Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02630/12.9BELRS 01385/17
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IVA
REENVIO PREJUDICIAL
REPARAÇÃO
GARANTIA
Sumário:I – Não resultando de forma clara das normas legais nacionais e europeias, nem existindo jurisprudência europeia que tenha esclarecido a questão, importa formular, em sede de reenvio prejudicial, as seguintes questões:
(i) É conforme com o direito europeu a interpretação segundo a qual as reparações efectuadas no decurso do chamado período de garantia só se consideram operações não sujeitas a imposto quando efectuadas a título gratuito e na medida em que elas se encontrem tacitamente incluídas no preço de venda do bem abrangido pela garantia, devendo considerar-se sujeitas a imposto as prestações de serviços no período de garantia (com ou sem aplicação de materiais) que sejam objecto de facturação, por não poderem deixar de qualificar-se como prestações de serviços a título oneroso?
(ii) A emissão de uma nota de débito a um fornecedor para reembolso de despesas efectuadas pelo adquirente desses bens durante o período da respectiva garantia, com a substituição de componentes (novas importações de bens do fornecedor que foram tributadas em IVA e que originaram o direito à dedução) e com o respectivo arranjo (através da aquisição de serviços a terceiros com liquidação de IVA), no âmbito da prestação a terceiros de serviços de instalação de um equipamento, por esse adquirente (que se encontra numa relação de grupo com o vendedor, sedeado em país terceiro), deve qualificar-se como uma mera operação de redébito de despesas e, como tal, isenta de IVA, ou antes como uma prestação de serviços a título oneroso que deve dar lugar à liquidação de imposto?
Nº Convencional:JSTA000P26160
Nº do Documento:SA22020070102630/12
Data de Entrada:12/06/2017
Recorrente:A………….. WIND ENERGY PORTUGAL–ENERGIA EÓLICA UNIPESSOAL, LDA E (OUTROS)
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 - A A………….. Wind Energy – Energia Eólica Unipessoal, Lda, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que, em 30 de Junho de 2017, julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas aos meses de Fevereiro, Março e Novembro de 2009, perfazendo o valor de €1.666.710,02, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
I - A mera repercussão ao fornecedor do exacto montante das despesas que o cliente suportou com a reparação/substituição de bens adquiridos dentro do período de garantia não é direccionada à obtenção de receitas – remuneração – de modo contínuo, pelo que carece de carácter económico.
II - No caso concreto, essa repercussão não foi realizada a troco de uma contrapartida do fornecedor, mas tão-somente para reaver os custos em que o cliente (Recorrente) incorreu para executar uma tarefa que estava a cargo do fornecedor por decorrer da garantia de bom funcionamento do produto incluída no preço de venda, ou seja, como um direito de regresso.
III - O que equivale a dizer que a operação em causa foi efectuada a título gratuito.
IV - A ausência de onerosidade retira, legal e automaticamente, a operação do campo de incidência do IVA, na medida em que não estão reunidos os requisitos essenciais para a sua qualificação como uma operação tributável e, por maioria de razão, como uma prestação de serviços.
V - O primeiro erro da decisão recorrida consistiu em perscrutar a existência de uma operação tributável a partir da dedução do imposto, isto quando, à luz do disposto no artigo 168.º da Directiva do IVA e nos artigos 19.º e seguintes do CIVA, o raciocínio é precisamente inverso.
VI - Conceber uma transacção tributável – em concreto, uma prestação de serviços da Recorrente à A………… Índia – a partir da dedução do imposto contraria não só a dinâmica do IVA como a realidade material das relações entre as partes.
VII - Essa dedução do imposto foi – validamente – efectuada pela Recorrente porque os custos com a reparação/substituição das pás foram suportados para permitir que esses bens estivessem em condições de ser entregues aos seus clientes em território nacional e por estes utilizados para os fins a que se destinam (cf. artigo 921.º do CC).
VIII - Tais custos estavam, pois, directa e imediatamente relacionados com a actividade económica da Recorrente - a montagem, exploração e manutenção de aerogeradores aos seus clientes (cf. alíneas a) e e) dos factos provados) -, sendo, por isso, o respectivo IVA dedutível, o que a Administração Tributária não questiona (cf. acórdão do TJUE n.º C-132/16).
IX - O segundo erro da decisão recorrida resultou em ficcionar uma prestação de serviços para sujeitar a imposto um mero redébito de despesas, sem acréscimo, no contexto da reparação de defeitos de produtos no período de garantia.
X - Trata-se de um simples fluxo monetário que não gera valor acrescentado para nenhuma das partes, antes se destina, apenas, a recuperar um custo previamente suportado, pelo que o cliente não exige ao fornecedor, nem obtém deste, uma contrapartida ou remuneração.
XI - Ora, se, de acordo com o TJUE, a mera incerteza quanto à obtenção de uma remuneração basta para afastar a operação do âmbito de incidência, outra não pode ser a solução para a situação em que aquando a transacção não tem, comprovadamente, qualquer contrapartida (cf. acórdãos do TJUE n.ºs C-520/14 e C-432/15).
XII - De facto, em diversas ocasiões a Administração Tributária considerou que os redébitos de despesas pelo seu valor exacto - i.e., sem incluir qualquer margem (mark-up) - não são prestações de serviços e estão fora do âmbito de incidência do IVA.
XIII - A título de exemplo, veja-se o Ofício-Circulado n.º 32344, de 14 de Outubro de 1986, e o Ofício-Circulado n.º 30019, de 4 de Maio de 2000, ambos da Direção de Serviços do IVA; a ficha doutrinária no processo n.º C284 2003004, de 10 de Fevereiro de 2006; a Circular n.º 16/2011, de 19 de Maio de 2011; e a ficha doutrinária emitida no processo n.º 7386, de 22 de Outubro de 2014.
XIV - Veja-se, ainda, o § 1 do Ofício-Circulado n.º 49424, de 4 de Maio de 1989, da Direção de Serviços do IVA, plenamente aplicável ao caso concreto, que estabelece que “As reparações efectuadas, no decurso do chamado período de garantia, só se consideram operações não sujeitas a imposto, enquanto efectuadas a título gratuito, na medida em que sempre se entendeu que elas se encontram tacitamente incluídas no preço de venda” (sublinhado nosso).
XV - A este respeito, cumpre trazer à colação o acórdão do TJUE n.º C-77/01, de 29 de Abril de 2004 (EDM), do qual é possível extrair que se o redébito de uma despesa é feito pelo seu montante exacto – sem margem, como sucede in casu – não existe remuneração e, por conseguinte, não há operação tributável em IVA.
XVI - Refira-se, também, o acórdão n.º 02454/04.7BEPRT do Tribunal Central Administrativo Sul, de 3 de Maio de 2012, de onde consta que “a compensação, pelo fabricante, dos prejuízos suportados pelo distribuidor na reparação de defeitos de viaturas automóveis que àquele [fabricante] devam ser imputados é uma atribuição patrimonial que não tem subjacente nenhuma operação com substância económica, porque não está em causa a exploração de factores de produção com o objectivo de intervir no mercado de venda ou reparação de veículos, mas a erosão do valor patrimonial auferido na venda pretérita do veículo” (sublinhado e destaque nossos).
XVII - Atento o paralelismo entre as situações fácticas e a unidade do regime jurídico aplicável, a orientação do Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão n.º 02454/04.7BEPRT deve ser seguida no presente caso, em nome da regra geral contida no artigo 8.º, n.º 3, do CC, corolário do princípio constitucional da igualdade.
XVIII - Recorde-se que num caso em tudo idêntico ao presente a Administração Tributária revogou, oficiosamente, as liquidações adicionais de IVA (cf. requerimento apresentado pela ora Recorrente em 11 de Outubro de 2013 (referência 005622959) e as alegações escritas apresentadas em primeira instância).
XIX - Em respeito aos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, todos com assento constitucional, a Administração Tributária não podia adoptar soluções divergentes perante circunstâncias substancialmente idênticas, como fez.
XX - Em relação à questão do redébito a sociedades do grupo A……… sedeadas noutros Estados-Membros de despesas com serviços de telecomunicações pagas pela Recorrente por conta destas, existe um défice de fundamentação, bem como uma contradição, da sentença recorrida.
XXI - É que não se esclarece como um redébito que, reconhecidamente, não constitui uma prestação de serviços nem se encaixa em nenhuma das outras categorias de operações tributáveis – e por isso não está sujeito a IVA – pode, afinal de contas, dar origem à liquidação desse imposto.
XXII - O Tribunal a quo não podia recorrer ao disposto no artigo 6.º, n.º 4, do CIVA para fundamentar a legalidade da liquidação, na medida em que essa norma só se aplica às prestações de serviços – o que, como o próprio reconhece, não é o caso deste redébito.
XXIII - Quanto à pretensa “necessidade” de liquidar IVA no redébito das despesas para assegurar o princípio da neutralidade, ao não identificar a concreta norma ou princípio que a determina, a sentença ofendeu o dever legal de fundamentação das decisões (cf. artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
XXIV - A solução preconizada pela decisão recorrida de liquidar IVA no redébito das despesas com serviços de telecomunicações não assegura a neutralidade mas redunda, ao invés, numa distorção a esse princípio fundamental do IVA.
XXV - Caso esses serviços de telecomunicações tivessem sido facturados directamente pelo prestador (…………… Portugal) aos seus reais adquirentes (em Espanha e na Dinamarca), não seria liquidado IVA – e o Estado Português não arrecadaria imposto – em virtude do disposto no artigo 6.º, n.ºs 8, alínea j), e 9, alínea a), do CIVA, na redacção então em vigor.
XXVI - Sucede que, por questões de ordem prática, sobretudo para facilitar os pagamentos, optou-se por facturar os serviços à Recorrente, com IVA incluído, imposto que por ela foi posteriormente deduzido
XXVII - Em ambos os casos descritos, o efeito em termos de arrecadação de IVA para o Estado Português é neutro – no primeiro, o imposto nem sequer é liquidado pelo prestador; no segundo, o imposto é liquidado e deduzido.
XXVIII - Ora, não se concede, por ser contrário aos princípios da neutralidade e da uniformidade do imposto, sujeitar uma despesa a tributação pelo simples facto de o seu montante exacto ser repercutido ou redebitado.
XXIX - O entendimento preconizado pela Administração Tributária e sufragado pela sentença recorrida conduz, ainda, a uma duplicação indevida da liquidação de IVA sobre o mesmo montante apenas pela intervenção da Recorrente no redébito, o qual não tem substância económica.
Termos em que deve ser concedido total provimento ao presente recurso, por provado, e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, considerada procedente a impugnação judicial e, por conseguinte, anulados os actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios n.ºs 12106037, 12106038, 12106039, 12106040, 12106041 e 12106042».


2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento parcial ao recurso, revogada a sentença e proferido acórdão de anulação das liquidações adicionais resultantes das notas de débito respeitantes a serviços de telecomunicações e de manutenção das liquidações adicionais resultantes da prestação de serviços de reparação/substituição de componentes de aerogeradores, com base nos seguintes fundamentos:
1.º No caso da reparação dos componentes abrangidos pela garantia, “tendo o imposto sido liquidado, suportado e deduzido o montante deveria ter sido igualmente liquidado a jusante, em factura que titulasse a prestação de serviço em território nacional, sujeita à incidência de IVA”;

2.º No caso dos serviços de telecomunicações, “as notas de débito dirigidas às sociedades do grupo sedeadas em Espanha e na Dinamarca não titulam qualquer operação tributável com substância económica inscrita no âmbito da incidência real do imposto; apenas se destinam ao reembolso pelos destinatários últimos do serviço de telecomunicações dos custos suportados provisoriamente pela recorrente, não ao pagamento de uma prestação de serviços por ela própria realizada”.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A sociedade impugnante tem o objecto social de fabrico, montagem, exploração, comercialização, instalação, desenvolvimento, maquinação, operação e manutenção e prestação de serviços na área da indústria energética, em particular no sector da energia eólica e desenvolvimento de actividades conexas, encontrando-se enquadrada no CAE 35113 – “Produção de electricidade de origem eólica, geotérmica, solar e de origem N.E.” (cfr. relatório de inspecção tributária, fls. 7 a 22v do PAT apenso aos autos);
B) No ano de 2009, a impugnante era detida a 100% pela sociedade A………. Wind Energy A/S, com sede na Dinamarca, que, por sua vez, é detida pela sociedade indiana A……….. Energy Limited (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 7 a 22v do PAT apenso aos autos);
C) Em sede de IVA, a impugnante é um sujeito passivo não isento, conforme artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, enquadrado no regime de tributação normal, com periodicidade mensal, conforme artigo 41.º, n.º 1, alínea do mesmo Código (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 7 a 22v do PAT apenso aos autos);
D) Em 17 de Junho de 2006, a sociedade indiana A……… Energy Limited celebrou com a sociedade dinamarquesa A………. Energy A/S um assim designado “Terms and Conditions of Sales Agreement” (Acordo de Termos e Condições de Vendas), a aplicar às suas subsidiárias, nos termos do qual foi acordado, além do mais, o seguinte
1.0 ACORDO GERAL
Os fornecimentos de projectos de Geradores de Turbinas Eólicas e todo o equipamento auxiliário (em conjunto designado por “WTG’s”) entre o Comprador e o Fornecedor e entre o Comprador e as suas subsidiárias regem-se pelo presente Acordo. Qualquer representação, promessa ou condição em relação ao fornecimento de materiais ou serviços que não seja incorporada no presente Acordo não vincula as Partes, salvo no caso em que esteja referida numa Ordem de Compra (“PO”) que foi aceite, nos termos do n.º 4. O presente Acordo é aplicável em várias fases das vendas, iniciando com a previsão de vendas até a entrega final no porto de chegada e a garantia de produto nos termos do n.º 11.
(…)
11.0 GARANTIA DO PRODUTO
O Fornecedor assegura a garantia relativa a todas as peças por si produzidas em relação a defeitos de produção, com um período de garantia de dois (2) anos a partir da data da operação comercial, durante o qual o Fornecedor paga todas as peças / reparações e transporte para o projecto e o Comprador paga os custos com mão de obra para a substituição das peças.
Em relação a peças dos WTG’s que o Fornecedor compra aos seus próprios fornecedores, o Fornecedor partilha com o Comprador os contratos de fornecimento e dá qualquer autorização necessária ao Comprador para assegurar que o Comprador possa contactar os referidos fornecedores directamente em relação a todas as questões relacionadas com a garantia / reparações / substituição sem custos das peças compradas de terceiros.
Em todos estes casos o custo da garantia/custo relacionado recai sobre o Comprador, não podendo ser repercutido no Fornecedor. É uma condição que estes componentes exteriores tenham uma garantia de pelo menos dois (2) anos por parte do fornecedor terceiro no momento da entrega dos WTG’s. (…)»
(cfr. contrato, tradução e certificado de tradução, a fls. 334 v a 344 dos autos);
E) No âmbito de Contratos de Empreitada de Fornecimento e Montagem de Aerogeradores (“Wind Turbine Generators”) relativamente aos parques eólicos de Penamacor 2 e Penamacor 3B e Mafômedes, para os clientes «B……….. – Tecnologias Energéticas SA” e «C…………… – Parques Eólicos Unipessoal Lda», a impugnante, nos anos de 2007 e 2008, adquiriu à sociedade indiana A……….. Energy Limited, por importação directa, um conjunto de 21 aerogeradores, orçando as respectivas 63 pás num valor total de €3.879.000,00 (cfr. relatório de inspecção tributária e seu anexo XVI, a fls. 7 a 22v e 257 a 268v do PAT apenso aos autos);
F) A partir de Setembro de 2007, os relatórios relativos às turbinas S88 V2 em funcionamento começaram a evidenciar uma fissura comum nas pás dos aerogeradores mencionados na alínea antecedente, cuja localização e geometria revelaram não se tratar de uma anomalia individual, mas sim, uma questão geral da série, falha que exigia a sua reparação/substituição, sem o que a película de fibras de vidro iria empenar e eventualmente rachar (cfr. relatório técnico e imagens da divisão SE Blades da A………….. Índia, tradução e certificado de tradução, a fls. 323v a 334 dos autos);
G) Em 25 de Janeiro de 2008, a impugnante (ali designada “D……….”) celebrou com a sociedade indiana A………… Energy Limited (ali designada “A……. EL”) um assim designado “Services Agreement” (Contrato de Prestação de Serviços), com o seguinte teor, em transcrição parcial:
«(…)
Considerando que:
A — A A………..EL, é uma sociedade comercial com sede na India, especialista e líder na área de equipamento e tecnologia de energia eólica;
B - A D…………. é uma sociedade comercial de direito Português que se dedica à actividade de comercialização, montagem, instalação e reparação de equipamento de energia eólica (WTG) e possui capacidade para criar uma unidade de reparação WTG em Portugal (a “Unidade”);
C — A D……… e a A……….EL são entidades pertencentes ao mesmo Grupo na qual a A……… EIL detém indirectamente 100% do capital da D…………;
D - A SEL pretende ver reparadas 63 pás nas 21 WTGs referentes aos Parques Eólicos de Maformedes, Penamacor 2 e Penamacor 313 mediante a reparação ou substituição de cada uma das Pás.
E - As Pás de substituição, que se destinam a substituir as Pás danificadas actualmente montadas nas turbinas, serão transportadas da Índia para Portugal;
F - As Pás que serão objecto de reparação são as que se encontram actualmente instaladas nos WTGs que serão desmontadas, reparadas no denominado “campo hospitalar” e posteriormente remontados numa WTG.
As partes, acordam entre si, celebrar o presente contrato:
Cláusula Primeira - Serviços
1. A A………..EL compromete-se a prestar à D…………. os serviços (os “Serviços”) infra discriminados, nos termos previstos neste contrato:
a) Assistir à D…………. na reparação ou substituição individua das pás descrita nos Considerandos D) a F) do presente contrato de Prestação de Serviços conforme solicitação da D……….. e de acordo com as instruções disponibilizadas por esta;
b) Assistir a D……….. em toda a logística referente à reparação referida na alínea anterior;
c) Adoptar todos os actos e procedimentos necessários no sentido de auxiliar a D………. na obtenção da autorização das Alfândegas para a importação de qualquer equipamento ou materiais, assim como para a exportação dos equipamentos retrofitado.
2. Para o correcto cumprimento dos serviços prestados pela A……….. EL à D………, esta última compromete-se a disponibilizar à primeira o seguinte:
a) Disponibilizar instalações hospitais de campanha e serviços associados ao armazenamento e manuseamento das pás:
b) Adquirir, em nome da A……….. EL, todos os equipamentos e materiais necessários ao “retrofitting” das pás;
c) Assegurar que as pás de substituição são transportadas do porto de escala para os locais necessários e disponibilizar e gerir qualquer transporte interno das pás para esses mesmos locais.
d) Prestar qualquer informação ou auxílio que lhe seja razoavelmente exigido pela A……….. EL, às expensas da D…………..;
CIáusula Segunda - Procedimento de Reparação (“Retrofitting”) e Calendarização
O equipamento será objecto de reparação nos termos do procedimento e calendarização descrito no ANEXO I ao presente contrato.
Cláusula Terceira - Incumprimento, Incumprimento Definitivo e Resolução
Caso qualquer uma das partes entre em incumprimento das obrigações contratuais previstas neste contrato, a parte cumpridora, antes de resolver o contrato e sem prejuízo dos direitos de compensação, notificará a contraparte para no prazo de 5 dias úteis proceder à reparação do incumprimento. Caso a situação de incumprimento não seja reparada neste prazo, a parte cumpridora poderá resolver o contrato imediatamente.
Cláusula Quarta – A……….. EL não é agente da D…………
A relação entre a A………. EL e a D…………. estabelecida através do presente Contrato é uma relação entre cliente e prestador de serviço, não entre empregador e empregado, sócios ou joint ventures, na medida em que a A……. EL actua por sua própria conta e não no interesse da D……….., nem tão pouco atribuído qualquer poder para constituir qualquer obrigação, expressa ou implícita, no interesse ou em nome da D……….., ou para vincular de qualquer modo a D………..,
Cláusula Quinta - Responsabilidade
1. Para a execução do presente Contrato de Prestação de Serviços a A…….. EL utilizará uma equipa de técnicos Indianos trabalhadores da A……….. EL.
2. Durante a execução do presente Contrato de Prestação de Serviços a A……….. EL deve observar as regras de segurança aplicáveis ao retrofitting do WTG, as quais serão aplicáveis a todos os trabalhadores da A………. EL.
3. Em circunstância alguma a D…………. será responsabilizada, individual ou conjuntamente, por quaisquer danos, reclamações, acções, causas de acções, perdas custos, despesas e/ou responsabilidades de qualquer forma relacionadas com a execução do presente Contrato. (…)»
(cfr. contrato, tradução e certificado de tradução, que constitui o anexo VII ao RIT, a fls. 86 a 93 do PAT apenso aos autos);
H) Entre Setembro de 2007 e Março de 2009, a impugnante assumiu, em território nacional, a reparação e/ou substituição das pás referidas em E) que antecede e de outros componentes dos aerogeradores que revelaram desconformidade técnica, para o que adquiriu materiais e subcontratou serviços de terceiros, os quais emitiram as respectivas facturas, em nome da impugnante, documentos que foram por esta contabilizados a débito de uma conta POC 62 – Fornecimentos e Serviços Externos – Subcontratos/ Trabalhos Especializados, ou 61 - Custo das Existências Vendidas – Matérias-primas, ou directamente numa conta POC 26 - Outros devedores, a débito de uma conta POC 2432 – IVA dedutível, e a crédito da conta 22 – Fornecedores, e relativamente aos quais exerceu o direito à dedução do IVA (cfr. facturas e documentos contabilísticos, nos anexos IX, XIII e XV ao RIT, a fls. 102 a 111v, 220v a 239v e 247v a 256v do PAT apenso aos autos);
I) Em 27 de Fevereiro de 2009, a impugnante emitiu à sociedade indiana A………… Energy Limited a nota de débito n.º 39/2008, no valor de €2.909.643,00, sendo o valor de €2.232.373,00 relativo à seguinte descrição: “Non Conformity Report until end March 08/Detailed list of NCR attached” (Relatório de Não Conformidade até final de Março de 2008/Lista detalhada de RNC em anexo) (cfr. fls. 2 do anexo XI do RIT, a fls. 117 do PAT apenso aos autos);
J) Em 31 de Março de 2009, a impugnante emitiu à sociedade indiana A……….. Energy Limited a nota de débito n.º 50/2008, no valor de €1.913.533,68, com a seguinte descrição: “Non Conformity Report from April 08 until end March 09/Detailed list of NCR attached” (Relatório de Não Conformidade de Abril de 2008 até final de Março de 2009/Lista detalhada de RNC em anexo) (cfr. fls. 3 do anexo XI do RIT, a fls. 117v do PAT apenso aos autos);
K) Na mesma data, a impugnante emitiu à sociedade indiana A………… Energy Limited a nota de débito n.º 44/2008, no valor de €3.263.454,84, com a seguinte descrição: “Portugal Blade Retrofit until March 2009/a) Blade Retrofit Costs until March 2009/b) TCI costs (non Project Related)” (Reparação de pás em Portugal até Março de 2009/a) Custos com Reparação de pás até Março de 2009/b) Custos com Technical Change Instruction (TCI) - Custos com instruções de alterações técnicas (Não relacionados com o projecto) (cfr. fls. 2 do anexo VI do RIT, a fls. 85v do PAT apenso aos autos);
L) Com origem na Ordem de Serviço n.º OI201103703, de 5 de Julho de 2011, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram uma acção inspectiva externa à sociedade ora impugnante, de âmbito parcial, em sede de IVA, com incidência no exercício de 2009, tendo, a final, sido elaborado o competente relatório de inspecção tributária (RIT) (cfr. RIT, a fls. 7 a 22v do PAT apenso aos autos);
M) No relatório de inspecção tributária referido na alínea antecedente, datado de 31 de Maio de 2012, foram propostas correcções de natureza meramente aritmética, perfazendo o montante total de €1.485.940,93, relativamente a imposto em falta em sede de IVA do ano de 2009, resultantes, entre o mais, de irregularidades referentes às notas de débito emitidas pela impugnante à sociedade indiana A………… Energy Limited identificadas em I) a K) que antecedem, emitidas sem liquidação de IVA e sem indicação do motivo da isenção, por o sujeito passivo considerar que respeitam ao débito de indemnizações por danos, desta forma excluídas do valor tributável em sede daquele imposto, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 6 do Código do IVA (cfr. RIT, a fls. 7 a 22v do PAT apenso aos autos);
N) Tais correcções de natureza meramente aritmética relativamente a imposto em falta em sede de IVA do ano de 2009 e às notas de débito identificadas em I) a K) que antecedem foram efectuadas com base nos seguintes fundamentos extraídos dos termos dos capítulos “III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas ao Imposto” e “VIII – Direito de Audição” do relatório de inspecção tributária:
«(...) III.1.1.2. (...)
Nota de débito nº 4412008 de 31.03.2009 no montante de €3.263.454,84, em anexo VI fls. 1:
Esta nota de débito diz respeito ao “Blade Retrofit”, designação dada ao processo de reparação em Portugal das pás eólicas, em virtude de um defeito de fabrico detectado nos aerogeradores com a referência S.88 21 MW/80 metros. Estas pás foram as comercializadas pela A………… PORTUGAL para os parques eólicos de Penamacor, Sabugal e Mafômedes, pertencentes aos clientes B……….… e C…………….
Nesta fase, o processo de BLADE Retrofit abrangeu apenas a reparação/substituição de 63 pás dos 21 aerogeradores (cada aerogerador tem 3 pés) relativos aos parques cólicos de Penamacor 2 e 3B e de Mafômedes, conforme Contrato de Prestação de Serviços celebrado em 25.01.2008 entre a A………….. ENERGY LIMITED, com representação em Portugal (NIF ……………) e sede na India, que pretende ver reparadas/substituídas as mencionadas pás em colaboração com a A………….. PORTUGAL conforme consta em anexo VII fls. 14.
Os custos incorridos pela A………… PORTUGAL com este processo, a que corresponde o centro de custo “12— Blade Retrofit”, entre finais de Outubro/2008 e Março/2009, em anexo VIII. fls 16, devido à aquisição de materiais e à subcontratação de vários serviços relativamente aos quais foi deduzido o IVA suportado (ver em anexo IX. fls 18, alguns documentos de suporte e respectiva contabilização), foram posteriormente debitados, através da nota de débito em causa (€3.263.454,84) ao fabricante — A………….. indiana, em virtude das pás sé encontrarem dentro do período de garantia.
Assim, tendo em atenção os factos analisados sobre esta questão, importa salientar que:
- a entrega e montagem dos aerogeradores referentes a estes parques eólicos foi concretizada em Julho/2007 (Penamacor 2) — Facturas n° 6/2007 de 29106/2007 e n° 7/2007 de 02/07/2007; Setembro/2007 (Penamacor 3B) — Facturas n.ºs 9 e 10/2007, ambas de 28/09/2007 e Outubro/2008 (Mafômedes) — Factura n° 36/2008 de 02/10/2008 (facturação emitida pela A…………. PORTUGAL aos seus clientes);

- a existência de um Acordo de Compensação por Defeitos nas Pás, refere a ocorrência, entre 10.09.2008 e 15.09.2008, de fracturas em determinadas pás montadas nos parques pertencentes ao cliente B………, não se tendo em 02/10/2008, à data deste Acordo, procedido a qualquer operação de reparação nas mesmas,

Desta forma, verifica-se que depois de efectuada a entrega e instalação destes aerogeradores pela A……………. PORTUGAL e perante a constatação do defeito existente nas pás, esta procedeu às reparações necessárias, dentro do período de garantia contra defeitos de fabrico proporcionado pelo fabricante - a A………… indiana - aos seus clientes — outras sociedades do grupo A……….., e que tem a duração de dois anos a partir da operação comercial conforme Acordo onde se definem as responsabilidades da A………… indiana enquanto fabricante dos componentes dos aerogeradores para com a A…………. ENERGY NS (Dinamarca) e as suas subsidiárias em anexo X, fIs. B (‘11.0 PRODUCT WARRANTY’).

Nota de débito n° 39/2008 de 27.02.2009. no montante de €2.232.373,84 e Nota de débito n°50/2008 de 31.03.2009 no montante de €1.913.533,68, em anexo XI. fls. 2:
Estas notas de débito dizem respeito a “Non Conformity Report” ou NCR’s instauradas no âmbito da política de reclamações do grupo A…………….. e que estão relacionadas com as reparações e substituições efectuadas nos aerogeradores decorrentes de anomalias nos seus componentes.
No caso em apreço, de acordo com os documentos de suporte, verifica-se que:
- A Nota de débito nº 39/2008 diz respeito a custos de reparações efectuadas em Portugal entre finais de Setembro/2007 e Março/2008, correspondente aos centros de custo “22150 — Penamacor 2” (€ 975.837,26) e “32150— Penamacor 3B” (€1.256.535,85), em anexo XII, fls.12.
Segundo os documentos de suporte analisados por amostragem, em anexo XIII, fls. 36 os custos inerentes a estas reparações prendem-se com aquisições de materiais ou subcontratação de serviços ligados a TCI (“technical change insfrutions”) / NCR’s provenientes de anomalias nos componentes dos aerogeradores (“pannels”, ‘blades”, outros), relativos aos Parques de Penamacor 2 e 3B. A contabilização destes documentos, de que se juntam alguns exemplos em anexo XIII. demonstra que o IVA suportado com a sua aquisição, foi deduzido pela A……………. PORTUGAL.
- A Nota de débito n° 50/2008 diz respeito a custos incorridos pela A………… PORTUGAL provenientes de NCR / TCI’s ligadas aos centros de custo “02, “03 — Penamacor 3B, “04 — Mafômedes”, “05 Sabugal” e “08 — Penamacor 3B Extensão”, conforme anexo XIV, fls.14.
Quanto às reparações efectuadas em Portugal de componentes dos aerogeradores relativos aos mencionados parques eólicos, com recurso à aquisição de materiais e subcontratação de vários serviços, no período compreendido entre finais de Abril/2008 e Março/2009, junta-se em anexo XV, fls 18, alguns documentos a título exemplificativo e a respectiva contabilização, demonstrando que o sujeito passivo manteve a dedução do IVA suportado.
Deste modo, quando os Componentes se encontram no período de garantia, e conforme já mencionado a propósito do “BLade Retrofif”, os custos das reparações são debitados ao fabricante — a A……………. indiana.
Em ambos os casos — “Blade Retrofit e “Non Conformities”, estamos perante reparações realizadas, em território nacional, pela A………….. PORTUGAL no decurso do período de garantia dos equipamentos.
A garantia entre o fabricante, a A……….. indiana e as suas congéneres, entre elas a A…………… PORTUGAL assegura que, conforme consta em anexo X:
“11. PROOUCT WARRANTY — O fornecedor garante que todas as peças fabricadas por ele se encontram cobertas, contra defeitos de fabrico, por uma garantia de dois anos, válida a partir da data de operação comercial durante este período o fornecedor pagará por todos os reparos de peças e transporte para o projecto…” (tradução livre).
Tendo em conta que as respectivas operações comerciais ocorreram nas seguintes datas, através dos documentos de aquisição que se passam a descrever:





Conclui-se que os componentes se encontram dentro do período de garantia, em que a responsabilidade pelos montantes despendidos com as reparações é do fabricante.
Tratando-se de reparações de bens durante o período de garantia convém ter em conta o Oficio-Circulado n.° 49424, de 0410511989 da Direção de Serviços do IVA, que esclarece o seguinte:
“1. As reparações efectuadas, no decurso do chamado período de garantia, só se consideram, operações não sujeitas a imposto, enquanto efectuadas a título gratuito, na medida em que sempre se entendeu que eles se encontram tacitamente incluídas no preço de venda do bem abrangido pela garantia, não sendo, consequentemente, assimiladas a operações efectuadas a título oneroso, como o seriam, noutras circunstâncias, face ao disposto no art.° 3.º n.° 3 alínea f) e art.º 4.º n.°2 da alínea b) do CIVA.
No entanto, quando as referidas prestações de serviço (com ou sem aplicação de materiais) são objecto de facturação, está-se, inequivocamente, na presença de operações efectuadas a título oneroso e, consequentemente, tributáveis nos termos normais do Código do IVA.
2. Nestes termos, sempre que haja facturação das referidas reparações, isto é um débito a terceiros (seja ao cliente, seja ao concessionário ou fabricante), haverá liquidação de imposto, o mesmo acontecendo se, em vez de débito efectuado pelo reparador ou concessionário, há um crédito comunicado pelo concessionário ao fabricante”.
Assim, de acordo com a descrição das operações subjacentes às notas de débito n.º 39, n.º 44 e n.º 50, conclui-se que as prestações de serviço de reparações nelas incluídas, debitadas pela A………. PORTUGAL ao fabricante, a A…………. indiana, encontram-se sujeitas a IVA em Portugal, à taxa normal, nos termos do art.º 4.° e art.º 18.°, ambos do CIVA, ascendendo o imposto em falta a € 1.481.872,31, conforme quadro infra:





VIII — Direito de Audição
(…)
Quanto às correcções propostas no ponto III.1.1.2 do presente Relatório, e, especificamente, no caso da Nota de débito n° 44/2008 de 31.03.2009, no montante de €3.263.454,84, o sujeito passivo vem expor os motivos pelos quais não concorda com a liquidação de IVA proposta pela Administração fiscal, nos pontos 23 a 49 do documento onde exerce o direito de Audição.
Nos seus argumentos, o sujeito passivo começa por referir que era detentor de diversos Contratos de Fornecimento e Instalação de aerogeradores em Portugal (conforme consta tio ponto La do presente Relatório), em virtude dos quais procedeu aquisição dos componentes dos aerogeradores que “... foram enviados da Índia para Portugal, lendo a A………. Portugal efectuado a importação dos mesmos em território nacional, pagando, o IVA e direitos aduaneiros devidos” (ponto 26 do direito de Audição).
Descreve ainda o sujeito passivo da complexidade de funcionamento dos parques eólicos e dos ensaios que foram necessários efectuar até à sua recepção definitiva pelos clientes, juntando a título exemplificativo, como Anexo 1, os “autos e certificados de recepção definitiva” do Parque Eólico de Penamacor 3B e Parque Eólico do Sabugal, afirmando e demonstrando, nestes casos, que a recepção definitiva ocorreu em 2011 (note-se que a recepção definitiva só ocorreu, conforme constam nos autos, depois do equipamento estar em condições de ser recepcionado, na globalidade e definitivamente” pelos clientes).
Assim, durante o período de ensaios, que ocorreu após a recepção provisória e antes da recepção definitiva dos parques, refere o sujeito passivo no ponto 30° da sua argumentação, que “…detectou-se que as pás eólicas instaladas apresentavam defeitos impossibilitando o correcto funcionamento dos aerogeradores”. Afirmando mais frente, no ponto 46.º, que as substituições/reparações que advieram deste defeito de fabrico não ocorreram “... no âmbito da garantia prestada pelo produtor na medida em que;
(1) No momento em que ocorreram as substituições/reparações das pás apenas tinha sido ocorrido a recepção provisória dos parques e como tal, não decorria ainda o período de garantia de dois anos que é dado aos equipamentos;
(2) Os defeitos de fabrico só foram identificados na fase experimental na medida em que é necessária a entrada em funcionamento dos equipamentos para ser possível detectar o seu carácter defeituoso;
(3) Se assim não fosse, os defeitos que os componentes apresentavam teriam sido identificados na fase de inspecção dos bens a que ajude a cláusula 7.0 do Acordo que consta do Anexo X, fls 8-do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária — antes da importação dos mesmos e, teriam logo à partida determinado que a venda e subsequente importação fossem efectuadas por um preço inferior ao efectivamente praticado”.
A justificação apresentada pelo sujeito passivo oferece-nos as seguintes considerações:
Na perspectiva da garantia prestada pela A…………. PORTUGAL aos seus clientes, torna-se importante analisar, os conceitos que constam nos Contratos de Empreitada dos Parques Eólicos (descritos no ponto II.3 deste Relatório), que definem o que se entende ou qual a interpretação a dar a cada um dos termos pelos quais se rege a actuação do sujeito passivo para com aqueles, designadamente, de “Recepção Provisória’; “Período de Garantia”; “Recepção Definitiva”; “Auto de Recepção” e Certificado de Recepção” e de “Manutenção pós-garantia” (conforme consta, por exemplo, dos Contratos de Empreitada de Sabugal e Penamacor 38 Expansão, que se junta em anexo XX, fls. 1 a 7). Desta interpretação decorre que a afirmação do sujeito passivo constante do citado ponto 46 do direito de Audição, no seu número (1), não se encontra correcta na medida em que, a partir da data da recepção provisória, começa a contar um período experimental com garantia de dois anos dada ao cliente (com eventuais prorrogações deste prazo até 2011, na medida em que durante este período experimental foram substituídas/reparadas as pás), findo o qual se dará lugar à recepção definitiva do equipamento, com a transferência para o cliente dos riscos de perdas ou danos nos equipamentos: salvaguardando-se o caso de “defeitos ocultos”).
Na óptica da garantia prestada pelo produtor ou fabricante às outras empresas do grupo A………….., que “fornecem e instalam localmente” os aerogeradores (ponto 3 do documento onde exerce o direito de Audição), a A………… indiana enquanto fabricante dos componentes (incluindo as pés) proporciona naturalmente uma garantia sobre os equipamentos vendidos que é válida por dois anos após a operação comercial, conforme consta explicitamente do Acordo mencionado no presente Relatório e que consta do anexo X, dado que os ensaios e testes de qualidade efetuados sobre os equipamentos importados ocorrem e os defeitos podem ser detetados ao longo de toda a implementação do projeto.
Tendo os defeitos de fabrico existentes nas pás sido constatados e confirmados pela A………. indiana após a operação comercial de importação destes componentes e durante o período experimental referido pelo próprio passivo nos pontos 30º e 46°, número (2) do direito de Audição, e estando estes componentes sob a garantia prestada pelo fabricante aos seus clientes — as outras empresas do grupo A……….., este contrata os serviços de reparação/substituição das mesmas à A………. PORTUGAL para que com a sua colaboração se proceda à referida operação (ver Contrato de Prestação de Serviços de 25/01/2008, em anexo VII a este Relatório). Pelo que, nos termos deste Contrato e em consonância com o previsto na cláusula 11 do Acordo que consta em anexo X a este Relatório, todos os gastos com a sua reparação ou substituição vieram a ser imputados ao fabricante.
Nos pontos 36 a 46 da sua argumentação, o sujeito passivo pretende afastar os custos por si suportados com esta operação, debitados à A…….. indiana através da Nota de Débito n.° 44/2008, do âmbito da mencionada garantia dos equipamentos prestada pelo produtor ou fabricante - a A……. Índia, na medida em que estes não correspondem “à contraprestação de um serviço prestado pela A……….. Portugal à A………… Índia, mas trata-se de um ajustamento ao valor da aquisição efectuada à A……….. Índia” (ponto 42 do direito de Audição). E conclui, no ponto 45, que por aplicação das “... normas do artigo 16(1) e 16(6) (b) do CIVA, o valor debitado pela A………. Portugal à A………… Índia qualifica como um abatimento na acepção do artigo 16 (6) (b) do CIVA, excluído de tributação em IVA”.
Sobre esta posição defendida pelo sujeito passivo importa salientar que “Os equipamentos foram enviados da Índia para Portugal, tendo a A………… Portugal efectuado a importação dos mesmos em território nacional, pagando o IVA e direitos aduaneiros devidos” (ponto 26 do direito de Audição). Donde, como era política habitual da empresa, o sujeito passivo procedeu à dedução do IVA pago através da Alfândega ou do IVA pago pela aquisição efectuada em Portugal à A…….. indiana (NIF ………..), conforme Quadro V do presente Relatório onde constam identificadas essas aquisições e anexo XVI, fls 17118, onde se demonstra a título exemplificativo a dedução do IVA das mesmas na sua contabilidade. Consequentemente, a redução do valor das pás inicialmente importadas, conforme defende o sujeito passivo nos pontos 36 a 39 do direito de Audição, implicaria a sua justificação junto da Alfândega e a respectiva rectificação do valor declarado para efeitos aduaneiros, bem como, a regularização na sua contabilidade do IVA inicialmente deduzido, factos que o sujeito passivo não demonstrou. Ou, tratando-se de um abatimento ao valor inicialmente proposto, como defende o sujeito passivo nos pontos 43 a 45 do seu direito de Audição, verifica-se ainda que, tendo em conta que o preço de cada set de pás foi de €184.000,00 (Penamacor 2 e 3B) e €191.500,00 (Mafômedes), num total de €3.879.000,00, então, os custos desta operação debitados ao fabricante, de €3.263.454,84 (Nota de débito n° 4412006) representam cerca de 84% do custo de aquisição das pás objecto de reparação/substituição, pelo que ao contrário do defendido pelo sujeito passivo, estes custos:
- têm uma relevância bastante significativa naquilo que foi o custo final das pás;
- não representam apenas o modo de cálculo de uma redução de preço (ponto 40) ou a devolução de parte do preço já pago” (ponto 44 da sua argumentação);
- representam antes a efectiva prestação de um serviço realizado em território nacional nos termos do artigo 6º, n° 6 alínea c) do Código do IVA (na versão existente em 2008 e 2009), atendendo a um Contrato de Prestação de Serviços (em anexo VII), sobre o qual foram suportados os custos e deduzido o respectivo IVA pelo sujeito passivo.
Assim, estes custos não traduzem um abatimento sobre componentes adquiridos por si só, mas incorporam um conjunto de inputs (outros bens e serviços) que representam o serviço prestado pela A……………. PORTUGAL, pelo que não se aceita a pretensão do sujeito passivo, nos pontos 47 a 40 do seu direito de Audição, devendo a correcção manter-se.
Quanto à correcção proposta no ponto III.1.1.2 do presente Relatório, incidente, sobre Notas do débito nºs. 39/2008 de 27.02.2009 e 50/2008 de 31.03.2009, nos montantes de €2.232.373,84 e de €1.913.533,88, respectivamente, o sujeito passivo utiliza a argumentação anterior, esclarecendo que as NCRs são defeitos de fabrico em diversos componentes dos aerogeradores (que não as pés eólicas) — ponto 52 do direito de Audição, devendo a natureza destes débitos ser reconhecida como um abatimento pelos mesmos motivos referidos nos pontos 19 a 49 da sua argumentação.
Tal como se constata a propósito das NCFt’s (ou “Non Conformity Reporta”), os ensaios e testes de qualidade efectuados sobre os equipamentos importados ocorrem e podem ser detectados ao longo de toda a implementação do projecto, cujo processo de identificação, documentação, reporte e análise encontra-se regulamentado pela política de reclamações inter-grupo A…………, que se junta agora como anexo XXI, fls. 1 a 9.
Também neste caso, o sujeito passivo pretende afastar os custos por si suportados com estas reparações/substituições de equipamentos, do âmbito da garantia prestada pelo produtor ou fabricante - a A……………… India, quando é perceptível, quer pelas datas em que ocorrem estas reparações ou substituições de componentes — Nota de débito n° 39/2008 (custos incorridos de Setembro/2007 a Março/2008) e Nota de débito n° 50/2008 (custos incorridos entre Abril/2008 e Março/2009), quer pelos próprios documentos de suporte (em anexos XIII e XV a este Relatório), que estas operações ocorrem depois de se concretizar a operação comercial (conforme Quadro V deste Relatório) no âmbito da garantia prestada pelo fabricante em relação aos produtos vendidos, em conformidade com o ponto 11. PRODUCT WARRANTY do Acordo que consta em anexo X a este Relatório.
Considerar que estas operações traduzem apenas um desconto ou abatimento ao valor inicial dos bens não coincide com o tratamento que o sujeito passivo deu a estas operações em termos do valor tributável declarado para efeitos aduaneiros, do seu tratamento contabilístico e fiscal e em termos da própria noção de desconto ou abatimento, na medida em que estes débitos traduzem um valor significativo em relação aos valores de aquisição iniciais. Não se podendo ignorar que a descrição ou o conteúdo subjacente às notas de débito em causa é o reembolso exacto das despesas por si suportadas, de reparação/substituição em território nacional dos componentes dos aerogeradores, com base em documentos originais emitidos em nome do sujeito passivo, sobre os quais exerceu o direito à dedução do IVA.
Quando o sujeito passivo faz repercutir no fabricante estas despesas por si suportadas dado tratarem de “defeitos de fabrico”, atendendo à natureza da componente da despesa — neste caso o serviço de reparação/substituição de equipamentos executado em território nacional — deve tributá-las á taxa prevista no artigo 18° do Código do IVA correspondente à mesmas — (em vigor no ano de 2009), em consonância com o disposto no Código do IVA e no Ofício-Circulado nº 49424, de 04/05/1989 da Dir. Serviços do IVA, mencionado anteriormente no ponto III.1.1.2 a fls. 17 e 18 deste Relatório, pelo que se mantêm as correcções propostas. (...)»
(cfr. RIT, a fls. 7 a 22v do PAT apenso aos autos);
O) No relatório de inspecção tributária referido nas alíneas antecedentes foram, ainda, propostas correcções de natureza meramente aritmética relativamente a imposto em falta em sede de IVA do ano de 2009, resultantes de irregularidades referente à nota de débito nº 62/2009, de 24 de Novembro de 2009, emitida pela impugnante à A………….. Wind Energy España SLU, e às notas de débito nºs 41/2008, de 28 de Fevereiro de 2009, 47/2008, de 31 de Março de 2009 e 63/2009, de 24 de Novembro de 2009, emitidas pela impugnante à sociedade A……. Wind Energy A/S (Dinamarca) (cfr. RIT, a fls. 7 a 22v do PAT apenso aos autos);
P) As correcções de natureza meramente aritmética relativamente a imposto em falta em sede de IVA do ano de 2009 e às notas de débito identificadas na alínea antecedente foram efectuadas com a seguinte fundamentação extraída dos termos dos capítulos “III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas ao Imposto” e “VIII – Direito de Audição” do relatório de inspecção tributária:
(....)
III.1.1.1 - - Relativamente ao indicado no Quadro III, foi detectada a falta de liquidação de imposto quanto ao débito de custos com a referência C), cujos documentos comprovativos encontram-se com IVA liquidado dado estarem subjacentes operações localizadas em território nacional. Estando em causa, neste caso, o serviço de telecomunicações em que o prestador (a ………….) e o adquirente (A……………. PORTUGAL) originários são ambos estabelecidos no território nacional, a operação é sujeita a Imposto nos termos do artigo 6°, n°4 do Código do IVA.
No quadro seguinte constam identificadas as operações em causa e a respectiva documentação de suporte recolhida por amostragem, verificando-se, através da sua contabilização, que o IVA suportado foi deduzido pela A……….. PORTUGAL e não foi repercutido na facturação emitida à A………… (Dinamarca e Espanha), conforme indicado no quadro seguinte:






VII – Direito de Audição
(…)
Quanto às correcções propostas no ponto III.1.1.1 do presente Relatório, o sujeito passivo vem contestar, nos pontos 9 a 18 do documento onde exerce o direito de Audição, a aplicação do IVA ao débito de serviços de telecomunicações à A……….. Dinamarca (NIF DK-…………) e A………… Espanha (NIF ES-…………), baseado nas facturas do prestador (a …………) emitidas ao adquirente dos serviços (a A……….. PORTUGAL), por considerarem que aqui a relação jurídica, entre a A………….. PORTUGAL e as outras empresas do grupo A…………, tem enquadramento no artigo 4°, n° 4 do Código do IVA, pois “...quando uma prestação de serviços for efectuada por intervenção de um mandatário agindo em nome próprio, este é sucessivamente adquirente e prestador do serviço” (ponto 15° do direito de Audição), concluindo o sujeito passivo que “Como tal, na operação titulada pelas notas de débito em referencia, a A………… Portugal é prestadora e a A……….. Dinamarca e a A………… Espanha são adquirentes” (ponto 16°), pelo que, neste pressuposto, teria aplicabilidade nesta relação a não liquidação de IVA ao abrigo do “… disposto no artigo 6 (8)(j) do CIVA, conjugado com o artigo 6 (9) (a) do G (na redacção em vigor no ano de 2009)” (ponto 17.° do direito de Audição).
Analisando os argumentos expostos pelo sujeito passivo que vão no sentido da não aplicação do IVA sobre as despesas debitadas pela A………… PORTUGAL às suas congéneres, verifica que a legislação na qual se apoia — artigo 4.º, n.º 4 do Código do IVA, não tem enquadramento nos débitos em questão porquanto não existe uma prestação de serviços efectuada pela A……….. PORTUGAL sob a modalidade de um mandato, tanto mais que a A…………. PORTUGAL não é mandatada por ninguém, nem age em nome próprio prestando um serviço por conta de outrem. Quem efectivamente presta o serviço de telecomunicações é o prestador originário — a empresa ………. pela utilização de um serviço de telefone cujo registo e n.º consta atribuído a um adquirente português - a A…………… PORTUGAL e nessa medida os serviços de telecomunicações nesta relação têm enquadramento no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IVA.
A A…………. PORTUGAL ao efectuar o débito de despesas por si suportadas por conta da A………… Dinamarca e A…………. Espanha, este débito tem a natureza de um reembolso de despesas o não a contrapartida de uma prestação de serviços realizada pela A…………. PORTUGAL. Nessa medida, estas despesas pagas por conta das suas congéneres com base em documentos originais emitidos em nome do sujeito passivo (sobre os quais exerceu o direito à dedução do IVA), dá lugar à liquidação do imposto aquando do respectivo redébito, atendendo à natureza da componente da despesa — neste caso o serviço de telecomunicações — à taxa prevista no artigo 18.° do Código do IVA correspondente à mesma — 20% (em vigor no ano de 2009). (...)»
(cfr. RIT, a fls. 7 a 22V do PAT apenso aos autos);
Q) Em resultado das correcções efectuadas no âmbito da acção inspectiva referidas nas alíneas antecedentes foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, relativas ao ano de 2009, perfazendo o total de €1.666.710,02, e que constituem o objecto da presente impugnação judicial:



IMPOSTO
PERIODO
LIQUIDAÇÃO Nº
VALOR
IVA090212106037
€ 464.644,13
IVA090312106039
€ 1.035.630,65
IVA091112106041
€ 1.773,80
Subtotal IVA
€1.484.048,58
IVA/JC 090212106038
€ 55.964,77
IVA/JC090312106040
€126.545,55
IVA/JC091112106042
€169,12
Subtotal Juros
€ 182.661,44



(cfr. documentos de cobrança, a fls. 36 a 41 dos autos).
A sentença refere ainda que não existem factos não provados.


2. Questões a decidir
Saber se a sentença do Tribunal a quo enferma de erros de julgamento relativamente ao decidido quanto às questões: i) da legalidade da liquidação de IVA por serviço prestado de reparação/substituição de componentes de aerogeradores, no decurso do período de garantia dos equipamentos; e ii) da legalidade da liquidação de IVA em notas de débito respeitantes a serviços de telecomunicações.

3 – Do direito


3.1. Da legalidade da liquidação de IVA por serviços prestados de reparação/substituição de componentes de aerogeradores, no decurso do período de garantia dos equipamentos

A Recorrente contesta a correcção aritmética das liquidações de IVA relativas aos meses de Fevereiro, Março e Novembro de 2009, as quais resultaram, essencialmente, do facto de a mesma não ter debitado IVA nas notas de débito que emitiu à sociedade indiana A…………. Energy Limited, a qual detinha a sociedade A………. Wind Energy A/S, com sede na Dinamarca, que, por seu turno, era detentora da totalidade do capital social da Recorrente. Ou seja, estamos perante operações realizadas intra-grupo.
A questão subjacente ao litígio, nesta parte, prende-se com determinar se estariam ou não subordinados a IVA os redébitos mediante emissões de notas de débito respeitantes às operações de reparação/substituição das pás e outros componentes dos aerogeradores, que a Recorrente realizou a clientes seus (empresas com quem a Recorrente havia celebrado contratos de empreitada de fornecimento e montagem de aerogeradores, que adquirira à sociedade indiana A……….. Energy Limited) (ponto E da matéria de facto).
3.1.1. A Recorrente entende que as operações em questão não estariam subordinadas a IVA na medida em que não teria prestado qualquer serviço oneroso à sociedade indiana A………. Energy Limited. A seu ver, as operações de débito em causa, decorrentes das já mencionadas despesas com a correcção dos defeitos das pás dos aerogeradores, deveriam qualificar-se como operações sem conteúdo económico por se integrarem no âmbito da garantia do equipamento que lhe fora fornecido pela empresa indiana. No essencial, o que a Recorrente alega é que as operações em causa consubstanciam meros redébitos à sociedade indiana dos custos por si suportados, durante o período de garantia, com a “correcção” dos defeitos dos componentes dos aerogeradores que havia adquirido àquela sociedade. Estaríamos, por isso, perante custos decorrentes da aquisição de bens, assim como da aquisição de serviços a terceiros, efectuados como alternativa ao envio dos bens (em especial das pás dos aerogeradores) novamente para a Índia ou como alternativa à espera da entrega de novos materiais pela sociedade indiana, o que se justificaria pela necessidade de assegurar uma resposta atempada ao problema.
Por esta razão, no entender da Recorrente, a factualidade dada como provada deveria ser reconduzida a um caso de repercussão do comprador sobre o vendedor de coisa defeituosa do custo suportado com a reparação do bem (um tipo de “direito de regresso”) e não como uma prestação de serviços ao vendedor dos componentes.
Acrescenta ainda a Recorrente que mesmo que se entendesse existir aqui uma prestação de serviços, nunca esta poderia ser qualificada como onerosa, uma vez que a Recorrente não recebeu qualquer remuneração da sociedade indiana pelas diligências empreendidas com a finalidade de reparar os defeitos dos produtos que aquela lhe havia fornecido, apenas recebeu o montante correspondente aos custos suportados, pelo que, também por esta razão (inexistência de carácter oneroso das operações), não haveria lugar à liquidação de IVA.

3.1.2. Já a Administração Tributária, por seu turno, entende que as notas de débito emitidas não podem ser consideradas um “mero abatimento ao custo dos componentes adquiridos” pela Recorrente à sociedade indiana, uma vez que a reparação das pás foi efectuada ao abrigo do contrato de prestação de serviço celebrado entre as duas empresas e a Recorrente nunca registou na sua contabilidade qualquer “abatimento” no preço inicialmente pago pelos materiais importados, nem qualquer correcção no valor do IVA então pago e deduzido. E a AT acrescentou ainda, em abono da tese da subordinação a IVA daquelas operações, que mesmo que se considerasse que as operações em causa se deveriam incluir no âmbito da garantia das peças pelo respectivo fabricante, ou seja, que os montantes liquidados à A………… India deveriam ser juridicamente reconduzidos a um redébito, sempre aquelas operações seriam qualificadas como onerosas segundo o Ofício-Circulado n.º 49424, de 4 de Maio de 1989, sobre “reparações de bens durante o período de garantia” Neste Ofício Circulado pode ler-se, com interesse para a causa, o seguinte:
“(…) As reparações efectuadas, no decurso do chamado período de garantia, só se consideram operações não sujeitas a imposto, enquanto efectuadas a título gratuito, na medida em que sempre se entendeu que elas se encontram tacitamente incluídas no preço de venda do bem abrangido pela garantia, não sendo, consequentemente, assimiladas a operações efectuadas a título oneroso, como o seriam, noutras circunstâncias, face ao disposto no art.º 3.º n.º 3 alínea f) e art.º 4.º n. º 2 da alínea b) do CIVA.
No entanto, quando as referidas prestações de serviços (com ou sem aplicação de materiais) são objecto de facturação, está-se, inequivocamente, na presença de operações efectuadas a título oneroso e, consequente mente, tributáveis nos termos normais do Código do IVA.

2. Nestes termos, sempre que haja facturação das referidas reparações, isto é, um débito a terceiros (seja ao cliente, seja ao concessionário, seja ao fabricante), haverá liquidação de imposto, o mesmo acontecendo se, em vez de um débito efectuado pelo reparador ou concessionário, há um crédito comunicado pelo concessionário ou fabricante.
(…)

4. No caso de trabalhos de recuperação, por parte do destinatário, de peças ou de material que não foi recebido em boas condições e de que resulta, por razões de responsabilidade imputáveis ao fornecedor, um débito ao referido fornecedor ou um crédito por este emitido, há sempre lugar à liquidação de IVA Isso acontece, ainda que a recuperação tenha lugar numa Zona Franca, pois neste caso não há lugar à aplicação da isenção referida no art. º 15º do CIVA já que este normativo apenas se refere a prestações de serviços efectuadas à entidade instalada na zona franca, mas nunca a prestações de serviços por ela efectuadas (…)”.
Importa ainda destacar que a orientação seguida neste Ofício Circulado foi também a adoptada em outros “serviços estaduais de administração e gestão do IVA” no âmbito da União Europeia, veja-se, por exemplo, a NR 59/1989 VAT do Reino Unido: repairs under warranty – change in the treatment of repairs carried out on behalf of overseas manufacturers, quer por aquela actividade ter implicado uma operação de importação dos materiais substituídos (importação promovida pela Recorrente novamente com recurso a um fornecimento pela A………… Índia) pela qual havia sido novamente liquidado IVA (que posteriormente foi deduzido) e direitos aduaneiros, quer por as reparações terem envolvido a aquisição de serviços a terceiros.

3.1.3. Ora, da leitura da matéria de facto dada como provada ― que a Recorrente afirma claramente nas suas alegações não querer contestar, o que justifica a competência deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do recurso, limitado, portanto, à discussão das questões de direito com base naqueles dados ― concluímos que entre a empresa indiana e a Recorrente foi celebrado um contrato de prestação de serviços (o contrato de “services agreement” que consta do ponto G da matéria de facto), onde se afirma, de modo expresso, na cláusula quarta, que “a relação entre a A……… EL [sociedade indiana] e a D………. [Recorrente] estabelecida através do…contrato é uma relação entre cliente e prestador de serviço… na medida em que a A………. EL actua por sua conta e não no interesse da Recorrente”.
Trata-se de um contrato pelo qual a sociedade indiana, que pretendia “ver reparadas 63 das 21 pás” dos aerogeradores que vendeu à Recorrente, se comprometeu a prestar a esta (à Recorrente) diversos serviços; e esta, entre outras coisas, comprometeu-se a disponibilizar recursos, a adquirir, em nome da sociedade indiana, todos os equipamentos e materiais necessários ao “retrofitting” das pás (cláusula primeira, n.º 2, al. b do referido contrato) e a assegurar e gerir o transporte das pás de substituição.
Da leitura do conteúdo do contrato resulta que estamos perante um contrato de serviços, pelo qual a sociedade indiana prestou apoio material e técnico à Recorrente na criação de uma unidade de reparação dos aerogeradores em Portugal.
Nenhum documento indica que a Recorrente realizou as actividades de substituição e reparação dos componentes em nome e por conta da sociedade indiana, e, como a mesma afirma nas suas alegações, não existe uma relação directa de consumo entre a sociedade indiana, fabricante dos equipamentos, e os promotores dos parques eólicos, sendo essa relação mediada pela Recorrente, como é típico nestes contratos Veja-se, por exemplo, o disposto na cláusula 34.ª do Cadernos de Encargos tipo dos procedimentos para a formação de contratos de gestão de eficiência energética, aprovado em anexo à Portaria n.º 60/2013, de 5 de Fevereiro, segundo a qual “Todas as peças e demais constituintes da reparação devem ser novas, devendo a reparação ser realizada pelo representante da marca do equipamento instalado” (n.º 4), sem prejuízo de “Todas as peças que venham a ser integradas no equipamento reparado ou substituído devem ser novas e com prazos de garantias iguais ou superiores ao prazo de garantia original, sem prejuízo de até ao termo do contrato as reparações e substituições serem da responsabilidade do Cocontrante” (n.º 5). , ou seja, a Recorrente é responsável pelas reparações e substituições quando o projecto apresenta problemas e o fabricante dos componentes responsabiliza-se perante o responsável do projecto (in casu, a Recorrente) pela reparação e pelo fornecimento de componentes novos quando os defeituosos tenham que ser substituídos (é isso, de resto, que consta da cláusula 11 do contrato de vendas e fornecimentos celebrado entra a sociedade Indiana e a sociedade Dinamarquesa, detentora do capital social da Recorrente).
Em suma, estamos perante uma garantia dos produtos que é dada pelo fabricante (a sociedade indiana) e uma garantia técnica da obra (no caso, do funcionamento do parque eólico), que é dada pela Recorrente aos promotores dos parques eólicos, incluindo-se nessa garantia técnica da obra a garantia dos produtos, que o responsável técnico pela obra tem de acautelar.
É no âmbito deste complexo de responsabilidades que deve ser interpretado o registo contabilístico das operações, transcrito no relatório da AT, segundo o qual: i) a Recorrente liquidou e deduziu em Portugal o IVA das “pás de substituição” que importou; ii) não registou contabilisticamente nenhuma operação ou actividade em sentido contrário relativamente às primitivas “pás” (as que foram objecto de substituição); e ainda iii) recorreu à contratação de terceiros para as actividades de reparação das pás.
Todas estas actividades constituíram, no entender da AT, operações económicas que, para efeitos de IVA, se têm de reconduzir a uma prestação de serviços da Recorrente à sociedade Indiana no contexto da garantia dos produtos.

3.1.4. Compulsados todos os elementos, entendemos que não se pode excluir que a AT e a decisão recorrida estejam certas quando concluem que o enquadramento contabilístico das operações desenvolvidas pela Recorrente para solucionar perante os seus clientes os problemas decorrentes dos defeitos das componentes dos aerogeradores é reconduzível a uma prestação de serviços à sociedade indiana e não a uma relação de consumo entre ambas, uma vez que a Recorrente não se limitou a exigir desta a reparação dos produtos defeituosos e a respectiva substituição, antes empreendeu diversas actividades com o intuito de minorar, perante os seus clientes, os danos resultantes dos defeitos de fabrico detectados; actividades que, a seu modo, foram também dirigidas a satisfazer necessidades da sociedade indiana na reparação dos produtos defeituosos (integraram-se na garantia dos produtos). Estamos, por isso, ante factos que podem ser enquadráveis no conceito amplo (e residual) de prestação serviços adoptado pela norma de incidência do IVA (artigo 4.º do CIVA).
E também não se pode igualmente excluir que tenha razão a decisão recorrida quando qualifica como onerosa esta prestação de serviços ao abrigo do disposto no já mencionado ofício-circulado 49424, de 1989, da Direcção de Serviços do IVA. Como aí se refere, só pode qualificar-se como gratuita a prestação de serviços em que o valor da reparação esteja incluído no preço do bem. E, in casu, ficou provado que, contabilisticamente (e o enquadramento tributário dos factos tem por base o enquadramento contabilístico que os sujeitos passivos fazem dos mesmos), a operação não foi enquadrada pela Recorrente e pela sociedade indiana como “desconto no preço”, mas sim como facturação por esta (pela Recorrente, através da emissão de notas de débito) à segunda dos custos das operações de substituição de componentes (novas importações) e de reparação dos mesmos (pontos H, I, J e K da matéria de facto).
Estes factos, que no processo são dados como assentes e que, portanto, como provados para efeitos do direito aplicável, devem ter, segundo a referida instrução normativa, o seguinte tratamento fiscal: “existindo trabalhos de recuperação, por parte do destinatário, de peças ou de material que não tenha sido recebido em boas condições e de que resulte, por razões de responsabilidade imputáveis ao fornecedor, um débito ou um crédito por este emitido, há sempre lugar à liquidação de IVA”.
No fundo, as partes ao celebrar o contrato diferenciaram entre a garantia do produto e a garantia do serviço de instalação do parque eólico para efeitos de repartição da responsabilidade entre si, sendo certo que, perante o promotor do parque eólico essa diferença não existiria, sendo totalmente assumida pela Recorrente, enquanto responsável técnica pelo mesmo. Mas este enquadramento global de garantias e responsabilidades veio a ser “perturbado” pelo acordo posterior, celebrado entre a Recorrente e a fornecedora dos equipamentos, com o intuito de solucionar de forma ágil o problema detectado nas pás do aerogeradores. E a solução encontrada – de um contrato pelo qual a Recorrente se comprometia (em vez de “reclamar” a substituição dos componentes) a reparar as pás e a importar novos componentes, faz acrescer “serviços” ao que era uma mera obrigação de garantia de bens, “serviços” cuja qualificação em IVA suscita os questionamentos da presente acção, designadamente quanto a saber se o n.º 1 do artigo 2.º da Sexta Directiva do IVA - Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, admite que operações como as que estão em causa no âmbito do acordo entre as empresas podem ser qualificadas como entregas de bens e prestações de serviços efectuadas a título não oneroso (meros redébitos) por se reconduzirem à prestação de garantia dos bens.

3.1.5. Assim, não obstante tudo o que se disse e compulsados todos os elementos, concluímos que não se encontra na letra da lei (seja no articulado do CIVA, seja no da Sexta Directiva do IVA - Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, na redacção em vigor à data dos factos), nem na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia uma resposta inequívoca ou clara para as questões que aqui são suscitadas.
Neste sentido, embora os tribunais dos Estados-membros sejam competentes para aplicar o direito europeu, a competência para a interpretação “dos actos adoptados pelas instituições, órgão ou organismo da União” cabe, segundo o disposto no artigo 267.º, al b) do TFUE, ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Aliás, como se acrescenta no referido artigo 267.º, §3.º do TFUE, “Sempre que uma questão desta natureza [sobre a interpretação dos actos das Instituições da União] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal”.
Deste modo, afigurando-se-nos existirem dúvidas sobre a interpretação do artigo 2.º da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, impõe-se, antes de proferir a decisão, submeter a questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Formulam-se, pois, as seguintes questões:
I – É conforme com o direito europeu a interpretação segundo a qual as reparações efectuadas no decurso do chamado período de garantia só se consideram operações não sujeitas a imposto quando efectuadas a título gratuito e na medida em que elas se encontrem tacitamente incluídas no preço de venda do bem abrangido pela garantia, devendo considerar-se sujeitas a imposto as prestações de serviços no período de garantia (com ou sem aplicação de materiais) que sejam objecto de facturação, por não poderem deixar de qualificar-se como prestações de serviços a título oneroso?
II - A emissão de uma nota de débito a um fornecedor de componentes de aerogeradores para reembolso de despesas efectuadas pelo adquirente desses bens durante o período da respectiva garantia, com a substituição de componentes (novas importações de bens do fornecedor que foram tributadas em IVA e que originaram o direito à dedução) e com o respectivo arranjo (através da aquisição de serviços a terceiros com liquidação de IVA), no âmbito da prestação a terceiros de serviços de instalação de um parque eólico, por esse adquirente (que se encontra numa relação de grupo com o vendedor, sedeado em país terceiro), deve qualificar-se como uma mera operação de redébito de despesas e, como tal, isenta de IVA, ou antes como uma prestação de serviços a título oneroso que deve dar lugar à liquidação de imposto?

3.2. Da legalidade da liquidação de IVA em notas de débito respeitantes a serviços de telecomunicações
A segunda questão que vem formulada no âmbito do presente recurso prende-se com o enquadramento jurídico-tributário das notas de débito emitidas pela Recorrente às sociedades do grupo com sede em Espanha (a A………. Wind Energy España SLU) e na Dinamarca (a A………… Wind Energy A/S Dinamarca, Limited) relativas ao reembolso dos custos suportados com a aquisição dos serviços de telecomunicações à ……….. Portugal, Comunicações Pessoais, SA a favor daquelas empresas.
Ora, neste caso tem razão a Recorrente, pois estamos perante o mero reembolso de despesas que a mesma suportou em nome e por conta dos destinatários dos serviços de telecomunicações e não perante uma prestação de serviços por parte desta às outras empresas do grupo (o que, de resto, é reconhecido na decisão recorrida). Assim, não existindo qualquer actividade económica subjacente a este redébito, não existe incidência do imposto.
Assim, nesta parte, devem as liquidações adicionais respeitantes às notas de débito dos serviços de telecomunicações ser anuladas.



Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia as questões prejudiciais supra enunciadas sob os n.ºs. I e II; e, em consequência,
B) Suspender esta instância de recurso, nos termos do artigo 267.º do TFUE, na parte respeitante à impugnação judicial dos actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios respeitantes às notas de débito emitidas pela Recorrente à A………. Energy Limited (Índia);
C) Ordenar a transmissão do pedido à Secretaria do Tribunal de Justiça, por via electrónica, acompanhado de cópia digital da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente, bem como de todas as peças processuais posteriores, fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão e da indicação dos dados concretos das partes no litígio no processo principal e dos eventuais representantes destas, dando ainda cumprimento às demais recomendações do TJUE (2019/C 380/01).
D) Revogar a sentença recorrida no segmento decisório respeitante aos actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, concernentes às notas de débito emitidas às sociedades A……….. Dinamarca e a A……….. Espanha relativas a custos de telecomunicações e anular os referidos actos de liquidação.

Sem custas quanto aos actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios respeitantes às notas de débito emitidas pela Recorrente à A……… Energy Limited (Índia).
Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias, na parte respeitante aos actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios concernentes às notas de débito emitidas às sociedades A……….. Dinamarca e a A……….. Espanha relativas a custos de telecomunicações, com dispensa de taxa de justiça por não ter contra-alegado [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


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Lisboa, 1 de Julho de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.