Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01508/14
Data do Acordão:12/16/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
PEDIDO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - A ilegalidade da liquidação de IVA por erro na determinação do sujeito passivo (violação das normas de incidência subjectiva) não pode erigir-se em fundamento da oposição à execução fiscal onde está a ser cobrada coercivamente a dívida resultante desse acto, não sendo subsumível a nenhuma das alíneas do rol taxativo do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, antes devendo a sua discussão judicial ser efectuada através do processo de impugnação judicial regulado nos arts. 99.º e segs. do CPPT.
II - Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.
III - Tendo presentes esses princípios e as concretas causas de pedir invocada, o pedido de extinção da execução formulado a final pelo oponente enquanto consequência da anulação total do acto de liquidação que está na origem da dívida exequenda pode ser interpretado como tendo implícito o pedido de anulação desse acto.
IV - A convolação, que sempre deve ser ponderada no caso de erro na forma do processo (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT), só deve ser ordenada quando, na data em que a petição inicial foi apresentada, não estava ainda esgotado o prazo para o exercício do direito de acção sob a forma processual própria, sendo proibida, por inútil, no caso contrário (cfr. art. 130.º do CPC), motivo por que se impõe que o juiz averigúe da verificação desse requisito.
Nº Convencional:JSTA00069488
Nº do Documento:SA22015121601508
Data de Entrada:12/15/2014
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1 B H ART102 ART98 N4 ART99.
LGT98 ART97 N3.
CCIV66 ART236 N1 ART295.
CPC13 ART130.
CONST76 ART20 ART268 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01276/12 DE 2014/04/15.; AC STA PROC0606/15 DE 2015/07/08.; AC STA PROC01347/13 DE 2015/09/09.; AC STA PROC0343/14 DE 2015/06/17.; AC STA PROC01803/13 DE 2014/02/05.; AC STA PROC01086/13 DE 2014/05/28.; AC STA PROC01271/13 DE 2015/03/04.; AC STA PROC0154/13 DE 2013/05/15.; AC STA PROC032/13 DE 2014/01/08.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CPPT ANOTADO E COMENTADO VOLIII PAG452-455 PAG103 PAG495 VOLII PAG107-108 PAG90-91.
MANUEL DE ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1979 PAG387.
ALBERTO DOS REIS - CPC ANOTADO VOLII PAG288-289.
RODRIGUES BASTOS - NOTAS AO CPC VOLI 3ED PAG262.
ANTUNES VARELA - REVISTA DE LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA ANO100 PAG378.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1508/11.8BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 A……….. (adiante Executado ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a oposição por ele deduzida à execução fiscal que foi instaurada contra ele para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2007 e 2008.

1.2 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«I- Salvo o devido respeito, a sentença recorrida enferma do erro de julgamento pois que deixou de conhecer do mérito da causa, por motivo improcedente.

II- Efectivamente recusando-se a conhecer que os rendimentos foram auferidos pelo irmão do Recorrente, B…………, quem de facto, exerceu a actividade económica em causa geradora da dívida exequenda relativa ao IVA de 2007 e 2008, violou a douta sentença recorrida o disposto no artigo 204.º, n.º 1 alíneas b) e i) do CPPT.

III- Pelo que, ao decidir de forma como fez, o Meritíssimo Juiz [do Tribunal] a quo” apelando a um critério meramente formalista, escusou-se apreciar as questões submetidas na Oposição violando o direito à tutela judicial efectiva consagrado no art. 268.º n.º 4 do CRP.

IV- A douta sentença recorrida absteve-se de procurar a verdade material na relação tributária em análise, não conhecendo de questões que afectam gravemente o Recorrente, dado que a Administração Fiscal o considera, erradamente, sujeito da relação jurídica-tributária em causa.

V- Acresce ainda que foi feita uma incorrecta interpretação e aplicação da Lei, mormente em sede do alegado quanto à ilegitimidade processual e substantiva do Recorrente (por inexistência de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda), o que por si só determinaria uma decisão diversa da recorrida.

VI- O pedido formulado pelo Recorrente constitui inquestionavelmente fundamento legal de oposição à execução fiscal, subsumível, pelo que a mesma deveria ter sido julgada procedente considerando os argumentos nela aduzidos.

VII- Sem prejuízo do exposto, o Tribunal «a quo» poderia ter operado à convolação adequada do processo, nos termos do art. 97.º n.º 3 da LGT e 98.º n.º 4 CPPT.

VIII- Isto porque a convolação operacionaliza o princípio da tutela judicial efectiva, com expressão na correspondência entre direito e acção adequada, e justifica-se por razões de economia processual (cfr. artigo 2.º, n.º 2 CPC), nada obstando a que os presentes autos sejam convertidos em processo de impugnação se assim for entendido.

IX- Ao entender de forma diversa, a sentença recorrida violou as disposições conjugadas dos artigos 97.º n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT e, consequentemente, o princípio da economia processual previsto no artigo 7.º do CPTA, aplicável ao procedimento nos termos do artigo 2.º do CPPT.

X- A este propósito vejam-se, aliás, os sumários dos seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, publicados in www.dgsi.pt/jsta.nsf que esclarecem o seguinte.

Processo 0508/12, de 27.06.2012
«I- O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
II- Não obstante, este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir que a verdadeira pretensão de tutela jurídica é diversa da formulada.
III- A questão da responsabilidade subsidiária por uma dívida tributária diferente da questão da incidência subjectiva do imposto que está na origem daquela dívida: enquanto esta respeitará legalidade do imposto e deve ser discutida em sede de impugnação judicial, aqueloutra situa-se já no âmbito de execução da dívida que teve origem nessa liquidação e deve ser decidida em oposição à execução fiscal (cfr. arts. 99.º e 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT).
IV- A questão da legalidade do despacho de reversão por inobservância do direito de audição também não pode erigir-se em fundamento de impugnação judicial (cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT)
V- O facto de na citação efectuada ao executado por reversão serem indicados como meios de reacção possíveis a oposição à execução fiscal e a impugnação judicial não significa de modo algum que o citado possa optar sem critério por um daqueles meios processuais, mas, ao invés, que lhes estão abertas aquelas duas vias judiciais, que devem ser escolhidas de acordo com a pretensão de tutela judicial a deduzir e os fundamentos que a suportam»

Processo 0294/12, de 16.05.2012
«I- A ilegitimidade que constitui fundamento de oposição à execução fiscal (al. b) do art. 204.º do CPPT), é uma ilegitimidade substantiva que se relaciona com a divida exequenda e com o respectivo título e não com a incidência do tributo»

Processo 0754/09, de 12.11.2009
«I- Tendo o contribuinte usado um meio processual impróprio (oposição) quando o meio próprio era outro (impugnação), é de ordenar a convolação processual, mesmo que esteja pendente reclamação graciosa».

Processo 0366/10, de 07.07. 2010
«III- A formação de um pedido de extinção de execução fiscal, com fundamento na ilegalidade do acto de liquidação da dívida exequenda, tem implícita uma pretensão de eliminação jurídica deste acto e, nessa medida não deve constituir obstáculo à referida convolação»

Processo 0678/12 de, 26.09.2012
«I- Julgado verificado o erro de forma do processo utilizado haverá que, em face dos termos imperativos do disposto nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT e por razões de economia processual, ordenar a convolação da petição apresentada para a forma de processo adequada, quando tal convolação seja necessária para que o interessado possa obter o efeito útil pretendido e a menos que a convolação se traduza na prática de um acto inútil, e como tal proibido por lei.
II- Não se verificando obstáculo à “convolação” em impugnação judicial de uma oposição à execução fiscal interposta dentro do prazo e na qual se questiona a legalidade em concreto da dívida exequenda, ainda que o oponente tenha formulado pedido de “levantamento da execução”»

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que determine a baixa dos autos à 1.ª instância para que, produzida a prova pertinente, se conheça a Oposição, ou se assim se não entender, deverá ser anulado todo o processo desde a petição inicial (que se aproveita), determinando-se a convolação dessa petição de oposição em petição de impugnação, nos termos dos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT».

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e determinada a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de se ampliar a matéria de facto provada, em ordem a apurar da tempestividade da petição inicial para efeitos de convolação para impugnação judicial. Isto, após enunciar os fundamentos do recurso e da sentença recorrida, porque considerou o seguinte:

«[…] 4. Resulta, assim, da petição apresentada em tribunal que o oponente/recorrente invoca como causas de pedir a sua ilegitimidade, por não ser responsável pela dívida exequenda, e a ilegalidade das liquidações que deram origem à quantia exequenda, por nunca ter recebido os rendimentos da actividade a que respeita o imposto.
A oposição à execução fiscal configura-se como uma contestação à pretensão do exequente e apenas pode ter por base qualquer um dos fundamentos taxativamente previstos no n.º 1 do art. 204.º do C.P.P.T.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do C.P.P.T, é fundamento da oposição a «ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida» (sublinhados nossos).
Ora, a invocada ilegitimidade do oponente, por não ser o titular da relação jurídica tributária que deu origem à quantia exequenda, não se enquadra em nenhum dos figurinos que constam da previsão do transcrito preceito legal. Com efeito, como é entendimento pacífico na jurisprudência, na sua previsão estão compreendidos três tipos de ilegitimidade substantiva:
- A «ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor», que se verifica quando se citou pessoa diversa da que consta como devedora no título executivo ou quando foi citada pessoa na suposição errada de que era sucessora do executado;
- A ilegitimidade decorrente do facto de a pessoa citada, embora figurando no título como executada, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram»;
- A ilegitimidade que decorre de a pessoa citada «não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida» (Neste tipo de ilegitimidade se integram os casos de indevida reversão contra os responsáveis solidários ou subsidiários pela dívida exequenda).
No caso concreto dos autos, o oponente consta do título executivo como devedor, o que afasta, desde logo, a possibilidade da verificação dos primeiro e terceiro tipos de ilegitimidade.
Resta, pois, o segundo tipo de ilegitimidade, ou seja, o que decorre do facto de a pessoa citada, embora figurando no título como executada, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram».
Ora, também é pacífico que este tipo de ilegitimidade só pode verificar-se quando a posse, fruição ou propriedade de determinados bens seja pressuposto da incidência do tributo. Ora não é manifestamente esse o caso dos autos, pois estamos perante uma divida decorrente do exercício de sua actividade comercial.
Assim sendo temos que concluir que a ilegitimidade invocada pelo oponente, não se enquadra na previsão do citado preceito legal como fundamento da oposição à execução fiscal.
Por outro lado, pretendendo o oponente discutir a legalidade da dívida, não é este o meio próprio para o fazer, mas sim a impugnação judicial. Pese embora a dívida exequenda diga respeito a IVA, a dívida tem subjacente liquidações oficiosas que foram notificadas ao oponente/recorrente, o qual menciona na sua petição que apresentou reclamação graciosa contra as mesmas.
Refere a este propósito Jorge Lopes de Sousa, in C.P.P.T., anotado, 3.ª edição, pág. 970, que “em regra, a fase executiva é precedida de uma fase administrativa prévia em que é feita a liquidação da dívida exequenda, sendo esta notificada ao interessado, que a pode impugnar pelos meios administrativos e contenciosos previstos na lei (designadamente reclamação graciosa e impugnação judicial), dentro dos prazos legais. Por isso, acrescenta, como regra, não pode discutir-se na oposição à execução fiscal a legalidade dessa liquidação, que só pode sê-lo pelos meios próprios de reclamação ou impugnação, a utilizar dentro dos prazos respectivos”.
Como no caso em concreto o oponente/recorrente pretende discutir a correcção das liquidações de IVA e lhe foi assegurada a sua impugnação, que alegadamente efectuou em sede de reclamação graciosa, a mesma questão não é passível de conhecimento em sede de oposição.
Entendemos, assim, que as causas de pedir invocadas pelo oponente/recorrente não se enquadram em qualquer um dos fundamentos previstos taxativamente no art. 204.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, motivo pelo qual a sentença recorrida deve ser confirmada nesta parte.
5. O Recorrente suscita igualmente a questão da convolação do processo, já que no seu entendimento, caso se considere que os fundamentos da acção não são subsumíveis no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sempre é admissível a correcção do processo para a forma adequada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, e 98.º, n.º 4, do CPPT.
Como refere Jorge Lopes de Sousa (in CPPT Anotado e Comentado, II vol., pág. 88) «é à face do pedido ou conjunto de pedidos formulado pelo interessado que se afere a adequação das formas de processo especiais e, consequentemente, a existência de erro na forma de processo».
No caso concreto dos autos e conforme se alcança da petição inicial apresentada pelo oponente/recorrente, este formulou o pedido de extinção da execução fiscal, motivo pelo qual o Mmo. Juiz [do Tribunal] “a quo” considerou que não se verificava erro na forma de processo, uma vez que a oposição tem por fim ou visa aquele resultado pretendido pelo autor da acção. E afigura-se-nos ser esse o entendimento correcto.
Com efeito, é manifesto que ao deduzir a oposição na sequência da sua citação em sede de execução fiscal o oponente/recorrente pretendeu obstar à cobrança coerciva da dívida, convencido de que os fundamentos invocados são subsumíveis no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. E só “à cautela” é que peticiona a convolação do processo. Por outro lado não está em causa eventual dificuldade na escolha do meio processual que melhor se adeqúe à tutela dos seus direitos ou posição jurídica, uma vez que o próprio alega que impugnou as liquidações através de reclamação graciosa, pelo que a questão da legalidade do acto tributário será apreciada em sede desse processo, com possibilidade de posterior impugnação contenciosa.
De todas as formas e como decorrência dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da adequação formal, tem-se entendido que o formalismo processual não tem um carácter rígido, antes deve ser adaptado em função da colaboração das partes e da justa composição do litígio. E neste caso, como invoca o recorrente, a jurisprudência do STA tem adoptado um critério suficientemente elástico para admitir mesmo nos casos em que o autor peticiona a extinção da instância como contendo um pedido implícito de anulação do acto tributário que deu origem à quantia exequenda (cfr. acórdãos do STA de 26/09/2012, recurso n.º 0678/12, de 11/02/2009, recurso n.º 0924/08, e de 16/04/2008, recurso n.º 051/08). E por outro lado, tem igualmente entendido o STA que não obsta a tal convolação do processo o facto de ter sido apresentada reclamação graciosa, já que neste caso o que ocorrerá é que o tribunal chamará a si a apreciação da questão da ilegalidade e determinando a apensação daquele processo à impugnação judicial – cfr. neste sentido, acórdão do Pleno da secção de CT de 28/01/2009, recurso n.º 051/08, e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado, vol. II, págs. 90 e 91.
Ora, manifestando o oponente/recorrente que a acção seja aproveitada como impugnação da legalidade dos actos tributários que deram origem à dívida exequenda, afigura-se-nos que se impõe a apreciação dos demais requisitos da convolação do processo. E para efeitos de se decidir pela convolação do processo importa verificar, para além da adequação do pedido e da causa de pedir, se se mostra ou não reunido o requisito da tempestividade da acção. Todavia, da sentença recorrida não consta qualquer elemento que permita aferir desse requisito, pelo que se impõe a ampliação da matéria de facto com vista a decidir tal questão.
Em face do exposto entendemos que o recurso deve proceder nesta parte, revogando-se para o efeito a sentença recorrida e determinando-se a baixa dos autos para efeitos de ampliação da matéria de facto com vista a apreciar se se mostra ou não reunido aquele requisito de tempestividade da impugnação judicial, para efeitos de convolação do processo, sob pena de prática de um acto inútil».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento i) quando considerou que as causas de pedir invocadas não constituem fundamento válido de oposição à execução fiscal (cfr. conclusões I a VI) e ii) quando considerou não ser de ponderar a convolação para outra forma processual (para a qual essas causas de pedir pudessem constituir fundamento válido) por não se verificar o erro na forma do processo (cfr. conclusões VII a X).


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

Pese embora o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não tenha efectuado o julgamento da matéria de facto de forma autonomizada, a sentença permite concluir que deu como provados os seguintes factos:

1. O Serviço de Finanças de Sintra 4 instaurou execução fiscal, a que foi atribuído o n.º 3166201101180665, contra A............ para cobrança coerciva de IVA dos anos de 2007 e 2008, no montante de € 58.852,46;

2. O Executado veio deduzir oposição à execução fiscal mediante petição inicial entrada no Serviço de Finanças de Sintra 4 em 28 de Outubro de 2011 e na qual que formulou pedido de que «deve a presente oposição à execução fiscal ser julgada procedente […] e, em consequência, ser julgada extinta a execução».


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2.2 DE DIREITO

2.1.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, pese embora a oposição deduzida pelo ora Recorrente à execução fiscal que contra ele foi instaurada para cobrança de dívidas de IVA tenha sido admitida, a final julgou-a improcedente por considerar que na petição inicial não foram invocados fundamentos válidos de oposição.
Na oposição à execução fiscal o Executado alegou que a actividade que deu origem às liquidações ora em cobrança coerciva não foi exercida por ele, mas antes pelo seu irmão, que, abusivamente e sem o seu conhecimento, usou o nome do Executado para o exercício de uma actividade comercial, sendo que, quando disso se apercebeu, apresentou queixa crime. Mais alegou que nunca liquidou, cobrou ou reteve IVA algum. Considera, em consequência, que estão verificados os fundamentos de oposição à execução fiscal previstos nas alíneas b) e h) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), quer porque não é responsável pelas dívidas exequendas, quer porque a actividade que terá gerado o imposto não foi por ele exercida.
Considerando que a factualidade alegada na petição inicial não é subsumível a nenhuma das alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, designadamente as invocadas, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra entendeu que, nessa fase processual (sentença), não lhe restava senão julgar improcedente a oposição à execução fiscal.
Pronunciando-se sobre a nulidade por erro na forma do processo (O erro na forma de processo, quando for insusceptível de sanação por convolação para a forma processual adequada, constitui nulidade que configura excepção dilatória determinante de absolvição da Fazenda Pública da instância (cfr. arts. 193.º, 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), todos do Código de Processo Civil (CPC).), suscitada pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que considerou verificada a respectiva excepção, mas não ser possível a convolação «em face do pedido deduzido», entendeu o Juiz que não se verificava a nulidade. Isto porque a mesma se afere pela adequação do meio processual escolhida ao pedido que se pretende fazer valer e, sendo o pedido formulado pelo Executado de extinção da execução fiscal, o meio processual escolhido afigura-se idóneo.
Em face do julgamento de improcedência da oposição, veio o Oponente recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo. Fá-lo com dois fundamentos, o segundo invocado a título subsidiário: a factualidade invocada na petição de oposição à execução fiscal subsume-se à previsão das alíneas b) e h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, devendo esta ser julgada procedente; caso assim não se entenda, então deve convolar-se a petição inicial para a forma processual correcta, como o determinam o art. 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e o art. 98.º, n.º 4, do CPPT.
Cumpre, pois, apreciar e decidir, sendo as questões a dirimir as que deixámos enunciadas em 1.6.

2.2.2 DOS FUNDAMENTOS INVOCADOS NA PETIÇÃO INICIAL

O Recorrente insiste na tese de que a factualidade que alegou na petição inicial integra os fundamentos de oposição à execução fiscal previstos na alíneas b) e h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Manifestamente, não tem razão, como bem salientaram todos os demais intervenientes processuais e bem decidiu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, motivo por que nada mais há a dizer, senão reiterar o que ficou já dito.
No que respeita à invocada ilegitimidade (substantiva), prevista como fundamento da oposição à execução fiscal na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º, o Oponente recondu-la à ilegalidade das liquidações que deram origem às dívidas exequendas. Vejamos:
Admitindo que a actividade no âmbito da qual foram praticadas as operações que deram origem ao IVA em cobrança coerciva foi exercida exclusivamente pelo irmão e que o nome e dados do Oponente foram abusivamente utilizados, nunca a prova desses factos revelaria para aferir da ilegitimidade do Executado enquanto fundamento de oposição à execução fiscal (Ilegitimidade substantiva, decorrente da falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda, e que convém não confundir com a legitimidade enquanto pressuposto processual, que decorre do interesse directo em contradizer a pretensão da Exequente (cf. art. 30.º, n.º 1, do CPC).).
Na alínea b) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT (Como, antes, na alínea b) do art. 275.º do Código de Processo Tributário e, ainda antes, na alínea b) do art. 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.), artigo em que se enumeram os fundamentos da oposição à execução fiscal, prevê-se como fundamento de oposição à execução fiscal: a «[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida».
Ou seja, naquela disposição legal, prevêem-se três situações de ilegitimidade da pessoa citada: i) «não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor», situação em que se enquadram «os casos em que há erro na identidade do citado, sendo a citação efectuada em pessoa que não é aquela contra quem efectivamente é instaurada a execução ou, nos casos de sucessores, não é qualquer das pessoas que devem ser citadas como sucessores do responsável originário»; ii) sendo o devedor que nele figura, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram», situação que «está conexionada com as situações de reversão da execução contra possuidores, fruidores e proprietários, previstas no art. 158.º deste Código [CPPT], podendo esta reversão ser uma consequência do julgamento que se fizer sobre a ilegitimidade referida nesta alínea b)»; iii) «não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida», situação que «tem em vista os casos em que há reversão contra responsáveis subsidiários ou em que a execução é dirigida contra responsáveis solidários, quer directamente quer através de reversão» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, notas 10 a 14 ao art.º 204.º, págs. 452 a 455.).
No caso sub judice, porque o Oponente consta dos títulos executivos como devedor, está excluída a possibilidade de verificação dos primeiro e terceiro tipos de ilegitimidade. Os factos articulados pelo Oponente como fundamento da sua ilegitimidade, que vimos já se reconduzem à invocação de que não foi ele quem exerceu a actividade que estará na base do IVA em causa, também não podem subsumir-se ao segundo tipo de ilegitimidade, ou seja, ao que decorre do facto de a pessoa citada, embora figurando no título como executada, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram».
Como deixámos já dito, a situação prevista nesse segundo tipo de ilegitimidade está relacionada com as situações de reversão previstas no art. 158.º do CPPT. Ou seja, trata-se de situações em que a dívida exequenda se refere a impostos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens e, tendo a execução fiscal sido instaurada contra aquele que constava do título executivo como devedor, se veio a verificar no âmbito da execução fiscal que a dívida respeita a um período em que era possuidor, fruidor ou proprietário dos bens outra pessoa, contra a qual a execução fiscal reverterá nos termos do art. 158.º do CPPT (Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotações 12 e 13 ao art. 204.º, pág. 453/454 e anotações 4 a 10 ao art. 158.º, págs. 102 a 106.). Constitui uma das excepções à regra geral de que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda. Na verdade, nas referidas situações admite-se que seja questionada a legalidade da liquidação quanto à sua incidência subjectiva, mas essa possibilidade excepcional justifica-se pela «falta de verificação, pela administração tributária, dos pressupostos fácticos do acto de liquidação, relativamente a tributo deste tipo e na constatação de um erro que lhe é imputável», pois, «para proceder à liquidação destes tributos, não é recolhida qualquer informação do contribuinte através de declaração, nem é feita qualquer indagação sobre quem é o real proprietário, fruídos ou possuidor dos bens referidos, antes se efectuando a liquidação a partir do conhecimento da qualidade de proprietário que conste dos registos da administração tributária ou de outros serviços públicos» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 5 ao art. 158.º, pág. 103.).
Mas, reiteramos, este tipo de ilegitimidade só pode verificar-se quando a posse, fruição ou propriedade de determinados bens seja pressuposto da incidência do tributo em execução, ou seja, apenas pode verificar-se em relação ao Imposto Municipal sobre Imóveis e às extintas Contribuição Autárquica e Contribuição Predial e aos impostos rodoviários cuja incidência tenha a ver com a posse dos veículos (Neste sentido, vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 18 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 1276/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 2759 a 2764, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04942147b4a5202980257baa004daea4;
- de 8 de Julho de 2015, proferido no processo n.º 606/15, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d6f5a238b258ce0d80257e81005488a0;
- de 9 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 1347/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/708c36f1377af90980257ec4004c557d.).
Ora, nos autos não está em causa nenhum desses impostos, mas antes o IVA, que foi liquidado ao Oponente, que consta do título executivo como devedor.
A nosso ver, o Oponente não está a suscitar uma questão de legitimidade por falta de responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas. O que o Oponente sustenta é que o IVA em causa não lhe deveria ter sido liquidado a ele. Ou seja, está a questionar a legalidade das liquidações que deram origem àquelas dívidas, quanto à incidência subjectiva do imposto, o que não serve de fundamento de oposição à execução fiscal. Como é sabido e a jurisprudência tem vindo a afirmar inúmeras vezes, tal discussão – da legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda – não pode ter lugar em sede de oposição à execução fiscal, a menos que «a lei não assegure meio judicial de impugnante ou recurso contra o acto de liquidação» (cf. alínea h) do n.º 1 do art. 204.º, do CPPT), o que não é, manifestamente, o caso (Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotações 3 e 37 a) ao art. 204.º, págs.442/443 e 495, respectivamente.).
Assim, o Oponente não pode discutir nesta sede a legalidade das liquidações do IVA que deram origem às dívidas exequendas, que é o que verdadeiramente pretende, a coberto da invocação da ilegitimidade. A sua alegação não é subsumível à previsão da alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, que apenas contempla as situações em que, porque as dívidas exequendas não resultam de acto administrativo ou tributário, a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 37 a) ao art. 204.º, pág. 495.), o que não é o caso.
Em suma, a factualidade alegada pelo Oponente não é subsumível aos fundamentos de oposição constantes das alíneas b) e h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, como bem decidiu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
O recurso não pode ser provido com esse fundamento, motivo por que cumpre passar à apreciação do fundamento invocado a título subsidiário, o que faremos de seguida.

2.2.3 DO ERRO NA FORMA DO PROCESSO – DA INTERPRETAÇÃO DO PEDIDO

A sentença decidiu no sentido de que não se verifica o erro na forma do processo que, como é sabido, se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.).
No caso sub judice, o pedido formulado em juízo – que transcrevemos em 1.2 – é de que seja declarada extinta a execução fiscal.
Tal pedido é típico do processo de oposição à execução fiscal (A oposição, em regra, visa a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, mas pode também ter por objecto a suspensão da execução. É o caso em que a exigibilidade da dívida seja determinada por motivo meramente temporário, v.g., a concessão de uma moratória (como as que têm vindo a suceder nos diplomas que prevêem regimes especiais de regularização de dívidas), existência de processo de falência ou de insolvência ou recuperação de empresas, ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia do acto de liquidação ou a própria suspensão da execução. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502, de onde extraímos os exemplos referidos. ), não do processo de impugnação judicial. Neste último, o pedido será de anulação, declaração de inexistência ou de nulidade de um acto de liquidação, ou de um acto administrativo que comporte a apreciação de um acto de liquidação (acto de indeferimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico interposto da decisão que aprecie reclamação graciosa, acto de apreciação do pedido de revisão oficiosa), ou ainda de um acto de outro tipo, mas para o qual a lei utilize o termo impugnação para aludir ao meio processual a utilizar na respectiva reacção contenciosa (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 2 ao art. 99.º, págs. 107/108.).
Aparentemente, a decisão do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra é inatacável, uma vez que, manifestamente, o pedido de extinção da execução fiscal é pedido típico do processo de oposição à execução fiscal e não pode confundir-se a questão do erro na forma de processo, que se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim visado pelo autor, de acordo com o pedido formulado, com a questão de saber se os fundamentos invocados são susceptíveis de viabilizar a pretensão formulada, questão esta que contende com o êxito (procedência) ou o fracasso da acção (Neste sentido, o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 343/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/16026a8244cc743380257e6f005359d1.).
No entanto, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem usado um critério de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica (Vide, entre muitos outros e para além dos citados pelo Recorrente, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 1803/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Setembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 490 a 495, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dfd44cc00100a3f480257c7b005c72ed;
- de 28 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1086/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2061 a 2067, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1db08870f2199f4680257cec005730b7;
- de 4 de Março de 2015, proferido no processo n.º 1271/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/14092ff76574164c80257e0000438409.).
Ou seja, de acordo com o entendimento que tem vindo a ser adoptado por este Supremo Tribunal Administrativo, na interpretação do pedido não deve o juiz ficar-se pela redacção que lhe foi dada; há que ir um pouco mais longe, não olvidando que nesta tarefa hermenêutica não podem ignorar-se as concretas causas de pedir invocadas, na medida em que permitam descortinar a verdadeira pretensão de tutela jurídica, ainda que com recurso à figura do pedido implícito (Dando conta desta posição e subscrevendo-a, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, últimos três parágrafo da anotação 10 d) ao art. 98.º, pág. 92.).
Na verdade, a nossa lei processual procura desde sempre evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais – que a forma prevaleça sobre o fundo (Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.) – e essa preocupação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes tem vindo, cada vez mais, a encontrar expressão na lei adjectiva, que procura afastar o rigor formalista na interpretação das peças processuais (Cfr. art. 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que dispõe: «Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».).
Note-se que, na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do Código Civil («Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente».) (CC), os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC («A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».), o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado (Por outro lado, vale também aqui o princípio aplicável aos negócios formais – denominado do mínimo de correspondência verbal –, de que «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (art. 238.º, n.º 1 do CC).), para além de que não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão (Neste sentido, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 154/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 2010 a 2012, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9fd626d6071eab7780257b7f0054b163;
- de 8 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 32/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Setembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32210.pdf), págs. 2 a 9, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/05f925c2f9dbfb7e80257c62005ae50a.).
Tendo presente esta doutrina de “interpretação flexível do pedido”, o pedido formulado – de extinção da execução – pode interpretar-se como contendo um pedido implícito no sentido da anulação dos actos tributários (liquidações de IVA) que deram origem às dívidas exequendas, pois é com base na ilegalidade destes actos, designadamente por erro nos pressupostos de facto, designadamente quanto à incidência subjectiva do imposto, que o Oponente sustenta que não deve o IVA em causa.
Nesta interpretação, deixa de verificar-se o impedimento com base no qual a Juiz do Tribunal a quo considerou inviável a convolação.
Note-se ainda, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto que nem sequer obstará à convolação uma eventual reclamação graciosa que o Executado alega que deduziu contra as liquidações, pois nesse caso o tribunal chamará a si a apreciação da legalidade da liquidação, determinado a apensação daquela processo à impugnação judicial (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 10 c) ao art. 98.º, págs. 90 e 91, com indicação de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. ).
No entanto, o processo não nos fornece os elementos pertinentes para aferir de outro requisito da convolação, qual seja a tempestividade da petição para a forma processual tida como correcta. Na verdade, apesar de sabermos em que data foi apresentada a petição inicial, desconhecemos a demais factualidade pertinente para averiguar do exercício tempestivo do direito de impugnar, designadamente, a necessária para saber quando terminou o prazo para pagamento voluntário do imposto (cfr. art. 102.º do CPPT).
Só perante esses elementos se poderá formular um juízo sobre a utilidade ou não da convolação, sendo que na hipótese de estar já esgotado o prazo para o exercício do direito de impugnar aquando da apresentação da petição inicial, a convolação se apresentaria como um acto inútil e, por isso, proibido (cfr. art. 130.º do CPC).
Concluímos, pois, que o recurso merece provimento, que a sentença deverá ser revogada e que os autos deverão regressar à 1.ª instância, a fim de aí se apurar da factualidade necessária a aferir da utilidade de convolar a petição de oposição em petição de impugnação judicial ao abrigo do disposto nos termos dos arts. 97.º, n.º 3, da LGT, e 98.º, n.º 4, do CPPT.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A ilegalidade da liquidação de IVA por erro na determinação do sujeito passivo (violação das normas de incidência subjectiva) não pode erigir-se em fundamento da oposição à execução fiscal onde está a ser cobrada coercivamente a dívida resultante desse acto, não sendo subsumível a nenhuma das alíneas do rol taxativo do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, antes devendo a sua discussão judicial ser efectuada através do processo de impugnação judicial regulado nos arts. 99.º e segs. do CPPT.
II - Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.
III - Tendo presentes esses princípios e as concretas causas de pedir invocada, o pedido de extinção da execução formulado a final pelo oponente enquanto consequência da anulação total do acto de liquidação que está na origem da dívida exequenda pode ser interpretado como tendo implícito o pedido de anulação desse acto.
IV - A convolação, que sempre deve ser ponderada no caso de erro na forma do processo (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT), só deve ser ordenada quando, na data em que a petição inicial foi apresentada, não estava ainda esgotado o prazo para o exercício do direito de acção sob a forma processual própria, sendo proibida, por inútil, no caso contrário (cfr. art. 130.º do CPC), motivo por que se impõe que o juiz averigúe da verificação desse requisito.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância para, após indagação da factualidade acima indicada, se avaliar da possibilidade de convolação da petição inicial para processo de impugnação judicial.

Sem custas.


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Lisboa, 16 de Dezembro de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Aragão SeiaCasimiro Gonçalves.