Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0467/14.0BEMDL 0356/18
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IUC
SUJEITO PASSIVO
Sumário:I - Na sua redação originária, o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC não considera proprietários os titulares inscritos no registo automóvel, mas os que como tal sejam considerados de acordo com as regras do registo automóvel.
II - Ao considerar proprietários os que como tal sejam considerados de acordo com as regras do registo automóvel, o legislador está a valer-se da presunção derivada do registo, presunção esta elidível nos termos gerais.
III - A alteração introduzida no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, não tem natureza interpretativa.
Nº Convencional:JSTA000P26000
Nº do Documento:SA2202006030467/14
Data de Entrada:04/11/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial das liquidações de Imposto Único de Circulação n.ºs 37918193, 37918197, 37918201, 37918205 e 37918207, referentes aos veículos com as matrículas ………, ………., ………., ……… e ………., respetivamente, todas do ano de 2009, e respetivos juros compensatórios, no montante total de € 2.522,97.

Impugnação esta que tinha sido intentada por A……….., contribuinte fiscal n.º ……….., com domicílio indicado em …….., …….., Valpaços e apurado (na execução fiscal n.º 2380201401002759 e apensos, que o Serviço de Finanças de Chaves lhe move por reversão de dívida de B…………, LDA., N.I.F. ……….) em Rua ……., n.º …., 5430-…. ……..

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente juntou as alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)

I. A douta sentença sob recurso concedeu parcial provimento ao pedido formulado pelo IMPUGNANTE, anulando liquidações de IUC com fundamento na circunstância de a ORIGINÁRIA DEVEDORA, sujeito passivo das mesmas, não ser, efectivamente ou de facto e nas datas em que ocorreram os factos tributários, a proprietária dos veículos sobre os quais tais liquidações incidiram e na certeza de que os sujeitos passivos deste imposto são os proprietários dos veículos.

II. Contudo, como decorre do artigo 3.º do CIUC, os sujeitos passivos do IUC não são os proprietários dos veículos, mas sim as (…) as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontra registada a propriedade dos veículos.

III. A sobre citada redação do artigo 3.º, n.º 1, do CIUC foi introduzida, pelo Governo, através do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, no uso da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 169.º, alínea a), da Lei n.º 7-A/2016, de Março, visando, precisamente, sanar a controvérsia que a redacção original, conjugada com a do artigo 6.º, n.º 1, gerou, a respeito da incidência subjectiva do imposto, razão pela qual à alteração foi atribuída natureza interpretativa.

IV. Significa isto que, independentemente de ao tempo da ocorrência dos factos tributários se encontrar em vigor a anterior redacção do artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, deve esta norma, em qualquer das suas versões, ser interpretada de harmonia com a solução encontrada pelo próprio legislador e que revela o que sempre pretendeu alcançar: tributar, em sede de IUC, as pessoas em nome das quais se encontrasse registada a propriedade dos veículos.

V. Verificando-se, como se verifica, que, na data da ocorrência dos factos tributários, a propriedade dos veículos se encontrava registada em nome da ORIGINÁRIA DEVEDORA, conclui-se as liquidações impugnadas não padecem de vício algum, seja de facto ou de Direito, porquanto só a ORIGINÁRIA DEVEDORA podia ter sido o sujeito passivo das mesmas.

VI. Razão pela qual pensamos que, na douta sentença sob recurso, se fez errada interpretação e aplicação do Direito, em claro prejuízo da FAZENDA PÚBLICA, não podendo tal aresto manter-se indemne na ordem jurídica».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso e, em consequência, anulada a sentença recorrida e, em seu lugar, fosse proferida outra que julgasse a impugnação judicial totalmente improcedente por não provada, com a consequente manutenção na ordem jurídica dos atos tributários de liquidação impugnados.

O Recorrido não contra-alegou.

1.2. Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e deve ser mantida na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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2. Dos fundamentos de facto

Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância: «(…)

1. O Impugnante foi citado por reversão da dívida da inicial executada “B………., Lda, NIPC …….., com sede na R. ………., n.º….., 5430-….. ……, relativamente a IUC de 2009 dos veículos com as matrículas …….., ……, …….., ………, ………. no valor de 2.529,97 € - Fls. 1 a 23 do PA;

2. Os aniversários das matrículas daqueles veículos verificaram-se nas seguintes datas:

a. ………, em Fevereiro;

b. ………, em Maio;

c. ………, em Junho;

d. ………, em Outubro; e

e. ………, em Agosto

Cfr. fls. 2, 5, 8, 11 e 14 do PA

3. Em 13/10/2013 aqueles veículos estavam registados em nome da B………, Lda – Fls. 70 a 95, art.º 13 a 15.º da PI e 10.º da contestação;

4. Em 20/3/2014 a “B………..” requer o cancelamento das matrículas dos veículos ………., ………., …….. e ……… – doc 10 da PI

5. A “B………..” vendeu os veículos ……., …….., ………. e ……. em, respectivamente, 19/9/2008, 11/5/2007, 12/11/2007, 23/1/2008 – cfr. docs. 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 da PI; e depoimento da testemunha ………… que representa a sociedade C………., que comprou esses veículos e que, por isso, demonstrou conhecer os factos a que foi inquirido. (…).

· Não se provou que a “B………..” tivesse vendido a viatura de matrícula ……. – o documento 9 apresentado pelo Impugnante que demonstraria tal facto não se mostra consistente uma vez que dele não consta o identificado veículo; por outro lado a testemunha ………., administrador da sociedade “D………., Lda” que naquele documento figura como compradora, ou como aquela a quem foi emitida a factura que esse documento representa, não identificou esse veículo como objecto de compra/venda entre as duas sociedades. (…)».


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3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que, tendo concluído que o Impugnante demonstrou que a originária devedora não era proprietária de quatro dos veículos que em seu nome se encontravam registados, julgou nessa parte procedente a impugnação judicial do imposto único de circulação (doravante identificado pela abreviatura “IUC”) que lhe foi liquidado referente a esses veículos e ao ano de 2009.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente Fazenda Pública, por entender que o tribunal de primeira instância fez errada interpretação do Direito aplicável ao caso. Fundamentalmente porque a fórmula utilizada na norma do artigo 6.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação (doravante sob a sigla “CIUC”), designadamente a expressão «propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo», indicava que foi intenção do legislador tributar os titulares do direito de propriedade identificados no registo, independentemente de serem ou não serem os verdadeiros proprietários. Entendimento que a nova redação do dispositivo em causa, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, vem confirmar. Redação essa que nos dizeres da correlativa autorização legislativa, tem natureza interpretativa.

São, por isso, duas as questões fundamentais sobre as quais este Supremo Tribunal é chamado a pronunciar-se: a primeira é a de saber se o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, na redação em vigor à data dos factos, deve ser interpretado no sentido de que o imposto deve incidir sobre os titulares do direito de propriedade dos veículos, como tal inscritos na matrícula ou no registo, independentemente de serem ou não os proprietários dos veículos em causa. A segunda, é a de saber se a nova redação do mesmo preceito tem natureza interpretativa.

Delas nos ocuparemos nos pontos seguintes.

3.2. Reformulemos a primeira questão: trata-se de saber, no fundo, se a expressão «considerando-se como tais…» inserida na segunda parte do artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto) contém uma proposição jurídica ou consagra uma presunção jurídica.

O enunciado linguístico, que – de acordo com o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil – é o ponto de partida de toda a interpretação jurídica, coloca-nos a meio caminho entra as duas figuras e «num campo relativamente escorregadio de classificações» [cit. ANA PAULA DOURADO, in «O Princípio da Legalidade Fiscal (…)», Almedina 2007, págs. 597/598]. Considerar é assumir, tomar de partida no raciocínio que se vai desenvolver. Mas, no mundo do direito, isso pode querer significar a remissão para outra previsão normativa (proposição remissiva) ou a dispensa de prova de um facto.

O elemento histórico e o intra-sistemático sugerem que o legislador pretendeu o funcionamento automático da regra de incidência com recurso a um expediente técnico. Assim, é notório que a fórmula legislativa evoluiu da expressão «presumindo-se como tais» (contida nos impostos que o IUC veio substituir) para a expressão «considerando-se como tais», indicando que o legislador pretendeu que se deduzisse diretamente dos dados do registo a identificação dos proprietários. Por outro lado, o legislador utiliza no Código as expressões «presumir» e «considerar» com sentidos notoriamente distintos: no artigo 2.º, n.º 3, presume afetos ao transporte particular os veículos em que não se comprove a afetação a afetação a outro destino (é uma regra probatória); já no artigo 6.º, n.º 2, considera facto gerador do imposto a permanência em território nacional por período superior a 183 dias (é uma proposição jurídica).

No entanto, o elemento teleológico aponta no sentido inverso. Do artigo 1.º do CIUC deriva que o legislador pretendeu que o imposto único de circulação obedecesse ao princípio da equivalência, isto é, funcionasse no pressuposto de que existe uma relação de troca entre o Estado e os contribuintes que têm veículos. Concebendo a disponibilidade ambiental e viária como um recurso público escasso, o legislador configurou o IUC como um instrumento de compensação ou reequilíbrio entre quem polui ou desgasta a rede viária e a comunidade em geral.

Ora, esta relação de troca estabelece-se diretamente entre o Estado e quem utiliza os veículos, que são quem verdadeiramente polui e desgasta as vias. E indiretamente, entre o Estado e os proprietários dos veículos, que são quem disponibiliza a sua utilização por quem polui e desgasta as vias. O que não é possível é conceber é uma relação de troca, nesse âmbito, entre o Estado quem regista a propriedade a seu favor. O registo, desligado da propriedade efetiva, não tem nenhuma relação possível com a poluição o com o desgaste das vias.

Mas vamos ao funcionamento da norma, no pressuposto de que temos uma proposição remissiva: se o legislador pretende que se tribute como proprietário o titular do registo que se sabe não ser o verdadeiro proprietário, temos uma ficção jurídica, isto é o funcionamento de uma norma que reputa como existente um facto que se sabe inexistente.

Ora, a aplicação destas ficções jurídicas no direito fiscal deve ser proporcionada aos objetivos de eficiência e de combate à evasão fiscal. E não se vê como pode considerar-se proporcionada uma norma que funcione mesmo em situações limite em que se saiba que o verdadeiro proprietário é outrem. A evasão fiscal combate-se, nestes casos, tributando o verdadeiro proprietário. Quando muito, responsabilizando o anterior titular quando, por culpa sua, tivesse inviabilizado a cobrança do tributo junto do verdadeiro proprietário. Mas não abstraindo de tudo isso, transformando a eficiência fiscal num fim em si mesmo, totalmente desligado da justiça fiscal.

Por outro lado, o funcionamento destas ficções também não pode afrontar o princípio da capacidade contributiva, consagrado no artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. Revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização ou do seu património.

Ora, o registo de propriedade de um veículo não revela, em si mesmo, nenhuma capacidade de contribuir para o financiamento do custo ambiental e viário que a utilização dos veículos gera. Porque o registo não confere por si só o poder de extrair algum rendimento dos veículos, o valor económico da sua utilização ou sequer da sua detenção. Um imposto centrado no registo dos veículos só revela mesmo a capacidade económica de os registar.

Daqui se retira que uma interpretação deste preceito que se conforme com os sobreditos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva é aquela que o configura com uma presunção jurídica. Isto é, uma disposição que, baseada na experiência ou numa ideia de probabilidade, dispensa a administração de indagar quem é o verdadeiro proprietário.

Seria então o momento de indagar se se os sobreditos princípios se compatibilizariam com o funcionamento de presunções absolutas, que não admitissem a prova em contrário. Mas não é necessário. Porque o artigo 73.º da Lei Geral Tributária dispõe que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

Daqui se retira que uma interpretação deste preceito que se conforme com o comando daquele artigo 73.º da Lei Geral Tributária é a que o configura como uma presunção elidível. Isto é uma disposição que onera o titular registado do veículo com o ónus de demonstrar que não é o verdadeiro proprietário.

Há, todavia, uma fórmula interpretativa que compatibiliza o preceito com todos estes princípios e comandos legais, porventura sem necessidade de restringir o seu âmbito. Configurando-a como uma norma remissiva. No caso, uma norma que remete a consequência jurídica de uma previsão normativa para a consequência jurídica estabelecida noutra norma.

Neste sentido, o legislador não estará no dispositivo legal a considerar proprietários os titulares inscritos no registo automóvel, mas a considerar proprietários os que como tal fossem considerados de acordo com as regras do registo automóvel.

Tendo em conta que, nos termos do artigo 1.º do Regulamento do Registo Automóvel, este tem por fim individualizar os respetivos proprietários e dar publicidade aos direitos registados, isto significará que a norma remissiva estará a considerar proprietários os que como tal se declarem junto de oficial público e que como tal se anunciem através dos instrumentos de publicitação adequados.

E tendo em conta que, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial – aplicável ao registo automóvel por força do seu artigo 29.º - o legislador atribui ao registo definitivo a presunção de que o direito existe nos termos registados, isto significa que a norma remissiva está, afinal, a considerar (leia-se, a relevar) na regra da incidência a presunção derivada do registo.

Presunção que, assim, deve considerar-se elidível nos mesmos termos em que o seja a presunção derivada do registo.

Assim sendo, e ao contrário do que defende o Ex.mo Representante da Fazenda Pública nas suas doutas alegações, a norma em causa, na sua versão originária, não deve ser interpretada no sentido se que se pretendeu tributar as pessoas em nome das quais se encontrasse registada a propriedade dos veículos, mas as pessoas que fossem proprietários dos veículos, presumindo-se como tal os titulares inscritos no registo.

Em sentido convergente vem decidindo de forma uniforme este Supremo Tribunal, como decorre, designadamente, do acórdão de 18 de abril de 2018, tirado no processo 0206/17 e invocado no douto parecer do Ex.mo Senhor Procurador Geral Adjunto, e do acórdão de 20 de março de 2019, tirado no processo n.º 0466/14.1BEMDL.

Pelo que o recurso não pode merecer provimento por aqui.

3.3. A segunda questão colocada pelo Recorrente é a de saber se a nova redação do artigo 3.º, n.º 1, do CIUC tem natureza interpretativa.

Entende que sim o Recorrente com uma dupla fundamentação: por um lado, baseando-se no artigo 169.º, alínea a) da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que autorizou o Governo a introduzir alterações no CIUC definindo, «com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º»; por outro lado, baseando-se no facto de não existir jurisprudência uniforme relativa à interpretação daquela norma no âmbito da redação anterior da lei.

Mas não tem razão.

Em primeiro lugar, tem-se entendido que a natureza da autorização legislativa, na atual arquitetura constitucional, a aproxima mais do fenómeno da delegação do que da substituição, querendo com isto significar-se que que o Governo, no uso da autorização, não aciona o poder legislativo do Parlamento, mas age em nome próprio [sobre esta matéria, ver J.J.GOMES CANOTILHO, in «Direito Constitucional e Teoria da Constituição», 7.ª Edição, Almedina, págs. 762 e seguintes]. Assim, o Parlamento, ao autorizar o Governo a atribuir caráter interpretativo a uma alteração, não está ele próprio a definir o alcance temporal da norma, mas a delegar no Governo o respetivo poder de definição.

Ora, é notório que o Governo não atribuiu, no Decreto-Lei n.º 41/2016, natureza interpretativa à alteração que introduziu no dispositivo em causa. Pela simples razão de que atribuiu no mesmo diploma natureza interpretativa a diversas outras disposições e não deixou de o anunciar expressamente no preâmbulo e o consignar expressamente no texto legislativo. O que não fez quanto à norma em causa.

Em segundo lugar, sendo embora verdade que a natureza interpretativa da norma pode ser revelada no facto de recair sobre matéria em que existam fortes divergências, documentadas na jurisprudência e/ou na doutrina, já assim não é se o sentido da lei nova vem ao arrepio da jurisprudência uniformizada ou consolidada sobre o âmbito interpretativo da lei antiga. Como refere J. BAPTISTA MACHADO (in «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», Almedina 1990, págs. 246/247), «se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a LN que venha a consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa».

Ora, embora tenha existido, inicialmente, alguma controvérsia doutrinária e na jurisprudência arbitral (devidamente descrita no douto parecer do Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto e para o qual ora remetemos), a jurisprudência dos tribunais superiores tem respondido de forma uniforme a esta questão e deve considerar-se consolidada no sentido que aqui se toma.

E, assim sendo, o recurso também não merece provimento por aqui.


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4. Das conclusões

4.1. Na sua redação originária, o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC não considera proprietários os titulares inscritos no registo automóvel, mas os que como tal sejam considerados de acordo com as regras do registo automóvel.

4.2. Ao considerar proprietários os que como tal sejam considerados de acordo com as regras do registo automóvel, o legislador está a valer-se da presunção derivada do registo, presunção esta elidível nos termos gerais.

4.3. A alteração introduzida no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, não tem natureza interpretativa.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela RECORRENTE.

D.n.

Lisboa, 3 de Junho de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Aragão Seia – Francisco Rothes.