Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:076/08
Data do Acordão:06/04/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONVOLAÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
PRAZO
REVERSÃO DA EXECUÇÃO
DESPACHO
Sumário:I - É a oposição à execução fiscal e não o processo de impugnação judicial ou a reclamação prevista no artº 276º do CPPT o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento no não exercício da gerência de facto ou de direito da sociedade originária devedora e na inexistência de culpa na insuficiência do património, fundamento este que se enquadra na al. a) do nº 1 do artº 204º do CPPT.
II - Tendo o contribuinte utilizado o processo de impugnação, só é possível a convolação se a petição inicial tiver sido apresentada no prazo da oposição.
Nº Convencional:JSTA00065142
Nº do Documento:SA20080604076
Data de Entrada:01/24/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:LGT98 ART22 N4 ART24 N1 ART97 N3.
CPPTRIB99 ART97 N1 ART98 N4 ART169 N1 N2 N3 N5 ART203 N1 A ART204 N1 B I ART212 ART276 ART278.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC504/05 DE 2005/07/13.; AC PROC501/05 DE 2005/06/29.; AC STA PROC1255/05 DE 2006/02/15.; AC STA PROC1294/05 DE 2006/03/08.; AC STA PROC440/06 DE 2006/07/05.; AC STA PROC436/06 DE 2007/02/07.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A..., melhor identificado nos autos, não se conformando com o despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que lhe indeferiu liminarmente a impugnação judicial que deduzira contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças que, contra si, mandou reverter a execução originariamente instaurada contra a sociedade “B..., Lda”, para cobrança de IVA e IRC, relativos aos anos de 2000 e 2004, respectivamente, no valor global de € 13.580,40, dele veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) O presente recurso interposto pelo impugnante/recorrente tem por objecto a sentença de fls. que indeferiu liminarmente a presente impugnação judicial por não ser o meio processual adequado;
B) Quanto a nós sem razão uma vez que o Sr. Juiz “a quo” deixou de apreciar e pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar.
C) Isto porque foi o citando/recorrente citado para:
- deduzir oposição à execução;
- pagar a quantia exequenda;
- reclamar graciosamente;
- impugnar judicialmente.
D) E para a prática destes actos a Entidade Fiscal concedia:
- o prazo de 30 dias para se opor;
- o prazo de 90 dias para reclamar ou para impugnar.
E) Quer isto significar que ao citando era-lhe concedido o prazo de 90 dias para impugnar desde “CITAÇÃO dos responsáveis subsidiários em processo de Execução Fiscal”.
F) Foi o que o citando fez: impugnou no prazo concedido de 90 dias.
G) E a citação estaria legalmente correcta? Julgamos que sim.
H) Nos termos do art° 235° do CPC ao citando devem ser comunicados os dados essenciais do processo e o prazo para oferecer a sua defesa - (que no caso sub judice poderia consistir na oposição e na impugnação).
I) Poderia a defesa cingir-se só à oposição ou só à impugnação.
J) Mas a entidade que fez a citação pôs à disposição do citando qualquer uma delas (oposição-impugnação) e respectivos prazos.
L) Mas ainda que se entendesse que houve lapso/erro da parte da Entidade Fiscal, ainda assim o citando não poderia ser prejudicado - ver n° 3 do artº 198° C.P.C. e acórdão do STJ de 5/11/80 — BMJ nº 301, pág. 364.
M) Assim, o citado praticou o acto de impugnação judicial no cumprimento de um comando legal - entidade citanda e no prazo concedido - 90 dias.
N) Pelo que é tempestiva a presente impugnação não podendo estar na base do presente indeferimento liminar.
O) Mais. Julgamos que a impugnação é o meio próprio de o responsável subsidiário se defender, uma vez que de acordo com o conteúdo do art° 102° do C.P.P.T. a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias a contar da citação do Responsável Subsidiário em processo de execução.
P) Mas mesmo que assim não fosse – o que por mera hipótese se toma – dado o prazo de 90 dias concedido pela Entidade citanda para a impugnação, ainda assim deveria proceder-se a CONVOLAÇÃO do processo de impugnação em processo de execução, por se verificarem os pressupostos legais de petição.
Q) A sentença ora recorrida violou, designadamente o art° 97° da Lei Geral Tributária, o art° 98°, n° 4 do C.P.P.T, o art° 99° do C.P.P.T., o art° 102° do C.P.P.T., o art° 235° do C.P.C. e o art° 668°, n° 1 da alínea d) também do C.R.C.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber qual o meio processual adequado para reagir contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças que ordenou a reversão da execução fiscal contra o gerente da sociedade executada, na sua qualidade de responsável subsidiário.
Fundamentou-se, em suma, a decisão em que o meio processual adequado para se discutir a legalidade do acto de reversão é a oposição à execução e não o processo de impugnação judicial, entendimento que constitui jurisprudência firmada nos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal, que cita, pelo que ocorre erro na forma do processo, não sendo possível a respectiva convolação por haver já decorrido o prazo de oposição à execução.
Por sua vez, alega o recorrente, por um lado, que a impugnação “é o meio próprio de o responsável subsidiário se defender, uma vez que de acordo com o conteúdo do art° 102° do C.P.P.T. a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias a contar da citação do Responsável Subsidiário em processo de execução” e, por outro, “mesmo que assim não fosse - o que por mera hipótese se toma - dado o prazo de 90 dias concedido pela Entidade citanda para a impugnação, ainda assim deveria proceder-se a CONVOLAÇÃO do processo de impugnação em processo de execução, por se verificarem os pressupostos legais de petição”.
Mais alega que foi citado para deduzir oposição à execução, pagar a quantia exequenda, reclamar graciosamente e impugnar judicialmente. “E para a prática destes actos a Entidade Fiscal concedia:
- o prazo de 30 dias para se opor;
- o prazo de 90 dias para reclamar ou para impugnar.
Quer isto significar que ao citando era-lhe concedido o prazo de 90 dias para impugnar desde “CITAÇÃO dos responsáveis subsidiários em processo de Execução Fiscal”.
Foi o que o citando fez: impugnou no prazo concedido de 90 dias”.
Vejamos se lhe assiste razão.
3 – Sobre esta questão se pronunciou já esta Secção do STA em diversos arestos, nomeadamente no Acórdão de 13/7/05, in rec. nº 504/05, que passaremos a transcrever, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do CC).
Escreve-se, então, neste aresto que “o art. 22.º, n.º 4, da L.G.T. estabelece que «as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais».
Para além disso, os responsáveis subsidiários podem deduzir oposição à execução fiscal, nos termos dos arts. 203.º e 204.º do C.P.P.T..
O processo de impugnação judicial e a oposição à execução fiscal têm campos de aplicação distintos.
O art. 97.º do C.P.P.T. indica os meios processuais judiciais tributários.
Nele se indicam vários tipos de processo de impugnação, designadamente:
a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;
b) A impugnação da fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;
c) A impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários;
d) A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação;
e) A impugnação do agravamento à colecta aplicado, nos casos previstos na lei, em virtude da apresentação de reclamação ou recurso sem qualquer fundamento razoável;
f) A impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais;
g) A impugnação das providências cautelares adoptadas pela administração.
Desta indicação pormenorizada dos tipos de processos de impugnação, conclui-se que a impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar actos do tipo dos aqui indicados.
O despacho que decide a reversão em processo de execução fiscal não se engloba em nenhuma destas alíneas, pelo que é de concluir que o processo de impugnação judicial não é o meio processual adequado para ser discutida contenciosamente a sua legalidade.
Por outro lado, sendo o despacho que decide a reversão proferido no âmbito de um processo de execução fiscal, o meio processual a utilizar para o impugnar será um dos que a lei prevê para os interessados defenderem os seus interesses neste meio processual.
Entre os meios processuais previstos no C.P.P.T. para os revertidos defenderem os seus interesses no processo de execução fiscal, há dois que seriam potencialmente aplicáveis: a reclamação prevista no art. 276.º do C.P.P.T., uma vez que se trata de uma decisão proferida pelo órgão da execução fiscal que afecta os direitos do revertido, e a oposição à execução fiscal, na medida em que, nos termos da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º, pode basear-se em «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título», o que é manifestamente o caso quando está em causa apreciar se o acto que decide a reversão (não o de liquidação) é legal.
Destes dois meios processuais, a oposição à execução fiscal é o único que assegura, em todos os casos, a defesa dos direitos do revertido, designadamente por não ter o regime-regra de subida diferida que está previsto para a reclamação, no art. 278.º do C.P.P.T., e possibilitar a suspensão do processo de execução fiscal após a penhora ou prestação de garantia (arts. 212.º e 169.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5 do mesmo Código).
Por isso, é a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para os revertidos impugnarem a legalidade do despacho que ordena a reversão…
Se, eventualmente, os revertidos pretenderem também discutir a legalidade de um acto de liquidação ou outro acto de um dos tipos indicados no art. 97.º como podendo ser objecto de processo de impugnação, poderão também deduzir impugnação.
Mas, cada um destes meios processuais terá de ser utilizado no âmbito do campo de aplicabilidade previsto na lei.
…Examinando as questões colocadas pela Impugnante constata-se que nenhuma delas pode ser objecto de processo de impugnação judicial, por os actos a que elas se reportam não estarem incluídos na lista de processos de impugnação que consta do art. 97.º, n.º 1, do C.P.P.T.”.
No mesmo sentido e entre outros, pode ver-se os Acórdãos desta Secção do STA de 29/6/05, in rec. nº 501/05; de 15/2/06, in rec. nº 1.255/05; de 8/3/06, in rec. nº 1.294/05; de 5/7/06, in rec. nº 440/06; de 12/12/06, in rec. nº 483/06 e de 7/2/07, in rec. nº 436/06.
Assim, olhando para a petição inicial, logo vemos que o recorrente centra a sua pretensão na sua não responsabilização subsidiária (por não ter sido, no período em causa, gerente de facto ou de direito da sociedade originária devedora) e na sua não culpa na insuficiência do património.
O que, reconheça-se sem dificuldade, são fundamentos de oposição à execução, como decorre inequivocamente do artº 204º, nº 1, al. b) do CPPT, com referência ao artº 24º, nº 1 da LGT.
Alega, porém, o recorrente que, constando da citação que podia deduzir oposição ou impugnação judicial nos prazos nela referidos, a entidade que emitiu essa citação pôs ao seu dispor qualquer uma delas e respectivos prazos, pelo que, ao optar por esta última, o fez “no cumprimento de um comando legal – entidade citanda e no prazo concedido – 90 dias”.
Mas também não tem razão.
Com efeito ao emitir, naqueles termos, a referida citação, a Administração Tributária, tal como lhe competia, mais não fez do que indicar ao citado os diferentes meios processuais de reacção contra o acto de reversão, com prazos legais também diferentes.
Mas e como vimos supra, cada um destes meios processuais terá de ser utilizado no âmbito do campo de aplicabilidade previsto na lei.
E só na hipótese de o revertido pretender discutir a legalidade de um acto de liquidação ou outro acto de um dos tipos indicados no art. 97.º como podendo ser objecto de processo de impugnação, poderia deduzir impugnação judicial - o que, como vimos, não acontece no caso subjudice.
Conclui-se, assim, que houve erro na forma de processo, uma vez que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para apreciar a questão suscitada pelo impugnante na petição inicial.
4 – Mas e como também pretende o recorrente, será possível, no caso dos autos, proceder à convolação do processo de impugnação judicial em processo de oposição à execução fiscal?
Dispõe o artº 97º, nº 3 da LGT que deverá ordenar-se “a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.
Por outro lado, estabelece o artº 98º, nº 4 do CPPT que “em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei”.
Todavia, tem vindo esta Secção do STA a entender que a convolação é admitida sempre desde que não seja manifesta a improcedência ou intempestividade desta, além da idoneidade da respectiva petição para o efeito.
Voltando ao caso vertente, o recorrente foi citado para a execução fiscal em 19/1/07 (vide fls. 16 a 18) e a presente petição inicial foi apresentada em 29/3/07 (vide fls. 2), pelo que, nesta data, há muito que ia já decorrido o prazo de 30 dias a que alude o artº 203º, nº 1, al. a) do CPPT, sendo, assim, intempestiva.
Deste modo, não é possível convolar a impugnação judicial em processo de oposição à execução fiscal.
5 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 4 de Junho de 2008. - Pimenta do Vale (relator) – Miranda de Pacheco – Jorge Lino.