Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01315/17.4BALSB
Data do Acordão:07/03/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REJEIÇÃO DO RECURSO
CONHECIMENTO DE MÉRITO
Sumário:I - Sendo duas as questões que a recorrente alega terem sido decididas em sentido oposto à jurisprudência deste STA e dois os Acórdãos deste STA apontados como fundamento, e constituindo jurisprudência uniforme e pacífica que apenas pode ser indicado um único Acórdão fundamento relativamente a cada questão em alegada oposição, assumir-se-á, em obediência ao principio “pro acione”, que indica um Acórdão para cada questão e que pretende que a jurisprudência seja uniformizada, relativamente a cada uma das questões, no sentido constante do Acórdão fundamento que indica.
II - A decisão do Tribunal Constitucional proferida nos autos de julgar inconstitucional, por violação da proibição de criar impostos com natureza retroativa, estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, no segmento em que, atribuindo carácter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo artigo 152.º da mesma Lei, determina a aplicabilidade, em anos anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7, em conjugação com a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do referido Código, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, conducente ao sentido de que a isenção de imposto do selo não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões por elas geridas tem força de caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade – artigo 80.º n.º 1 da LOFTC – e obsta a que este STA possa reapreciar a questão em recurso para uniformização de jurisprudência, o que determina, em parte, a rejeição do recurso.
III - O recurso para o STA de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT).
Nº Convencional:JSTA000P24770
Nº do Documento:SAP2019070301315/17
Data de Entrada:11/22/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.... - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE PENSÕES, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

– Relatório –

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT vem, ao abrigo do disposto no art. 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 19 de Maio de 2017 Maio de 2017 no processo n.º 633/2016-T, por alegada contradição com o decidido nos Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Junho de 2016, proferido no recurso n.º 0770/15, e de 29 de Junho de 2016, proferido no recurso n.º 1630/15, ambos transitados em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

a) Constitui objeto do presente recurso a decisão final proferida por Tribunal Arbitral coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência do pedido apresentado nos termos do RJAT e que correu termos sob o n.º 633/2016-T (documento n.º 1), e é deduzido na sequência da cessação da interrupção do prazo efetuada pela interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, cf. alegação supra e certidão do processo arbitral.

b) A Recorrida visava no seu pedido de pronúncia arbitral a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo e respetivos juros compensatórios, melhor identificadas na PI, relativas aos períodos de tributação de 2011, 2012, 2013 e 2014 (cf. documento junto com a reclamação graciosa, fls. do PA), no valor total de €1.217.837,73, alegando, em suma, que as liquidações de Imposto de Selo impugnadas padeceriam de vício de violação de lei, invocando ainda ofensa da CRP e do Direito da União Europeia.

c) Neste recurso para uniformização de jurisprudência, a Recorrente contesta a conclusão tirada pelo Tribunal Arbitral Coletivo sobre o âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS e sobre o carácter inovador da norma ínsita no n.º 7 do art. 7.º do CIS.

d) A decisão arbitral colide frontalmente com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do STA de 15 de Junho de 2016, transitado em julgado, prolatado no processo n,º 0770/15, primeiro acórdão fundamento nos presentes autos de recurso e, bem assim,

e) a decisão arbitral colide frontalmente com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do STA prolatado em 29 de Junho de 2016, transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 01630/15, segundo Acórdão fundamento nos presentes autos de recurso.

f) Sempre ressalvado o devido respeito, a Recorrente não pode conformar-se com o acórdão recorrido porquanto entende que esta decisão incorre em erro de julgamento na interpretação das normas ínsitas nos n.ºs 1, alínea a) e n.º 7 do Código do Imposto do Selo, considerando a jurisprudência supra indicada;

g) Face ao disposto no artigo 25.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, sendo aplicável ao recurso com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

h) O recurso para uniformização de jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do CPTA tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o Supremo Tribunal Administrativo, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição.

i) In casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito – saber se a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS tem como elemento catalisador a concessão de crédito, cfr. julgou o Ac. desse Supremo Tribunal no proc. 0770/15.

j) Tendo, portanto, tal delimitação do âmbito da isenção (efetuada pelo n.º 7 do mesmo art. 7.º, aditado pela Lei n.º 7-A/2016), natureza meramente interpretativa, como qualificou o legislador (cfr. art. 153º dessa Lei n.º 7-A/2016), e julgou esse Supremo Tribunal no proc. 01630/15.

k) No caso vertente, encontram-se reunidos os requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos, desde logo, identidade das situações de facto, versando sobre situações fácticas substancialmente idênticas para efeitos de contradição das soluções dadas, pois que

l) Subjacente à decisão arbitral recorrida está a consideração de que foram cobradas comissões não decorrentes da concessão de crédito (in casu, tratava-se de comissões de gestão cobradas pela sociedade gestora aos fundos de pensões que gere, sobre as quais não liquidou imposto de selo por considerar abrangidas pela norma de isenção constante da alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS. – cfr. factos provados, alíneas a) a c) dos factos provados.

m) Sendo entretanto emitidas pela AT as liquidações impugnadas, no pressuposto, em suma, que a isenção apenas pode aplicar-se às comissões, como às garantias e aos juros que estejam diretamente ligadas à concessão de crédito, veio a aqui recorrida, em sede de pedido de pronúncia arbitral pedir a anulação das mesmas, ao que o acórdão recorrido deu procedência.

n) No Acórdão fundamento prolatado no proc. 770/15, estava igualmente em causa a alegada aplicabilidade da norma de isenção identificada (estavam em causa comissões também não diretamente ligadas à concessão de crédito, in casu de mediação de seguros), tendo-se aí concluído que não merecia acolhimento a invocada interpretação que advogava a aplicação de toda e qualquer comissão a se.

o) Demonstra-se, assim, que entre a decisão arbitral e o acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, pois, subjacentes às decisões em confronto, estão dois casos de entidades que cobraram comissões não advindas da concessão de crédito, sendo que, em ambos os casos, pugnavam pela aplicabilidade da norma de isenção.

p) Quanto ao pressuposto da identidade da questão de direito, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, verificando-se que, no caso, é idêntica a questão fundamental de direito apreciada quer na decisão arbitral recorrida, quer nos Acórdãos fundamento.

q) Considerou-se no acórdão fundamento prolatado no proc. 770/15, em confirmação de jurisprudência anterior, nomeadamente o seguinte:

«não se nos afigura fazer qualquer sentido estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro, sendo que, apenas relativamente a este, se poderia conexioná-lo dependentemente, das instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objecto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras beneficiárias.

- Na realidade, afigura-se-nos incompreensível que, desde logo, o legislador se reportasse aos juros, comissões cobradas e garantias prestadas, pretendendo referir-se a realidades com existência «a se», para efeitos de isenção de imposto, o que redundaria, a ter o alcance pretendido pela recorrente, que todas e quaisquer que elas fossem, desde que reportadas a operações entre sociedade com localização observadora do, ali determinado, estariam isentas.
- Mas mais relevantemente do que isto é que se tornaria ainda mais incompreensível que assim se passassem as coisas no que concerne aos referidos juros, comissões e garantias e já no que toca à utilização do crédito se restringisse, apenas aqui, a isenção às operações financeiras celebradas entre aquelas aludidas instituições. (…).

Assim sendo, também nós consideramos que o preceito em questão se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise, tal como o considerou a sentença recorrida.» (todos os destaques nossos).

r) Porém, a decisão arbitral recorrida concluiu o oposto, designadamente que «A expressão “utilização do crédito” não limita retroativamente o alcance da isenção os juros e comissões anteriormente referidas, no sentido de apenas abranger os juros e comissões relativas a operações de crédito. (…)

65. Pelas razões expostas não podemos deixar de concluir que a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não se restringia, anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras.

66. Aquela restrição apenas voltou a ser expressamente instituída pela Lei n.º 7-A/2016.».

s) Para concluir, sob o tema «Lei n.º 7-A/2016 e os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídicas» que «81. Em suma, pelas razões que vão expostas, considera-se que a Lei n.º 7-A/2016 veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, de forma inovadora. Aqueles preceitos ao instituírem uma redação que não constava da ordem jurídica desde 2003 têm de considerar-se retroativos e, como tal, inconstitucionais, por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica.»

t) Ora, tal apreciação teve por base uma interpretação errada das normas constantes, à data dos factos, da alínea e) do n.º 1 do CIS, bem como do n.º 7 entretanto aditado, sendo precisamente essa mesma questão apreciada em termos radicalmente distintos nos Acórdãos desse Supremo Tribunal que ora se invocam como fundamento.

u) De facto, como bem se fundamenta no segundo acórdão fundamento: «Com o Orçamento de Estado para o corrente ano de 2016, Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, cfr. artigo 152.º, o Legislador introduziu um n.º 7 naquele artigo 7º, esclarecendo que o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, atribuindo natureza interpretativa ao disposto neste novo n.º 7, cfr. artigo 153º.
Face à dúvida interpretativa existente em torno do disposto naquele artigo 7º, n.º 7, veio o legislador restringir a sua aplicação às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, excluindo, assim, expressamente, as comissões recebidas pelos Bancos a título de actividade de mediação de seguros.

E esta norma interpretativa é aplicável imediatamente às situações anteriores uma vez que não aporta um conteúdo inovador, nos termos do disposto no artigo 13º, n.º 1, do Código Civil.

Na verdade, “…a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado [e efectivamente adoptaram no caso concreto]…”cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 246.

Não há qualquer dúvida, assim, que a concreta situação dos autos se enquadra precisamente no regime legal da Lei Interpretativa previsto no artigo 13º do Código Civil, uma vez que à Lei interpretativa não se lhe reconhece desvio no tocante à dualidade de interpretações que se fazia de tal norma, o legislador optou por uma delas, e não introduziu qualquer “novidade” no próprio texto da norma.» (destaques nossos).

v) Resulta assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito na decisão recorrida e no acórdão fundamento, já que em ambos, em concreto, foi decidida a mesma questão de direito.

w) Verifica-se, ainda, que os acórdãos em confronto, sobre a mesma questão fundamental de direito, perfilharam soluções opostas de forma expressa sobre a mesma questão, saber se deve ser atribuída à nora de isenção da alínea e) do n.º 1 do art. 7.º o sentido de ser aplicável apenas às comissões, garantias e juros ligadas à concessão de crédito, conforme se julgou no acórdão fundamento tirado no proc. 770/15, tendo a explicitação do respetivo n.º 7 carácter meramente interpretativo, como julgou o acórdão fundamento prolatado no proc. 1630/15;

x) Ou se, pelo contrário, a isenção deve ser estendida a todas e quaisquer comissões e garantias com as características da norma, conforme determinou o acórdão arbitral recorrido, assim isentando as comissões ali em causa, pagas pelos fundos de pensões à respetiva sociedade gestora, julgando, a final, pela procedência do pedido de anulação das liquidações.

y) A norma em causa tem carácter interpretativo, integrando-se na lei interpretada (cf. art. 13.º do Código Civil), sendo aprovada perante divergências interpretativas, indesmentíveis – sempre salvo melhor opinião – face à jurisprudência do STA ante mencionada e, bem assim, do Tribunal Central Administrativo Sul (Proc. n.º 02754/08, de 21-09-2010).

z) Pois que, considera-se que tem carácter interpretativo «a lei que sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida vem consagrar uma solução a que a jurisprudência, por si só, poderia ter adoptado» (Baptista Machado, in Aplicação das Leis no Tempo no Novo Código Civil, pág. 286 e segs.). Isto é, a lei nova limita-se a resolver uma incerteza ou controvérsia jurídicas, dando-lhe um entendimento que a jurisprudência, se o tivesse querido, já teria adoptado. E, neste caso, adoptou, efetivamente.

aa) Pois que, o raciocínio subjacente às liquidações fora avalizado já no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 02754/08, de 21-09-2010, e foi avalizado o acórdão do Supremo tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0770/15, de 06/17/2016, vindo a ser acolhido expressamente pelo legislador no Orçamento de Estado para 2016.

bb) Pelo que «o Legislador introduziu um n.º 7 naquele artigo 7.º, esclarecendo que o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de créditos, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, atribuindo natureza interpretativa ao disposto neste novo n.º 7, cf. artigo 153.º (…) E esta norma interpretativa é aplicável imediatamente às situações anteriores uma vez que não aporta um conteúdo inovador, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil. (…) Não há qualquer dúvida, assim, que a concreta situação dos autos se enquadra precisamente no regime legal da Lei Interpretativa previsto no artigo 13.º do Código Civil, uma vez que à Lei interpretativa não se lhe reconhece desvio no tocante à dualidade de interpretações que se fazia de tal norma, o legislador optou por uma delas, e não introduziu qualquer “novidade” no próprio texto da norma. (destaques nossos) – cfr. segundo acórdão fundamento.

cc) Em suma, entre a decisão recorrida e os Acórdãos fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida.

dd) Aqui chegados, e no estrito cumprimento do n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, a infração imputada à decisão recorrida consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o Tribunal Arbitral adotou uma interpretação das normas em questão que não respeita, nomeadamente, as diretrizes do art. 8.º e 9.º do Código Civil.

ee) Tendo em consideração os factos considerados relevantes, devidamente expostos supra, é inequívoca a conclusão de que as normas aqui em análise, porque tratam do regime de um benefício fiscal (isenção) impõem particular atenção à coerência interna do sistema, nomeadamente à justificação subjacente à consagração do benefício, conforme foi decidido nos acórdãos ora invocados como fundamento.

ff) De outro modo, a isenção beneficiaria comissões e garantias como realidades a se, sem se exigir a ligação à atividade beneficiária (a concessão de crédito) que, historicamente justificou a consagração da isenção, ademais quando, como já se expendeu em sede arbitral, o fio condutor da evolução da norma de isenção é definido: i) num primeiro momento, os juros (que pressupõem sempre a existência do crédito); ii) depois, juros e crédito de que aqueles resultem; e iii), por último, o crédito, e os juros e comissões decorrentes daquele.

gg) Na verdade, não se considera fundada a conclusão de que a alteração efetuada aquando da agregação das alíneas correspondeu a uma intenção legislativa de alargamento do âmbito da isenção, não devendo qualificar-se a eliminação do n.º 2 e renumeração dos n.ºs 3 e 4 do arrigo 6.º como um acto revogatório, por não resultar manifesto que o legislador tenha querido dispor num sentido diverso do anterior.

hh) Apenas se deve considerar que a vontade do legislador não necessitava (ou, o que resulta no mesmo, assim se pressupôs) de qualquer norma que esclarecesse o seu sentido, devendo concluir-se pela inexistência de ato revogatório com um resultado muito alargador do âmbito da isenção.

ii) Ademais, deve notar-se que o acórdão recorrido não logra identificar, em abono da invocada vontade legislativa de alargamento da isenção, qualquer trabalho preparatório em que tal (alegada) vontade haja sido minimamente evidenciada. Ora, a inexistência de uma qualquer externação da (alegada) intenção legislativa de alargamento da isenção, em elementos coevos à alteração, é bastante significativa.

jj) Mais cabendo destacar, face à qualificação (pacífica) dos benefícios fiscais como despesa fiscal, que havia de ter sido feita a estimativa da despesa fiscal associada a tal alargamento, cf. dispõe o n.º 3 do art. 2.º do EBF. No entanto, o acórdão recorrido falha também em indicar a evidência da estimativa da despesa fiscal inerente, comprometendo a sua conclusão sobre a (alegada) vontade legislativa de alargar o âmbito da isenção.

kk) Ora, como já se referiu, no primeiro acórdão fundamento conclui-se doutamente que «o preceito em questão se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise» (destaque nosso).

ll) De facto, o primeiro acórdão fundamento salienta a importância de estabelecer uma interpretação fundada – nomeadamente em virtude dos elementos lógico e sistemático – do âmbito de aplicação da norma de isenção.

mm) Por outro lado, no segundo cordão fundamento, tirado no proc. 01630/15, julgou-se fundadamente que a delimitação do âmbito da isenção efetuada pelo n.º 7 do mesmo art. 7.º, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, tem natureza meramente interpretativa, visando resolver divergências interpretativas, pela eleição de um sentido que a jurisprudência já tinha acolhido antes da aprovação norma interpretativa.

nn) Assim, se garantindo a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, sendo que, conforme dispõe o artigo 8.º do Código Civil, o julgador deve ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito, o que decorre da própria ideia de Justiça e está, também, subjacente à consagração do meio processual aqui em uso.

oo) Cabendo, na perspetiva da ora Recorrente, sempre ressalvado o devido respeito, corrigir o indesmentível erro de julgamento em que incorreu a, aliás douta, decisão aqui em crise.

pp) Mais se peticionando, nos termos legais e constitucionais supra expostos, dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, considerando a jurisprudência supra indicada, deverá ser decretada a anulação da decisão arbitral recorrida e a sua substituição por outra que julgue improcedente o pedido, como é de Direito e Justiça!

2 – Contra-alegou a recorrida pugnando pelo não provimento do recurso, desde logo pela indicação de dois Acórdãos fundamento, por inexistência dos pressupostos de identidade quanto à situação de facto e quanto à questão fundamental de direito, bem como, no que à questão da natureza interpretativa do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, pelo facto de o Tribunal Constitucional, nos presentes autos, já ter declarado a inconstitucionalidade dessa interpretação e, caso o recurso seja admitido, pela improcedência do mesmo.


3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA teve vista dos autos mas não emitiu parecer.

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.


- Fundamentação -


5 – Matéria de facto

5.1 É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão arbitral recorrido:

a. A Requerente é uma Sociedade Gestora de Fundos de Pensões (SGFP);

b. Entre os anos de 2011 e 2014 a Requerente cobrou aos fundos de pensões sob a sua gestão e administração comissões que remuneraram os serviços

c. A Requerente entendeu que, nos termos do CIS e da respectiva TGIS não teria que liquidar Imposto do Selo sobre as referidas comissões;

d. A Requerente foi objecto de um Procedimento Inspectivo levado a cabo pela Direcção de Finanças de Lisboa e credenciado pelas Ordens de Serviço n.º OI201501688, OI201501689, OI201501690 e OI201501691 de 30-03-2015

e. A Requerente foi notificada para se pronunciar sobre o projecto de relatório através do ofício n.º 045208, de 09.09.2015, tendo exercido o seu direito de audição prévia;

f. O relatório final manteve as correcções propostas no projecto de relatório;

g. A Requerente procedeu à prestação de garantia bancária para, conjuntamente, com a apresentação de reclamação graciosa, obstar à cobrança coerciva do Imposto do Selo;

h. A requerente apresentou reclamação graciosa, tendo aproveitado a presunção de indeferimento tácito para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral.

i. A Requerente não pagou voluntariamente o imposto liquidado, tendo-lhe sido instauradas as execuções fiscais n.ºs 3255201501451081, 32552011501451090, 32552015014510103 e 3255201501451073.

Para suspender as execuções referidas a Requerente prestou, em 23 de Dezembro de 2015, garantia bancária até ao limite de €1.539.273,82.

6 – Decidindo

6.1 Questão prévia: da indicação de dois Acórdãos fundamento e da decidida questão de inconstitucionalidade

Nas suas contra-alegações de recurso a recorrida pugna pelo não provimento do recurso pelo facto de a recorrente sustentar o presente recurso para uniformização de jurisprudência na alegada contradição entre a decisão recorrida, por um lado, e dois acórdãos fundamento, por outro e por não indicar em que sentido deve a jurisprudência ser fixada.

Mais alega a recorrida que o TC já decidiu, e nos autos, a questão de saber se a norma interpretativa do n.º 7 do artigo 7.º do Código do IS (introduzida pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março), quando aplicável às comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos, é ou não conforme à CRP, tendo concluído pela inconstitucionalidade, por violação da proibição de criação de impostos de natureza retroativa, da norma que determina a aplicabilidade aos anos fiscais anteriores a 2016, da norma do n.º 7, em conjugação com o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do IS, segundo a qual a isenção objeto de tais preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos e que ao insistir na natureza interpretativa do disposto no n.º 7 do artigo 7.º do Código do IS, a Recorrente parece esquecer que o TC já declarou, nos próprios autos, a inconstitucionalidade dessa interpretação, sendo tal decisão de aplicação obrigatória pelos demais tribunais judiciais, sob pena de nova inconstitucionalidade (ex vi do disposto no artigo 80.º n.º 3 da LTC e dos artigos 204.º e 280.º n.º 1 da CRP).

Vejamos.

Alega a recorrida que o recurso deve ser julgado improcedente porquanto a AT sustenta o presente recurso para uniformização de jurisprudência na alegada contradição entre a decisão recorrida, por um lado, e dois acórdãos fundamento, por outro e não indica em que sentido deve a jurisprudência ser fixada.

Atentas as alegações de recurso, verifica-se que a recorrente AT contesta a decisão arbitral recorrida em duas questões distintas, a saber, a conclusão tirada pelo Tribunal Arbitral sobre o âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS e, em segundo lugar, sobre o carácter inovador da norma ínsita no n.º 7 do art. 7.º do CIS, alegando que a decisão arbitral colide frontalmente com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do STA de 15-06-2016, transitado em julgado, prolatado no processo n,º 0770/15, primeiro acórdão fundamento nos presentes autos de recurso e, bem assim, com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do STA prolatado em 29-06-2016, transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 01630/15, segundo Acórdão fundamento nos presentes autos de recurso.

Ora, sendo duas as questões que a recorrente alega terem sido decididas em sentido oposto à jurisprudência deste STA e dois os Acórdãos deste STA apontados como fundamento, e constituindo jurisprudência uniforme e pacífica que apenas pode ser indicado um único Acórdão fundamento relativamente a cada questão em alegada oposição, assumir-se-á que relativamente à questão que a recorrente identifica como a relativa “ao âmbito da isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo” o Acórdão fundamento relevante é o Acórdão deste STA proferido em 15 de Junho de 2015, no recurso n.º 0770/15, sendo o Acórdão do STA proferido em 29 de Junho de 2016, no recurso n.º 1630/15 o acórdão fundamento relativo à questão identificada pela recorrente como sendo “a do carácter inovador da norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS”, assumindo-se igualmente que a recorrente pretende que a jurisprudência seja uniformizada, relativamente a cada uma das questões, no sentido constante de cada um dos Acórdãos fundamento que indica.

Isto em obediência ao princípio “pro acione”, para evitar a rejeição do recurso por estes motivos.

Relativamente à pronúncia do Tribunal Constitucional nos presentes autos.

Aquando na interposição do recurso a recorrente omitiu, e não retirou as consequências devidas, do facto de, nos presentes autos, o Tribunal Constitucional ter julgado inconstitucional, por violação da proibição de criar impostos com natureza retroativa, estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, no segmento em que, atribuindo carácter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo artigo 152.º da mesma Lei, determina a aplicabilidade, em anos anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7, em conjugação com a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do referido Código, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, conducente ao sentido de que a isenção de imposto do selo não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões por elas geridas – cfr. Decisão Sumária n.º 404/2017, de 14 de Julho e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 644/2017, de 4 de Outubro de 2017, proferido nos autos de recurso n.º 519/17.

A decisão do Tribunal Constitucional quanto à questão da inconstitucionalidade suscitada nos presentes autos tem força de caso julgado – cfr. o n.º 1 e 4 do artigo 80.º da LOFTC – e é obrigatória para todas as entidades públicas e privadas – cfr. o n.º 2 do artigo 205.º da CRP-, incluindo, obviamente, a AT e este STA.

Por isso, interpor recurso para este STA para uniformização de jurisprudência de questão que o Tribunal Constitucional já decidiu e que adquiriu força de caso julgado nos presentes autos é uma actuação censurável. Como pretender que este STA, conhecendo de novo a questão (que a recorrente lhe apresenta omitindo a referencia à questão da inconstitucionalidade, mas que em torno desta gira necessariamente) , uniformize jurisprudência em sentido contrário ao julgado pelo Tribunal Constitucional – ou seja, que diga que a norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS tem carácter interpretativo, como consignado no Acórdão fundamento indicado pela recorrente, quando o Tribunal Constitucional disse já, e neste processo, que a atribuição de carácter interpretativo a tal norma é inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 103.º n.º 3 da Constituição – é uma pretensão ilegítima, que este STA rejeita, rejeitando por isso o recurso no que à questão identificada pela recorrente como sendo “a do carácter inovador da norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS”.

O recurso prosseguirá apenas, pois, para verificação dos respectivos pressupostos substantivos do recurso para uniformização no que à primeira questão respeita e, ainda assim, caso haja que conhecer do respectivo mérito do recurso, tendo presente a pronúncia do Tribunal Constitucional no que às questões constitucionalidade suscitadas concerne.

6.2. Da não verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Por Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA do passado dia 5 de Junho, proferido no processo n.º 2014/18.5 BALSB, foi decidido, e por unanimidade, não haver contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre uma decisão arbitral que julgou que as comissões de gestão cobradas pela gestora de fundos de pensões aos fundos que administra estavam, em 2013, isentas de imposto do selo, ex vi da alínea e) do artigo 7.º do CIS, e o Acórdão deste STA proferido no processo n.º 770/15 – o mesmo Acórdão indicado como fundamento nos presentes autos quanto à primeira questão – que decidiu que não estavam isentas de Imposto do Selo ao abrigo da referida norma legal as “comissões cobradas pela impugnante Banco por serviços de mediação de seguros a Seguradoras”.

Nos presentes autos estão também em causa comissões cobradas por uma Sociedade Gestora de Fundos de Pensões aos fundos que administra nos anos de 2011 a 2014, sobre os quais não liquidou Imposto do Selo no entendimento de que o tal imposto não era devido em razão da isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do CIS, entendimento este que a inspecção rejeitou e está na origem das liquidações adicionais sindicadas – cfr. o probatório fixado do acórdão arbitral recorrida, pelo que o que naquele Acórdão do Pleno se decidiu quanto à inexistência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é inteiramente transponível para os presentes autos, remetendo-se para o ali decidido no que à motivação da decisão respeita.

Não haverá, pois, que conhecer do mérito do recurso.


- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:

- rejeitar o recurso, quanto à primeira questão, atento o decidido pelo Tribunal Constitucional na sua Decisão Sumária n.º 404/2017, de 14 de Julho e no seu Acórdão n.º 644/2017, de 4 de Outubro de 2017, proferido nos autos de recurso n.º 519/17. ;

e

- não tomar conhecimento do mérito do recurso, quanto à segunda questão, pela não verificação dos respectivos pressupostos substantivos.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, como peticionado e ex vi do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, atenta a rejeição parcial do recurso e o seu carácter meramente remissivo, na parte em que se conheceu dos respectivos pressupostos substantivos.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 3 de Julho de 2019. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – António José Pimpão - Joaquim Casimiro Gonçalves – Dulce Manuel da Conceição Neto - José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Ana Paula da Fonseca Lobo – Pedro Manuel Dias Delgado - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.