Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:021/11.8BEMDL
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
FARMÁCIAS
CONCURSO
MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Não é de admitir revista na qual está primordialmente em causa a apreciação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, atento o disposto no art. 150º, nºs 2, 3 e 4 do CPTA, não se vislumbrando, igualmente, que se justifique a sua admissão para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P28527
Nº do Documento:SA120211118021/11
Data de Entrada:10/20/2020
Recorrente:A.................
Recorrido 1:INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório

A……………………… vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Norte em 30.04.2020 que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do TAF de Mirandela que julgou improcedente a acção administrativa especial na qual peticionou a anulação do acto de homologação da lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso para instalação de uma nova farmácia no lugar de …………., aberto pelo aviso nº 6487/97, publicado no DR, II Série, nº 216, de 18.09.1997, e a condenação do júri a proceder a nova classificação atribuindo 10 pontos ao autor na classificação, colocando-o em primeiro lugar.
A revista visará uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações defende-se que não se verificam os pressupostos para a admissão do recurso, que nem foram alegados, sendo certo, que o recurso deve improceder.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes da decisão recorrida para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista o Recorrente defende ter sido violado o caso julgado, matéria de conhecimento oficioso, e que o Tribunal a quo não apreciou, sendo ilegal. E que o acórdão recorrido não procedeu à reapreciação da prova produzida em 1ª instância, como lhe foi requerido, não se pronunciando sobre as provas que concretamente lhe foram apresentadas, a fim de tirar a sua própria conclusão, ignorando completamente a sua existência, pelo que deve ser anulado ao ter violado o princípio do duplo grau de jurisdição. E que o acórdão recorrido entendeu igualmente não dever apreciar a validade do acto administrativo impugnado com o argumento de que o recurso visa apenas analisar a sentença proferida e não o acto impugnado.

Estava em causa o concurso para abertura de uma farmácia no lugar de ………….., aberto pelo aviso nº 6487/97, publicado no DR, II Série, nº 216, de 18.09.1997, pedindo o A., aqui Recorrente, a anulação do acto de homologação de tal concurso e a condenação do júri a proceder a nova classificação atribuindo 10 pontos ao autor na classificação, colocando-o em primeiro lugar.
As ilegalidades imputadas pelo A. ao acto impugnado foram as seguintes: i) violação de lei por erro nos pressupostos de facto ou, assim não o entendendo…ii) verificação do vício de forma resultante da falta de audiência prévia do Autor.
A sentença do TAF julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu o Ré do pedido [sendo que o que verdadeiramente estava em causa era a prova da residência do Autor nos últimos 5 anos anteriores à data do concurso].

No acórdão recorrido o TCA Norte apreciou a nulidade imputada à sentença, nos termos do art. 615º, nº 1 al. d) do CPC, fundada no não conhecimento por parte da sentença de 1ª instância do caso julgado, julgando a nulidade não verificada. Sobre tal matéria considerou o acórdão recorrido o seguinte: “Acontece que no caso presente – como bem sabe o Recorrente, pois que disso dá expressa conta – o Juiz a quo, enunciando a questão, entendeu que não a devia apreciar, por ter sido arguida em momento posterior à apresentação do articulado inicial, constituindo novo fundamento sem que fosse fundada em factos supervenientes à apresentação daquele articulado inicial.
Invocou, pois, o tribunal a quo uma razão obstativa do conhecimento de tal questão e como tal, deixou de ter o dever de a conhecer.
Poderá essa decisão eventualmente padecer de erro de julgamento, mas não ocorre, no caso, omissão de pronúncia.” Como igualmente considerou o acórdão recorrido que não se verificava qualquer violação do nº 3 do art. 95º do CPTA, já que a matéria não se afigura subsumir-se à sua previsão.
No mais o acórdão apreciou os erros de julgamento quanto aos pressupostos de facto do acto impugnado, da deficiente fundamentação da motivação da decisão quanto à matéria de facto e da interpretação e errada e abusiva conclusão sobre a prova produzida, concluindo que nenhum deles procedia.
Quanto à primeira questão entendeu que, de acordo com o disposto no art. 627º, nº 1 do CPC, em sede de recurso o que pode ser impugnado são as decisões judiciais e, já não, o que não foi por estas decidido, sem que se invoque omissão de pronúncia.
Quanto à deficiente fundamentação da prova disse-se que esta não consistira apenas na “simples invocação como fundamento da decisão sobre a matéria de facto, da apreciação livre das provas e das regras da experiência comum,…”, como defendera o Recorrente, tendo a sentença fundamentado o facto não provado [o posto em causa pelo Recorrente], nos termos transcritos no acórdão (cfr. págs. 18 in fine e 19).
Quanto à 3ª questão o acórdão recorrido considerou, nomeadamente, o seguinte, tendo em atenção as conclusões do recurso (6ª, 9ª, 10ª e 11ª): “Apontam para o segmento da fundamentação que na sentença sob recurso se dirige ao facto não provado: «Que o autor tinha a sua residência efectiva na Rua ………………….., em Matosinhos, desde 1991 e pelo período de, pelo menos 5 (cinco) anos».
Portanto, a questão era a de saber se o Recorrente havia tido residência em Matosinhos no período de 1991 a 1996.
A prova produzida, incluindo a prova testemunhal, não logrou convencer o tribunal a quo e, pelas razões que a sentença recorrida aponta, julgou o referido facto como não provado.
Acontece que o tribunal a quo apontou ainda o acórdão do STA de 07-11-2002, processo nº 0201/02 que sobre esta mesma matéria (resultante de uma das impugnações contenciosas efectuadas ao longo deste mesmo concurso ora ainda em crise) já havia decidido pela primazia probatória resultante do Bilhete de identidade de cidadão nacional do Recorrente, do seu cartão de eleitor e também do cartão de contribuinte, os quais se sobrepunham aos restantes meios probatórios documentais, designadamente aos que ora refere, v.g. a declaração do presidente da Junta de Freguesia de S. Mamede de Infesta.
(…)
Acontece que a prova produzida não foi suficiente para afastar o entendimento, que já vem do Supremo Tribunal Administrativo quanto a esta mesma matéria, da primazia probatória resultante do bilhete de identidade de cidadão nacional, do cartão de eleitor e do cartão de contribuinte. E o mesmo continua a valer no caso presente, pois, como naquele referido aresto se concluiu, também aqui se constata que não é apenas o Bilhete de Identidade que dá o Recorrente como residente em Vila Real naquele período. Também o cartão de eleitor e o cartão de contribuinte referem a residência do Recorrente como sendo Vila Real.
Assim, o acórdão negou provimento ao recurso do aqui Recorrente.

Com a presente revista o Recorrente pretende mais uma vez questionar a matéria de facto dada como provada, com o fundamento de que o acórdão recorrido não reapreciou a prova.
No entanto, a apreciação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, mesmo em caso de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, sendo que o Recorrente não invoca que se esteja perante qualquer uma das circunstâncias previstas na segunda parte do nº 4 do art. 150º do CPTA que permita esse juízo. Quanto às restantes questões foram apreciadas pelo acórdão recorrido de forma aparentemente correcta, através de um discurso coerente e verosímil, sem que se detecte qualquer erro ostensivo na apreciação feita.
Termos em que, atento o disposto no art. 150º, nºs 2, 3 e 4 do CPTA, a revista não é admissível, quanto ao decidido sobre a matéria de facto, não se vislumbrando, igualmente, que se justifique a sua admissão para uma melhor aplicação do direito, não se justificando postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. - Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.