Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0172/13.4BEBJA
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26309
Nº do Documento:SA2202009160172/13
Data de Entrada:07/07/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, vêm, nos termos do disposto nos artigos 282.º e 285.º do CPPT, interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18 de Dezembro de 2019, que concedeu provimento ao recurso interposto por A………………….., S.A. da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgara improcedente a impugnação judicial que deduzira do indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada contra liquidação de IRC referente ao exercício de 2009, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a impugnação.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A questão que se pretende ver melhor analisada pelo tribunal ad quem no presente recurso, é a de saber se, as amortizações de um terreno, incorporado na bacia de uma barragem objeto de um contrato de concessão, são dedutíveis ao resultado fiscal;
b) Entende, a FP, que o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação dos art.ºs 12.º do DR 25/2009, dos art.ºs 17.º, 29.º e 34.º, todos, do CIRC, pelo que, no nosso entendimento, não deve manter-se;
c) Na verdade, a questão acima identificada assume relevância social fundamental, porquanto, a situação apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, até porque, está em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a casos futuros do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa, em muito, os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio;
d) Por outro lado, a mesma questão assume também relevância jurídica fundamental, uma vez que a questão a apreciar é de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior à comum;
e) In casu, o presente recurso é também absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, porquanto, o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação;
f) Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso-tipo, não só porque contem uma questão bem caracterizada e passível de se repetir no futuro, como a decisão da questão se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita fundadas dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios;
g) Entendeu o acórdão recorrido que:
«Nesta óptica, ao contrário do sustentado pela recorrida, não há qualquer contrariedade entre as normas contabilísticas e as normas fiscais, sendo a interpretação que se nos afigura correta plenamente compatível com o disposto no artigo 17º. Código do CIRC.»;
h) Do teor dos preceitos, nomeadamente dos art.ºs 29.º e 34.º do CIRC, as depreciações e amortizações dos ativos de uma empresa, para efeitos fiscais, estão associadas ao seu deperecimento;
i) Pelo que, também os terrenos são amortizáveis ou depreciáveis, apenas quando sujeitos a deperecimento, o que não é, claramente, o caso;
j) Ora, para o acórdão recorrido, os terrenos ao serem qualificados como ativos fixos intangíveis, por aplicação da IFRIC – 12, podem ser objeto de amortização fiscal, nos termos do art.º 12.º n.º 1 do DR 25/2009;
k) Contudo, a nosso ver, esta norma fiscal (art.º 12.º n.º 1 do DR 25/2009) não prevê a aceitação da amortização relativa a aquisições de terrenos submersos;
l) Além disso, o DR 25/2009, que visou operacionalizar o regime fiscal das amortizações previsto no CIRC, estabelece como critério-regra que:
«Podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis e as propriedades de investimento (…)». (In, art.º 1.º do DR 25/2009);
m) E, o art.º 10.º do mesmo DR, vem estabelecer que, para «[e]feitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento»;
n) Em ordem ao que antecede, defendemos que as amortizações ou reintegrações relativas aos terrenos, ainda que submersos, não podem ser aceites como custos/gastos fiscais;
o) Acompanhando esta posição, o Douto voto vencido proferido pela Juíza Desembargadora Anabela Russo, no acórdão do TCA Sul n.º 268/15.8BEBJA (relativa à mesma questão e mesma Impugnante - consultável em http://www.dgsi.pt) refere que:
«[a] lei fiscal não admite que as amortizações e reintegrações, ainda que registadas contabilisticamente, relativas a custos de aquisição de terrenos, e mesmo que se entendesse que fazem parte integrante de uma barragem ou de qualquer outra infra-estrutura (e não fazem, como na tese que obteve vencimento se concedeu), sejam relevadas fiscalmente (…)»;
p) O modelo da dependência parcial do direito fiscal face ao direito da contabilidade consagrado pelo legislador, implica que o ponto de partida para a determinação do resultado fiscal seja o resultado contabilístico, desempenhando a contabilidade uma função instrumental, mas o resultado contabilístico está sujeito a correções fiscais decorrentes das regras que o CIRC impõe, como resulta do art.º 17.º do mesmo diploma legal, que estabelece que:
«O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.»;
q) Como refere o Professor José Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, 4.ª Edição, Almedina, pg. 577, “o lucro contabilístico está sujeito a correcções, pois determinados proveitos ou custos contabilísticos não são havidos como tal no apuramento do lucro fiscal (…).”;
r) Daí que, com o devido respeito, que é muito, não podermos concordar com a decisão proferida, porque colide com o princípio da dependência parcial do IRC face às normas contabilísticas;
s) Por outras palavras, existindo norma fiscal, como é o caso, esta prevalece sobre qualquer norma contabilística;
t) Assim sendo, conclui-se que os terrenos submersos que integram a bacia de uma barragem, ainda que objeto de um contrato de concessão, não estão sujeitos a deperecimento, não sendo, por isso, fiscalmente amortizáveis;
u) Em suma, tal como concluiu o aludido voto vencido:
«[s]ó podem originar amortizações ou reintegrações bens que estejam sujeitos a deperecimento (perda de valor). O que não sucede precisamente com os terrenos, face ao artigo 34.º, nº 1, alínea b), do mesmo código.»;
v) Há assim que concluir que, na decisão proferida pelo TCA Sul, a matéria aqui em crise foi tratada de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo, objetivamente, útil, a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema;
w) Acresce que, a questão subjacente ao presente recurso não tem uma natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência;
x) Entende, assim, a FP, que está em causa (neste processo) a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental, bem como que, a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, devendo, nestes termos, ser sujeita ao escrutínio da mais alta instância judicial tributária.
Nestes termos, e nos mais de direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso de Revista ser admitido, sendo conhecido do seu mérito e, em consequência, ser dado como procedente, por provado, sendo anulado o acórdão recorrido, por ilegal, e substituído por outro que julgue totalmente improcedente a Impugnação Judicial, com todas as legais consequências, assim se cumprindo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, com o DIREITO e a JUSTIÇA!
Mais se requer a Vossas Excelências, se dignem ordenar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do número 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (e dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade, do acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efetiva), tudo com as legais consequências.

Não foram produzidas contra-alegações.

Dá-se por reproduzido, para todos os legais efeitos, o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 530 a 561 dos autos)

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

A questão aqui trazida pela recorrente já foi anteriormente admitida para conhecimento no âmbito do recurso de revista n.º 0268/15.8BEBJA, por acórdão datado de 03.06.2020.
Se nesse momento se entendeu que a questão reunia os pressupostos legalmente previstos para a sua admissão, agora, por maioria de razão, também se impõe a admissão deste recurso de modo a que o Supremo Tribunal possa emitir pronúncia devidamente fundamentada sobre tal questão e venha a consagrar doutrina que possa ser extensível a outros casos idênticos, quer as partes sejam as mesmas, quer sejam outros os intervenientes processuais.
A revista será, pois, admitida.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o recurso.
Custas a final.

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.