Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0187/12
Data do Acordão:10/17/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
NULIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
PRAZO DE DECISÃO
ELEMENTOS ESSENCIAIS
DIREITO DE AUDIÇÃO
Sumário:I - Resultando do probatório que a liquidação impugnada tinha prazo de pagamento voluntário até 30/06/2002, na data em que foi apresentada a impugnação (02/05/2003), o prazo de 90 dias, previsto no art. 102º, nº1, alíneas a) e d), do CPPT, já se encontrava largamente ultrapassado.
II - Por outro lado, tendo a petição de reclamação graciosa dado entrada nos serviços em 11/06/2002, o prazo legal de decisão, de seis meses, para efeitos de indeferimento presumido completou-se em 11/12/2002 - artigos 57°, n°3, da LGT e 279°, alínea c), do Código Civil, pelo que a impugnação judicial ao ter dado entrada em 02/05/2003, tem de considerar-se fora do prazo.
III - Em relação ao direito de audição, enquanto dimensão do princípio da participação - art. 60º, da LGT, a sua omissão só implica a nulidade do acto final nos casos em que a violação do direito de participação assume uma dimensão qualificada, configurando-se como uma garantia fundamental, como sucede quando o acto final consubstancia a aplicação de sanções em procedimento disciplinar ou de contra-ordenação, sendo que fora destas situações qualificadas, a preterição da audição prévia, quando exigível, torna os actos meramente anuláveis por vício de forma.
IV - Elementos essenciais, no sentido do nº 1 do art. 133º do Código do Procedimento Administrativo, cuja falta determina a nulidade do acto administrativo, serão todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos, além daqueles a que se refere o seu nº 2, não preenchendo esse critério o alegado vício relativo aos pressupostos de facto, que conduz apenas à mera anulabilidade.
Nº Convencional:JSTA00067842
Nº do Documento:SA2201210170187
Data de Entrada:02/20/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART102 N1 A D ART20 N1 ART285 N1.
LGT98 ART57 N1 N3 N5 ART60.
CCIV66 ART279 C.
CPA91 ART54 ART120 ART123 ART133 N1 N2 ART135.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0686/12 DE 2012/09/14; AC STA PROC0927/11 DE 2012/01/31; AC STA PROC0539/11 DE 2011/11/16
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED PAG148 PAG155.
ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS - CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 2ED PAG449-450 PAG642.
LEITE DE CAMPOS E OUTROS- LEI GERAL TRIBUTÁRIA 4ED PAG515.
VIEIRA DE ANDRADE - LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO 2ED PAG177-178 PAG180.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I- RELATÓRIO

1. A……, identificado nos autos, impugnou judicialmente, no Tribunal Tributário de Lisboa, a liquidação adicional de IVA nº. 02183896, relativa ao 1º trimestre de 1997, no montante de € 2.615,98, que julgou verificada a excepção peremptória da caducidade do direito de impugnação, absolvendo a Fazenda Pública do pedido.

2. Inconformado, o recorrente veio interpor recurso para este Tribunal, concluindo as alegações com as seguintes Conclusões:
“1ª - Constitui objecto do presente recurso a questão de saber se no caso dos autos se verifica ou não a caducidade do direito de impugnação ou se, ao invés, tal não acontece seja porque a oposição deduzida pelo recorrente contra a execução para liquidação de tributo é tempestiva seja porque a liquidação de tributo (IVA) o foi sem precedência de audição do recorrente nos casos em que tal se impunha que acontecesse, caso em que se deverá dar por verificada a nulidade do acto de liquidação e consequentemente ter por tempestiva a “impugnação” judicial em causa;
2ª - Com efeito, a “impugnação” efectuada no processo tem a ver com a oposição deduzida contra a execução do IVA liquidado adicionalmente e de forma ilegal, relativamente ao 10 trimestre de 1997 e não propriamente com a impugnação do indeferimento tácito das reclamações graciosas então apresentadas pelo ora recorrente;
3ª - Inexistindo qualquer dívida de imposto, como bem resulta dos autos, a base tributária que origina as certidões de dívida, objecto de oposição por parte do recorrente, é declaradamente nula e por tal facto deveria a Administração Tributária ter procedido então à anulação das liquidações adicionais com a consequente extinção do procedimento executivo;
4ª - E isto porque houve uma errónea quantificação de rendimentos e consequentemente um indevido cálculo de imposto, este feito tendo por base matéria tributária inexistente;
5ª - Para que houvesse lugar a liquidação adicional necessário se tomava que tivesse havido erro na liquidação efectuada pelo contribuinte e sujeito passivo do imposto. O que, no caso, não se verificou;
6ª - A ilegalidade concreta das liquidações efectuadas, por erro sobre os respectivos pressupostos de facto toma-as nulas ex vi do disposto, entre outros, na alínea a) do Art.° 99° do CPPT sendo que, no caso em presença, a extinção da execução não acarretará a impossibilidade superveniente da lide;
7ª - Assim, entende-se também que os actos tributários impugnados pelo recorrente são nulos por lhes faltar um dos seus elementos essenciais, in casu base tributária, ex vi do disposto no Art° 133°, n° 1 do CPA;
8ª - Mas, ainda que assim não seja entendido, os actos impugnados sempre serão nulos por violação pela Administração Tributária do principio da participação e do direito de audição previstos no Art° 60°, n° 1, alínea d) da LGT e Art° 133°, n° 1 e n° 2, alínea f) do CPA;
9ª - O acto tributário de liquidação sem prévia audição do sujeito passivo põe em causa o conteúdo essencial de direitos fundamentais e. em consequência torna-se nulo, porque subsumível às causas de nulidade catalogadas no Art° 133° do Código do Procedimento Administrativo, podendo arguir-se a todo o tempo os vícios alegados ex vi do disposto no Art° 134° nºs 1 e 2, do CPA;
10ª - Pese embora o facto de o despacho (interlocutório) de fls. 128 a 134 não ter sido, então, objecto de impugnação pela via do recurso tal não obsta a que o mesmo possa ora ser impugnado no recurso interposto da decisão final seja tido como oposição, por convolação, e não como impugnação judicial qua tale.
Termos em que, deve o presente recurso ser considerado procedente e provido e em consequência revogar-se a douta sentença recorrida, não sendo, assim, dada por verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnação, deverá a matéria de facto e de direito da impugnação judicial ser objecto de decisão baixando o processo à 1ª instância para o efeito ou então deverá ser declarada a nulidade do acto de liquidação e actos consequentes por violação do direito de audição prévio á mesma liquidação.”


3. Não foram produzidas contra-alegações.
4. O Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento.
5. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
Com interesse para a decisão a sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
“1. O impugnante está colectado em IVA pela actividade de advogado (“print” informático a fls. 69 do apenso administrativo);
2. No ano de 1997, o impugnante encontrava-se enquadrado, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral (fls. 49 a 62 e informação a fls. 51 do apenso de reclamação);
3. Com referência a esse ano, o impugnante enviou à Administração tributária todas as declarações periódicas, acompanhadas do respectivo meio de pagamento, dentro dos prazos legais (fls. 49 a 62 e informação a fls. 51 do apenso de reclamação);
4. Em 21/12/2001, no seguimento de notificação da Administração tributária, enviou declarações periódicas de substituição por incorrecto preenchimento das declarações primitivas apresentadas (notificação da DSCIVA para processo de regularização por anomalias nas declarações periódicas, a fls. 17 e informação de fls. 51 do apenso de reclamação);
5. As declarações de substituição apresentadas e os valores então apurados a favor do Estado e do sujeito passivo, originaram, por um lado, a liquidação adicional no montante de € 2.615,98 e, por outro, um valor a crédito, a favor do sujeito passivo, na conta excesso a reportar (informação de fls. 51 do apenso de reclamação),
6. Como o impugnante passou a enquadrar-se no regime de isenção previsto no art° 53° do Código do IVA, a partir de 01/01/1998, situação que manteve até 31/01/2001, os valores creditados na conta excesso a reportar transitaram para este período (“prints” informáticos de fls. 69 a 83 do apenso administrativo e informação de fls. 51 do apenso de reclamação);
7. A liquidação impugnada, referida supra, em 5), no montante de €2.615,98 tinha prazo de pagamento voluntário até 30/06/2002 (“print” informático de fls. 105 e 106 do apenso administrativo);
8. Em 11/06/2002, o impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação (carimbo aposto a fls. 1 do apenso de reclamação);
9. A presente impugnação judicial deu entrada no Serviço de Finanças em 02/05/2003, conforme carimbo aposto a fls. 2;
10. Foi citado no processo executivo, instaurado para cobrança da liquidação impugnada, em 02/04/2003 fls. 98 a 102),
11. O processo executivo foi extinto por pagamento e anulação em 14/07/2006 (informação do Sr. Chefe de Finanças, a fls. 110);
12. Na data de entrada da impugnação judicial a reclamação graciosa do acto impugnado encontrava-se pendente de decisão (fls. 81/83).
Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante”.

2- DE DIREITO

2.1. Questões a apreciar e decidir

O ora recorrente, na sequência da notificação da instauração contra si do processo executivo nº 334420020201516019 e liquidações adicionais relativas a IVA de 1997, apresentou, em 11 de Junho de 2002, no Serviço de Finanças de Lisboa-11, as correspondentes reclamações graciosas, por entender não haver qualquer dívida de imposto, porquanto:
· Depois de ter pago o imposto o impugnante apresentou declarações de substituição por ter havido erro do preenchimento da Declaração Mod.A, nos campos 21,22, e 24 (Art. 3º da Petição da Impugnação);
· Entretanto, os serviços “estão a tributar, como receita, aquilo que foram as despesas do sujeito passivo nos trimestres em referência, introduzidas por lapso nos campos 21, 22 e 24” (Art. 4º da Petição da Impugnação);
· (…) “inexiste base tributária que possa dar origem às certidões de dívida atrás referenciadas as quais constituem uma duplicação de colecta”(Art. 5º da Petição da Impugnação);
· “Daí que, em sede de reclamação graciosa, se houvesse peticionado a anulação das liquidações que estão na origem das certidões de dívida em causa, com a consequente extinção do procedimento executivo”(Art. 6º da Petição da Impugnação);
· (…) “o impugnante nada deve ao Estado, sendo perfeitamente ilegal porque indevido - o valor do imposto (2.615,98 EUR) apresentado à cobrança e bem assim os juros compensatórios que constam da nota de liquidação nº 02183897 (…) esta objecto de reclamação em separado e ainda pendente de decisão” (Art. 10º da Petição de Impugnação);
· (…) “inexiste, in casu, qualquer facto tributável, dado haver errónea quantificação dos rendimentos e consequentemente indevido cálculo de imposto” (Art. 14º da Petição de Impugnação);
· “Tudo acontece por deficiente informatização dos Serviços os quais tomaram como base de tributação despesas do sujeito passivo, estas erradamente qualificadas pelos serviço exequente como receitas” (Art. 19º da Petição de Impugnação);
· (…) “não existindo tributos em dívida, as certidões de divisa emitidas têm por base matéria tributária inexistente, sendo que, tomando por referência a base tributária declarada - e pela qual se pagou o imposto devido - existe duplicação de colecta” (Art. 23º da Petição de Impugnação);
· “E assim, os títulos executivos (certidões de dívida) atrás referenciados, são de conteúdo que é falso. O que se alega para efeitos das alíneas a), c), g) e i), do Art. 204º do CPPT)”;
O impugnante termina pedindo:
· “A)Deve suspender-se de imediato a execução até à decisão das reclamações graciosas;
· “B) Deve a presente impugnação ser considerada procedente e provida com anulação do acto impugnado e dos actos de liquidação aqui em causa. Tudo com a consequente extinção da instância executiva”.
Por requerimento de fls. 90 ss., o Impugnante pediu que o processo de impugnação prosseguisse a sua tramitação como Oposição judicial à execução, porque embora tivesse epigrafado a sua peça como “Impugnação Judicial”, “os títulos executivos (certidões de dívida) atrás referenciados, são de conteúdo, que é falso. O que se alega para efeitos das alíneas a), c), g) e i) do nº1 do Art. 204º do CPPT)”, pelo que o que verdadeiramente se trata é de “Oposição Judicial à Execução”, que seria tempestiva ainda que apresentada no último dia do prazo.
Por despacho de 16/12/2008, o Mmº Juiz “a quo” indeferiu o pedido de convolação da Impugnação Judicial em Oposição, porquanto, entre o mais, a argumentação expendida pelo impugnante, “apesar da referência à duplicação da colecta, à falsidade dos títulos executivos e aos fundamentos previstos no art. 204º do CPPT, tem a ver com a ilegalidade concreta das liquidações efectuadas, por erro sobre os pressuposto de facto”, pelo que “o vício assacado pelo impugnante às liquidações postas em crise, é subsumível na previsão da al. a) do art. 99º do CPPT”, termos em que os fundamentos alegados pelo impugnante não preenchem “os fundamentos típicos do processo de oposição taxativamente enumerados no art. 204º do CPPT”.
Por sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, em 9/1/2011, dando-se por verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnação, foi decidido absolver a Fazenda Pública do pedido, com base nos seguintes fundamentos:
· “Vem suscitada na informação oficial a fls. 87 do processo administrativo, sancionada por despacho de 18/11/2003, do Sr. Director de Finanças Adjunto e é, aliás, de conhecimento oficioso, a questão da caducidade do direito de impugnação”.
· “A liquidação impugnada tinha prazo de pagamento voluntário até 30/06/2002, logo, na data em que foi apresentada a impugnação (02/05/2003), o prazo de 90 dias já se encontrava largamente ultrapassado”.
· “Tendo a petição de reclamação graciosa dado entrada nos serviços em 11/06/2002, o prazo legal de decisão, de seis meses, para efeitos de indeferimento presumido completou-se em 11/12/2002 - artigos 57°, n°3, da LGT e 279°, alínea c,), do Código Civil”.
· Pelo que a impugnação judicial deveria ter sido apresentada no prazo de 90 dias a contar dessa data, ou seja, nunca depois de 11/03/2003.
· Tendo a petição de impugnação judicial dado entrada no competente serviço de finanças em 02/05/2003, foi apresentada fora de prazo.
· “Em sede de alegações escritas, defende o impugnante estar-se perante vícios geradores de nulidade, nomeadamente, por inexistência de facto tributário e preterição do direito de participação e audição no procedimento de liquidação, portanto, invocáveis a todo o tempo, nos termos do n°3 do art°102°, do CPPT”.
· “Não estando o acto impugnado inquinado de qualquer vício determinante da sua nulidade, a impugnação mostra-se, como dissemos, manifestamente intempestiva”.

Vem o presente recurso contra esta sentença, invocando o recorrente, entre o mais, que:
· Não se verifica a caducidade do direito de impugnação, porque a oposição deduzida é tempestiva seja porque a liquidação ocorreu com violação da audiência do recorrente o que acarreta a nulidade do acto de liquidação;
· A impugnação efectuada no processo tem a ver com a oposição deduzida contra a execução e não propriamente com a impugnação do indeferimento tácito das reclamações graciosas;
· Inexistindo qualquer dívida de imposto, a base tributária que origina as certidões de dívida, objecto de oposição é declaradamente nula, pelo que deveria a Administração Tributária ter procedido à anulação das liquidações adicionais com a consequente extinção do procedimento executivo;
· Houve errónea quantificação de rendimentos e consequentemente um indevido cálculo de imposto, este feito tendo por base matéria tributária inexistente;
· A ilegalidade concreta das liquidações efectuadas, por erro sobre os respectivos pressupostos de facto torna-as nulas ex vi do disposto, entre outros, na alínea a) do Art. 99º do CPPT;
· Os actos tributários são nulos por lhes faltar um dos elementos essenciais, in casu a base tributária;
· Os actos tributários sempre serão nulos por violação do princípio da participação e do direito de audição previstos no art. 60º, nº 1, alínea d) da LGT e Art. 133º, nº 1 e 2, alínea f), do CPA;
· O acto tributário de liquidação sem prévia audição do sujeito passivo põe em causa o conteúdo essencial de direitos fundamentais e, em consequência torna-se nulo, porque subsumível às causas de nulidade catalogadas no art. 133º do CPA;
· “Pese embora o facto de o despacho (interlocutório) de fls. 128 a 134 não ter sido, então, objecto de impugnação pela via do recurso tal não obsta a que o mesmo possa ora ser impugnado no recurso interposto da decisão final seja tido como oposição, por convolação, e não como impugnação judicial qua tale”.

Em face das conclusões, que delimitam o objecto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, a questão central a decidir é a de saber se o Mmº Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento quando decidiu verificada a excepção da caducidade do direito de impugnação judicial.

2.2. Questão prévia

No ponto 10 das Conclusões vem o recorrente dizer que impugna o despacho interlocutório de fls. 128 a 134, através do qual o Mmº Juiz “a quo” indeferiu o pedido de convolação do processo de Impugnação Judicial em processo de Oposição, por, no essencial, ter considerado que “Os fundamentos alegados pelo impugnante não preenchem, assim, salvo melhor opinião, os fundamentos típicos do processo de oposição, taxativamente enumerados no art. 204º do CPPT, pelo que, atendendo à desconformidade do pedido e da causa de pedir, não será de ordenar a convolação requerida”.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 285º do CPPT “[o]s despachos do juiz no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal podem ser impugnados no prazo de 10 dias, mediante requerimento contendo as respectivas alegações e conclusões, o qual subirá nos autos com o recurso interposto da decisão final”.
Acontece que, no caso em apreço, tal como o próprio recorrente reconhece, na Conclusão 10ª, não interpôs qualquer recurso do referido despacho no prazo de 10 dias como determina o citado preceito legal, termos em que se formou caso julgado formal.
Assim sendo, o âmbito deste recurso jurisdicional cinge-se ao recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 9/1/2011, que julgou verificada a excepção da caducidade do direito de impugnação.

2.3. Quanto à caducidade do direito de impugnação judicial

A questão de saber se a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 9/1/2011, incorre em erro de julgamento ao decidir verificada a excepção da caducidade do direito de impugnação judicial, impõe que se averigúe se as liquidações adicionais enfermam das nulidades que lhe são assacadas pelo recorrente.
Vejamos:
1.O prazo da impugnação judicial é de 90 dias, contados a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente noticiadas ao contribuinte”, ou, da “formação da presunção de indeferimento tácito” - art° 102°, n° 1, alíneas a) e d), do CPPT, contando-se tal prazo nos termos do n°1 do art° 20°, do CPPT.
Por outro lado, tendo havido reclamação graciosa, a presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa ocorre no prazo de seis meses contados da data da sua apresentação - art° 57°, n°1, da LGT.
Estabelece o n° 5 daquele preceito que, “sem prejuízo do princípio da celeridade e diligência, o incumprimento do prazo referido no n°1, contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.
Como refere JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, anotação ao art. 102º, pp. 148 e 155.) “(…) se não é decidida a reclamação graciosa no referido prazo de seis meses, o reclamante pode presumir o indeferimento daquela, para efeitos de dedução de impugnação judicial, tendo o prazo de 90 dias, a contar do termo do referido prazo de seis meses, para o deduzir”; “na falta de dedução de impugnação judicial dentro do prazo legal aplicável, os interessados perdem o direito de impugnar o acto respectivo se o vício do acto é gerador de anulabilidade”.
Aplicando o exposto ao caso em análise, resultando do probatório que a liquidação impugnada tinha prazo de pagamento voluntário até 30/06/2002, na data em que foi apresentada a impugnação (02/05/2003), o prazo de 90 dias já se encontrava largamente ultrapassado.
Por outro lado, a petição de reclamação graciosa deu entrada nos serviços em 11/06/2002, o prazo legal de decisão, de seis meses, para efeitos de indeferimento presumido completou-se em 11/12/2002 - artigos 57°, n°3, da LGT e 279°, alínea c), do Código Civil, pelo a impugnação judicial deveria ter sido apresentada no prazo de 90 dias a contar dessa data, ou seja, nunca depois de 11/03/2003.
Acontece que petição de impugnação judicial deu entrada no competente serviço de finanças em 02/05/2003, pelo foi apresentada fora de prazo. Esta conclusão não é afectada pelo facto de, no caso, a impugnação judicial ser facultativa, uma vez que o carácter facultativo do meio processual nada tem que ver quanto à necessidade de serem cumpridos os prazos estabelecidos por lei para o seu uso. Para além de que se sobrevier resposta expressa às reclamações graciosas o recorrente mantém o direito de se defender contra as mesmas, pelo que não se vislumbra qualquer violação do direito à tutela judicial efectiva.
Assim sendo, a sentença recorrida que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnação, não merece qualquer censura.

2.Argumenta o recorrente que não procede a referida excepção porquanto, em síntese, os actos tributários impugnados são nulos por lhes faltar um dos elementos essenciais, quer porque a liquidação não foi precedida de audição quer por falta de base tributária.
Em relação ao direito de audição, enquanto dimensão do princípio da participação - artº. 60°, da LGT, a sua omissão só implica a nulidade do acto final nos casos em que a violação do direito de participação assume uma dimensão qualificada, configurando-se como uma garantia fundamental, como sucede quando o acto final consubstancia a aplicação de sanções em procedimento disciplinar ou de contra-ordenação (Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES /J.PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2º ed., Almedina, Coimbra, 1997, pp.449-450.).
Fora destas situações qualificadas, a preterição da audição prévia, quando exigível, torna os actos meramente anuláveis por vício de forma (Cfr., entre outros, os Acórdãos do STA de: 11/05/2011, proc nº 833/10; 6/9/2011, proc nº 787/10; 16/11/2011, proc nº 539/11; e 31/1/2012, proc nº 927/11. No mesmo sentido, e na doutrina, cfr. DIOGO LEITE CAMPOS /BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 4ª ed., encontro da escrita, editora, anotação ao art. 60º da LGT, p. 515 e VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Coimbra 2011, pp. 178 ss. ). Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do STA, de 1612/2010, proc nº 623/10, que “A anulabilidade constitui uma forma de invalidade do acto administrativo que se reconduz à violação de uma regra ou de um princípio jurídico de natureza formal (de competência, de forma ou de trâmite) ou substantiva. No primeiro grupo, incluem-se: a) a violação de regras relativas à competência do autor do acto, quando não envolvam as situações extremas de falta de atribuições, geradoras de nulidade (incompetência relativa); b) vícios de forma, que poderão consistir na preterição de formalidades no âmbito do procedimento administrativo (arts. 54º e segs. do CPA), na omissão ou deficiência respeitante à forma do acto (art. 120º do CPA), desde que não se reconduza à carência absoluta da forma legal, ou na omissão ou deficiência atinente à enunciação do objecto e dos elementos do acto (art. 123º do CPA”).

3.Também não assiste razão ao recorrente quando defende que o acto tributário impugnado é nulo, nos termos do art° 133°, n°1, do CPA, por faltar um dos seus elementos essenciais, ou seja, a base tributável.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 133º do CPA, “São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”.
Os vícios do acto constituem, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (cfr. arts. 133º, nº 1, e 135º do CPA). Optou-se, assim, por um regime misto na previsão dos vícios que conduzem à nulidade do acto administrativo, combinando-se o critério da nulidade por natureza (princípio da cláusula geral), com o da enumeração exemplificativa (nulidade por determinação da lei).
A densificação do conceito da cláusula geral “elementos essenciais“ tem dado origem a várias teses entre as quais se destaca os que defendem que “Elementos essenciais, no sentido do nº 1 do art. 133º do Código - cuja falta determina a nulidade do acto administrativo - seriam, pois, todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos, além daqueles a que se refere já o seu nº 2” (Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J.PACHECO DE AMORIM, ob. cit., p. 642.), devendo apurar-se por paralelismo (entre a qualidade e a quantidade de interesses públicos ou privados envolvidos em cada hipótese) outros casos de nulidade derivada da falta de elementos essenciais.
Qualquer que seja a tese adoptada, a doutrina converge no sentido de que a nulidade só deve ser assacada àqueles vícios especialmente graves e, em princípio, evidentes, em resultado de uma avaliação em concreto em função das características essenciais de cada tipo de acto. Nesta perspectiva, para alguma doutrina o critério adequado seria o da gravidade do vício complementado com uma ideia de evidência.
Nesta perspectiva, nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. ob cit., p. 177.), “(…) os elementos essenciais no artigo 133º/1 do CPA são os indispensáveis para que se constitua qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie concreta. Não pode valer, pois, como acto administrativo, uma decisão sem autor, sem destinatário, sem fim público, sem conteúdo, sem forma, ou com vícios graves equiparáveis a tais carências absolutas, em função do tipo de acto administrativo”.
E, mais adiante, o mesmo Autor pondera que “a nulidade haverá sempre de reportar-se a um desvalor da actividade administrativa com o qual o princípio da legalidade não pode conviver, mesmo em nome da segurança e da estabilidade, como acontece no regime-regra da anulabilidade. Assim, por exemplo, será nulo um acto que contenha uma ilegalidade tão grave que ponha em causa os fundamentos do sistema jurídico, não sendo, em princípio, aceitável que produz efeitos jurídicos, muito menos feitos jurídico estabilizados.”
Aplicando o exposto ao caso em análise, verifica-se que é o próprio recorrente a reconhecer ter havido “uma errónea quantificação de rendimentos e consequentemente um indevido cálculo de imposto …” (Conclusão 4ª), o que conduz à “ilegalidade concreta das liquidações efectuadas por erro sobre os respectivos pressupostos de facto…” ( Conclusão 6ª ).
Ora, acontece que o erro sobre os pressupostos de facto consubstancia uma ilegalidade que não é considerada grave em termos de poder ter como consequência a nulidade (Neste sentido, cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 14/9/2012, proc nº 686/2012.). Pelo contrário, como bem salienta o Mmº Juiz “a quo” o vício de violação de lei por erro nos pressupostos é gerador de mera anulabilidade - art°133°e 135°, do CPA.
No mesmo sentido, VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. ob. cit., p. 180.) considera que normalmente os vícios relativos aos pressupostos, no caso, ao pressuposto de facto (a situação concreta invocada não existe – “erro de facto”, conduzem à anulabilidade. Para o Autor os vícios relativos aos pressupostos só provocariam a nulidade em casos especialmente graves, como sejam quando “a falta de base legal se equipara à falta de atribuições”, o que não é manifestamente o caso.
Em face do exposto, improcede a argumentação do recorrente, devendo confirmar-se a sentença recorrida.

III- DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, confirmar a sentença recorrida e, nesta sequência, negar provimento ao recurso.

Custa pelo recorrente.
Lisboa, 17 de Outubro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Valente Torrão - Francisco Rothes.