Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01483/18.8BELSB-R1
Data do Acordão:01/16/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
Sumário:I – Os despachos interlocutórios (recorríveis) são, por regra, impugnados no recurso que venha a ser interposto da decisão final (regime de recurso único), como estipulado no art. 142º nº 5 do CPTA.
II – Porém, nos casos excecionais previstos na lei processual civil, pode essa impugnação efetuar-se de imediato, autonomamente (cfr. parte final do citado nº 5 do art. 142º do CPTA).
III – Um desses casos excecionais é o das impugnações que, se deferidas para depois da decisão final, se tornam absolutamente inúteis para o recorrente, ainda que a este venha a ser dada razão - cfr. art. 644º nº 2 h) do CPC. (art. 663º nº 7 do CPC).
Nº Convencional:JSTA000P25408
Nº do Documento:SA12020011601483/18
Data de Entrada:12/05/2019
Recorrente:ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES ..... E OUTROS
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO

1. “ASSOCIAÇÃO DE MORADORES ………..” e A………………… Requerentes nos autos de providência cautelar de suspensão de eficácia de ato do Requerido “MUNICÍPIO DE LISBOA” (aprovação de um projecto de arquitectura), reclamaram para o Juiz Desembargador Presidente do TAC de Lisboa do ato de distribuição dos autos, assacando o mesmo de ilegal por realizado fora das horas legalmente estipuladas (o que os impediu de a ele assistirem presencialmente) e por ter sido efectuado em dois momentos – um primeiro que alocou os autos à 3ª Unidade Orgânica (resultado publicitado no site do Ministério da Justiça) e um segundo que o atribuiu à 2ª Unidade Orgânica. Reclamaram, ainda, por terem sido os autos distribuídos a uma Juíza que não se encontrava de turno, tendo sido despachado por outra Juíza (de turno). Requereram, consequentemente, que se determinasse a suspensão dos autos (nos termos do art. 272º nº 1 do CPC) e a sua remessa à 3ª Unidade Orgânica, a que foram originalmente distribuídos, aproveitando-se todo o processado até à data (nos termos do art. 205º nº 1 do CPC) e realizando-se nova distribuição para determinar o Juiz titular, sendo os Requerentes avisados para poderem a ele assistir.

2. O Juiz Desembargador Presidente do TAC de Lisboa entendeu, porém, por seu despacho de 22/11/2018, que não detinha competência para decidir a reclamação, por não estar em causa um conflito de distribuição entre Magistrados (a que se refere o art. 205º nº 2 do CPC), e endereçou a competência para a decisão ao Juiz do processo.

3. Na sequência, o Juiz do processo apreciou e decidiu a reclamação, indeferindo-a, através do seu despacho de 6/12/2018 (constante da certidão junta em 25/2/2019, cfr. fls. 104 e segs. SITAF), em que entendeu não ter ocorrido qualquer irregularidade na distribuição dos autos, a qual respeitou todos os preceitos legais, inexistindo fundamento para alteração da sua titularidade. Mais decidiu não haver razão, em consequência, para a solicitada suspensão da instância, sendo que a natureza urgente dos autos (providência cautelar) impunha o prosseguimento da sua tramitação.

4. Os Requerentes, inconformados com este indeferimento da sua reclamação, interpuseram, em 28/12/2018, recurso de apelação para o TCAS do aludido despacho (cfr. fls. 1 e segs. SITAF), tendo sido apresentadas contra-alegações quer pelo Requerido “Município de Lisboa” (em 25/1/2019, cfr. fls. 66 a 69 SITAF) quer pela contra-interessada “B………………, Lda.” (em 4/2/2019, cfr. fls. 79 a 100 SITAF).

5. O recurso foi admitido por despacho de 21/2/2019 (cfr. fls. 102 SITAF) da Juíza do TAC de Lisboa com subida imediata, em separado, e efeito meramente devolutivo – nos indicados termos dos arts. 141º nº 1, 142º nº 5 “in fine”, 143º nº 2 b) e 147º nº 1 do CPTA e 644º nº 1 a) e 645º nº 1 c) do CPC, aplicáveis estes últimos “ex vi” do art. 140º do CPTA.

6. O TCAS, por seu Acórdão de 9/5/2019 (cfr. fls. 168 a 174 SITAF), confirmou o efeito meramente devolutivo com que o recurso havia sido admitido – nos termos dos arts. 142º nº 5 e 143º nº 2 b) do CPTA, por se tratar de recurso de um despacho que não põe termo ao processo – e reafirmou a tramitação urgente dos autos, nos termos dos arts. 36º nº 1 f) do CPTA e 205º nº 3 do CPC.

Porém, ao abrigo do disposto no art. 652º nº 1 a) do CPC, alterou o modo de subida do recurso atribuído no despacho de sua admissão, ordenado que, sendo o caso, o mesmo deve subir com o recurso que venha a ser interposto, pelos Recorrentes, da decisão final.

Para tanto, considerou que, face ao regime resultante do art. 210º do CPC (não afetação dos atos processuais entretanto praticados), não resulta que a impugnação deferida daquele despacho interlocutório torne absolutamente inútil o recurso. Assim sendo, concluiu que o regime será o da impugnação deferida (recurso único, com o da decisão final) previsto no art. 142º nº 5 do CPTA, não sendo caso de aplicação da exceção prevista no art. 644º nº 2 h) do CPC.

7. Inconformado, agora, com este Acórdão proferido pelo TCAS, os Requerentes interpuseram o presente recurso de revista (cfr. fls. 181 a 194 SITAF), concluindo da seguinte forma:

«I. No âmbito destes autos discute-se apenas a questão de saber se cabia recurso interlocutório da decisão que indeferiu a reclamação apresentada pelos Recorrentes.

II. Essa reclamação tinha como único objectivo aferir do erro ou irregularidade da distribuição do processo.

III. O Tribunal “a quo” entendeu que o fundamento do recurso não cabia na alínea h) do nº 2 do artigo 644.º do CPCF e, por esse motivo, só devia ser interposto após decisão final em regime especial de subida diferida (recurso único).

IV. Os Recorrentes não concordam com a douta decisão proferida pelo Tribunal “a quo” uma vez que, decidida a questão de mérito pela 1.ª instância, de nada serve que seja decretado o erro ou a irregularidade na distribuição!

V. Tal sucede porque não haverá consequências práticas; a decisão não trará consequências materiais mas tão só formais.

VI. Pouco interessa que se altere a designação da Unidade Orgânica e do Juiz de 1.ª instância se este último não vier a praticar actos, nomeadamente a realização da audiência de discussão e julgamento e a elaboração da douta sentença.

VII. Pelo exposto, se requer a Vossas Excelências que se dignem a revogar o douto acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, mandando baixar os autos, e ordenando que seja decidido o mérito da causa».

8. Devidamente notificado o Requerido “Município de Lisboa”, aqui ora Recorrido, não apresentou contra-alegações (cfr. fls. 196 SITAF).

9. A contra-interessada “B……………….., Lda.” (“B…………”) apresentou contra-alegações (cfr. fls. 209 a 221 SITAF), sem conclusões, nas quais se limitou a pugnar pela não admissão do presente recurso de revista.

10. O recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 12/11/2019 proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA (cfr. fls. 231 a 233 SITAF), no qual se expressou:

«(…) Os recorrentes limitam-se a invocar que o recurso aqui em causa se pode subsumir no disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 644.º do CPC (considerando que a impugnação do despacho interlocutório apenas a final retiraria toda a utilidade ao recurso) e que, por isso, não deve o mesmo seguir o regime constante do nº 5 do artigo 142.º do CPTA.

(…) O recurso interposto para o TCAS foi admitido com subida imediata, processado em separado e feito devolutivo.

(…) Os requerentes da providência cautelar interpuseram recurso para o TCAS que proferiu o acórdão de 09.05.2019 que tendo embora apreciado o regime do art. 210º do CPC, considerou o seguinte: «No caso presente, pelas razões de direito acima expostas com base no regime do artº 210º CPC, não se verifica a assinalada ineficácia recursória» [art. 644º, nº 2, al. h) do CPC].

(…) Fundou-se o acórdão no facto de o despacho recorrido ter natureza interlocutória, sujeito ao regime estabelecido no art. 142º, nº 5 do CPTA, devendo ser “impugnado” com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final, excepto nos casos em que é admitida apelação autónoma, nos termos da lei processual civil. O que não era o caso, como resulta do art. 644º, nº 2 [mormente alínea h)] do CPC.

Entendemos que se justifica a admissão da revista.

Com efeito, a questão a tratar na presente revista, sendo processual, necessita de uma melhor aplicação do direito, nomeadamente quanto ao momento de interposição de recurso de despacho interlocutório».

11. Devidamente notificado, o Ministério Público apresentou parecer (cfr. fls. 240 e 241 SITAF), no qual sufragou o entendimento dos Recorrentes, com a seguinte fundamentação: «(…) pese embora o regime especial (do art. 142º, nº 5, do CPTA) de impugnação de despachos interlocutórios (em recurso único, com o que venha a ser interposto da decisão final), subsiste a regra, de excepção, do artigo 664º, nº 2, alínea h) do CPC, aplicável “ex vi” artigo 142º, nº 5, do CPTA, o que supõe um enfoque casuístico. No caso em presença, entendo, como os Recorrentes, que a decisão, a final, da questão objecto da reclamação torna o recurso absolutamente inútil, tanto mais quanto, ao abrigo dos artigos 210º a 213º, do CPC, se consolidam os actos entretanto praticados pelo Juiz cuja titularidade está – acertadamente ou não – posta em causa».

12. Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 do CPTA, o processo vem submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

13. Conforme expressado no Acórdão deste STA que admitiu o presente recurso de revista (cfr. ponto 10 supra), constitui seu objeto – tendo em consideração as normas legais ínsitas nos arts. 142º nº 5 do CPTA e 644º nº 2 h) do CPC - aferir do acerto da deliberação do TCAS que alterou o regime de subida do recurso de apelação interposto pelos Requerentes (da decisão do TAC de Lisboa que lhes indeferiu reclamação sobre ato de distribuição dos presentes autos de providência cautelar), determinando que a sua subida, em vez de imediata, fosse diferida, efetuando-se com o recurso que vier a ser interposto da decisão final.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

14. Os factos dados como provados são os constantes do Acórdão recorrido.

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III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

15. O presente recurso de revista tem como objecto a deliberação constante do Acórdão do TCAS, aqui recorrido, proferido na sequência de recurso de apelação interposto, pelos Requerentes de providência cautelar, de despacho – interlocutório – do Juiz do TAC de Lisboa que lhes indeferiu reclamação sobre o ato da distribuição dos autos.

Cumpre, desde logo, assinalar que, em rigor, o que está em causa no presente recurso não é o momento de subida do aludido recurso de apelação – se imediata, se deferida para final – mas sim o momento de interposição (e, consequentemente, de admissão) do próprio recurso.

Na verdade, antes da reforma de 2007 (DL 303/2007, eliminação do recurso de agravo), os despachos interlocutórios (recorríveis) tinham de ser, todos, de imediato impugnados, sob pena de transitarem em julgado, podendo a sua subida ser imediata ou deferida. Após tal reforma, porém, é a própria impugnação (e consequente admissão) que pode/deve ser efetuada, conforme os casos, de imediato (ou seja, autonomamente) ou apenas a final (no recurso que venha a ser interposto da decisão final).

Por isso, como atrás se viu, o Acórdão deste STA que admitiu o presente recurso de revisão (cfr. ponto 10 supra) expressou que estava em discussão «o momento de interposição de recurso de despacho interlocutório» (e não o momento de subida).

16. Tratando-se, no presente caso, de impugnação de uma decisão proferida num despacho interlocutório, a regra aplicável será a contida na primeira parte do nº 5 do art. 142º do CPTA: “As decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (…)”.

E, caso se aplicasse esta regra, o recurso interposto pelos Requerentes não deveria ter sido admitido, como foi, pelo despacho de admissão na 1ª instância, e a solução seria, diferentemente, a ditada pelo Acórdão do TCAS: subida deferida para final (“rectius”, interposição do recurso, e sua eventual admissão, deferidas para final).

17. Sucede, porém, que o citado nº 5 do art. 142º do CPTA, na sua parte final, excepciona desta regra (de impugnação deferida e conjunta com a da decisão final) os casos em que, nos termos da lei processual civil, é admitida apelação autónoma.

Ora, um dos casos em que a lei processual civil admite apelação autónoma é o de apelação de “decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”, prevista no art. 644º nº 2 h) do CPC.

Como vimos, é na interpretação destas normas (regra e exceção) e sua aplicação ao caso concreto dos presentes autos que se centra a divergência entre os Requerentes/Recorrentes e o Acórdão do TCAS ora sob revista.

18. De acordo com José António e Gustavo França Pitão, “CPC Anotado”, Tomo I, “Quid Juris”, 2016, pág. 774, em referência ao art. 644º nº 2 h) do CPC: «Trata-se de situações a apurar casuisticamente, naqueles casos em que a impugnação de uma decisão intercalar se mostre inútil com o recurso da decisão final».

19. Assim sendo, tudo está em apurar se, no caso dos presentes autos, a apelação em causa, diferida para final (com a impugnação da decisão final) a tornaria absolutamente inútil: se não, a solução será a da aplicação da regra constante da 1ª parte do nº 5 do art. 142º do CPTA, tal como deliberado pelo Acórdão do TCAS ora sob revista; se sim, então será de aplicar a solução excepcional de impugnação autónoma imediata prevista e permitida na parte final do citado nº 5 do art. 142º do CPTA e no art. 644º nº 2 h) do CPC, tal como defendido pelos Recorrentes.

20. Como já referia Luís Lameiras (in “Notas práticas ao regime dos recursos em processo civil”, Almedina, 2009, pág. 144) em anotação ao art. 691º nº 2 m) do CPC/95, após a reforma de 2007, disposição idêntica à do actual art. 644º nº 2 h): «Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final – portanto, das decisões interlocutórias atípicas, passíveis de impugnação por aplicação do mecanismo (regra geral) do nº 3 – seria absolutamente inútil (alínea m)), cabe recurso, a interpor em 15 dias (nº 5), a subir em separado (art. 691º-A, nº 2) e com efeito devolutivo (art. 692º nº 1) (…)». E em nota 168: «Veja-se o pretérito art. 734º nº 2, que determinava a subida imediata do agravo cuja retenção o tornasse absolutamente inútil. A jurisprudência corrente entendia que a absoluta inutilidade do recurso retido correspondia a situações em que dessa retenção resultava a inexistência no processo de qualquer eficácia, na hipótese do seu provimento, ou seja, situações em que, ainda que a decisão do tribunal superior fosse favorável ao recorrente, não pudesse este obter qualquer proveito dessa decisão; mas não já se o resultado do recurso envolvesse apenas a anulação de actos do processado, ainda que de vários, incluindo o do julgamento, já que então se tratava apenas de um risco próprio ou normal dos recursos diferidos (…)».

21. No mesmo sentido refere Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo CPC”, Almedina, 5ª edição, 2018, págs. 215/216): «O advérbio (“absolutamente”) assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que se previa no art. 734º, nº 1, al. c), do CPC de 1961, para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo. Deste modo, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que neste se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso da decisão interlocutória não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado».

22. Referentemente ao ato da distribuição, estipula o nº 1 do art. 205º do CPC que: «A falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final».

A este propósito, explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in “CPC Anotado”, Vol. I, Almedina, 4ª edição, pág. 416):

«Apesar de a distribuição ter a finalidade de assegurar a aleatoriedade na determinação do juiz do processo (ver o nº 2 da anotação ao art. 203), a sua falta, tal como qualquer irregularidade que nela se verifique, não afeta o efeito dos atos posteriores praticados à data da reclamação ou suprimento oficioso do vício, afastando-se, portanto, a aplicação do art. 195-2 (…). Mas a nulidade do ato da distribuição em si mesmo só se sana com a sentença final, podendo até lá a distribuição ser praticada ou repetida (art. 210-a e 213-3, 1ª parte), sob reclamação ou por conhecimento oficioso do vício, com efeito limitado aos atos ainda não praticados e sem pôr em causa a eficácia dos atos anteriores».

23. Ora, o Acórdão do TCAS ora sob revista ponderou e deliberou:

«O presente recurso tem por objecto o despacho interlocutório de 06.DEZ.2018, acima transcrito, que julgou improcedente a reclamação deduzida pelos ora Recorrentes assacando de irregularidade a distribuição em 1ª instância do processo cautelar n° 1483/18.8BELSB em que são Requerentes.

O art° 210° CPC manda aplicar a mesma disciplina à falta, erro ou irregularidade da distribuição, a saber, tanto a falta de distribuição como qualquer irregularidade que nela se verifique "(..) não afecta o efeito dos actos posteriores praticados à data da reclamação ou suprimento oficioso do vício, afastando-se, portanto, a aplicação do art° 195°/2 (..) a nulidade do acto da distribuição em si mesmo só se sana com a sentença final, podendo até lá a distribuição ser praticada ou repetida (art° 210° a) e 213°/3 1ª parte), sob reclamação ou por conhecimento oficioso do vício, com efeito limitado aos actos ainda não praticados e sem pôr em causa a eficácia dos actos anteriores. (..)" (Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil — Anotado, 3ª. Ed. Coimbra Editora/2014, Vol. 1°, pág. 396).

Dito de outro modo, "(..) Não se anula acto algum, ainda que a falta [irregularidade e erro] venha a ser suprida quando o processo já está pronto para julgamento (..)" (Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2°, Coimbra Editora/1945, págs.529/530).

(…) Se da análise do caso concreto se concluir que a impugnação diferida do despacho interlocutório consubstancia absolutamente (644°/2 h) CPC) a perda de eficácia recursória, a apelação daquele despacho é convolada em apelação autónoma com subida imediata.

No caso presente, pelas razões de direito acima expostas com base no regime do art° 210° CPC, não se verifica a assinalada ineficácia recursória. Tal significa que o recurso do despacho interlocutório de 06.DEZ.2018, que julgou improcedente a reclamação deduzida pelos ora Recorrentes assacando de irregularidade a distribuição em 1ª instância do processo cautelar n° 1483/18.8BELSB em que são Requerentes, deve seguir o regime especial de subida diferida (recurso único) consignado no art° 142° n° 5 CPTA».

24. Os Recorrentes discordam desta solução, entendendo, diferentemente, que deve ser aplicada ao caso dos autos a solução da admissão autónoma imediata da apelação interposta, nos termos previstos e permitidos pelos arts. 142º nº 5 “in fine” do CPTA e 644º nº 2 h) do CPC – tal como resultara decidido no despacho, proferido em 1ª instância, de admissão da apelação (e tal como propugnado pelo MºPº neste STA).

E cremos que têm razão.

Efectivamente, tendo em consideração que, como vimos, a reclamação do ato de distribuição tem efeito limitado aos atos ainda não praticados, sem pôr em causa a eficácia dos atos entretanto já praticados, uma vez que, não obstante a sua eventual repetição, “a irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo” (cfr. art. 205º do CPC), então é bom de ver que a admissão somente a final, com o recurso da decisão final, da impugnação do despacho interlocutório de indeferimento daquela reclamação, traria aos Requerentes/Recorrentes – ainda que lhes fosse dada razão – uma verdadeira “vitória de Pirro”.

É que, conforme o próprio Acórdão do TCAS, ora sob revista, expressou (apoiando-se em Alberto dos Reis): «Não se anula acto algum, ainda que a irregularidade venha a ser suprida».

Não pode, assim, deixar de concluir-se que a apreciação e decisão da apelação interposta pelos Requerentes/Recorrentes somente após a decisão final (juntamente com o recurso que desta decisão final venha a ser interposto) tornaria tal recurso “absolutamente inútil”.

Na verdade, se o interesse dos Requerentes/Recorrentes, através da reclamação efectuada, é o de que os autos sejam tramitados e decididos na sequência de uma nova distribuição, alegando, designadamente – com razão, ou sem razão -, que a sanação da irregularidade que invocam passará pela mudança da unidade orgânica e do juiz titular, o eventual provimento da apelação não terá qualquer reflexo nos atos praticados até então (isto é, até final).

Assim sendo, e para que o recurso de apelação em causa possa ter algum efeito prático para o interesse recursório dos Requerentes/Recorrentes, impõe-se que tal recurso de apelação seja admitido autonomamente, de imediato, nos termos previstos e permitidos pelos arts. 142º nº 5 “in fine” e 644º nº 2 h) do CPC.

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IV - DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:

- Conceder provimento ao recurso jurisdicional “sub specie” deduzido pelos Requerentes/Recorrentes, revogando-se o acórdão recorrido, e determinando-se, pelas razões supra invocadas, a admissão autónoma e imediata do recurso de apelação interposto (mantendo-se, no demais, o seu regime de admissão: em separado e com efeito devolutivo), com a sua consequente apreciação e decisão.

Custas a cargo do Requerido “Município de Lisboa”, aqui Recorrido, e da contra-interessada “B……………”.

D.N.

Lisboa, 16 de janeiro de 2020 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Francisco Fonseca da Paz.