliação dos bens, decorrentes da apreciação dos preceitos legais arguidos de inconstitucionalidade, conduziram a que as indemnizações efectivamente pagas sejam manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados (expressão do Tribunal Constitucional).
XLV) A Sentença recorrida conclui que aqui não vale o princípio da indemnização total ou integral (“ full composition”). O artº82º basta-se com que se trate de uma indemnização razoável ou aceitável que cumpra as exigências mínimas de justiça que vão implicadas na ideia de Estado de Direito. E isso conseguem-no os critérios legalmente fixados.
XLVI) Admitindo, como expressamente refere a Sentença recorrida, que a atribuição da indemnização terá que assentar em critérios de razoabilidade, de equidade, a sentença engana-se, aliás de forma chocante, quando subsume os factos apurados no processo a esse critério.
XLVII) A sentença, afinal, diz algo que exprime bem a incoerência dos seus fundamentos. Por um lado, julga provada a factualidade alegada pelo Autor, nomeadamente a constante dos nº1, 5, 9, 10, 11, 12 e 13 dos factos provados (cf. fls. 1164 a 1168), da qual resulta que ao A. foi atribuída uma indemnização correspondente a 5,2% do valor dos bens nacionalizados (facto nº12); por outro, considera que esta indemnização corresponde a uma “equitativa e razoável compensação”. – realçado e sublinhado nossos.
XLVIII) O Autor não pede que a fixação se faça por um critério que reponha integralmente o seu património. Nem de perto, nem de longe, é esse o seu pedido.
XLIX) Limita-se, antes, a pedir:
i) que o valor a atribuir às participações de que o Autor foi desapossado seja o valor dado como provado pelo Tribunal no facto 11 (fls. 1167);
ii) que esse valor, devido no momento em que se operou a transferência dos bens para o Estado, seja actualizado pelo coeficiente fixado pelo próprio Estado nas portarias anuais do Ministério das Finanças, coeficiente que não cobre, sequer, a inflação.
L) A questão que se coloca ao Tribunal, mesmo admitindo a visão restritíssima do Tribunal Constitucional, expressa no Acórdão 39/88 é a de decidir se o que o Autor recebeu, no máximo dos máximos 5,2% do valor dos bens de que foi expropriado, constitui ou não uma indemnização manifestamente desproporcionada à perda dos bens (cfr. o referido aresto).
LI) No caso concreto do Autor, devido à aplicação das normas legais arguidas de inconstitucionalidade, o Estado arbitrou-lhe uma indemnização que, efectivamente, não ultrapassa 5,2% do valor das participações sociais de que aquele era titular, ou, mais precisamente, não chega a 2,5% do valor efectivo correspondente à perda das suas participações.
LII) Assim, por aplicação da doutrina expressa pelo Tribunal Constitucional, os critérios legais que conduziram a esse resultado ofendem os princípios constitucionais sobre as indemnizações, visto que, nas palavras do Acórdão nº39/88, conduziram ao pagamento de indemnizações – manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados.
LIII) Há que concluir, pois, que os critérios estabelecidos na lei ordinária que conduziram a esse resultado indemnizatório, ofendem os princípios constitucionais da “justa indemnização” e da própria concepção do Estado de Direito.
LIV) Estão designadamente feridos de inconstitucionalidade material, os dispositivos que fixaram o pagamento das indemnizações através de dação em cumprimento com Obrigações do Tesouro amortizáveis a longo prazo e com taxas de juros muito inferiores às próprias taxas da inflação verificadas (artº18º, 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei nº80/77 e, bem assim os artigos 1º a 6º do Decreto-Lei nº528/76 de 7 de Julho e ainda os artigos 6º a 8º do Decreto-Lei nº332/91, de 6 de Setembro), na medida em que impuseram critérios que conduziram a indemnizações manifestamente desproporcionadas ao valor dos bens nacionalizados.
LV) Em consequência, não poderá o Tribunal ad quem acolher a Sentença recorrida, julgando, antes, que nos presentes autos terão os Recorrentes direito a uma indemnização justa, que compense, de modo razoável e proporcional, a transferência das participações sociais de que o Autor era titular para o património do Estado.
LVI) Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas suprirão, deverá a Sentença recorrida ser declarada nula, por excesso de pronúncia, ao abrigo da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
LVII) Deve, em qualquer caso, o presente recurso proceder, devendo a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo a inconstitucionalidade das normas que fixam os critérios de indemnização objecto dos presentes autos, condene o Estado Português a pagar a indemnização peticionada.
*

Contra-alegou o recorrido, CONCLUINDO assim:

1- Diversamente do alegado pelos recorrentes, entendemos que a douta decisão do tribunal a quo não padece de qualquer nulidade, maxime, a que ora invocam em sede de recurso;
2- Na verdade, a decisão em análise limitou-se a fazer uso dos poderes que lhe advêm do artigo 644º do Código de Processo Civil, isto é, a decisão limitou-se a interpretar e a aplicar as regras de direito, servindo-se dos factos articulados pelas parte e unicamente destes.
3- Respeitando o princípio do dispositivo – artº264º do Código de Processo Civil – na determinação do direito a lei não subordina o juiz ao ponto de vista de qualquer dos litigantes:” (…) não a subordina mesmo à opinião de ambas as partes, quando elas estejam de acordo em qualquer questão de direito. A colaboração das partes é desejável, porque pode esclarecer o julgador; mas não o vincula. A sua liberdade de apreciação e de juízo paira sempre acima das doutrinas, pareceres e teses sustentadas pelas partes”- Professor Alberto dos Reis, Código de processo Civil, anotado, volume V, pág. 94, 95, Coimbra Editora, reimpressão.
4- Muito bem alicerçada em doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional sobre a não inconstitucionalidade das mormas sobre indemnizações pagas pelas nacionalizações, a douta sentença recorrida fez também correcta aplicação do direito ao decidir da inexistência de supostas inconstitucionalidades alegadas pelo A. – (cfr. a citada na sentença, bem como no Parecer Jurídico do Professor Antunes Varela sobre matéria das indemnizações pelas nacionalizações e o Parecer do Professor Luís Campos e Cunha sobre a mesma matéria (aspectos económicos), juntos a fls. 917 a 1035 dos autos (doc. nº1 e nº2, juntos pelo Réu Estado).
Não merece, pois, qualquer censura, pelo que se nos afigura que deverá ser confirmada na sua totalidade e rejeitado o presente recurso.
*

Por despacho de fls. 1390, foi a sentença mantida pelo Mmo.juiz a quo.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
*

II- OS FACTOS

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

1. O A. era titular de acções representativas do capital social das seguintes empresas, nas quantidades igualmente referidas:
EMPRESAS
Nº DE ACÇÕES
D………
174031
………
907
………
44
………
136
………
288
………
63
C………
5072
………
94
B………
145

2. Todas essas empresas vieram a ser nacionalizadas através dos seguintes diplomas legais: Dec-Lei nº221-A/75, de 09 de Maio, Dec-Lei nº 205-G/75, de 16 de Abril; Dec-Lei nº 135-A/75, de 15 de Março; Dec-Lei nº205-C/75, de 16 de Abril; Dec-Lei nº 221-B/75, de 9 de Maio; Dec-Lei nº 132-A/75, de 14 de Março; Dec-Lei nº 132-A/75, de 14 de Março; Dec-Lei nº 205-A/75, de 16 de Abril; Dec-Lei nº 205-F/7S, de 16 de Abril.
3. Foram requeridas pelos interessados comissões arbitrais em cerca de meia centena de empresas nacionalizadas, que procederam às respectivas avaliações e fixaram os valores indemnizatórios correspondentes.
4. Na prática, o Governo recusou a homologação das decisões proferidas pelas comissões arbitrais, sempre que estas fixaram valores superiores aos determinados pela Administração ao abrigo do artigo 24º do Dec-Lei nº 51/86.
5. O Ministro das Finanças, nos termos do citado Dec-Lei nº332/91, de 6 de Setembro, fixou unilateralmente às acções de que o A. era titular os seguintes valores:



EMPRESA
DATA
ACÇÕES
INDEM. POR ACÇÃO
VALOR ATRIBUÍDO
D………
09.05.1975
174031
15498,5
escudos
2 697 219,454 contos
……….
16.04.1975
907
377,5
342,393
………
15.03.1975
136
5273,5
717,196
………
15.04.1975
44
6285
276,540
………
09.05.1975
288
8828
2542,464
………
14.03.1975
63
5049
318,07
C………
14.03.1975
5072
2467
12 512,624
………
14.04.1975
94
6893,5
647,989
B……...
16.04.1975
145
8653,5
1 254,758


6. Anteriormente a esta fixação dos valores das referidas acções pelo Ministro das Finanças foram fixados outros valores e foram sendo entregues ao A., em diversas datas, obrigações do Tesouro em quantidades várias, em pagamento das indemnizações que foram sendo fixadas ao longo dos anos.
7. Os valores atribuídos pelo Governo até ao presente, às acções de que o Autor era titular, reportados à data das nacionalizações, totalizaram 2.715.831.504$00, quantia acrescida de “juros capitalizados” de 313.249.792$00 e deduzida do ISCD, no montante de 15.662.490$00.
8. Foi apurado o chamado “valor da indemnização”, no total arredondado de 3.013.419 contos, a que correspondeu a entrega de 3.013.014 títulos, distribuídos pelas classes I a XII e com rendimento a taxas entre 13% e 2,5%.
9. Os títulos de indemnização emitidos globalmente para todos os accionistas de empresas nacionalizadas até 31 de Dezembro de 1994, tiveram a distribuição (pelas classes previstas no artº 190 e quadro anexo da Lei 80/77, de 26 de Outubro), constante do seguinte quadro:

CLASSES
QUANTIDADES DE OBRIGAÇÕES
I
16 830 261
II
4 091 670
III
4 521 735
IV
4 841 395
V
4 915 050
VI
4 829 116
VII
4 628 088
VIII
4 421 873
IX
4 179 472
X
3 858 759
XI
3 558 627
XII
134 716 930
TOTAL
195 388 976

10. A valia financeira das obrigações aludidas no artigo antecedente, considerando os diferentes prazos de amortização e a taxa de juro das mesmas e tomando como referência as Obrigações da Classe I, é a que consta do seguinte quadro:
CLASSE
(1)
QUANT.TÍTULOS
(2)
ESTRUTURA P/CLASSES
(3)
VALIA FINANC.
(4)
VALOR EFE.
(5)=(2)X(4)
I
16.830.261
8,61%
100,0%
16 830 261
II
4091.670
2,09%
99,1%
4.055.588
III
4521.735
2,31%
97,1%
4.391.292
IV
4.841.395
2,48%
94,3%
4.565.297
V
4.915.050
2,52%
89,0%
4.376.404
VI
4.829.116
2,47%
81,7%
3.946.612
VII
4.628.088
2,37%
76,1%
3.522.724
VIII
4.421.873
2,26%
64,6%
2.858.183
IX
4.179.472
2,14%
49,4%
2.064.341
X
3.854.759
1,97%
37,1%
1.439.519
XI
3.558.627
1,82%
23,8%
846.337
XII
134.716.930
68,95%
20,0%
26.950.799
195.388.976
100,00%
75.838.319
%
100,00%
38,814%

11. O valor das acções do Autor, à data das nacionalizações era o que a seguir se reproduz:

EMPRESA
Nº ACÇÕES
AVAL. ACÇÃO $
AVALIADOR
VALOR REAVAL. $
D………
174031
60366,1
C. ARBITRAL
10.505.572.749
………
902
377,5
NÃO AVALIADA
342.393
………
136
5273,5
NÃO AVALIADA
713.196
………
44
6285,0
NÃO AVALIADA
276.540
………
288
8828,0
NÃO AVALIADA
2.542.464
………
63
7054,8
C. ARBITRAL
444.452
C………
5072
15623,2
C. ARBITRAL
79.240.870
………
94
6893,3
NÃO AVALIADA
647.970
B………
145
10257,6
C. ARBITRAL
1.487.352
TOTAL
10.591.271.986


12. O valor real e efectivo, em termos financeiros, das indemnizações arbitradas pelo Governo ao A., reportado à data da nacionalização, é o que se reproduz:


CLASSES
(1)
VIDA MÉDIA
(2)
TAXA
(3)
TÍTULOS DE 1000$
(4)
VALIA FIN.
(5)
VALOR EFECTIVO
(6)=(5)X(4)
I
5
13,00%
50
100,00%
50
contos
II
5
12,80%
75
99,12%
74
contos
III
5,5
12,40%
125
97,11%
121
IV
5,5
11,80%
200
94,30%
189
V
6,5
11,00%
300
89,04%
267
VI
7,5
10,00%
425
81,73%
347
VII
9,5
9,80%
575
76,12%
438
VIII
10,5
8,40%
750
64,64%
485
IX
12,5
6,80%
950
49,39%
469
X
13,5
5,00%
1175
37,11%
436
XI
15,5
3,00%
1425
23,78%
339
XII
16,5
2,50%
3007369
20,01%
601639
TOTAIS EM CONTOS
3.013.419
604.855
“Juros capitalizados”
297.588
59.732
TOTAL LÍQUIDO
2.715.831
545.123
Valia financeira
20,07%
Valia Nominal
25,64%
Valia efectiva
5,2%


13. Conjugando para o universo global das empresas nacionalizadas, a menos valia resultante da deficiente avaliação do Governo relativamente à avaliação das Comissões Arbitrais (49,61%), com a menos valia financeira resultante da taxa de juro média dos títulos, obtém-se o quadro seguinte:

CLASSES
(1)
PAGO POR CAPITAL %
(2)
VALIA FINANC.
(%classes I)(3)
VALOR EFECTIVO%
(por 100%) (4)=(2)x(3)
I
49,61%
100,00%
49,61%
II
49,61%
99,12%
49,17%
III
49,61%
97,11%
48,18%
IV
49,61%
94,30%
46,78%
V
49,61%
89,04%
44,17%
VI
49,61%
81,73%
40,54%
VII
49,61%
76,12%
37,76%
VIII
49,61%
64,64%
32,07%
IX
49,61%
49,39%
24,50%
X
49,61%
37,11%
18,41%
XI
49,61%
23,78%
11,80%
XII
49,61%
20,01%
9,92%


14. O grupo de empresas liderado pelo A. era um dos maiores grupos industrial e financeiro nacionais, de prestígio internacional, com uma gestão de valor e eficácia.
15. No campo cimenteiro, o grupo detinha fábricas com a mais moderna tecnologia e produzia a custos e preços altamente competitivos à escala europeia e mundial, o que permitiu a manutenção de preços no consumidor que se mantiveram inalterados durante dezenas de anos, não obstante a inflação verificada no País.
16. A B………, criada pelo A., foi concebida e implantada de tal modo que, à data da nacionalização, era uma das unidades europeias com melhor produtividade, praticando custos e preços competitivos no âmbito da CECA.
17. O C……… era também um dos maiores e eficientes bancos do nosso sistema financeiro, que liderava o processo de modernização do sector e caminhava para a internacionalização dos seus negócios.
18. Em termos reais, o Grupo vinha crescendo nos anos anteriores às nacionalizações, a uma taxa media real de 19% ao ano.
19. O Autor era accionista maioritário da “D………”.
*

II- O DIREITO

1. Quanto à nulidade da sentença – conclusões I a V das alegações de recurso:

Segundo o Recorrente, a sentença recorrida está ferida de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do nº1, alínea d), 2ª parte, do artigo 688º do Código de Processo Civil, uma vez que conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, já que o Tribunal a quo apreciou a pretensão do Autor com base nos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por acto ilícito, quando a presente acção nem sequer foi configurada como uma acção de responsabilidade civil extracontratual, mas a sê-lo seria sempre de responsabilidade civil extracontratual por facto lícito, como, de resto, o entendeu o Réu, já que o Autor nunca alegou qualquer factualidade concernente a uma eventual actuação ilícita deste. Não podia, pois, a sentença recorrida pronunciar-se acerca da referida actuação ilícita do Estado Português, muito menos decidir, exclusivamente, com base nela.

O Réu, nas suas contra-alegações pronunciou-se pela improcedência da arguida nulidade, porquanto a sentença se limitou a fazer uso dos poderes do artº664º do CPC, isto é, limitou-se a interpretar e a aplicar as regras do direito, servindo-se dos factos articulados pelas partes.

Vejamos:

Ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia, quando o juiz «…conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» (cf. artº668, nº1, d), segundo segmento, do CPC).
Este preceito deve ser conjugado com o artº660, nº2 do CPC, que determina que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela decisão dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.» (negrito nosso).

Ora, como o próprio Autor reconhece nas suas alegações de recurso e passamos a citar, «(…) O pedido do Autor quando intentou a acção perante as instâncias cíveis foi o de condenação do Estado a pagar a diferença entre o valor atribuído às acções do A. em empresas nacionalizadas pelo Governo e o valor atribuído às mesmas acções pelas Comissões Arbitrais, acrescidas do saldo entre esse valor, actualizado à taxa de juro implícita no coeficiente de correcção monetária estabelecido pelo Governo e os valores que o Autor tivesse recebido e viesse a receber do Estado, também actualizados financeiramente.
A causa de pedir para a formulação deste pedido foi apenas e só o facto de o valor atribuído pelo Estado (através do ministro das Finanças) ao A., a título de compensação pelas nacionalizações das empresas em que tinha participação, ofender o princípio constitucional da justa indemnização, e isto por as normas em que o ministro se baseou para a fixação desses valores estarem feridas de inconstitucionalidade material.
Ou seja, o Autor pôs em causa nesta acção normas atentatórias da CRP, quer porque permitiam a usurpação das funções jurisdicionais por parte da Administração, quer porque impediam o recebimento da justa indemnização alegada nos autos. (…)»

E foi sobre essas concretas questões de inconstitucionalidade das normas legais ao abrigo das quais foi fixada a indemnização aqui em causa pelo Ministro das Finanças, que o Tribunal a quo se pronunciou na sentença recorrida, concluindo pela sua improcedência.

Portanto, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questões de que, nos termos do citado artº660º, nº2 do CPC, não só podia, mas devia conhecer.

Quanto à constatação que o tribunal a quo faz na fundamentação da sentença recorrida de que «Face à causa de pedir, seguiu a acção como visando através dela efectivar-se a responsabilidade civil do R. por acto ilícito decorrente da nacionalização, nomeadamente pelo facto de o valor da indemnização atribuída ao A. ser um acto ilícito, porque se baseou em normas de que o A reputa de inconstitucionais e ofensivas do seu direito a uma justa indemnização.», também não consubstancia qualquer excesso de pronúncia.
Aliás, o acórdão do Tribunal de Conflitos proferido a fls. 411/415, declarou «…competente o foro administrativo para conhecer do litígio (CRP – 214 e ETF-3 e 4), por se tratar de responsabilidade civil extracontratual do Estado (por prejuízos infligidos ao proprietário dos bens nacionalizados, sendo competentes os Tribunais Administrativos de Círculo (ETAF-51-1, f), h) e j).» e na sequência desse acórdão, veio a ser proferido o despacho saneador de fls. 460, onde, previamente, se consignou que «Porque se trata de uma acção sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado, a mesma segue os termos do processo civil de declaração, na sua forma ordinária (artº72º, nº2 da LPTA).»
Portanto, era já um dado adquirido no processo, que estamos perante uma acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado.

E o facto de o tribunal a quo ter qualificado, expressamente na sentença recorrida, tal responsabilidade como responsabilidade por facto ilícito, não constitui, como é óbvio, qualquer excesso de pronúncia sobre questão de que o tribunal não pudesse conhecer, uma vez que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como bem observa o Recorrido e resulta do artº664º do CPC. Se essa pronúncia é correcta, ou não, é outra questão que se prende já com eventual erro de julgamento, não com a validade formal da sentença.

Improcede, pois, a arguida nulidade.

2. No que respeita ao meio próprio para apreciação do pedido do Autor:- conclusões VI a XX das alegações de recurso.

2.1. Segundo o Autor a sentença recorrida padece de erro no julgamento ao considerar que « Não pode o Autor, com a presente acção, visar a “substituição” do valor da indemnização já atribuída pelo Ministro, ou decorrente da demora no pagamento ou da depreciação da moeda, pois quanto a essa matéria competia ao A. recorrer contenciosamente através de um recurso contencioso de anulação do acto do Ministro que calculou o valor de indemnização em 2.715.831.504 contos, mais juros, no valor total de 3.013.419 contos ( factos provados em 5 e 8)».

Entende o Autor, em síntese, que o pedido que formulou, baseado nos factos que constituem a causa de pedir, nunca poderia ser apreciado e efectivado através do recurso contencioso de anulação do despacho do ministro que fixou, originariamente, o valor indemnizatório, porque esse é um recurso de mera legalidade e não de jurisdição plena, pelo que nunca poderia o tribunal, no âmbito desse recurso, condenar o Estado a pagar ao Autor o valor da indemnização aqui peticionado e que considera devido.

Vejamos, primeiro, o que, de facto, consta da sentença recorrida a este respeito.

Ora, a este propósito, o que se refere na sentença é que e passamos a citar: «…esta acção, face ao meio utilizado, não é idónea a através dela se impugnar, directamente, o acto do Ministro que fixou o valor das acções que o A. era titular (referido no nº5 dos factos assentes). Através desta acção o A. não pode pretender impugnar aquele acto – o que teria de ter feito através do competente recurso contencioso de anulação, dentro do prazo para tal. Não pode o Autor, com esta acção visar a “substituição” do valor da indemnização já atribuída pelo Ministro, ou decorrente da demora no pagamento da depreciação da moeda, pois quanto a essa matéria competia ao A. recorrer contenciosamente através de um recurso contencioso de anulação do acto do Ministro que calculou o valor da indemnização em 2.715.831.504 contos, mais juros, no valor total de 3.013.419 contos (cf. factos provados em 5 e 8).
Neste ponto, remete-se para a jurisprudência superior que em diversos arestos considerou que em sede de fixação de indemnização por nacionalizações cabe em primeira linha ao Governo – Administração a fixação do quantum indemnizatório, de acordo com o regime da Lei nº80/77, de 26.10, no DL 213/79, de 14.07, no DL 343/80, de 02.09, na Lei 36/91, de 31.08 e no DL nº332/91, podendo depois o visado, querendo, recorrer contenciosamente dessa fixação, impugnando o respectivo despacho, através do competente recurso contencioso de anulação. Aquela fixação e a possibilidade de recurso afasta depois o uso da acção de responsabilidade civil como forma de se fixar a indicada indemnização – cf. Acs…..
Em suma, haverá apenas que averiguar nesta acção se o R. é responsável pelo pagamento ao A. de uma indemnização por acto ilícito decorrente da nacionalização

Se bem que a sentença recorrida não seja muito esclarecedora a este respeito, limitando-se praticamente a remeter para a jurisprudência deste STA, parece, no entanto, absolutamente claro que a mesma não afasta, antes afirma, a possibilidade de, através desta acção, o A. poder ser indemnizado pelos danos que lhe causou o acto, alegadamente ilícito, do Ministro das Finanças que lhe fixou a indemnização aqui em causa.
O que a sentença afasta, de todo, é a possibilidade de, através desta acção, o A. impugnar, directamente, como nela expressamente se refere, o referido acto do Ministro das Finanças, com vista à sua anulação e “substituição” por outro do valor pretendido pelo A., pois, como diz, tal anulação só seria possível através do competente recurso contencioso de anulação, a interpor no prazo previsto na lei.
E nada há a censurar nesta pronúncia.
De facto, na vigência da LPTA, diploma em vigor à data da instauração desta acção (1995), a anulação de actos administrativos, como é o caso do referido acto do Ministro das Finanças que fixou a indemnização ao Autor e a sua substituição por outro expurgado das ilegalidades geradoras dessa anulação, só podia ser efectivada, através do recurso contencioso de anulação e, sendo caso, da subsequente execução do julgado anulatório, tal como previsto no artº6º do ETAF/84, nos artº24º e segs., 95º e 96º da LPTA e ainda nos artº5º segs. do DL 256-A/77, de 17.06.

2.2. O Autor tenta justificar a não impugnação oportuna do referido acto do Ministro das Finanças, com o facto de o recurso contencioso de anulação desse acto ser um recurso de mera legalidade e, portanto, o Autor não poderia, através dele, satisfazer plenamente a sua pretensão, visto que tal recurso apenas poderia conduzir à anulação do acto impugnado caso fosse julgado procedente e não à prática do acto legalmente devido e, portanto, à condenação do Estado na indemnização que aqui peticiona.

Diga-se que o Autor tem razão ao qualificar o recurso contencioso de anulação como de mera legalidade.
Era a própria lei que assim o qualificava.
Com efeito, nos termos do atrás citado artº6º do ETAF/84, «Salvo disposição em contrário, os recursos contenciosos são de mera legalidade e têm por objecto a declaração da invalidade ou anulação dos actos recorridos

No entanto e como é por demais sabido e foi expressa e detalhadamente demonstrado no ac. TC nº 452/95, de 06.07.1995, em que se suscitava idêntica questão, a limitação dos poderes do juiz no contencioso de anulação, na vigência da LPTA, já era, no essencial, suprida, através do processo de execução de julgado das sentenças anulatórias previsto nos artº95º e 96º da LPTA e nos artº. 5º e segs. do DL DL 256-A/77 de 17.06, processo cuja primeira fase era de natureza declarativa, devendo o tribunal especificar os actos e operações em que a execução da sentença anulatória deveria consistir e o prazo em que deveriam ter lugar, declarando nulos os actos praticados em desconformidade com a sentença e anulando aqueles que tivessem sido praticados com invocação ou ao abrigo de causa legítima de inexecução não reconhecida (cf. artº 9º, nº2 do citado DL), o que, de acordo com a jurisprudência e doutrina pacíficas, tinha por objectivo a reconstituição da situação actual hipotética do exequente que existiria caso o acto anulado não tivesse sido praticado, reconstituição que poderia passar pela prática de um novo acto expurgado das ilegalidades que fundamentaram a anulação.
Isto sem prejuízo, dos demais meios processuais do contencioso administrativo, de plena jurisdição, como é o caso das acções previstas nos artº69º e segs. da LPTA que, em conjunto com o recurso contencioso de anulação e na interpretação que o STA já vinha fazendo de todos estes meios processuais em conformidade com a CRP após a revisão de 1989, asseguravam já, neste campo, uma tutela judicial adequada e efectiva.
Por isso e como concluiu aquele acórdão do TC, «…não são inconstitucionais as normas dos artº8º,nº2 e 9º,nº8 do DL 332/91, na medida em que não prevêem um recurso contencioso de plena jurisdição para o STA do despacho do Ministro das Finanças que determina o montante da indemnização por nacionalização

Mas, está fora de dúvida que o Autor, na presente acção, não veio impugnar, directamente, o referido acto administrativo do Ministro das Finanças que lhe fixou o valor da indemnização por nacionalização, nem pede a sua anulação. O próprio Autor o afirma.
Como também é fora de dúvida que o Autor não questiona e até reconhece expressamente a licitude dos actos de nacionalização das empresas onde detinha acções em 1975 (constantes dos DL nº. 221-A/75, de 09.05, DL nº205-G/75, de 16.04, DL nº135-A/75, de 15.03, DL nº205-C/75, de 16.04, DL nº 221-B/75, de 09.05, DL nº 132-A/75, de 14.03, DL nº 132-A/75, de 14.03, DL nº 205-A/75, de 16.04 e DL nº 205-F/75, de 16.04).
Aliás, ninguém questiona nos autos que a indemnização devida em virtude de nacionalização é uma indemnização devida por facto lícito.

O que o Autor pede na petição inicial é, afinal, a condenação do Estado a pagar-lhe a diferença entre a indemnização a que julga ter constitucionalmente direito em virtude das referidas nacionalizações e a indemnização que lhe foi fixada pelo Ministro das Finanças, por considerar que o foi ao abrigo de normas legais inconstitucionais, que conduziram a um valor inferior ao devido.

Ora, como já se referiu supra em 1, face a tal pedido e causa de pedir, quer o Tribunal de Conflitos, quer o tribunal a quo no saneador e agora na sentença recorrida consideraram tratar-se, de uma acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado por acto de gestão pública - o referido acto de fixação da indemnização pelo Ministro das Finanças, por isso, que foi declarada pelo Tribunal de Conflitos, a competência da jurisdição administrativa para conhecer da acção.
E tendo em conta a causa de pedir invocada pelo Autor, que se fundamenta no facto daquele acto administrativo ter sido praticado ao abrigo de normas legais inconstitucionais e, portanto, numa pretensa ilegalidade desse acto, derivada da alegada inconstitucionalidade das normas ao abrigo das quais o mesmo foi praticado, não nos merece também qualquer reparo a qualificação efectuada pela sentença recorrida de que o que se pretende efectivar nesta acção é a responsabilidade civil extracontratual do Estado por acto ilícito (o acto administrativo de fixação da indemnização devida por nacionalização) e não por facto lícito (o próprio acto de nacionalização).
Evidentemente que o tribunal a quo não conheceu da ilicitude do acto para o anular, pois, como já referimos, não estamos aqui em sede de recurso contencioso de anulação, mas sim e apenas para efeitos de eventual indemnização do Autor pelos danos que esse acto alegadamente lhe causou (como lhe permitia o artº7º do DL 48051, de 21.11.1967).

Portanto, não ocorre o pretendido erro de julgamento.

3. Quanto à inconstitucionalidade das normas relativas à determinação do valor da indemnização devida por actos de nacionalização: - conclusões XXI a LVII das alegações de recurso:

3.1. Tal como se refere na sentença recorrida, a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito depende da verificação dos seguintes pressupostos – o facto ilicíto, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, pressupostos que são de verificação cumulativa.

A sentença julgou a presente acção improcedente por ter considerado que falecia, desde logo, o pressuposto da ilicitude, ou seja, a pretendida inconstitucionalidade das normas legais ao abrigo das quais o acto do Ministro das Finanças que fixara ao Autor a questionada indemnização por nacionalização fora praticado.

Recordemos que o Autor, na petição inicial, alegara, a este propósito, que:
- o artº 16, nº6 da Lei nº80/77, na redacção dada pelo DL 343/80 ratificado pela Lei nº 36/81 e o 24º do DL nº 51/86 de, enquanto atribuem ao Ministro das Finanças poderes de homologação, ou não, das decisões proferidas pelas Comissões Arbitrais sobre as indemnizações devidas aos ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados são materialmente inconstitucionais por violação dos artº 114º, 205 e 206º da CRP. e que o DL 332/91, de 06.09, ao revogar o DL 51/86, extinguindo as Comissões Arbitrais (cf. seu artº12º) e ao atribuir no seu artº8º o poder ao Ministro das Finanças de fixar, em definitivo, o valor da indemnização por nacionalização é também inconstitucional por usurpação da função jurisdicional;
- os critérios do cálculo da indemnização por nacionalização previstos nos artº 1º a 6º do DL 528/76, de 07.07 e os artº1º a 8º DL, forma de pagamento, prazos de amortização e taxas de juro remuneratório, previstos na Lei nº 80/77, bem como no DL 332/91, são também inconstitucionais por violarem o princípio da justa indemnização previsto no artº62º, nº2 da CRP e os princípios que são essenciais num Estado de Direito, como são o da igualdade e da proporcionalidade, como exigência do princípio da justiça.

A sentença recorrida apreciando as inconstitucionalidades arguidas concluiu pela sua improcedência:
- no que respeita à invocada inconstitucionalidade dos artº16º, nº6 da Lei 80/77 e artº24º do DL 51/86, a sentença considerou que «…não se verifica qualquer usurpação de funções por o quantum da indemnização em apreço ter de ser fixada em primeira linha pelo Ministro das Finanças, certa que está a possibilidade de recurso contencioso de anulação para o STA. Neste sentido, o Ac. TC nº39/88, de 09.02.1988, não foi declarada a inconstitucionalidade dos artº 16º, 20º, e 21º da Lei nº80/77, de 26.10, dos artº 3º e 4º do Decreto Lei nº 528/76, de 07.07 (in Colectânea de Acórdãos do TC 11º vol. 1988).(…)»;
- no que respeita à invocada inconstitucionalidade das normas legais ao abrigo das quais a indemnização aqui em causa foi fixada (artº 1º a 8º do DL 332/91, artº1º a 6º do DL 528/76, e artº18º, 19º e quadro anexo, 21º e 24º da Lei nº80/77) considerou o seguinte:
« (…)
Quanto à ilegalidade derivada da invocada fixação de uma indemnização irrisória, cita-se aqui o Ac. nº39/88, do TC, de 09.02.1988 ( in Colectânea de Acórdãos do TC, 11º vol., 1988), no qual se entendeu o seguinte: «Os critérios, que se deixam apontados para determinar o valor das acções e partes de capital, com vista a fixação dos valores definitivos das indemnizações, não violam o princípio do direito à indemnização tal como atrás se deixou definido.
Na verdade, os valores resultantes da aplicação dos critérios legais, não resultarão em valores irrisórios, nem manifestamente desproporcionados ao valor dos bens nacionalizados: toma-se em conta como se viu o valor real (contabilístico), com o factor de ponderação 0,85, e o valor de cotação (ou rendibilidade), com o factor de ponderação 0,15.
É certo que o valor de cotação (ou de rendibilidade) dos títulos nacionalizados se apura tomando por base um período de tempo muito longo (os dez anos anteriores à nacionalização - de 1 de Janeiro de 1964 a 24 de Abril de 1974) e que, na sua parte final, foi um período de inflação significativa. Ora, o princípio da justa indemnização - dir-se-á - reclamava se adoptasse um período de avaliação mais curto, para reduzir ao mínimo os efeitos da desvalorização da moeda. E poderia acrescentar-se: e reclamava também que, na determinação dos montantes das indemnizações a pagar, se tomasse em consideração o valor do "aviamento" das empresas.
Só que - já se disse atrás - aqui não vale o princípio da indemnização total ou integral ("full composition"). O artigo 82° basta-se com que se trate de uma indemnização razoável ou aceitável que cumpra as exigências mínimas de justiça que vão implicadas na ideia de Estado de Direito. E isso conseguem-no os critérios legalmente fixados. Tanto mais que, embora para apurar o valor de cotação se tome por base um período relativamente longo (10 anos), o certo e que, como é notório, no último troço desse período, as cotações na Bolsa subiram em termos bastante superiores ao das taxas de inflação.
Carlos Ferreira de Almeida (Direito Económico, I Parte, Lisboa, s/d, p. 106), depois de referir que "a doutrina dominante defende que a indemnização deve ser 'adequada e efectiva' ou, noutra formulação, 'integral'" (cf. informação divergente de G. Arinõ Ortiz), acrescenta:
"O sentido quase sempre ideológico e até punitivo, que enquadra as nacionalizações e as dificuldades financeiras do Estado, pois que, em regra, é em período de crise que as nacionalizações têm lugar - determinam um maior realismo, admitindo-se como aceitável a indemnização desde que seja 'equitativa' ou correspondente a uma 'razoável compensação'".
José Simões Patrício (loc. cit.), - ao mesmo tempo que qualifica de diploma inconstitucional o Decreto-Lei n° 31/80, que estabeleceu condições especiais para as indemnizações a pagar a estrangeiros (cf. p. 324 e 327) -, do ponto de vista constitucional não censura os critérios estabelecidos na lei (cf. também Luís S. Cabral de Moncada, loc. cit.)
Dir-se-á também que se viola o princípio da justa indemnização, quando se manda tomar em conta na determinação do valor dos direitos a indemnizar factos posteriores à data da nacionalização.
Este argumento é, no entanto, inconsistente, uma vez que esses factos só são posteriores ao fecho dos balanços da data da nacionalização. São, porém, anteriores a esta, na medida em que são factos que respeitam à "anterior actividade da empresa", com reflexo na respectiva contabilidade, como claramente se diz no artigo 2°, n° 3, do Decreto-Lei n° 528/76
Após o acórdão do TC nº39/88, de 09.02.1988, em sucessivos acórdãos do TC de forma uniforme (apesar dos votos de vencido) tem considerado que as diversas normas legais sobre esta matéria relativa ao quantum indemnizatório não ofendem os princípios da justa indemnização, o direito de propriedade ou o Estado de Direito. Neste sentido remete-se para o Ac. TC nº417/91, de 06.07.1995, in DR 2ª série, n~269, de 21.11.1995, que não declarou inconstitucional nenhuma norma do Decreto Lei nº332/91, de 06.09, a saber os artº 1º a 7º e 8º a 11º desse diploma. Igualmente, o Ac. do TC nº 148/2004, de 10.03.2004 (in DR II série, de 28.05.2004), pronunciou-se sobre a matéria e não declarou a inconstitucionalidade dos artigos 1º a 6º do Decreto Lei nº528/76, de 07.07, 1º a 8º do Decreto Lei nº 332/91, de 06.09 e artº18º, 19º, quadro anexo, 21º e 24º da Lei nº80/77, de 26.10. Neste acórdão foi ainda apreciado em conjunto com outros preceitos o artigo 28º da Lei nº80/77, de 26.10. No mesmo sentido, vejam-se os Acs. TC nº452/95, de 06.07.1995 (in DR 2ª série, nº269, de 21.11.1995). Ac. do TC nº85/2003, de 12.02.2003 (in http://.tribunalconstitucional.pt) e Ac. TC nº43/2009, de 29.09.2009 (in DR, 2ª série, nº35, de 19.02.2010. Igualmente, no sentido de que as regras para a fixação da indemnização consagradas nos vários diplomas legais não redundavam numa indemnização irrisória e ofensiva do princípio constitucional da justa indemnização. Cf. Acs. STA de 30.01.1997, rec. 29776, in apêndice ao DR de 25.11.1999, Ac. do STA de 14.03.1996, rec. nº 29841, in apêndice ao DR de 31.08.1998 e Ac. STA de 30.01.1990, rec. nº 24572 in apêndice ao DR de 12.01.1995.
Face à profusa jurisprudência superior no sentido de que as regras legais a partir das quais é fixada a indemnização devida em caso de nacionalização não conduzem à fixação de uma indemnização injusta, nada mais há a acrescentar, sob pena de se estar apenas a reproduzir aquela jurisprudência superior. Há, portanto, aqui, apenas concluir que não há no caso concreto uma ilicitude derivada daquela ofensa aos princípios constitucionais à justa indemnização, ao Estado de Direito ou ao direitos de propriedade.
Falecendo a ilicitude, neste caso, falece a culpa dali derivada.
Porque os pressupostos da responsabilidade civil são cumulativos, como antes referimos, queda o pedido do A. se entendido no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito.» (sic)

3.2. Ora nas conclusões das alegações do recurso, o Autor conforma-se com a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a invocada inconstitucionalidade dos preceitos legais que conferiam ao Ministro das Finanças o poder de fixar, originariamente, o valor da indemnização e já vimos supra em 2 que o contencioso administrativo já conferia, na vigência da LPTA, aos ex-titulares do direito a indemnização por nacionalizações uma tutela judicial efectiva e adequada.

No entanto, o Autor continua a insistir na inconstitucionalidade dos preceitos legais ao abrigo dos quais foi calculada e paga a indemnização aqui em causa, a saber, os artº 1º a 6º do DL nº528/76, de 07.07 e os artº1º a 7º do DL 332/91, de 06.09, assim como os artº 18º, 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei nº 80/77, de 26.10, por alegada violação do princípio da justa indemnização e do direito de propriedade consagrados nos artº 62º e 83º da CRP e ainda do princípio da justiça e da proporcionalidade contido no princípio do Estado de Direito.

Passemos, pois, a apreciar.

Nas suas alegações de recurso, o Recorrente considera que a sentença errou também aqui no julgamento, pois, a seu ver, as normas ao abrigo das quais a indemnização foi fixada, mais concretamente os artº18º e 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei nº80/77, de 26.10, os artº1º a 6º do DL 528/76, de 07.07 e os artº1º a 7º do DL 332/91, de 06.09, padecem de inconstitucionalidade material por ofensa dos princípios de apropriação pública e o direito de propriedade privada consagrados respectivamente no artº83º e 62º da CRP, bem como do princípio do Estado de Direito consagrados nos artº2º, 17º e 18º da mesma Lei Fundamental e ainda dos princípios consagrados na CRP quanto ao direito internacional e a interpretação conforme a Declaração Universal dos Direitos do Homem, como ditam os artº8º e 16º, já que não resultam respeitados o direito de propriedade e o princípio da justa indemnização por nacionalizações, consagrados no direito internacional vinculativo para Portugal, como a Carta das Nações Unidas, os Pactos de 1966, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as Directivas do Banco Mundial de 1992, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente o artº1º, nº1 do Primeiro Protocolo Adicional, pois conduziram à fixação de indemnizações em valores manifestamente desproporcionados e mesmo irrisórios, contrariamente ao decidido.

Vejamos:

3.3. Quanto às questões de constitucionalidade apreciadas na sentença recorrida, como resulta, desde logo, dos articulados apresentados pelas partes no tribunal a quo e é igualmente referido na sentença, pode considerar-se firmada a jurisprudência deste STA (Cf. por ex., entre outros, os acs. STA de 02.06.1992, rec. 29768, de 14.03.1996, rec. 29841, de 30.01.1997, rec. 29776, do Pleno de 14.05.1997, rec. 29773), em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional (Cf. por ex., entre outros, os acs. do TC nº 39/88, de 09.02-1988, nº 452/95, de 06.07.1995, nº 85/2003, de 12.02.2003, nº 148/2004, de 10.03.2004 e de 493/2009, de 29.09.2009.), no sentido de que a aplicação dos critérios estabelecidos quer na Lei 80/77, quer no DL 332/91, quer ainda no anterior DL 528/76, para determinação do valor das acções e participações sociais objecto de nacionalizações em 1975 com vista à indemnização dos ex-titulares, bem como o modo do seu pagamento, período de amortização e taxas de juros compensatórios estabelecidas nos artº18º, 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei nº80/77, não conduzem a indemnizações irrisórias, arbitrárias ou manifestamente desproporcionadas e, portanto, não são ofensivos dos princípios constitucionais e de direito internacional invocados pelo Autor.

A mesma jurisprudência, aderindo à que considerou ser a melhor doutrina, tem também entendido que a nacionalização e a expropriação por utilidade pública são figuras distintas, com regimes distintos, designadamente em sede indemnizatória, pelo que o princípio da justa indemnização previsto no artº62º, nº2 da CRP para a expropriação por utilidade pública que, efectivamente, deve ser interpretado no sentido de uma indemnização integral, efectiva ou de “full compensation”, não é aplicável às nacionalizações, em que o legislador constitucional visou apenas assegurar o direito a uma indemnização, não definindo ele mesmo um conceito constitucionalmente exigido de indemnização, antes conferiu ao legislador ordinário uma certa liberdade na definição dos critérios da indemnização, como se vê do artº82º da CRP, antes da revisão de 1989 e do correspondente artº83º depois dessa revisão, que dispõe que «A lei determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação da correspondente indemnização
Logo, não poderiam as normas em causa, adoptadas em execução do citado artº 83º da CRP violar este preceito e muito menos o artº62º, nº2 da CRP, que não é aplicável às nacionalizações.

Ainda segundo a mesma jurisprudência, compreende-se a distinção entre as duas figuras jurídicas, já que a nacionalização dos meios de produção é um acto materialmente político, sob a forma legislativa, que assenta em razões essencialmente de natureza político-ideológicas, tem a ver com a organização económica da sociedade, como decorre da sua inserção sistemática no artº80º da CRP, é dirigida, por isso, à apropriação de unidades produtivas, de meios de produção e de empresas de sectores vitais da economia, enquanto a expropriação por utilidade pública é um acto materialmente administrativo, que assenta em razões pragmáticas, sendo dirigida à satisfação de um interesse público posto a cargo de determinada entidade, que pode até ser de direito privado (cf. artº12º, nº2 do CE/99), o que, naturalmente, tem reflexos em termos indemnizatórios.

Assim e de acordo com a referida jurisprudência do TC e do STA, embora a CRP não permita a apropriação pública dos meios de produção sem indemnização e essa indemnização deva ser aceitável ou razoável, no sentido de que não pode ser irrisória ou manifestamente desproporcionada, nem arbitrária, sob pena de violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade ínsitos no princípio do Estado de Direito, a aplicação das normas legais aqui em causa não conduzem a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas ou arbitrárias e, portanto, não violam os citados princípios constitucionais e de direito internacional.

3.4. Transcrevemos, de seguida e, no essencial, a fundamentação do Tribunal Constitucional constante do ac. nº 452/95, de 06.07.1995 (Publicado no DR nº 269, II série, de 21.11.1995), de que não vemos razão para discordar e que se pronunciou, concretamente, sobre a conformidade com a Constituição, das normas respeitantes ao cálculo do valor da indemnização por nacionalização constantes dos artº 1º a 7º do DL 332/91, ao abrigo das quais o acto do Ministro das Finanças que fixou ao Autor a indemnização aqui em causa foi praticado, posição sucessivamente sustentada em posteriores acórdãos do TC sobre a matéria:
« (…) 8.3 — Definidos os parâmetros constitucionais da indemnização por nacionalização, vejamos, então, se eles são observados pelas normas constantes dos artigos 1.º a 7.º do Decreto-Lei n.º 332/91.
As normas acima transcritas estabelecem três critérios para o cálculo do montante das indemnizações a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas: o valor do património líquido da empresa; o valor das cotações a que as respectivas acções hajam sido efectivamente transaccionadas na Bolsa de Valores de Lisboa; e o valor da efectiva rendibilidade da empresa (artigo 1.º).
O valor do património líquido de cada empresa é determinado a partir do balanço de gestão, na data da nacionalização, ou, na sua falta, em 31 de Dezembro de 1974, e, em ambos os casos, de acordo com as especificações técnicas aprovadas pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.os 243/80, de 11 de Julho, e 40/82, de 10 de Março, e pela Resolução do Conselho de Ministros de 23 de Maio de 1985, publicada no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto, quanto à avaliação patrimonial de empresas nacionalisadas, em tudo o que não contrarie o Decreto-Lei n.º 332/91 (artigo 2.º).
Por sua vez, o valor de cotação das acções de cada sociedade anónima é o que resultar da média aritmética simples das cotações máximas e mínimas desses títulos ao portador em cada ano civil e para os últimos cinco anos anteriores a 1975, não sendo, porém, considerado o valor de cotação, quando as acções não hajam sido cotadas para cada dos referidos cinco anos (artigo 5.º, n.os 1 e 2).
Finalmente, o valor da efectiva rendibilidade é aferido pela média aritmética simples dos resultados do exercício verificados nos últimos cinco anos anteriores a 1975, acrescidos da correspondente dotação anual para amortizações e monetariamente corrigidos por aplicação dos coeficientes fixados na Portaria n.º 506/75, de 20 de Agosto, podendo o mesmo período ser reduzido até três anos no caso de indisponibilidade de elementos, e sendo a taxa calculatória a aplicar àquela média de 5% (artigo 6.º, n.os 1 e 2). Os coeficientes de ponderação são fixados em 60%, 20% e 20%, respectivamente, para o valor do património líquido da empresa, o valor de cotação das acções e o valor da efectiva rendibilidade (artigo 7.º, n.º 2).
Os critérios de determinação do quantum indemnizatório a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas, cujos traços gerais vêm de ser apontados — tendo sido, por isso, omitidas algumas particularidades do seu regime — não violam o direito à indemnização, previsto, para a nacionalização de empresas e solos, no artigo 83.º da Lei Fundamental, não sendo, por conseguinte, inconstitucionais as normas que os consagram.
Duas razões fundamentais legitimam esta asserção.
Em primeiro lugar, o critério do valor do património líquido da empresa, apurado com base no balanço de gestão — cujo coeficiente de ponderação é, como se viu, de 60% —, é um critério habitualmente utilizado em situações em que seja necessário determinar o valor de quotas de sociedades, quer nos casos de liquidação de quotas, por morte, exoneração ou exclusão de um sócio, em que o valor da quota deste é fixado «com base no estado de sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação» (cfr. o artigo 1021.º, n.º 1, do Código Civil), quer nos casos de determinação da contrapartida da aquisição de quota de um sócio que tenha votado contra a fusão de sociedades e que, por esse facto, tenha o direito de se exonerar (artigo 105.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais), quer ainda nas hipóteses de amortização de quotas [artigo 235.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais].
Em segundo lugar, os critérios apontados não são critérios arbitrários, totalmente desligados do valor económico dos bens nacionalizados, nem conduzem, no plano abstracto em que, neste processo de fiscalização da constitucionalidade, tem de situar-se a análise deste Tribunal, a uma indemnizaçãomeramente nominal (blösse Nominalentschädigung), puramente irrisória ou simbólica ou a uma indemnização simplesmente aparente, antes têm virtualidades de levarem, na normalidade das situações — e só destas pode aqui o Tribunal curar — a uma indemnização razoável ou a uma compensação adequada.
É certo que o valor de cotação das acções das sociedades anónimas tem um coeficiente de ponderação de apenas 20% e apura-se tomando por base um período de tempo relativamente longo (últimos cinco anos anteriores a 1975) e que no valor da efectiva rendibilidade não entra o valor do avviamento das empresas. Só que — sem curar agora de saber se o avviamento releva ou não na determinação do valor do património líquido da empresa nacionalizada —, por um lado, não se pode olvidar que a norma do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 332/91 traduz um acentuado progresso em relação ao estatuído na legislação anterior, que mandava atender a um período de dez anos no cálculo do valor de cotação ou do valor de rendibilidade das acções ou partes de capital nacionalizadas e, bem assim, que, como referiu o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 39/88, na parte final do referido período (de cinco anos) as cotações na Bolsa subiram em termos bastantes superiores ao das taxas de inflação.
Por outro lado, como foi acentuado anteriormente, não vale, na indemnização por nacionalização, o princípio da indemnização total ou integral (full composition), que rege a indemnização por expropriação, apurado, em regra, com base no valor de mercado (Verkehrswert), também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo, isto é, um valor de mercado despido de elementos de valorização puramente especulativos (cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico, cit., pp. 550 segs., e o mencionado Acórdão deste Tribunal n.º 210/93). No domínio da indemnização por nacionalização, o artigo 83.º da Constituição (artigo 82.º, antes da revisão constitucional de 1989) basta-se, como foi afirmado um pouco mais acima, com uma indemnização razoável ou aceitável, isto é, com uma indemnização ainda proporcionada à perda dos bens nacionalizados, que cumpra as exigências de justiça, na sua refracção na matéria em causa.
Eis as razões — e sem deixar de ter em conta o elevado número de nacionalizações realizadas no nosso país e o facto de elas terem ocorrido, na quase totalidade, antes da entrada em vigor da Constituição de 1976, num contexto revolucionário, e não num período de um Estado de direito devidamente consolidado — pelas quais as normas constantes dos artigos 1.º a 7.º do Decreto-Lei n.º 332/91 não infringem a Constituição.(…)»


Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, não se verifica o pretendido erro de julgamento da sentença recorrida quanto à decidida constitucionalidade dos artº 1º a 7º do DL 332/91, ao abrigo dos quais o valor da indemnização aqui em causa foi fixado, não havendo que aqui apreciar, por inútil, a também invocada inconstitucionalidade dos correspondentes artº1º a 6º do anterior DL 528/76, de 07.06, que aquele diploma revogou (cf. seu artº12º), sendo certo que a inconstitucionalidade desses preceitos foi também afastada pelo TC, designadamente no seu Ac. nº39/88, transcrito na sentença recorrida.

3.5. Quanto à invocada inconstitucionalidade dos artº 18º, 19º e quadro anexo, 21º, 24º e 28º da Lei nº80/77, por provocarem uma degradação do valor nominal da indemnização fixada, atento os longos períodos de amortização dos títulos entregues para pagamento dessa indemnização e as taxas de juro remuneratório estabelecidas inferiores às taxas correntes no mercado e às taxas de inflação no período de amortização, também consideramos ser de acolher a jurisprudência do TC que vem uniformemente sustentando a sua constitucionalidade, desde o já citado Ac. nº39/88, onde se refere a este propósito:
«(…) É constitucionalmente legítimo fixar prazos de amortização e de diferimento diferentes e taxas de juros também diferenciadas em função do montante global a pagar (prazos maiores e taxas de juro mais baixas para as indemnizações de valor global mais elevado e prazos mais curtos e taxas de juro mais elevadas para as indemnizações de menor montante). Do mesmo modo, no plano constitucional, nada obsta a que os pequenos accionistas sejam indemnizados em dinheiro e os restantes recebam títulos de dívida pública.
5.5. O facto de o pagamento haver de processar-se em prazos tanto mais longos quantos maiores forem as indemnizações a receber, aliado à circunstância de a um prazo mais dilatado corresponder, na série degressiva das taxas legalmente estabelecidas, uma taxa de juros mais baixa, tem, é certo, como consequência que o valor de cada acção ou parte de capital social dos grandes investidores acabe por ser, realmente, inferior ao das acções ou partes de capital dos pequenos e médios investidores.
Isso, porém, só seria de, per si, relevante se o único critério atendível na fixação do montante das indemnizações fosse o do valor do bem nacionalizado. E não o é, como já se disse.
O princípio da igualdade aponta, com efeito, para a progressiva eliminação de situações de desigualdade de facto de natureza económica na intenção de realizar a igualdade através da lei (cf. o artigo 9º, alínea d) da Constituição…).
As diferenciações de tratamento no pagamento das indemnizações, constantes dos preceitos sub judicio, apresentam-se, por isso, com fundamento material bastante.
De resto. Se tais diferenciações de tratamento infringissem o princípio da igualdade, sempre restaria saber qual dos regimes é que era constitucionalmente inadmissível; se o estabelecido para os grandes investidores, se, antes, o gizado para os pequenos accionistas. E, para além disso, não se vê que haja excesso ou desproporção nas diferenças de prazos e de taxas de juro fixadas.
O princípio da igualdade, consagrado no artº13º da Constituição, não é, assim, violado.
5.6 – Situando-se as taxas de juro abaixo (nalguns casos, mesmo bastante abaixo) das que são praticadas no mercado monetário e financeiro, é evidente que se verifica uma progressiva desvalorização dos montantes indemnizatórios calculados.
Um tal efeito é, porém, minorado pela possibilidade antes assinalada (supra, II, 2.4) que têm os titulares de direito de indemnização provenientes de nacionalização de transaccionarem os títulos e de os mobilizar antecipadamente – mobilização que só é, no entanto, permitida ao titular originário ou a seus herdeiros. E minorado ainda no caso de mobilização antecipada, porque, conquanto a «mobilização» se faça, em regra, pelo valor de «actualização» e não pelo valor nominal, aquela actualização é feita à taxa de juro correspondente à da classe I: 13% (cf. artigo 29.º, n.º 1, da Lei n.º 80/77). É um valor que – embora para a generalidade dos títulos seja inferior ao do mercado é superior ao valor real para os títulos das classes II a XII, uma vez que ele é calculado por uma taxa de juro superior à que lhes corresponde.
Assim sendo, é de arredar também a ideia de eventual violação do princípio da indemnização, consagrado no artigo 82.º, uma vez que não se vê que as indemnizações fixadas corram o risco de se transformar em pseudo-indemnizações, isto é, em indemnizações de valor manifestamente desproporcionado ou irrisório.»

Esta posição foi também reafirmada noutros arestos posteriores do TC, designadamente no Ac. nº 148/2004, de10.03.2004 (Publicado no DR nº125 II série, de 28.05.2004), em que era Recorrente E……… , co-autor nos presentes autos, e onde se fez constar o seguinte:
« (…) 11. O Tribunal Constitucional reafirma, no caso em apreço, o pensamento da sua anterior jurisprudência, sublinhando os seguintes pontos, decisivos, na solução do problema de constitucionalidade que é proposto, quanto às normas dos artigos 18º, 19º e quadro anexo, 21º e 24º, da Lei nº 80/77:

1º A lógica subjacente à indemnização das nacionalizações não é idêntica à das expropriações dada a natureza do acto de nacionalização, a sua específica justificação política e constitucional em confronto com a expropriação;
2º A indemnização por nacionalização não tem de se pautar por uma justiça absolutamente indemnizatória podendo tomar em conta critérios especiais justificados de necessidade política e social, numa lógica de justiça distributiva, em que são ponderáveis interesses sociais e políticos estruturais;
3º Tais critérios serão constitucionalmente justificados se o grau de prevalência do interesse colectivo sobre o interesse particular que manifestam não implicar sacrifício dos direitos dos particulares manifestamente desproporcionado e desnecessário;
4º Limite de sobreposição do interesse colectivo ao particular é aquele a partir do qual as indemnizações se tornem irrisórias ou manifestamente desajustadas relativamente ao valor dos bens nacionalizados, tendo em conta a realidade económica do momento em que ocorreu o acto de nacionalização;
5º Aquém deste limite são constitucionalmente admissíveis critérios concretos de indemnização justificados por ponderações de necessidade política, económica e social.

Ora, como se reconheceu no Acórdão nº 85/2003 a verificação de que estaríamos para além da fronteira do que é constitucionalmente justificável, “careceria de ser demonstrada do ponto de vista do interesse público e da situação real da economia, tendo ainda em conta que a situação dos cidadãos que deveriam receber as indemnizações através dos títulos de dívida pública não é diferente da dos outros cidadãos que eram titulares de títulos de dívida pública de juro fixo, no mesmo momento”.
Concluiu-se, assim, ante o exposto, pela não inconstitucionalidade de tais normas.(…) »

E, mais recentemente, referiu-se no acórdão do TC nº 493/2009, de 29.09.2009 (Publicado no DR nº 35, II série, de 19.02.2010), a propósito desta mesma questão, que:

«(…) Ora, a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, visou atribuir indemnizações relativamente à maior parte das nacionalizações efectuadas após o 25 de Abril de 1974, as quais abrangeram as principais empresas dos sectores mais importantes do tecido económico nacional (vide, dando nota de todas as operações de nacionalização realizadas no período que decorre entre 15 de Maio de 1974 e 29 de Julho de 1976, FERNANDO JOSÉ BRONZE, em “As indemnizações em matéria de nacionalizações”, na R.D.E., Ano II, n.º 2, pág. 478 e seg.), sendo notória a incapacidade financeira do Estado para assegurar num curto ou médio prazo o pagamento das respectivas indemnizações.
Daí que se tenha justificado plenamente o seu pagamento através do recurso à dação em pagamento de títulos de dívida pública que se traduziam em obrigações ao portador respeitantes a um empréstimo interno.
A fixação de prazos de amortização, que relativamente às indemnizações de montante mais elevado (superiores a 6.050.000$00), atingiam 23 anos, com um período de 5 anos de diferimento, se dificultavam a possibilidade dos titulares dessas indemnizações receberem num curto prazo a respectiva importância dinheiro, não a inviabilizavam, uma vez que aqueles títulos eram livremente transacionáveis e podiam ser mobilizados para determinadas finalidades, nem, só por si, punham em causa o valor da indemnização atribuída, uma vez que o empréstimo titulado era remunerado.
Na verdade, tendo em consideração o fenómeno da natural desvalorização da moeda numa economia em crescimento, a previsão do pagamento de juros compensatórios é um mecanismo que previne os riscos da fixação de longos prazos de amortização.
O legislador previu o pagamento de taxas de juro fixas diferenciadas, sendo de 2,5% ao ano para as obrigações correspondentes às indemnizações acima de 6.050.000$00.
Na altura, a taxa de inflação no ano de 1976 havia sido de 18,3%, a taxa de desconto do Banco de Portugal era de 13%, e a taxa de juro legal vigente, nos termos do artigo 559.º, do Código Civil, era de 5% ao ano.
Apesar de todas as incertezas que na altura se viviam pode dizer-se que para estes títulos, correspondentes às indemnizações de valor elevado, se fixou uma taxa de juro inalterável inferior às que previsivelmente iriam ser praticadas no mercado monetário e financeiro durante o longo prazo de amortização de tais títulos, o que diminuía, à partida, o valor real destes, pela sua fraca rentabilidade, e, na prática, afectava a sua negociabilidade.
Este efeito negativo foi, porém, minorado pela possibilidade concedida aos titulares de direito de indemnização provenientes de nacionalização de mobilizarem antecipadamente, para diversas finalidades, aqueles títulos pelo seu valor actualizado à taxa de juro correspondente à da classe I, que era de 13% ao ano (artigo 29º, n.º 1, da Lei n.º 80/77), não sendo possível concluir que a entrega de tais títulos em substituição do pagamento em dinheiro das quantias indemnizatórias, mesmo relativamente às de montante mais elevado, atento o seu regime, resulte numa degradação das indemnizações para valores irrisórios ou manifestamente irrazoáveis.
Note-se que a circunstância de algumas das hipóteses de mobilização antecipada dos títulos de dívida pública previstas na Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, não terem chegado a ter uma aplicação efectiva, por falta ou por inadequada regulamentação (vide, dando nota destas situações, FREITAS DO AMARAL e ROBIN DE ANDRADE, na ob. cit., pág. 30-39) não inutiliza a ponderação daquela possibilidade, pois ela integrava o regime daqueles títulos, devendo qualquer vício neste domínio ser imputado à referida regulamentação ou à sua ausência (vide, neste sentido MARCELO REBELO DE SOUSA, em “As indemnizações por nacionalização e as comissões arbitrais em Portugal”, na R.O.A., Ano 49.º (1989), vol. II, pág. 450-456).
Assim como a verificação de atrasos significativos na entrega daqueles títulos não pode ter reflexos neste juízo de fiscalização de constitucionalidade dos critérios legais, uma vez que apenas revela uma deficiente aplicação da lei.
Deste modo, ponderando a dimensão dos encargos financeiros resultantes da indemnização dos actos de nacionalização contemplados pela Lei n.º 80/77, o facto dos prazos de amortização e diferimento e das taxas de juro serem diferenciados conforme o montante da indemnização e a possibilidade dos títulos entregues como forma de pagamento das indemnizações poderem ser mobilizados antecipadamente, não é possível concluir que tais prazos e taxas, mesmo relativamente às indemnizações incluídas na classe XII, do quadro anexo à Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma, conduzam à atribuição de indemnizações que se possam considerar irrisórias ou manifestamente irrazoáveis, encontrando-se aqueles critérios abrangidos pela margem de liberdade que o legislador ordinário goza neste domínio.
Do exposto resulta que nem a norma constante do artigo 18.º, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, nem a duração dos prazos e o valor das taxas de juro constantes do quadro anexo, para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma, violam o disposto no artigo 83.º, da C.R.P.» (sic)

3.6. Face ao exposto supra em 3.3, 3.4 e 3.5, forçoso é concluir que as questionadas normas legais também não violam os princípios de direito internacional vinculativo para o Estado Português em matéria de indemnizações por nacionalização, como o Recorrente vem agora pretender ex novo nas alegações de recurso.
Aliás, o Tribunal Constitucional também apreciou, expressamente, essa questão nos já citados Acs. nº39/88 e nº148/2004, do seguinte modo:
«(…) 3.3 – (…)
No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (10 de Dezembro de 1948) preceitua, no artigo 17.º, que «toda a pessoa, quer isolada quer como colectividade, tem direito à propriedade» (n.º 1) e que «ninguém pode ser arbitrariamente privado dela» (n.º 2).
Proíbem-se, assim, as nacionalizações arbitrárias, ou seja, as nacionalizações que não forem determinadas por razões de interesse público, de ordem pública ou como sanção penal, ou que se façam sem atribuição de indemnização ou com indemnização manifestamente inadequada (cf. Giovani Pau, «La nazionalizzazione nei rapporti internazionali», in Studi economico-giuridici, Padova, 1953, pp. 96 e segs.).
A indemnização tem, assim, que ser razoável ou, pelo menos, aceitável.
O Protocolo n.º 1 (20 de Março de 1952), adicional à Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem (4 de Novembro de 1950), determina, no seu artigo 1.º, que qualquer pessoa «tem direito ao respeito dos seus bens» – daí que «ninguém possa ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais de direito internacional».
Significa isto que aquele artigo 1.º não impõe aos Estados a obrigação de indemnizar os seus nacionais quando, por razões de utilidade pública e nas condições previstas na lei, os priva do seu direito de propriedade (cf. Resolução da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, de 16 de Dezembro de 1966, in Pinheiro Farinha, Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, Lisboa, s/d, p. 167). Essa obrigação já a têm, porém, os Estados quando os bens nacionalizados ou expropriados pertencerem a cidadãos estrangeiros.
De facto, o Comité de Ministros, quando aprovou o Protocolo n.º 1, sublinhou que «os princípios gerais do direito internacional, na sua aceitação actual, impõem a obrigação de indemnizar os não nacionais no caso de expropriação» (reunião de 19 de Março de 1952, do Comité de Ministros – Paris). Para além de que, tendo Portugal feito reserva àquele artigo 1.º, por virtude do que, então, preceituava o artigo 82.º, n.º 2, da Constituição [cf. Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, artigo 4.º, alínea a)], a França, o Reino Unido e a República Federal da Alemanha exprimiram a posição de que os princípios de direito internacional postulavam uma indemnização rápida, razoável e efectiva (pronta, adequada e efectiva), quando se trate da expropriação de cidadãos estrangeiros, pelo que aquela reserva haveria de ser entendida como dizendo respeito apenas aos bens dos cidadãos nacionais (cf. Pinheiro Farinha, ob. cit.).
A Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (12 de Dezembro de 1974), prescreve, no seu artigo 2.º, n.º 2, alínea c):

Cada Estado tem o direito [...] de nacionalizar, expropriar ou transferir a propriedade dos bens estrangeiros, casos em que deverá pagar uma indemnização adequada, tendo em conta as suas leis e regulamentos e todas as circunstâncias que julgue pertinentes [...].

Vale isto por dizer que o direito de proceder a nacionalizações – quer se trate de bens de cidadãos estrangeiros, quer de nacionais seus se reconduz exclusivamente a uma questão de soberania de cada Estado. (…)»

Não vemos razão para divergir da jurisprudência citada, que se mostra firmada, pelo que, concluindo, entendemos que as disposições legais ao abrigo das quais foi praticado, pelo Senhor Ministro das Finanças, o acto de fixação da indemnização aqui em causa, não ofendem os preceitos e princípios constitucionais e de direito internacional, invocados pelo Autor.
Consequentemente e, tal como se decidiu, falece a invocada ilicitude do acto do Ministro das finanças que fixou ao Autor a indemnização aqui em causa, pelo que sendo esse um dos pressupostos, de verificação cumulativa, em que assenta a responsabilidade civil extracontratual que se pretende efectivar com a presente acção, a mesma não pode deixar de improceder, ficando, assim, prejudicada a apreciação dos demais.

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IV- DECISÃO

Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 4 de Abril de 2013. – Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) - Rosendo Dias José – António Bento São Pedro.