Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0114/18
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I – Não são de admitir as revistas tiradas do acórdão que entendeu ser de excluir a proposta vencedora, se essa posição do TCA se baseou num juízo de facto, insindicável pelo Supremo – o de que não era certo que uma infra-estrutura já instalada servisse no novo contrato a que o procedimento tendia.
II – É que tal julgamento de facto, na medida em que suprimia a justificação invocada pela concorrente vencedora para não apresentar o cronograma de entrega e implementação da mencionada infra-estrutura, repunha em relação a ela tal exigência feita nas peças do concurso, cujo incumprimento determinava «ex lege» a exclusão da proposta.
Nº Convencional:JSTA000P22954
Nº do Documento:SA1201802220114
Data de Entrada:02/01/2018
Recorrente:BANCO DE PORTUGAL E A... SA
Recorrido 1:B... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
O Banco de Portugal e A…………., SA, interpuseram recursos de revista do acórdão do TCA-Sul que, revogando uma anterior sentença absolutória do TAC de Lisboa, julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual instaurada por B………., SA, assim anulando o acto de adjudicação impugnado, bem como todos os actos jurídicos subsequentes, e condenando o Banco de Portugal a adjudicar o contrato à autora.

Os recorrentes pugnam pela admissão das revistas tendo em conta a relevância das questões nelas tratadas e o modo erróneo como o TCA as solucionou.
A recorrida, ao invés, considera as revistas inadmissíveis.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
A autora e aqui recorrida, cuja proposta ficara posicionada em 2.º lugar num concurso público para a aquisição de serviços de comunicações pelo Banco de Portugal, interpôs a acção dos autos a fim de: «primo», persuadir que a proposta vencedora – emanada da recorrente A……….. – devia ter sido excluída ou, pelo menos, que a respectiva adjudicação caducara por falta da apresentação tempestiva de um documento de habilitação; «secundo», obter a adjudicação à autora do serviço posto a concurso.
A acção improcedeu na 1.ª instância. Mas procedeu no TCA, cujo acórdão revogatório disse três fundamentais coisas:
a) Que a circunstância da adjudicatária (e aqui recorrente) não ter incorporado no seu preço os custos com a entrega e a implementação da infra-estrutura – pois ela, enquanto actual prestadora do serviço, já a teria instalado – constituía uma vantagem «injusta», conforme a autora pertinentemente argumentara.
b) Que a proposta vencedora devia ter sido excluída, visto que não foi acompanhada de um documento obrigatório – o cronograma da entrega e implementação da infra-estrutura referida. Neste domínio, o TAF dissera que a entrega desse documento por parte da concorrente vencedora não fazia sentido porque a infra-estrutura que ela usaria já estava instalada. Mas o TCA considerou não estar demonstrado que a infra-estrutura preexistente seja igual à indispensável no novo contrato e que esteja no mesmo local; donde inferiu a necessidade daquele cronograma de entrega e implementação – cuja falta conduzia à exclusão da proposta vencedora.
c) Que, ademais, a adjudicação sempre teria caducado, pois a adjudicatária, fosse ou não por lapso, não apresentou, no prazo para o oferecimento dos documentos de habilitação (art. 86º do CCP), a prova de que dispunha de licenciamento para o exercício da actividade – ainda que fosse certo que tal licença já existia antes do concurso ser lançado.
As considerações que o acórdão recorrido teceu nos pontos que acima enquadrámos nas alíneas a) e c) são suficientemente discutíveis para justificar a admissão das revistas. A não ser que, atento o enunciado no aresto quanto à sobredita alínea b), propendamos para a inviabilidade dos recursos; pois seria vão submeter ao STA «quaestiones juris» tornadas irrelevantes pela anterior constatação de que a proposta vencedora era de excluir.
Ora, o TCA entendeu que essa exclusão se impunha por a proposta estar desacompanhada do cronograma. E fundou a necessidade deste num genuíno julgamento de facto – onde se disse não se ter apurado que a infra-estrutura presente «in situ» sirva o novo contrato.
Este juízo de facto do TCA pode ser temerário – face à prova pericial que se produzira – ou até erróneo; mas é insindicável pelo Supremo, «ex vi» do art. 150º, n.º 4, do CPTA. Assim, tendo o TCA recusado que a concorrente vencedora estivesse dispensada de instalar aquela infra-estrutura, ressurgia a necessidade – imposta pelas regras do concurso – dela ter apresentado um cronograma relativo à sua instalação e implementação. E a falta desse documento – afinal, obrigatório, por se referir a uma infra-estrutura cuja instalação prévia se não provou – impunha a exclusão da proposta (art. 57º, n.º 1, al. c), do CCP), como o TCA decidiu.
Deste modo, a pronúncia decisiva do TCA tem por base um julgamento «de factis» que o STA não está em condições de controlar. E, como essa decisão de facto traz, «recte», a solução jurídica imposta na 2.ª instância, é impossível que o recebimento da revista traga uma alteração da decisão de direito. O que prejudica o conhecimento das demais questões – visto que a caducidade da adjudicação é um problema posterior ao da admissibilidade da proposta do adjudicatário – e desvanece a relevância, jurídica ou social, do assunto.

Nestes termos, acordam em não admitir as revistas.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.