Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:048/19.1BALSB
Data do Acordão:05/20/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:I - O recurso para o STA de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido - ou sendo-o, não devendo prosseguir para conhecimento do respectivo mérito - se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
II - Não havendo entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão eleito como fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P25916
Nº do Documento:SAP20200520048/19
Data de Entrada:05/22/2019
Recorrente:C...........,SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – C…………, S.A., com os sinais dos autos, vem, nos termos do artigo 25.º n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral proferida em 20 de Abril de 2019 no processo n.º 386/2018-T CAAD, por alegada contradição com o decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Novembro de 2018, proferido no recurso n.º 046/15.4BEALM, transitado em julgado.
A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. A Recorrente C………., S.A. apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), para impugnação das notas de liquidação emitidas no âmbito de procedimento tributário de liquidação oficiosa de imposto único de circulação (IUC), referentes a IUC de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, da iniciativa do Serviço de Finanças Porto 2, referente a uma embarcação de recreio de sua propriedade, registada na Região Autónoma da Madeira (MAR), no montante global de € 19.141,09.
2. Em 22.04.2019 foi proferida Decisão Arbitral, de que ora se recorre, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
3. Tal Decisão Arbitral enferma de nulidade, o que expressamente se argui e requer seja declarado para os legais e devidos efeitos, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
4. Isto porque não se limitou a incluir citações jurisprudenciais dos processos arbitrais n.º 111/2013-T e n.º 665/2017-T, sendo que, ao longo de toda decisão, e fora dos excertos transcritos a título de citação, aquelas referências jurisprudenciais foram alvo de clara e integral cópia.
5. Plágio tão flagrante e gravoso que chega ao cúmulo de incluir um excerto da decisão arbitral proferida no processo n.º 665/2017-T, referenciando o município de Ovar, que de facto era relevante naquele processo, mas que se trata de uma localização totalmente alheia às circunstâncias do presente processo, n.º 386/2018-T.
6. Violando o direito da Recorrente a uma decisão justa e equitativa, adequada às circunstâncias do caso concreto, conforme estabelecido pelo artigo 20.º da CRP e pelo artigo 6.º da CEDH.
7. Plágio esse que levou até a uma decisão contrária aos fundamentos que propugna, determinando ainda a admissibilidade da sua impugnação – conforme estabelece o artigo 28.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
8. Relativamente à hermenêutica jurídica da decisão do Tribunal Arbitral, vejamos que o Tribunal a quo incorreu em errada interpretação do Direito aplicável, estando em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, datado de 7 de novembro de 2018, proferido nos autos de processo n.º 046/15.4BEALM 01366/16.
9. Assim, tal como analisado e decidido no acórdão fundamento, a Zona Franca da Madeira goza de um regime muito específico e atrativo, por particularmente favorável, caracterizado por incentivos e benefícios fiscais, criado pelo Governo com vista à captação de investimento para a região, resultando claramente do douto Acórdão supra referido que qualquer derrogação ou restrição à aplicação de tal regime será inconstitucional, por violar o disposto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP.
10. Contudo, em sentido diverso decidiu o Tribunal Arbitral a quo que, na decisão recorrida, considerou que a isenção prevista no artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho não é aplicável no caso concreto, derrogando o Tribunal a quo a aplicação de uma isenção de que a Recorrente tem o direito a beneficiar, nos termos do disposto no art.º 7.º do DL n.º 165/86, de 26 de junho.
11. Na verdade, o artigo 7.º do DL n.º 165/86, de 26 de junho é aplicável ao caso sub judice por remissão do artigo 24.º, n.º 2, do DL n.º 96/89, de 28 de março, que estende a aplicação dos benefícios fiscais concedidos às empresas instaladas na Zona Franca da Madeira às embarcações registadas no RINM-MAR, equiparando-se, efetivamente, qualquer navio registado no MAR a uma empresa instalada naquela zona franca.
12. Acresce que a Recorrente paga, anualmente, uma taxa de € 500,00 (quinhentos euros) pelo registo da embarcação sua propriedade no RINM- MAR, o que constitui uma receita da Região Autónoma da Madeira; cumprindo-se, destarte, o objetivo pretendido pelo legislador na elaboração dos DL n.º 165/86 e n.º 96/89.
13. Assim, facilmente se depreende que a decisão do presente caso à luz da aplicação do artigo 7.º, alínea d) do DL 165/86 está correta, porém tendo a Decisão Arbitral recorrida ido contra o estabelecido por tal norma, dado que a conclusão seria, inevitavelmente, a de aplicar a isenção nele prevista.
14. Pois a legislação específica exclui as embarcações registadas no RINM- MAR do âmbito da legislação geral, sendo um facto que o legislador pretendeu criar um regime especialmente atrativo e que prevê diversas isenções fiscais.
15. Inexistindo qualquer requisito para a aplicação daquelas isenções fiscais além do registo das embarcações no RINM-MAR, sendo que esse registo as subtrai à aplicação de IUC.
16. Por conseguinte, é irrelevante no caso sub judice qual o município de residência do proprietário da embarcação, no caso das pessoas singulares, ou de sede da empresa, no caso das pessoas coletivas – como se referiu supra, o n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 96/89 equipara a embarcação registada no RINM-MAR a uma empresa sediada na zona franca da Madeira.
17. Neste sentido mui doutamente concluiu o Tribunal Arbitral que proferiu Decisão Arbitral nos autos do processo n.º 663/2017-T, em 28 de maio de 2018, que, em caso análogo, considerou ilegais as liquidações de IUC aplicadas a embarcação registada no RINM-MAR, manifestando-se erro nos pressupostos de direito imputáveis à Requerida naqueles autos.
18. Pelo que estamos perante decisões contraditórias em casos cujas circunstâncias de facto e de direito são iguais.
19. Assim, a Decisão Arbitral recorrida é inconstitucional, conforme de resto já se deixou exposto, por constituir uma violação do disposto no artigo 103.º da CRP, ao derrogar a aplicação à Recorrente de um benefício fiscal que lhe é concedido por lei, sendo o Tribunal a quo decidido de forma contrária ao supra referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de novembro de 2018, no processo n.º 046/15.4BEALM 01366/16.
20. Os vícios de que padece a Decisão Arbitral recorrida não se resumem aos que se deixaram expostos, pois a liquidação de IUC adicional à taxa anual paga pela Recorrente pelo registo da embarcação no RINM-MAR constitui dupla tributação, numa ilegal violação dos princípios constitucionais da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, e da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e proibição da dupla tributação estabelecidos no artigo 104.º da CRP.
21. Por tudo quanto se deixou exposto, não podem restar quaisquer dúvidas de que a embarcação da Recorrente, registada no RINM-MAR, é equiparada por lei a uma empresa sedeada na Zona Franca da Madeira, beneficiando do especial regime fiscal para aquelas previsto, e, consequentemente, encontrando-se isenta do pagamento de IUC.
22. Termos em que deve ser anulada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por uma outra que declare a ilegalidade dos atos de liquidação de IUC impugnados nos presentes autos, e a sua consequente anulação.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.ª Ex.ª proficuamente suprirão, devem as presentes alegações de recurso serem recebidas e declaradas provadas e, em consequência, ser anulada a decisão arbitral e substituída por uma outra que declare a ilegalidade dos atos de liquidação de IUC impugnados nos presentes autos, e a sua consequente anulação, assim se fazendo inteira e sã
JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da não verificação dos pressupostos do recurso para uniformização de jurisprudência porquanto entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento inexiste identidade de direito e de pressupostos de facto visto que no acórdão fundamento estava em causa a tributação em IRC, no segmento da derrama regional, tendo-se decidido que inexistia norma a excluir a isenção estatuída no artigo 7.º/d) do DL 165/89, enquanto na decisão arbitral recorrida se decidiu que a isenção de IUC das embarcações de recreio registadas no RINM-MAR tem como pressuposto que o respetivo titular seja sediado na RAM e não num município do continente.

4 – Notificada a recorrente do parecer do Ministério Público, veio esta manifestar a sua absoluta discordância com o teor do referido parecer, porquanto entende que é indubitável que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento versam sobre uma só e mesma questão – a concessão de benefícios fiscais contemplados pela alínea d) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, a empresas instaladas na Zona Franca da Madeira, sendo que o navio registado no RIN-MAR tem essa mesma qualidade, não sendo exigível que se constate uma absoluta similitude factual entre as decisões, que reconhece não existir.

5 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.
- Fundamentação –

6 – Questões a decidir
Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o prosseguimento para conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e bem assim a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.
Verificados aqueles pressupostos, haverá que conhecer do mérito do recurso.

7 – Matéria de facto
7.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:
a) A Requerente, é dona e legítima possuidora da Embarcação de Recreio, com o nome de “...”, com o número de registo definitivo R-..., de 20 de setembro de 2000, do Registo Internacional de Navios da Madeira – MAR (infra designado por RINM-MAR - (Cfr.: Doc. n.º 7, junto à PI e PA junto aos autos);
b) A Requerente tem a sua Embarcação registada no RINM-MAR (Cfr.: Doc. 6 junto à PI);
c) A Requerente tem a sua sede e residência fiscal na ..., n.º..., ..., ...-... Porto, pertencente à área de competência do Serviço de Finanças do Porto-...;
d) Por ofício nº 2018..., de 22-02-2018, a Exma. Sra. Chefe de Finanças Adjunta do SF Porto ..., proferiu o seguinte despacho:
e) A Requerente foi notificada por aquele serviço de finanças das notas de liquidação do Imposto Único de Circulação, referentes aos anos de 2014 a 2017, a saber:
- Liquidação n.º 2014..., no valor de €3.162,39, acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €540,99;
- Liquidação n.º 2015..., no valor €3.162,39, acrescida da liquidação de juros nº ..., no valor de €413,80;
- Liquidação n.º 2016..., no valor de €3.211,23 acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €292,09;
- Liquidação n.º 2017..., no valor de €3.235,65, acrescida da liquidação de juros nº..., no valor de €164,89, todas datadas de 2018-05-11;
f) Após a apresentação do pedido arbitral a Requerente foi ainda notificada das notas de liquidação de coima proveniente da falta de pagamento do IUC referente aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, ou seja, das seguintes notas de liquidação:
- Processo n.º ...2018..., referente à aplicação e liquidação da coima por falta de pagamento de IUC de 2014, no valor de € 1.082,13;
- Processo n.º ...2018..., referente à aplicação e liquidação da coima por falta de pagamento de IUC de 2015, no valor de € 1.082,13;
- Processo n.º ...2018..., referente à aplicação e liquidação da coima por falta de pagamento de IUC de 2016, no valor de € 1.097,66;
- Processo n.º ...2018..., referente à aplicação e liquidação da coima por falta de pagamento de IUC de 2017, no valor de 1.047,19; (Docs. nºs 1 a 4 anexos ao requerimento de ampliação do pedido)
g) Em 07-03-2012 foi emitido parecer pela DRAF – Direção Regional dos Assuntos Fiscais, com o alcance de informação não vinculativa, o qual se pronunciou no sentido da isenção de IUC das embarcações de recreio registadas no MAR.
h) Em 12-06-2018 foi enviada notificação ao Advogado Dr. B..., mandatário da Requerente, para se pronunciar em audição prévia sobre o procedimento de liquidação oficiosa de IUC referente ao ano de 2018;
i) A Requerente, através do seu mandatário referido na alínea anterior apresentou resposta ao ofício nº 2017..., de 12-10-2017, enviado pelo Serviço de Finanças do Porto..., no qual expõe e requer seja reconhecida a isenção de IUC da embarcação “...”. (Fls. 55 a 58 do PA).
j) A Requerente apresentou, em 28-05-2018, o presente pedido de pronúncia arbitral.

7.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no acórdão fundamento:
1. A sociedade comercial por quotas sob a firma A…………, LDA., por despacho de 08/11/2000, obteve a licença n° 06575, para operar na Zona Franca da Madeira (cfr. doc. junto a fls. 23 do processo instrutor junto aos autos);
2. A sociedade comercial por quotas sob a firma A………, Ld.ª em 07/01/2010 procedeu à alteração da sua sede tendo passado esta para a Av. ………, nº……., ………….., Funchal (cfr. doc. junto a fls. 95 a 96 dos autos);
3. Em 30/12/2011, foi efectuado um Averbamento na Licença identificada no ponto 1, do qual consta o seguinte: “Alteração do regime fiscal sem prejuízo do disposto na Resolução n° 1374/2010, do Conselho de Governo da região Autónoma da Madeira de 10 de Novembro, bem como da aplicação dos demais benefícios fiscais previstos para entidades autorizadas a operar na Zona Franca da Madeira, a sociedade integra, a partir de 1 de Janeiro de 2012, o regime geral de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.” (cfr. doc. junto a fls. 28 do processo instrutor junto aos autos);
4. Em 28/04/2014 foi deliberado pela Assembleia Geral Extraordinária foi deliberado alterar a sede social para a ……………, no concelho do Seixal (cfr. doc. junto a fls. 32 e 33 do processo instrutor junto aos autos);
5. Em 02/05/2014 foi registada a alteração da sede da Impugnante para a Avenida ……………….., …………….. (cfr. doc. junto a fls. 97 dos autos);
6. Em 30/05/2014 a sociedade comercial por quotas sob a firma A………….., LDA., procedeu à entrega da sua declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2013 (cfr. doc. junto a fls. 44 a 51 do processo instrutor junto aos autos);
7. Na declaração identificada no ponto anterior no quadro 3 — Regimes de Tributação dos Rendimentos — indicou estar enquadrada no Regime Geral e Redução de Taxa (cfr. doc. junto a fls. 44 do processo instrutor junto aos autos);
8. A Impugnante declarou, no campo 778 do quadro 7 da declaração identificada no ponto a um Lucro Tributável de € 25.486.263,57 (cfr. doc. junto a fls. 44 a 51 do processo instrutor junto aos autos);
9. A Impugnante inscreveu no quadro 10, campo 373 — “Derrama estadual (art. 87° -A)” — a quantia de € 1.079.313,18 (cfr. doc. junto a fls. 44 a 51 do processo instrutor junto aos autos);
10. Na mesma Declaração de Rendimentos, a Impugnante juntou o Anexo D, respeitante a benefícios fiscais, na qual indicou, no Quadro 06, ser entidade licenciada na Zona Franca da Madeira, desde 01.01.2012 (cfr. doc. junto a fls. 44 a 51 do processo instrutor junto aos autos);
11. A Impugnante deduziu reclamação graciosa do acto de autoliquidação de derrama (cfr. doc. junto a fls. 3 do processo instrutor junto aos autos);
12. Por despacho de 14/11/2014 foi indeferida a reclamação identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 70 do processo instrutor junto aos autos);

8 – Decidindo
8.1. Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito.
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».
Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso dos autos.
A decisão arbitral recorrida julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo as liquidações de IUC impugnadas, no entendimento de que a embarcação da recorrente não está isenta de IUC ao abrigo do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho, porquanto embora a embarcação esteja registada no RIN-RAM tal isenção, no caso do IUC, apenas se aplica às embarcações da propriedade de empresas sediadas na RAM, o que não sucede no caso dos autos. E isto, fundamentalmente, porque o titular da receita do IUC é o município de residência do sujeito passivo e não o município ou região onde a embarcação se encontra registada.
O Acórdão fundamento, por seu turno, julgou procedente o recurso de sentença que julgara improcedente impugnação de autoliquidação de IRC no entendimento de que, contrariamente ao decidido pela 1.ª instância, era ilegal o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, na redação conferida pelo Decreto Legislativo Regional n.º 2/2011/M, porquanto carecia a Assembleia Regional da Madeira de competência para retirar um benefício que fora concedido pelo legislador nacional excepto se para tal expressamente autorizada por diploma da Assembleia da República, o que aqui se não verifica, in casu para excluir do benefício fiscal previsto na alínea e) no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho - que estabelece que as empresas já instaladas na Zona Franca da Madeira beneficiam de Isenção de impostos extraordinários sobre lucros e despesas - as entidades licenciadas a operar na Zona Franca da Madeira, que beneficiem quer do regime de isenção do artigo 33.º do Estatuto dos benefícios Fiscais, quer dos regimes de redução de taxa de IRC previstos nos artigos 35.º e 36.º do mesmo diploma.
É manifesto, pois, não haver entre os arestos em confronto contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não apenas porque não há identidade substancial de factos num e noutro aresto, mas sobretudo porque não há identidade de questão decidenda: a decisão arbitral nada disse, nem tinha de dizer, sobre a legalidade do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2011/M na medida em que este pretendera excluir do âmbito de aplicação do art. 7.º alínea e) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho as entidades licenciadas e a operar na Zona Franca da Madeira; o acórdão fundamento não se pronunciou, nem tinha de se pronunciar, sobre a questão de saber se uma embarcação registada no RIN-RAM mas da propriedade de empresa sediada no continente beneficia ou não de isenção de IUC por força do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86.
E assim sendo, como é efectivamente, conclui-se não haver entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, razão pela qual não deve o presente recurso prosseguir.

- Decisão -
9 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela recorrente.

Comunique-se ao CAAD.


Lisboa, 20 de Maio de 2020. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha.