Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:09/15.0BEMDL
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I - A anulação do despacho de reversão não é um dos modos legalmente previstos para que seja proferida decisão de extinção da execução. Anulado o despacho de reversão por vício de violação de lei constante do procedimento que levou à reversão da execução, fica apenas sem existência jurídica tal despacho o que não significa que estejamos perante qualquer circunstância susceptível de determinar a extinção da execução.
II - A execução fiscal extingue-se numa das situações elencadas no art.º 176.º do Código de Processo e Procedimento Tributário a que não pode equiparar-se a anulação do despacho de reversão, que pode vir a ser repetido, expurgado do vício que determinou a sua anulação.
III - A consequência da procedência da oposição, neste caso, conduz à absolvição da instância executiva, no que à oponente diz respeito, dado que apenas foi apreciado um vício procedimental atinente à legitimidade do oponente para a execução e falta de clarificação dos fundamentos da reversão, excepção dilatória cuja procedência importa a absolvição da instância e não a absolvição do pedido – art.ºs 576.º, 577.º, e), do Código de Processo Civil aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário e, 9.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Nº Convencional:JSTA000P24702
Nº do Documento:SA22019062609/15
Data de Entrada:02/26/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela
. 05 de Dezembro de 2017

Julgou a oposição procedente e extinta a execução contra o Oponente.


Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Representante da Fazenda Pública veio interpor o presente recurso da sentença supramencionada, proferida no processo de oposição judicial instaurado por A………… contra a execução fiscal n.º 2496201301069586 e apensos, revertida contra si e inicialmente instaurada à sociedade “B…………, Ld.ª”, por dívidas de IVA dos períodos de “2001/03T” a “2011/09T”, no valor de 7.978,32 €, onde esta invocou a inexistência de pressupostos que legitimem a reversão da execução fiscal e falta de fundamentação do despacho de reversão, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

I. A douta sentença sob recurso, julgando verificado um vício de forma do despacho que determinou a reversão do processo de execução fiscal contra a OPONENTE, dito despacho de reversão, designadamente o da falta da respectiva fundamentação, ordenou a extinção da execução fiscal.

II. Mais, a douta sentença sob recurso entendeu que, pela decisão que recaiu sobre a questão relativa à falta de fundamentação do despacho de reversão, ficaram prejudicadas as todas as demais questões suscitadas pela OPONENTE e que eram relativas ao mérito da reversão operada pelo OEF.

III. Pelo que inexistiu qualquer conhecimento ou apreciação, por parte do Tribunal a quo, do mérito da causa, cuja decisão, em caso de procedência, fosse susceptível de motivar a extinção da execução fiscal.

IV. Assim, a douta sentença sob recurso, que apenas apreciou a questão da invocada falta de fundamentação do despacho de reversão, julgando-a procedente, deveria ter-se limitado a anular tal acto e, em consequência, declarar a falta de legitimidade processual activa da OPONENTE, absolvendo-a da instância executiva.

V. Pois, neste caso, em que apenas estava em causa a anulação de um acto administrativo, com fundamento num vício de forma, o Tribunal a quo permitiria ao OEF a renovação do acto, isto é, ao executar o julgado, anulando o despacho de reversão reputado de não fundamentado, o OEF poderia praticar um novo acto e em idêntico sentido, mas sem o vício de forma que antes o atingira ou ferira de nulidade.

VI. Contudo, ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida vedou ao OEF a possibilidade de renovação do acto, com sanação do vício determinante da sua nulidade, e fê-lo indevidamente, em clara violação das normas contidas nos artigos 77.º da LGT6, 101.º e 124.º do CPPT e 125.º do CPA7 e em manifesto prejuízo da AT, erro que urge agora reparar.

Nestes termos e nos mais de direito, que hão de ser por V. Ex.ªs, com certeza, doutamente supridos, deverá o presente recurso jurisdicional, depois de admitido, obter provimento, e, em consequência, revogar-se a douta sentença sob recurso e, em seu lugar, proferir-se outra, que, por falta de fundamentação, anule o despacho de reversão e absolva a oponente da instância executiva.

A………… apresentou contra-alegações, em suporte da decisão recorrida onde concluiu que:
I. A decisão do tribunal a quo não resulta de erro de julgamento, encontrando-se devidamente fundamentada;

II. O despacho que ordenou a reversão da execução padece de insuficiente fundamentação, a AT não explicitou os factos demonstrativos da insuficiência patrimonial da executada originária.

III. Não constam do despacho de reversão qualquer referência às diligências encetadas para aferir da existência dos bens penhoráveis e a prova deveria ter sido carreada pela AT para os autos em sede de despacho de reversão e não mencionada agora em sede de recurso.

IV. O despacho de reversão como acto administrativo, o seu conteúdo deverá conter as menções obrigatórias que estão elencadas no art. 123º do CPA tais como a fundamentação.

V. Que face à qualidade do presente acto, o de transmitir a responsabilidade da executada sociedade para os gerentes, isto é, um acto que impõe deveres, encargos ou sanções, é fundamentação obrigatória – art. 124º CPA.

VI. O dever de fundamentação é um dos deveres principais da Administração, que tem de ser cumprido, sob pena de ilegalidade do acto.

VII. Nos termos do art. 125º do CPA, a fundamentação deverá ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

VIII. Da leitura da fundamentação do despacho de reversão, verifica-se que a fundamentação, mais não é do que uma transcrição ipsis verbis de todo o art. 23º e 24º da Lei Geral Tributária, não existe qualquer facto alegado pela AT.

IX. Há, pois, efectivamente insuficiência de fundamentação, pois a «oferecida» no acto reversivo não esclarece concretamente (ou melhor, nada) a motivação do acto.

X. A insuficiência de fundamentação equivale à falta de fundamentação, nos termos do nº 2 do art. 125º CPA,

XI. A sentença não deve ser revogada nem substituída.

XII. As omissões, inexactidões ou insuficiência na instrução do procedimento de reversão são defeitos que atingem a própria reversão e como tal devem ser invocados em sede de oposição à execução, não podendo o tribunal substituir-se ao órgão de execução fiscal no que concerne ao ónus probatório que sobre este impende no sentido de demonstrar os pressupostos do direito a que se arroga, concretamente, o de reverter a execução contra o responsável subsidiário.

XIII. A decisão a quo pronunciou-se não só pela falta de fundamentação, como pela falta dos pressupostos, requisitos para operar a reversão contra o oponente, e emissão oficiosa pela AT do despacho de reversão contra a Oponente e C………… antes da excussão do património do devedor originário, cuja falta de verificação dos pressupostos por parte da AT conduz à extinção da execução e ilegitimidade da opoente.
Termos em que se requer a V. Ex.ª que admita as presentes alegações, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.


Foi emitido parecer pela Magistrada do Ministério Público no sentido da procedência do recurso.


Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:
1. A AT instaurou o processo de execução fiscal n.º 2496201301069586 e apenso, contra a sociedade “B…………, Ld.ª”, com sede social na R. de ………, ………, ... ……, …, 5000-… Vila Real, para cobrança das dívidas referentes a IVA dos períodos de “2001/03T” a “2011/09T”, no valor total de 7.427,61 – Fls. 79 e 79/v e 4 e 4/v do PA.

2. Por ofício datado de 30/9/2014 a Oponente foi citada por reversão da dívida da inicial executada “B…………, Ld.ª” para proceder ao pagamento da quantia de 7.978,32 €, conforme fls. 86 e 86/v , que aqui se dão por reproduzidas, com o seguinte destaque “(…) Pelo presente fica citado(a) de que é executada por reversão, nos termos do art.º 160.º (…) (CPPT) na qualidade de responsável subsidiário, para no prazo de 30 (trinta) dias (…) pagar a quantia exequenda de (…), de que era devedor(a) o (a) executado(a) infra indicado(a) (…) // FUNDAMENTOS DA REVERSÃO// Insuficiência dos bens do devedor originário (art.ºs 23.º/1 a 3 da LGT e 153.º/1/2/b do CPPT) decorrentes do resultado de penhoras efectuadas (…) sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de bens insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis.// 2) Gerência de direito (art.º 24.º/1/b da LGT) no terminus legal de pagamento ou entrega do imposto (…) // 3) Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (…)”;

3. A sociedade “B…………, Ld.ª” constituiu-se em 19/7/2007, figurando a Oponente como gerente (de direito) - Fls. 5 a 6;

4. O Oponente foi de facto gerente da devedora principal, nos exercícios económicos a que as dívidas exequendas se reportam – Cfr. confissão (implícita) dos art.ºs 37, 38, 45.º a 48.º da PI;

5. Enquanto decorria o período de tentativa de penhora de eventuais créditos da inicial executada, foi oficiosamente emitido despacho de reversão contra a Oponente e C………… – Fls. 88 do PA;
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Questão objecto de recurso:
1- Extinção da execução.

Não foi exposta qualquer divergência da recorrente no que à anulação do despacho de reversão diz respeito. Apenas é objecto de recurso que a sentença recorrida ao julgar procedente a oposição na qual era formulado o pedido de extinção da execução, implicitamente decidiu, em desconformidade com a lei, que a execução seria extinta.
A sentença recorrida, analisando a falta/insuficiência de fundamentação do despacho de reversão, entendeu que:
«(…)Se bem que se possa subentender do despacho de reversão que, para a AT, o Oponente é responsável subsidiário porque é gerente (de direito) e porque não provou que a falta de pagamento da dívida não lhe é imputável (uma vez que, pelo que conseguimos intuir, também se supõe que o prazo de pagamento teria terminado no exercício do seu cargo – art.º 24.º, n.º 1, al. b) da LGT), o certo é que a AT, invocando genericamente os artigos da LGT sobre a responsabilidade subsidiária, aplicável ao Oponente e a todos os Oponentes em iguais circunstâncias, não fez qualquer exposição, concreta e individual dos fundamentos de facto e de direito que o dever de fundamentação requer, designadamente quanto à fundada insuficiência (ou inexistência) dos bens penhoráveis do devedor principal.
(…) Como tal, previamente à reversão (e não após, através dos documentos por si emitidos como são aqueles que juntou na sua contestação e em resposta), teria a Administração Fiscal de demonstrar que os bens da sociedade eram insuficientes para assegurar a dívida exequenda, aplicando aqui o regime previsto para a penhora dos bens móveis. cfr. Arts. 234.º do CPPT e 848.º (862-A) do CPC.
Ora, não se pode considerar que a conclusão a que se chega no item “fundamentação da reversão”, supracitado, sirva, ao mesmo tempo, da sua própria justificação.
Portanto, estamos perante falta de fundamentação porque a AT adoptou fundamentos insuficientes que não esclarecem concretamente a motivação do acto. Por outro lado, e nesta sequência, enquanto decorria o período de tentativa de penhora de eventuais créditos da inicial executa, foi oficiosamente emitido despacho de reversão contra a Oponente e C………… – o que significa que a AT determinou a reversão da execução fiscal antes da excussão do património do devedor originário.»
A análise de falta/insuficiência de fundamentação do despacho de reversão efectuada na sentença recorrida, depois de indicar que a oponente confessou ter sido gerente da sociedade originária devedora, cingiu-se à não clarificação do pressuposto de insuficiência de bens da originária devedora, não podendo dizer-se que analisou o vício de forma de falta de fundamentação e um vício substancial de insuficiência do património da originária devedora para solver as dívidas exequendas.
Como antes referimos no ac. proferido no proc. 0114/16, em 19 de Abril de 2017, que seguiremos de perto, a anulação do despacho de reversão não é um dos modos legalmente previstos para que seja proferida decisão de extinção da execução. Com efeito, anulado o despacho de reversão por vício de violação de lei constante do procedimento que levou à reversão da execução, fica apenas sem existência jurídica tal despacho o que não significa que estejamos perante qualquer circunstância susceptível de determinar a extinção da execução.
A execução fiscal extingue-se numa das situações elencadas no art.º 176.º do Código de Processo e Procedimento Tributário a que não pode equiparar-se a anulação do despacho de reversão, que pode vir a ser repetido, expurgado do vício que determinou a sua anulação.
A consequência da procedência da oposição, neste caso, conduz à absolvição da instância executiva, no que à oponente diz respeito, dado que apenas foi apreciado um vício procedimental atinente à legitimidade do oponente para a execução e falta de clarificação dos fundamentos da reversão, excepção dilatória cuja procedência importa a absolvição da instância e não a absolvição do pedido – art.ºs 576.º, 577.º, e), do Código de Processo Civil aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário e, 9.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.

Enferma, pois, nesta medida, a sentença recorrida de erro de julgamento a determinar a correspondente revogação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, absolver a oponente da instância executiva.

Custas pela recorrida.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).
Lisboa, 26 de Junho de 2019. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.