Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01978/11.4BELRS 0297/15
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:RETENÇÃO NA FONTE
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
RECLAMAÇÃO GRACIOSA NECESSÁRIA
PRAZO
Sumário:I - Ocorre a figura da substituição tributária quando a prestação tributária, por imposição legal, é exigida a pessoa diferente do contribuinte, através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido (cfr.artº.20, da L.G.T.), sendo essa a situação em causa nos presentes autos. Nos termos do artº.34, da L.G.T., as entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário devem ser efectuadas através do citado mecanismo de retenção na fonte. Encontramo-nos perante uma situação de substituição integral, a qual implica a extinção por cumprimento (por outrém) da dívida tributária incorrida pelo não residente, sendo que este facto envolve a responsabilização meramente secundária/subsidiária deste (substituído) pelas quantias não retidas, cabendo à entidade pagadora (substituta) a respectiva responsabilidade primária (cfr.artº.28, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.94, nºs.3 e 5, e 114, nº.5, do actual C.I.R.C.).
II - Em sede de processo tributário o legislador consagra, em regra, a existência de reclamação graciosa necessária quando se verifica uma situação de substituição tributária integral, sendo o substituído que pretende impugnar o acto de retenção na fonte de imposto (cfr.artº.132, nºs.3 e 4, do C.P.P.T.).
III - De harmonia com o que dispõem os nºs.3 e 4, do artº.132, do C.P.P.T., o substituído que quiser sindicar a retenção de imposto na fonte a título definitivo dispõe do prazo de dois anos a contar do final do ano em que ocorreu a retenção para apresentar a necessária reclamação graciosa.

(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25862
Nº do Documento:SA22020050601978/11
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.....................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.89 a 103 do processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pela sociedade recorrida, "A………….", intentada e tendo por objecto mediato o acto de liquidação de I.R.C./retenção na fonte, incidente sobre rendimentos provenientes de títulos de valores mobiliários auferidos em território nacional, referente ao ano de 2006 e no montante total de € 14.334,25.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr. fls.121 a 127 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-A Recorrida é uma entidade não residente com sede no Luxemburgo, que, em 18 Abril 2006 recebeu rendimentos provenientes dos títulos de valores mobiliários, melhor identificados nos pontos 2.º e 3.º do presente recurso, no montante de € 71.87123, aos quais foi aplicada a taxa de 20% de retenção na fonte com carácter liberatório no valor de € 14.334 25;
2-Por ser uma entidade não residente, apresentou reclamação graciosa, com vista à anulação do valor retido e ao consequente reembolso;
3-Tendo sobre a mesma recaído despacho de indeferimento liminar, por manifesta intempestividade, já que nos termos do art. 132º, n.º 2 do CPPT o prazo para reclamar seria de 2 anos, o que no caso em apreço não se verificou, já que o imposto lhe foi retido em 18.Abril.2006 e, a reclamação graciosa deu entrada em 30.Dez.2008;
4-Inconformada veio a Recorrida apresentar impugnação judicial, por considerar que a reclamação graciosa foi apresentada em tempo;
5-Decidiu o Tribunal “a quo” que «(...) in caso, reunidos os pressupostos para que seja aplicada a isenção em causa e que, no caso em concreto, por força de ter havido aquilo a que o art. 9.º, nº 5 do RETRVMRD, designa de “imposto indevidamente retido”, implica que assista à impugnante direito ao reembolso do imposto retido»;
6-Entende a Fazenda Pública que, efectivamente, nos termos do disposto no art. 132.º do CPPT, tanto o substituto como o substituído podem impugnar em caso de retenção na fonte;
7-Contudo, importa clarificar quais os meios graciosos e contenciosos ao dispor do substituído tributário quando pretenda reagir de actos de retenção na fonte com carácter definitivo que considere desconformes à lei, e, por conseguinte, que requisitos e prazos deverá cumprir com vista ao efectivo exercício do seu direito à reposição da legalidade violada e, por via disso, do seu direito a uma tutela graciosa e jurisdicional efectivas;
8-Entende a Fazenda Pública que, efectivamente, o art. 132º, n°4 do CPPT determina que o disposto no n.º 3 aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final;
9-Ora, o predito n.º 3 está directamente ligado ao que é determinado no n.º 2 do mesmo preceito legal;
10-Determinando o sobredito n.º 2 que o imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido e depois o n.º 3 vem dizer que caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo nele referido;
11-Ora, esta forma de contagem do prazo apenas pode ter aplicabilidade para as situações de entrega de imposto em montante superior ao da retenção na fonte por parte do substituto tributário, uma vez que só o substituto tributário é que poderá vir a ter mais entregas de imposto da mesma natureza;
12-Ou seja, não pode o substituído usufruir de uma regra específica quando esta cabe unicamente na esfera jurídica do substituto;
13-Atento o supra exposto, dúvidas não podem restar que o prazo para apresentar a reclamação graciosa previsto no n°4 do art. 132.º do CPPT, não pode começar a contar a partir do final do ano em que ocorre o facto tributário, mas sim a partir do momento em que se torna impossível a sua dedução, ou seja, a partir da data em que ocorre o facto tributário (18.Abril.2006);
14-Assim, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento.
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A sociedade impugnante/recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr. fls.130 e 141 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
1-Nos termos do disposto no art.º 280.º, n.º 1 do CPPT, “das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito caso em que cabe recurso dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo;
2-No caso do presente recurso, a matéria é exclusivamente de direito pelo que o Tribunal competente para apreciar o recurso é a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo;
Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio,
3-A argumentação apresentada pela Recorrente assentou na ideia de que a reclamação graciosa teria que ter sido apresentada no prazo de dois anos a contar da data da retenção na fonte de imposto ou seja até 18 de abril de 2008 (uma vez que a retenção foi efetuada em 18 de abril de 2006);
4-Nos termos da lei e no entendimento do Tribunal a quo, o referido prazo de dois anos conta-se, não da data da retenção, mas sim do termo do ano do pagamento indevido, ou seja, conta-se a partir de 31 de dezembro de 2006 e, portanto, terminava em 31 de dezembro de 2008;
5-É isso aliás que decorre expressamente do art.º 9º n.º 3 do Decreto-Lei n° 193/2005, de 7 de novembro;
6-Nos termos dessa disposição, “decorrido o prazo referido no n° 1 [de 90 dias - o chamado quick refund], o pedido de reembolso do imposto indevidamente retido deve ser efectuado nos termos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário;
7-No que respeita ao caso de retenção na fonte dos presentes autos, é aplicável o art.º 132.º do CPPT;
8-Dispõe o n° 4 do art.º 132.º o seguinte:
“O disposto no número anterior [isto é, no nº 3] aplica-se à impugnação pelo substituído [no caso, a ora Recorrida] da retenção que lhe [a ela, substituída, ora Recorrida] tiver sido efectuada, salvo quanto a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final [o que não se verifica no presente caso, uma vez que a retenção na fonte em causa teria caráter definitivo]”;
9-Ou seja, o n.º 3 do art.º 132.º aplica-se à impugnação, pela ora Impugnante, da retenção que lhe foi efetuada pelo substituto tributário;
10-Nos termos do n.º 3, do art.º 132.º do CPPT, “[c]aso não seja possível a correcção referida no número anterior [isto é, no n.º 2], o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele [isto é, no n.º 2] referido”;
11-Qual é então o prazo (e como se conta) para que o substituto que quiser impugnar, apresente reclamação graciosa?
12-O prazo é de 2 anos e conta-se do termo do prazo referido no n.º 2;
13-O único prazo referido no n.º 2 é o termo do ano do pagamento indevido;
14-O substituído que quiser impugnar a retenção na fonte tem que previamente reclamar. Porque, por força do n.º 4 do art.º 132.º, o nº3 se aplica à impugnação pelo substituído;
15-Tem que o fazer no prazo de dois anos, porque isso resulta do n.º 3 do artº 132.º, aplicável ex vi do n.º 4;
16-Dois anos a contar do termo do prazo referido no n.º 2, ou seja, a contar do termo do ano do pagamento indevido, porque é isso que resulta, sem margem para qualquer dúvida, do n.º 2 art.° 132.°, aplicável por força do n.º 3 que, por sua vez, é aplicável por força do n.º 4;
17-Estamos claramente perante uma norma remissiva designada como “remissão à segunda potência”;
18-Resulta assim cristalino da aplicação da lei que o prazo para apresentação da reclamação é de dois anos a contar do termo do prazo previsto no n.º 2 do art.º 132.º do CPPT isto é, de dois anos a contar do termo do ano do pagamento indevido. No caso, dois anos a contar do final de 2006, isto é, 31 de dezembro de 2008;
19-Note-se também que, relativamente ao prazo de apresentação de reclamação graciosa, ao abrigo do disposto no art.º 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n° 193/2005, de 7 de novembro, foram proferidas diversas sentenças pelo Tribunal Tributário de Lisboa (designadamente nos processos n.º 1738/11.2BELRS - 4, Unidade Orgânica, 1955/1 1.SBELRS - 4ª Unidade Orgânica, 2212/11.2BELRS - 1.ª Unidade Orgânica, 1851/11.6BELRS - 3ª Unidade Orgânica, 2006/11.5BELRS - 1.ª Unidade Orgânica e 2008/1 1.1BELRS - 3ª Unidade Orgânica), todas elas no sentido de considerar o termo do prazo para a sua apresentação como sendo de dois anos a contar do termo do ano do pagamento indevido;
20-A reclamação foi apresentada a 30 de dezembro de 2008, pelo que não pode deixar de ser considerada tempestiva;
21-Qualquer outra solução constituiria uma violação de elementares princípios de interpretação e aplicação das leis que, aliás, conforme resulta do art.º 11 da Lei Geral Tributária, deve ser feita com observação das regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis;
22-A interpretação feita pela Recorrente é salvo o devido respeito, contra legem e, por isso, inadmissível;
23-Pelo que, o ato de indeferimento da reclamação graciosa com base na sua alegada intempestividade, é ilegal.
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Remetidos os autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, através de decisão sumária, este Tribunal julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, por o mesmo ter por fundamento matéria exclusivamente de direito, mais declarando competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário (cfr. decisão exarada a fls.161 a 174 do processo físico).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr. fls.185 e 186 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.187 e 192 do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.91 a 97 do processo físico):
1-A impugnante é uma sociedade comercial de direito luxemburguês, com o número de identificação fiscal luxemburguês …….), com o domicílio fiscal na cidade do Luxemburgo e não dispunha de estabelecimento estável em Portugal (cfr. 12 a 19, 31 e 35, dos autos, e fls. 11 e 16, do processo administrativo - reclamação graciosa);
2-A impugnante adquiriu valores mobiliários representativos de dívida pública, identificados com o ISIN (International Securities Ident Number) ……… (cfr. fls. 15 a 19, 31, 34 e 35 dos autos, e fls.11, 15 e 16 do processo administrativo - reclamação graciosa);
3-Os valores mobiliários mencionados em 2) encontravam-se registados na conta n.º ………, em nome de ………, entidade gestora de sistema de liquidação internacional, junto do Banco ……….., SA, enquanto entidade registadora direta (cfr. fls. 26, 27 e 34 dos autos, e fls.6, 7 e 15 do processo administrativo - reclamação graciosa);
4-A conta mencionada em 3) encontrava-se classificada como abrangida pelo regime de isenção do DL n.º 193/2005, de 7 de novembro, designadamente pela entidade gestora de sistema de liquidação internacional (cfr. fls. 26, 27, 34 e 35 dos autos, e fls. 6, 7, 15 e 16 do processo administrativo - reclamação graciosa);
5-A 18.04.2006, venceram juros relativos aos títulos mencionados em 2), sendo o rendimento bruto no valor de 71.671,23 Eur., tendo o Banco ………….., SA, enquanto entidade registadora, pago os referidos rendimentos e retido na fonte IRC no valor de 14.334,25 Eur. (cfr. fls. 15 a 19 e 26 a 35 dos autos, e fls. 6 a 11, 15 e 16 do processo administrativo - reclamação graciosa);
6-A 30.12.2008, a impugnante apresentou, perante os serviços da AT, reclamação graciosa da retenção na fonte de IRC mencionada em 5), à qual anexou documentação emitida pela entidade gestora de sistema de liquidação internacional, contendo os dados identificadores da impugnante enquanto beneficiária efetiva dos juros mencionados em 5), e pela entidade registadora direta (cfr. fls. 22 a 41 dos autos, e fls. 2 a 21 do processo administrativo - reclamação graciosa);
7-Na sequência do referido em 6), foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.º 3085201104004124 (cfr. capa do processo administrativo - reclamação graciosa);
8-Foi proferida informação n.º 2871/2011, na direção de serviços de relações internacionais, da qual consta designadamente o seguinte:






9-Por despacho de 23.09.2011, do chefe de divisão de justiça administrativa da direção de finanças de Lisboa, a reclamação graciosa mencionada em 7) foi indeferida, nos termos da informação e parecer, juntos de fls. 12 a 14, constando da primeira designadamente o seguinte:




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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou o acto de liquidação de I.R.C./retenção na fonte objecto do processo (cfr.nº.5 do probatório), mais ordenando o reembolso do imposto indevidamente retido.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a forma de contagem do prazo prevista no artº.132, nº.3, do C.P.P.T., apenas pode ter aplicabilidade para as situações de entrega de imposto em montante superior ao da retenção na fonte por parte do substituto tributário, uma vez que só o substituto tributário é que poderá vir a ter mais entregas de imposto da mesma natureza. Que não pode o substituído usufruir de uma regra específica quando esta cabe unicamente na esfera jurídica do substituto. Que o prazo para apresentar a reclamação graciosa previsto no artº.132, nº.4, do C.P.P.T., não pode começar a contar a partir do final do ano em que ocorre o facto tributário, mas sim a partir da data em que se verifica o mesmo facto tributário. Que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que a reclamação graciosa apresentada pela sociedade impugnante/recorrida era tempestiva (cfr. conclusões 1 a 14 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Embora o I.R.C. seja considerado um imposto periódico (ou de base temporal, por contraposição aos impostos de obrigação única), o mecanismo de retenção na fonte de I.R.C., a título definitivo como é o caso dos autos, deve ser qualificado/considerado como configurando um imposto de obrigação única. Por outras palavras, a retenção de I.R.C. incidente sobre pagamentos efectuados a entidades residentes no estrangeiro é feita a título definitivo e, como tal, deve considerar-se que o imposto a reter é de obrigação única (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/11/2018, proc.8326/15; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.28 e seg.; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.784).
Mais se dirá que ocorre a figura da substituição tributária( (a substituição tributária apenas ocorre nos casos em que a lei expressamente o consagre, atento o princípio da legalidade fiscal, pois contende com matéria relativa à incidência tributária - cfr.artº.103, nº.2, da C.R.P.). ) quando a prestação tributária, por imposição legal, é exigida a pessoa diferente do contribuinte, através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido (cfr.artº.20, da L.G.T.), sendo essa a situação em causa nos presentes autos. Nos termos do artº.34, da L.G.T., as entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário devem ser efectuadas através do citado mecanismo de retenção na fonte. Encontramo-nos perante uma situação de substituição integral, a qual implica a extinção por cumprimento (por outrém) da dívida tributária incorrida pelo não residente, sendo que este facto envolve a responsabilização meramente secundária/subsidiária deste (substituído) pelas quantias não retidas, cabendo à entidade pagadora (substituta) a respectiva responsabilidade primária (cfr.artº.28, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.94, nºs.3 e 5, e 114, nº.5, do actual C.I.R.C.; Joaquim Freitas da Rocha e Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, pág.85 e seg.; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.894; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.259).
Em sede de processo tributário o legislador consagra, em regra( (a excepção encontra-se consagrada no artº.131, nº.3, "ex vi" do artº.132, nº.6, ambos do C.P.P.T.). ), a existência de reclamação graciosa necessária quando se verifica uma situação de substituição tributária integral, sendo o substituído que pretende impugnar o acto de retenção na fonte de imposto (cfr.artº.132, nºs.3 e 4, do C.P.P.T.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, II volume, pág.421; Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 6ª. Edição, 2018, pág.250 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, decidiu o Tribunal "a quo" que a reclamação graciosa necessária deduzida pela sociedade impugnante e ora recorrida (cfr. nº.6 do probatório) era tempestiva, dado que o termo inicial do prazo de dois anos consagrado no artº.132, nº.3, do C.P.P.T., e aplicável ao substituído, por força do nº.4, do mesmo preceito, se verificava no termo do ano de 2006, ano em que foi efectuada a retenção (procedimento este aplicável "ex vi" do artº.9, nº.3, do Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida - RETRVMRD - aprovado pelo Dec-Lei 193/2005, de 7/11).
Pelo contrário, a recorrente entende que tal prazo de dois anos tem o seu termo inicial no dia seguinte à data da retenção na fonte de imposto a título definitivo (cfr.nº.5 do probatório).
Vejamos quem tem razão.
Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G.Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.).
E recorde-se que o intérprete e aplicador da lei deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, como também que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Pelo que, na exegese da norma não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Portanto, o limite da interpretação encontra-se na letra ou no texto da norma, o qual condiciona todos os vectores de interpretação reconhecidos pela doutrina, como sejam os elementos histórico, sistemático ou teleológico (cfr.artº.9, nºs.2 e 3, do C.Civil).
No processo "sub iudice", o regime de impugnação em caso de retenção na fonte previsto no citado artº.132, do C.P.P.T., era aplicável "ex vi" do artº.9, nº.3, do RETRVMRD, dado que a sociedade impugnante/recorrida não deduziu o pedido de reembolso do imposto indevidamente retido na fonte no prazo fixado no nº.1, do mesmo preceito e diploma, junto da entidade registadora directa.
Relembre-se que, em sede de rendimentos de valores mobiliários sujeitos a registo ou depósito, emitidos por entidades residentes em território português (devedoras dos rendimentos), a obrigação de efectuar a retenção na fonte de I.R.C. não é da responsabilidade das mesmas, mas sim das entidades registadoras ou depositárias. "In casu", tal obrigação onerava o Banco …………, enquanto entidade registadora directa (cfr.nº.5 do probatório; artºs.2, al.b), e 8, nº.1, do RETRVMRD; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.786).
Examinemos, agora, a tempestividade da reclamação graciosa necessária identificada no nº.6 do probatório supra, ao abrigo do regime consagrado no identificado artº.132, do C.P.P.T.
Ora, o artº.132, nº.4, do C.P.P.T., limita-se a estabelecer, de forma clara e peremptória, que a impugnação do substituído se rege pelos ditames que o nº.3 do mesmo preceito consagra para o substituto. Por conseguinte, o nº.4 da norma não abre, de forma expressa ou implícita, qualquer excepção ou reserva no que toca à aplicação da disciplina contida no nº.3, designadamente, quanto a prazos. Daí que não possamos deixar de concluir que a única interpretação consentânea com a letra da lei é a de que a reclamação do substituído que pretenda impugnar a retenção do imposto retido na fonte a título definitivo é também, no que respeita a prazos, a consagrada no nº.3 do preceito. Com efeito, atenta a abrangência que decorre do teor literal do nº.4, do artº.132, do C.P.P.T., não há que buscar, fora do que dispõe o mesmo nº.3, qualquer outra regra para a determinação do prazo em causa. Mal se entenderia, de resto, que o início do prazo do substituído para apresentar a reclamação estivesse dependente do momento da entrega do imposto pelo substituto, e, por conseguinte, da prática de um acto por um terceiro em data incerta. De todo o modo, o prazo previsto no nº.3 refere-se, exclusivamente, à reclamação graciosa, forma de procedimento que é facultada, tanto ao substituto como ao substituído, que não ao mecanismo privativo do substituto a que alude o nº.2 (e que tem um prazo próprio). Mais se deve vincar que não revela qualquer apoio na letra da lei a tese defendida pelo recorrente de que, por via do que dispõe o nº.2 do preceito, o prazo consagrado no nº.3 da norma respeitará apenas ao substituto.
Face ao que vem dito, resta concluir que, de harmonia com o que dispõem os nºs.3 e 4, do artº.132, do C.P.P.T., o substituído que quiser sindicar a retenção de imposto na fonte a título definitivo (como acontece no caso) dispõe do prazo de dois anos a contar do final do ano em que ocorreu a retenção para apresentar a necessária reclamação graciosa (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, II volume, págs.418 e 421). A idêntica conclusão se deve chegar, em sede de exame do elemento sistemático de interpretação, quando o aplicador do direito leva em consideração o estatuído no artº.45, nº.4, da L.G.T., quanto ao cômputo do prazo de caducidade do direito à liquidação de actos de retenção na fonte a título definitivo, situação em que o legislador fixa o termo inicial de tal prazo no início do ano seguinte àquele em que se verificou a retenção.
No sentido acabado de explanar vai, de resto, a jurisprudência uniforme deste Tribunal (cfr. entre outros, ac.S.T.A-2ª.Secção, 23/09/2015, rec.403/15; ac.S.T.A-2ª.Secção, 27/01/2016, rec.569/15; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/07/2016, rec.1203/15).
Com estes pressupostos, a sentença recorrida não merece qualquer censura neste segmento, ao decidir pela tempestividade da reclamação graciosa identificada no nº.6 do probatório supra.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 6 de Maio de 2020. – Joaquim Condesso (relator) – Gustavo Lopes Courinha – Aragão Seia.