Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0857/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO ADMINISTRATIVO
PERICULUM IN MORA
ALEGAÇÃO DE FACTOS
Sumário:I - O requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil mercê da constituição de uma situação de facto consumado, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de prejuízos ou danos dificilmente reparáveis.
II - Impende sobre o requerente cautelar o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, nomeadamente, o relativo ao periculum in mora [cfr. arts. 342.º do CC, 114.º, n.º 3, al. g), 118.º e 120.º do CPTA, 365.º, n.º 1, do CPC/2013].
III - Encerra realidade factual que não pode ser excluída por meramente conclusiva ou de direito aquela que, sem envolver um juízo sobre uma questão jurídica ou o recurso a qualquer regra de direito, resulte dum desenvolvimento ou explicitação de outra factualidade que se mostra alegada e apurada, corporizando quanto àquela como que uma espécie de “facto-síntese”.
Nº Convencional:JSTA000P22630
Nº do Documento:SA1201711300857
Data de Entrada:10/09/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. “A…………”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco [doravante «TAF/CB»] providência cautelar contra o “IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP” [abreviada e doravante «IFAP»], peticionando a suspensão de eficácia da decisão do Presidente do Conselho Diretivo do referido Instituto [comunicada pelo ofício 004454/2016 DAI-UREC, de 04.05.2016, e proferida ao abrigo das competências delegadas através da Deliberação n.º 515/2015] que “determinou a alteração do contrato de financiamento n.º 02033576/0, referente ao pedido de apoio na operação n.º 020000043789, designada por Área Agrupada da …………”, e ordenou “a devolução do valor de 108.207,98 €, recebido pela Requerente a título de subsídio de investimento”.

1.2. O «TAF/CB», por decisão de 07.02.2017 [inserta a fls. 223 a 242 v. dos autos], julgou procedente a pretensão cautelar, dada a verificação dos requisitos previstos no art. 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA [na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], pelo que decretou a providência cautelar peticionada.

1.3. Inconformado, o requerido «IFAP» interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [«TCA/S»] o qual, por acórdão de 04.05.2017 [cfr. fls. 298 a 321], concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou totalmente improcedente o pedido de suspensão de eficácia dada a ausência de alegação e prova de factos integradores do requisito do periculum in mora, pese embora haja desatendido o alegado erro de julgamento apontado à decisão do «TAF/CB» no julgamento que este havia feito quanto ao preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

1.4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA veio, então, a Requerente, agora por sua vez inconformada com o acórdão proferido pelo «TCA/S», interpor o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 333 e segs. - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]:

1.º É matéria de direito, sindicável pelos Supremos Tribunais, saber se um determinado facto ou questão é conclusivo ou não, dado que é matéria suscetível de violar normas legais, concretamente o art. 607.º n.ºs 3 a 5 CPC, aplicável por força dos arts. 1.º e 140.º n.º 3 CPTA;
2.º É matéria de direito, sindicável pelos Supremos Tribunais, saber se um determinado facto ou questão é conclusivo ou não, dado que é matéria suscetível de violar princípios jurídicos estruturantes do processo, concretamente, os princípios fundamentais da aquisição processual, da imediação, da livre apreciação das provas, da prevalência da decisão de mérito e da verdade material, aplicáveis por força dos arts. 1.º e 140.º n.º 3 CPTA;
3.º É ainda sindicável pelo STA avaliar se o acórdão «a quo» violou ou não o disposto no n.º 4 do art. 590.º CPC, conjugado com os arts. 6.º e 7.º CPC, aplicáveis por força dos arts. 1.º e 140.º n.º 3 CPTA;
4.º A admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor interpretação e aplicação do direito, importando determinar qual a melhor interpretação e aplicação dos arts. 607.º n.ºs 3 a 5, 590.º n.º 4 e arts. 6.º e 7.º todos do CPC, conjugados com os princípios jurídicos estruturantes do processo, concretamente, os princípios fundamentais da aquisição processual, da imediação, da livre apreciação das provas, da prevalência da decisão de mérito e da verdade material, aplicáveis por força do disposto nos arts. 1.º e 140.º n.º 3 CPTA;
5.º Não podem ser excluídos da matéria provada, com fundamento em serem conclusivos, os factos constantes dos Pontos 29, 30, 33, 34 e 35 da matéria provada;
6.º Aqueles artigos contêm factos ou são consequência ou decorrência necessária, ou normais de outros factos que os precedem, designadamente dos factos constantes nos Pontos 1, 25, 26, 27, 28 e 31 da matéria provada e dos artigos 77.º a 79.º da p.i. da providência;
7.º São factos que não encorpam em si qualquer juízo sobre questão jurídica nem a sua interpretação implica o recurso a qualquer regra de direito;
8.º São artigos que se desdobram numa multiplicidade de factos, mas que não integram matéria conclusiva;
9.º Como tal, são pontos que o acórdão «a quo» não podia eliminar da matéria provada nos autos;
10.º Ao assim proceder, o acórdão «a quo» fez uma errada interpretação e aplicação dos n.ºs 3 a 5 do art. 607.º CPC, aplicável por força dos arts. 1.º e 140.º CPTA;
11.º Ao assim proceder, o acórdão «a quo» violou os princípios fundamentais da aquisição processual, da imediação, da livre apreciação das provas, da prevalência da decisão de mérito e da verdade material, aplicáveis por força dos arts. 1.º e 140.º CPTA;
12.º O acórdão «a quo» afasta a realização da justiça e não protege os direitos e interesses legítimos que os tribunais têm o dever de proteger;
Sem prescindir,
13.º Se os artigos em causa fossem conclusivos - e não são - o acórdão «a quo» deveria determinar o regresso dos autos à 1.ª instância, a fim de que a matéria que julgou - mal - como conclusiva venha a ser concretizada;
14.º Ao assim não entender, o acórdão recorrido violou o art. 590.º n.º 4 CPC, conjugado com os arts. 6.º e 7.º CPC, aplicáveis por força dos arts. 1.º e 140.º n.º 3 CPTA;
15.º Os Pontos 29, 30, 33, 34 e 35 da matéria provada devem ser recuperados para o elenco da matéria de facto a considerar na decisão final da providência, com a consequente revogação do acórdão «a quo», decretando-se a providência requerida …”.
Termina peticionando que, no provimento do presente recurso, seja revogada a decisão judicial recorrida.

1.5. O aqui recorrido «IFAP» contra-alegou [cfr. fls. 346 a 350 v.], concluindo da seguinte forma:

A. Na ótica da Recorrente o presente recurso é necessário com vista à melhor aplicação do direito, invocando a errada interpretação do artigo 607.º, n.ºs 3 a 5 e artigo 590.º ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 1.º e 140.º ambos do CPTA.
B. A aplicação supletiva do CPC, determinada pelo artigo 1.º do CPTA, impõe-se quando, e se, o CPTA não contiver norma expressa de regulação.
C. As normas cuja violação pelo acórdão recorrido a Recorrente invoca não têm aplicação no caso em concreto, dado que,
D. O CPTA contem normas expressas relativas à matéria que se encontra regulada nas disposições do direito processual civil invocadas pela Recorrente.
E. Não havendo lugar à aplicação subsidiária das normas plasmadas nos artigos 607.º, n.ºs 3 a 5 e artigo 590.º, ambos do CPC, não se coloca a questão de saber se as mesmas terão sido violadas pelo Venerando Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.
F. Termos em que deverá ser rejeitada a presente revista.
Sem conceder,
G. Os pontos 29, 30, 33, 34 e 35 da factualidade dada por provada pelo Tribunal de 1.ª instância, foram daquela eliminados pelo Venerando acórdão ora sob recurso, porquanto os mesmos contêm meras conclusões e não matéria de facto que devesse ter sido considerada provada.
H. Os Pontos mandados eliminar da matéria de facto são, efetivamente, conclusões e valorações relativas a uma das questões que se colocava à apreciação do Tribunal, não podendo, assim, constar da factualidade provada.
I. O Douto acórdão recorrido não violou o estatuído no artigo 607.º, n.ºs 3 a 5 do CPC, porquanto aquele Superior Tribunal, na apreciação da prova que lhe foi submetida por força do recurso interposto pelo então Recorrente IFAP, observou também os princípios que resultam das normas em causa, analisando criticamente a prova produzida, tendo respeitado os limites que decorrem das citadas disposições.
J. Da mesma forma o aresto recorrido não violou o n.º 4 do artigo 595.º do CPC, porquanto, no caso em concreto não cabe na previsão daquele n.º 4, já que não houve qualquer imprecisão ou insuficiência das partes na exposição da matéria de facto, antes se estando perante matéria que não deveria constar da factualidade dada por provada, uma vez que a mesma não é facto, mas antes conclusões relativas à questão que se encontrava sob julgamento …”.
Termina peticionando que o presente recurso: a) seja julgado inadmissível, por não preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA; ou caso assim não se entenda, b) seja julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a decisão recorrida.

1.6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 14.09.2017, veio a ser admitido o recurso de revista [cfr. fls. 355/356].

1.7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 146.º, n.º 1, e 147.º, n.º 2, do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão judicial recorrida [cfr. fls. 363/366], pronúncia essa que objeto de contraditório não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 367 e segs.].

1.8. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. f), e 2, do CPTA, o processo foi submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.





2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
Constitui objeto de apreciação nesta sede o alegado erro de julgamento apontado pela Requerente cautelar, aqui recorrente, ao decidido pelo «TCA/S» no segmento em que no mesmo, eliminando-se os n.ºs XXIX), XXX), XXXIII), XXXIV) e XXXV) da factualidade que havia sido fixada pelo «TAF/CB», se deu procedência ao recurso e indeferiu a providência cautelar por ausência de prova de realidade factual integradora do requisito do periculum in mora, julgamento esse feito em infração, nomeadamente, do disposto nos arts. 05.º, 06.º, 07.º, 590.º, n.º 4, 607.º, n.ºs 3 a 5, todos do CPC/2013 [na redação dada Lei n.º 41/2013 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], e 120.º, n.º 1, do CPTA [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resultou como assente nos autos na decisão do «TAF/CB» o seguinte quadro factual:
I) A “A……………”, ora Requerente, é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, constituída por produtores florestais, e tem por objeto social (i) a defesa e a promoção dos interesses dos produtores e dos proprietários florestais, (ii) o desenvolvimento de ações de preservação e valorização das florestas, dos espaços naturais, da fauna e flora, (iii) a defesa e valorização do ambiente, do património natural construído, (iv) a conservação da natureza, (v) bem como, de uma maneira geral, a valorização do património fundiário e cultural dos seus associados [cfr. documento (doc.) constante de fls. 14/17 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido - factualidade admitida por acordo (cfr. artigo 14.º da Oposição)].
II) Em 25.02.2013, a Requerente apresentou uma candidatura [à qual foi atribuído o número de operação 43789 Área Agrupada da ………] ao programa «PRODER» [Programa de Desenvolvimento Rural do Continente], no Eixo “Melhoria do Ambiente e da Paisagem Rural”, Subprograma 2 - “Gestão Sustentável do Espaço Rural”, Medida 2.3 - “Gestão do Espaço Florestal e Agroflorestal”, Ação 2.3.3 - “Valorização Ambiental dos Espaços Florestais”, Sub-ação 2.3.3.3 “Proteção contra Agentes Bióticos Nocivos”, no valor de 242.601,48 € [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 01/02 e de fls. 14 e seguintes do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido - factualidade admitida por acordo (cfr. artigo 14.º da Oposição)].
III) Em 08.05.2013, a Autoridade de Gestão do «PRODER» aprovou a candidatura referida em II), para um investimento total proposto de 242.601,48 €, e com um investimento elegível aprovado de 169.138,94 € [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 01/02 e de fls. 14 e seguintes do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
IV) Em 12.09.2013, a Requerente celebrou com o “IFAP - Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP”, ora Entidade Requerida, um acordo denominado “Contrato de Financiamento n.º 02033576/0”, respeitante ao pedido de apoio na operação n.º 020000043789, designada por “Área Agrupada da ………..” [cfr. documento (doc.) constante de fls. 20/21 e versos dos autos cautelares e de fls. 03/13 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido - factualidade admitida por acordo (cfr. artigo 14.º da Oposição)].
V) Nos termos do contrato identificado em IV), além do mais, (i) a Entidade Requerida concedeu à Requerente um subsídio não reembolsável no valor de 135.311,15 € correspondente a 55,78% do valor do investimento total da operação aprovada para aquela “Área Agrupada da ………..”, (ii) a execução material da operação teria início em 10.07.2012 e finalizaria em 31.12.2014, e, (iii) o apoio concedido seria pago pela Entidade Requerida por crédito na conta de depósitos à ordem da Requerente [cfr. documento (doc.) constante de fls. 20/21 e versos dos autos cautelares e de fls. 03/13 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido - factualidade admitida por acordo (cfr. artigo 14.º da Oposição)].
VI) Em 19.02.2014, a Requerente apresentou o primeiro pedido de pagamento, instruído, além do mais, com a fatura n.º 10/2014, datada de 17.02.2014, emitida pela empresa “B…………, LDA.”, dirigida à Requerente, da qual consta (i) a aquisição de 66 armadilhas ao preço unitário de 35,00 €, no valor global de 2.310,00 €; (ii) a aquisição de 165 unidades de feromonas ao preço unitário de 12,50 €, no valor global de 2.062,50 €; (iii) a aquisição do serviço de colocação de 66 armadilhas ao preço unitário de 25,97 €, no valor global de 1.714,02 €; (iv) a aquisição do serviço de manutenção de 66 armadilhas ao preço unitário de 9,69 €, no valor global de 639,54 €; (v) a aquisição do serviço de arranque de árvores mortas, com o peso de 548.475 kg, com o preço unitário de 0,02€/kg, no valor global de 10.969,50 €; (vi) a aquisição do serviço de rechega de árvores mortas, com o peso de 548.475 kg, com o preço unitário de 0,02€/kg, no valor global de 10.969,50 €; (vii) a aquisição do serviço respeitante ao tratamento fitossanitário (intervenção para erradicação de pragas e fungos das árvores) no valor global de 1.488,20 €; (viii) a aquisição do serviço de poda sanitária, no valor global de 46.251,43 €, e (ix) a aquisição do serviço de rechega e queima de sobrantes, no valor global de 52.856,83 € [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 53/81 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
VII) Após controlo administrativo do pedido de pagamento identificado em VI) por parte da “DRAP ALENTEJO” e na sequência de tal pedido de pagamento ter sido aprovado [em cuja aprovação se incluem todos os valores descritos em VI)] -, a Entidade Requerida pagou à Requerente a quantia de 108.207,98 € respeitante à despesa apresentada, considerada elegível de 135.261,52 € [na qual se inclui os valores constantes da fatura descrita em VI)] [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 82/92 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
VIII) Em 26.11.2014, a Requerente apresentou o segundo pedido de pagamento, instruído, além do mais, com a fatura n.º 17/2014, datada de 20.11.2014, emitida pela empresa “C……….., LDA.”, dirigida à Requerente, da qual consta (i) a aquisição do serviço respeitante à poda sanitária [93,15 unidades ao preço unitário de 167,73 €], no valor global de 15.810,35 €; e (ii) a aquisição do serviço de rechega e queima de sobrantes [93,15 unidades ao preço unitário de 193,97 ] no valor global de 18.068,31 € [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 173/205 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
IX) Após controlo administrativo do pedido de pagamento identificado em VIII) por parte da “DRAP ALENTEJO” e na sequência de tal pedido de pagamento ter sido aprovado [em cuja aprovação se incluem todos os valores descritos em VIII)] -, a Entidade Requerida pagou à Requerente a quantia de 27.102,93 € respeitante a uma despesa apresentada, considerada elegível de 33.878,66 € [na qual se inclui todos os valores constantes da fatura descrita em VIII)] [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 206/224 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
X) Em 13.01.2015, os serviços da “DRAP ALENTEJO” efetuaram uma diligência de verificação física de execução do projeto [cfr. documento (doc.) constante de fls. 225 e verso do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XI) Na sequência da diligência identificada em X), os serviços da “DRAP ALENTEJO” fizeram constar do Relatório de Verificação Física no Local [elaborado em 10.03.2015], além do mais, o seguinte, a saber:

…” [cfr. documento (doc.) constante de fls. 225 e verso do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XII) Em 23.06.2015 e em 17.07.2015, os serviços da “DRAP ALENTEJO” remeteram à Requerente e-mails com o seguinte teor, a saber: “… No âmbito da Reanálise do 1.º Pedido de Pagamento da operação n.º 43789 - ÁREA AGRUPADA DA ……….., foi verificado existirem relações especiais entre a empresa prestadora de serviços B…………., LDA., C………… LDA. e o promotor (Relações especiais -conflito de interesses, designadamente nas relações estabelecidas entre os beneficiários e os seus fornecedores ou prestadores de serviços, isto é em que uma entidade tem um poder de exercer, direta ou indiretamente uma influência significativa nas decisões de gestão da outra). Solicitamos assim elementos complementares de análise da despesa apresentada na Fatura n.º 10/2014 datada de 17/02/2014, tais como: - evidência de que o fornecedor B……….., LDA. detém capacidade/recursos humanos necessários para a realização das tarefas faturadas no âmbito da operação, nomeadamente através da apresentação de uma declaração de remunerações remetida à Segurança Social dos meses dos serviços prestados. Deve ainda discriminar a respetiva afetação dos recursos humanos às tarefas realizadas, com o preenchimento do quadro enviado em anexo. - Mapa do imobilizado do fornecedor B……….., LDA. de forma a possibilitar a verificação do parque de máquinas que o mesmo dispõe para os serviços prestados, e a respetiva afetação das máquinas aos serviços realizados. - Nas operações manuais ou moto-manuais a que se referem a Fatura n.º 10/2014, como os valores apresentados se encontram indexados ao hectare, devem ser apresentados os valores indexados ao n.º de jornas e os respetivos custos unitários por jorna envolvidos. - Caso tenha recorrido à subcontratação para a execução da prestação de serviço ou do fornecimento do bem, tem a entidade fornecedora que apresentar o comprovativo dessa despesa (faturas e respetivos elementos probatórios de pagamento). A documentação complementar solicitada deverá ser apresentada no prazo máximo de 5 dias úteis …”; “… Analisada a documentação enviada por V. Exas., vimos solicitar esclarecimentos adicionais …” [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 124 e de fls. 132 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XIII) Em 30.06.2015, em 15.07.2015 e em 24.07.2015, a Requerente remeteu aos serviços da “DRAP ALENTEJO”, via correio eletrónico, os elementos solicitados em XII) [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 96/123 e de fls. 125/132 e versos do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido], tendo também prestado os seguintes esclarecimentos, a saber: “… Quanto à fatura 10/2014, diremos que a Associação não tem estrutura administrativa que permita responder atempadamente às necessidades, razão pela qual houve atraso na emissão da fatura, da qual não resultou qualquer prejuízo para qualquer entidade, a não ser a própria Associação. A empresa B……….. informou-nos que recorreu a subcontratação para a execução dos trabalhos …” [cfr. documentos (docs.) constante de fls. 128/153 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XIV) Juntamente com os e-mails transcritos em XIII), a Requerente juntou, além do mais, os seguintes documentos, a saber: “…





(…)



(…)



(…)



” [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 96/153 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XV) A “DRAP ALENTEJO” procedeu a uma reanálise dos pedidos de pagamento de saldo referidos em VI) e em VIII) [cfr. documento (doc.) constante de fls. 226/227 e verso do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XVI) Mediante o ofício n.º OFIC/2182/2015/SRNA datado de 23.10.2015, os serviços da “DRAP ALENTEJO” notificaram a Requerente, nos seguintes termos, a saber:
“…




” [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 226/227 e verso do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XVII) Em 10.11.2015, a Requerente remeteu, via postal, aos serviços da “DRAP ALENTEJO”, pronúncia, tendo requerido, a final, que “… o […] projeto […] de decisão [fosse] reformulado […] no sentido de manter elegíveis os pagamentos efetuados, porquanto os mesmos correspond[iam] ao integral e efetivo cumprimento do estipulado na […] correspondente […] candidatura ...” [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 228/229 e versos do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XVIII) Em 23.11.2015, a “DRAP ALENTEJO” decidiu remeter o projeto de decisão reproduzido em XVI) e o requerimento descrito em XVII) à Entidade Requerida [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 230/231 e versos do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XIX) Mediante o Ofício n.º 004454/2016 DAI-UREC, datado de 04.05.2016, a Entidade Requerida notificou a Requerente, nos seguintes termos, a saber: “








…” [cfr. documento (doc.) constante de fls. 22/23 e versos dos autos cautelares e de fls. 17/19 e versos do Processo Instrutor “IFAP” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido] - [ato suspendendo].
XX) Do “Manual Técnico do Beneficiário/Contratação e Pedidos de Pagamento FEADER (Investimento) e FEP” consta, além do mais, o seguinte, a saber:
… 6.2. DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES DE ELEGIBILIDADE DA DESPESA
Os casos de verificação da elegibilidade de despesa a que se referem os pontos seguintes são aplicados a cada Medida/Ação com as devidas adaptações, tendo em conta as portarias enquadradoras dos apoios, os seus normativos específicos ou, caso existam, orientações das respetivas autoridades de gestão. Nestas circunstâncias, a entidade competente pela análise do pedido de pagamento procede às seguintes verificações complementares: (...) h) Relações especiais. Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente entre: (...) 4. Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha reta; (...) No âmbito das relações especiais, o beneficiário deve assegurar que as transações efetuadas são identificadas apropriadamente e relevadas nas demostrações financeiras. No âmbito da análise do pedido de pagamento, podem ser solicitados os seguintes elementos: - Documentos emitidos pelo fornecedor ou prestador de serviço que demonstrem e comprovem a composição do preço final; - Os preços de aquisição dos bens/serviços pelo grupo, através do dossier de preços de transferência. A despesa a considerar elegível é a que estiver de acordo com os preços de mercado, sendo que no âmbito da subcontratação, o valor aceite será limitado ao montante dessa subcontratação (1.º preço de venda/preço de entrada) …” [cfr. documento (doc.) constante de fls. 52/92 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XXI) A Requerente foi constituída, em 13.12.2005, entre outros, por D…………, como associação sem fins lucrativos, de cujos estatutos consta, além do mais, o seguinte, a saber: “

(…)

” [cfr. documento (doc.) constante de verso de fls. 14/17 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XXII) A Direção da Requerente é, desde 24.06.2011 [data em que se procedeu à designação do Tesoureiro e do Secretário], composta por E…………. [Presidente], D………… [Vice-Presidente], ………….. [Tesoureiro], ………….. [Secretário] e ………….. [Vogal] [cfr. documento (doc.) constante de fls. 91 dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XXIII) O Conselho Fiscal da Requerente é, desde 24.06.2011, constituído por F…………. [Presidente], ………….. [Secretário] e ………….. [Secretário] [cfr. documento (doc.) constante de fls. 91 dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XXIV) Desde a constituição da empresa “B…………, LDA.” que F………….. é seu sócio e gerente; sendo que, desde 27.09.2013, D………… é seu sócio e gerente [cfr. documento (doc.) constante de verso de fls. 91 e de fls. 92 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XXV) A Requerente intervém hoje em operações em cerca de 7.500 hectares no Alentejo Litoral e em cerca de 14.000 hectares na região de Ponte de Sor e no Alto Alentejo, integrando cerca de 350 associados registados em sessenta áreas Agrupadas e duas «ZIF» [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas ……….. e ………..].
XXVI) A Requerente apresentou, no âmbito do programa “PRODER” [Programa de Desenvolvimento Rural do Continente] 20 candidaturas em área agrupada no Alto Alentejo e Alentejo litoral, que representam cerca de 7.198 hectares de intervenção, a que acresce 03 candidaturas em zonas integradas florestais no Alentejo Litoral, que representam cerca 1.210 hectares de intervenção [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas ………… e ………….].
XXVII) Nas candidaturas referidas em XXVI) estão envolvidos dezenas de pequenos proprietários e produtores florestais cuja sobrevivência depende do sucesso destas candidaturas [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas ………… e …………].
XXVIII) Para além do ato ora suspendendo, o Presidente do Conselho Diretivo da Entidade Requerida determinou a alteração de treze outros contratos de financiamento celebrados com a Requerente, e a devolução do valor total de 2.007.647,44 €, correspondente à redução dos montantes dos subsídios atribuídos à Requerente nas operações a seguir identificadas, a saber: (i) Operação n.º 020000038846, designada por “Área Agrupada de ………… e ………..”, determinando a devolução do valor de 78.374,48 €; (ii) Operação n.º 020000043789, designada por “Área Agrupada da ……..”, determinando a devolução do valor de 108.207,98 €; (iii) Operação n.º 020000038767, designada por “Área Agrupada da ………. e ……….. e ……….”, determinando a devolução do valor de 59.024,78 €; (iv) Operação n.º 020000040403, designada por “Área Agrupada de ……….. e ……….”, determinando a devolução do valor de 228.765,26 €; (v) Operação n.º 020000038799, designada por “Área Agrupada de ……….. e ……….”, determinando a devolução do valor de 3.622,24 €; (vi) Operação nº 020000038861, designada por “Área Agrupada de ………..”, determinando a devolução do valor de 11.880,40 €; (vii) Operação n.º 020000040402, designada por “Área Agrupada de Herdade da …………”, determinando a devolução do valor de 524.383,54 €; (viii) Operação n.º 020000040404, designada por “Área Agrupada ………….”, determinando a devolução do valor de 520.042,98 €; (ix) Operação n.º 020000043660, designada por “Área Agrupada de …………”, determinando a devolução do valor de 33.112,94 €; (x) Operação n.º 020000043664, designada por “Área Agrupada de ………….”, determinando a devolução do valor de 166.543,04 €; (xi) Operação n.º 020000045617, designada por “Área Agrupada Herdade ………….”, determinando a devolução do valor de 109.647,58 €; (xii) Operação n.º 020000043667, designada por “Área Agrupada de …………. e ………..”, determinando a devolução do valor de 60.655,78 €; e, (xiii) Operação n.º 020000038787, designada por “Área Agrupada ………….”, determinando a devolução do valor de 3.379,32 € [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas ………… e …………..; cfr. informação obtida via «SITAF»].
XXIX) Em consequência das decisões referidas em XXVIII), a Requerente está obrigada a devolver à Entidade Requerida o montante total de 2.007.647,44 € [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas ………….. e …………].
XXX) A Requerente, sendo uma associação sem fins lucrativos, sem património próprio, e dependendo dos contratos de ajudas financeiras celebrados com a Entidade Requerida para manter a sua atividade, não tem qualquer capacidade para devolver de imediato os subsídios que lhe foram atribuídos para a execução das diversas operações em que foi parte [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas ………… e …………..].
XXXI) Os subsídios pagos à Requerente foram por esta integralmente aplicados na execução dos trabalhos previstos em cada operação, designadamente no pagamento a fornecedores e prestadores de serviços que realizaram os diversos trabalhos previstos [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas ………… e ………….].
XXXII) No ano de 2015, a Requerente teve um resultado líquido negativo, antes de impostos, de 3.565.763,98 € [três milhões e quinhentos e sessenta e cinco mil e setecentos e sessenta e três euros e noventa e oito cêntimos] [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 26/33 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XXXIII) A Requerente não tem capacidade para prestar garantia das quantias que são objeto das catorze decisões da Entidade Requerida que ordenaram a devolução dos subsídios atribuídos e pagos à Requerente [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas …………. e …………..; cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 26/33 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XXXIV) A manutenção da eficácia do ato suspendendo tem como consequência a insolvência da Requerente e o encerramento das suas atividades, afetando de forma irremediável a sobrevivência de trabalhadores, fornecedores e prestadores de serviços que sobrevivem graças às atividades desenvolvidas pela Requerente [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas ………… e ………….].
XXXV) A manutenção da eficácia do ato suspendendo provoca o fim das operações da Requerente na defesa e promoção dos interesses gerais dos produtores e proprietários florestais que a integram, e o fim das atividades de preservação e valorização da Floresta [recurso natural de elevado interesse público nacional] [cfr. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cfr. depoimento prestado pelas testemunhas ………… e ………….].
XXXVI) Tem-se aqui presente o teor de todos os documentos constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) [cfr. documentos (docs.) constantes do Processo Instrutor “PRODER” e do Processo Instrutor “IFAP” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
XXXVII) Regularmente notificada para o efeito, a Entidade Requerida não apresentou Resolução Fundamentada [cfr. fls. 38/51 dos autos cautelares, a contrario sensu].

«*»

3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões supra enunciadas como objeto de análise, cientes de que se mostram firmados in casu, por um lado, os juízos de preenchimento quer do requisito previsto no n.º 1 do art. 120.º do CPTA relativo ao fumus boni iuris [juízo sustentado pelo «TAF/CB» e que se mostra confirmado pelo acórdão recorrido sem qualquer impugnação], como do requisito negativo inserto no n.º 2 do citado preceito, dado uma vez feita a ponderação de todos os interesses em presença [proporcionalidade dos efeitos da decisão cautelar de concessão ou de recusa da pretensão] não seria de recusar a pretensão cautelar peticionada visto os danos que resultariam da sua concessão não se mostrariam superiores àqueles que poderiam resultar da sua recusa [juízo este sustentado pelo «TAF/CB» sem qualquer impugnação, já que nem sequer foi posto em causa no recurso de apelação dirigido ao «TCA/Sul»], e, por outro lado, o juízo feito pelo Tribunal a quo de, na procedência do recurso dirigido ao julgamento de facto realizado, haver eliminado o n.º XXXII) do âmbito da factualidade tida por apurada nos autos, porquanto o mesmo não se mostra alvo de impugnação no âmbito do recurso que se nos mostra dirigido.

I. Em discordância com o julgado firmado pelo «TCA/S» no acórdão recorrido, a recorrente vem defender que o juízo nele inserto de não preenchimento do requisito do periculum in mora, previsto no n.º 1 do art. 120.º do CPTA, na sequência da eliminação dos factos descritos sob os n.ºs XXIX), XXX), XXXIII), XXXIV) e XXXV), padece de erro de julgamento já que lavrado em infração, nomeadamente, do disposto nos arts. 05.º, 06.º, 07.º, 590.º, n.º 4, 607.º, n.ºs 3 a 5, todos do CPC, e 120.º, n.º 1, do CPTA.
Vejamos.

II. É comummente aceite que com o uso de processo cautelar visa-se evitar que com o tempo de demora necessário ao julgamento dum processo principal tal possa determinar a inutilidade da sua decisão, ou colocar o interessado numa situação de facto consumado ou em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter a situação que existiria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.

III. Daí que e de molde a evitar a verificação ou a produção de tais perigos, assegurando-se dessa maneira também a utilidade da sentença, veio, no art. 112.º do CPTA, a consagrar-se a possibilidade do decretamento de vários tipos de medidas ou providências cautelares.

IV. Previu e exigiu o legislador, todavia, que o decretamento de tais providências esteja sujeito ao preenchimento dos pressupostos fixados no art. 120.º do mesmo código, resultando deste um distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir: i) a duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni juris (“aparência do bom direito”) - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e, ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.

V. Face ao dissídio que constitui objeto de apreciação cumpre, então, centrar nossa atenção na análise do requisito do periculum in mora, sendo que o mesmo nas palavras do legislador traduz-se no “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

VI. As providências cautelares visam impedir, como tivemos já oportunidade de referir, que durante a pendência de qualquer ação principal a situação de facto se altere de modo a que a decisão que nela venha a ser proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela [obviar a que a decisão judicial não se torne numa decisão «puramente platónica»].

VII. Nessa medida, o requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil mercê da constituição de uma situação de facto consumado, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de prejuízos ou danos dificilmente reparáveis.

VIII. Nesta sede, em que se trata de aferir, nomeadamente, da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação” o critério a atender deixou, pois, de ser aquele que jurisprudencialmente era aceite em matéria de análise do requisito positivo da al. a), do n.º 1 do art. 76.º da LPTA, ou seja, o da suscetibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 09.06.2005 - Proc. n.º 0412/05, de 10.11.2005 - Proc. n.º 0862/05, de 01.02.2007 - Proc. n.º 027/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 12.02.2012 - Proc. n.º 0857/11, de 05.02.2015 - Proc. n.º 1122/14].
IX. Refira-se, ainda, que na expressão “prejuízos de difícil reparação” se mostram abarcados não apenas os danos patrimoniais, mas também os danos não patrimoniais, que serão infligidos ao requerente cautelar, sendo que no seu quadro encontram ainda abrangência os prejuízos decorrentes das violações de direitos e liberdades públicas das pessoas, das violações em matéria dos direitos, liberdades e garantias, bem como dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, ainda que os prejuízos sejam sociais ou humanos.

X. Visando a providência cautelar de suspensão de eficácia dum ato administrativo a proteção da situação ou posição jurídica do requerente cautelar afetado pela execução e eficácia imediata do aludido ato impõe-se, então, que no juízo a firmar sobre a pretensão cautelar sejam considerados os prejuízos advenientes para a esfera jurídica do requerente, tudo sem prejuízo da valoração também de prejuízos imediatos causados a terceiros ou mesmo a interesses gerais, da coletividade, na medida em que possam contribuir para reforçar positivamente os prejuízos que foram invocados pelo requerente cautelar.

XI. Ressuma do exposto e no que releva em sede desta providência cautelar que os “prejuízos de difícil reparação” serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão de eficácia do ato em crise e que, pela sua irreversibilidade, torna extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica da Requerente, devolvendo-lhe a situação em que a mesma se encontraria não fora a execução havida e materialização daquele ato.

XII. À semelhança da petição inicial numa ação administrativa o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito que fundamenta a sua pretensão, derivando do disposto no art. 114.º, n.º 3, al. g) do CPTA que no “… requerimento, deve o requerente: ... Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência …”.

XIII. Impõe-se, por conseguinte, ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida [art. 342.º do CC], não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo.

XIV. O requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos arts. 112.º, n.º 2, al. a), 114.º, n.º 3, als. f) e g), 118.º e 120.º todos do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção iuris tantum da existência dos aludidos requisitos como simples decorrência da execução dum ato, pelo que o requerente não está desonerado de alegar e fazer a prova, a demonstração dos factos integradores dos requisitos em questão, articulando, para o efeito, de modo especificado e concreto tais factos, já que não é idónea uma alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.

XV. Com efeito, o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, nomeadamente, o relativo ao periculum in mora, cabe ao requerente [cfr. arts. 342.º do CC, 114.º, n.º 3, al. g), 118.º e 120.º do CPTA, 365.º, n.º 1, do CPC/2013] [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo Tribunal de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 19.11.2008 - Proc. n.º 0717/08, de 22.01.2009 - Proc. n.º 06/09, de 11.02.2010 - Proc. n.º 0961/09, de 06.12.2012 - Proc. n.º 0812/12, de 30.10.2014 - Proc. n.º 0681/14, de 05.02.2015 - Proc. n.º 01122/14 in: «www.dgsi.pt/jsta»], bem como o ónus do oferecimento de prova sumária de tais requisitos.

XVI. Revertendo ao caso sub specie cumpre, então, apurar da verificação do requisito do periculum in mora, para o que importa aferir do acerto do julgamento feito pelo «TCA/S» de, ao haver eliminado do acervo factual tido como provada pelo «TAF/CB» da realidade descrita sob os n.ºs XXIX), XXX), XXXIII), XXXIV) e XXXV), por a considerar como contendo “meras conclusões, e não factos concretos” e que, por isso, não poderia “constar da factualidade provada”, ter concluído, em decorrência, pela ausência de demonstração in casu do requisito do periculum in mora.

XVII. Constitui o objeto do presente recurso revista clara matéria de direito visto em causa está o determinar se o TCA observou devidamente, ou não, os seus poderes/deveres definidos nos arts 149.º do CPTA e 662º do CPC, mormente, se o mesmo fez adequada e acertada aplicação das referidas normas de direito adjetivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto e com direta influência na mesma como ocorre no caso, incorrendo, de igual modo, em infração, nomeadamente, do disposto nos arts. 05.º, 06.º, 07.º, 590.º, n.º 4, 607.º, n.ºs 3 a 5, todos do CPC, e 120.º, n.º 1, do CPTA.

XVIII. E avançando, desde já, o nosso juízo sobre o mérito do recurso temos que o mesmo terá de proceder, não podendo manter-se a decisão recorrida.

XIX. Na verdade, envolvendo alguma complexidade a distinção entre matéria de facto e matéria de direito, tanto mais que as mesmas estão e mostram-se sempre intimamente interligadas, já que se as normas definem certas consequências quando resultem verificados determinados factos, temos que é em função destes, do que se logrou provar, que importa proceder à aplicação das normas, levando a cabo a tarefa de subsunção jurídica.

XX. Constituirá, nomeadamente, realidade ou matéria de facto tudo o que se prenda ou envolva a averiguação das ocorrências concretas da vida real, o estado ou a situação real de pessoas e coisas, os acontecimentos do foro interno da vida das pessoas, as ocorrências hipotéticas, os juízos de facto e inferências que se arrimem em realidade fáctica que se mostre devidamente alegada.

XXI. Importa, por outro lado, ter presente que ao julgador está claramente vedada possibilidade de inclusão no acervo factual tido por apurado de juízos sobre questões de direito [cfr. arts. 05.º, 410.º, 412.º, 413.º, 590.º, 607.º, n.ºs 3 e 5, do CPC], sendo patente que o julgamento da matéria de facto, estribado nas provas produzidas, implica quase sempre para o julgador a formulação de juízos conclusivos, revelando-se praticamente impossível encontrar situações puras e que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto.

XXII. Nessa medida, tratando-se de realidades da vida apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pela razão humana estaremos, ainda assim, no âmbito da questão ou matéria de facto e, como tal, a serem submetidos à instrução probatória e sobre os mesmos recair necessária decisão pelo julgador motivada e formada sobre a livre apreciação das provas produzidas.

XXIII. Descendo ao concreto juízo feito neste segmento pelo acórdão recorrido entende-se que os factos suprimidos pelo «TCA/S» não podem considerar-se como meramente conclusivos.

XXIV. Desde logo, a realidade descrita sob o n.º XXIX) corporiza uma mera inferência ou decorrência aritmética que se extrai ou resulta do que havia sido descrito sob o n.º XXVIII), porquanto o mesmo não ser “lido” separadamente do que deriva do ponto de facto que imediatamente o antecedia, já que o mesmo, bem vistas as coisas, mais não é do que a explicitação da soma ou total resultante da adição das várias parcelas elencadas no n.º XXVIII), corporizando quanto a este uma espécie de “facto-síntese”.

XXV. Por outro lado, e quanto à realidade que se mostra descrita sob o n.º XXX) temos que, ao invés do que se concluiu, também na mesma resulta aportada matéria de facto, assente em realidade factual alegada, nomeadamente, sob os arts. 66.º a 79.º da petição inicial e sobre a qual recaiu instrução probatória [com produção, mormente, de prova documental, declarações de parte e testemunhal], corporizada na afirmação/constatação daquilo que é a natureza da associação Requerente [uma “associação sem fins lucrativos” como já derivava do descrito sob o n.º XXI) dos factos fixados], bem como da constatação duma total ausência de património próprio por parte da mesma associação e do facto da sua atividade normal e fim estatutário se mostrarem condicionados pelos apoios financeiros obtidos no quadro das ajudas concedidas pelo Estado, e da decorrente inferência, enquanto desenvolvimento ou explicitação do que a Requerente visou com a respetiva alegação, quanto à sua total impossibilidade e incapacidade para proceder à restituição dos subsídios que lhe foram atribuídos, já que arrimada quer no facto de não dispor de património próprio e da sua atividade se mostrar condicionada e/ou dependente dos apoios obtidos, como no que demais se mostra descrito sob o n.º XXXI), ou seja, do facto dos subsídios pagos à Requerente haverem sido já pela mesma integralmente aplicados na execução dos trabalhos previstos em cada operação, designadamente no pagamento a fornecedores e prestadores de serviços que realizaram os diversos trabalhos previstos.

XXVI. Encerra o mesmo, pois, realidade factual e não meramente conclusiva, juízo este que se mostra e tem como igualmente transponível para aquilo que se mostra descrito sob os n.ºs XXXIII), XXXIV) e XXXV) da factualidade fixada pelo «TAF/CB», já que também aqui nos mesmos resulta aportada realidade estribada em substrato factual que havia sido alegado, nomeadamente, sob os arts. 72.º a 79.º, 82.º a 88.º da petição inicial e sobre a qual recaiu instrução probatória [com produção, mormente, de prova documental, declarações de parte e testemunhal], corporizada na inferência, enquanto desenvolvimento ou explicitação do que a Requerente visou com a respetiva alegação, quanto ao impacto da decisão suspendenda, em conjunto com todas as outras decisões similares, no contexto da sua situação patrimonial e financeira, para a sua impossibilidade/incapacidade de poder prestar garantia, ou para a muito potencial e provável situação de encerramento da atividade a que a mesma se dedica e do elevado risco de incumprimento das suas obrigações perante terceiros conducentes à sua provável insolvência e extinção e consequente impacto, mormente nos seus associados, fornecedores e prestadores de serviços.

XXVII. No fundo, bem vistas as coisas, a realidade ali descrita surge como que um desenvolvimento ou explicitação de tudo daquilo que já resultava alegado e apurado quanto à natureza, atividade desenvolvida [pautada pela ausência de fins lucrativos ou de angariação de quaisquer proventos] e situação patrimonial da Requerente [marcada pela total ausência de património e de proventos], corporizando como que uma espécie de “factos-síntese” e que têm pressuposto um ou mais juízos conclusivos sobre aqueles outros elementos de facto.

XXVIII. Refira-se, ainda, que toda esta realidade, tida pelo acórdão recorrido como conclusiva, e destinando-se a preencher o conceito/requisito do periculum in mora, não encerra em si nenhum juízo sobre tal questão jurídica, nem a sua interpretação e o seu teor, que, note-se, poderia ser aprimorado e melhorado considerando até alguma da própria realidade alegada na petição, implicam o recurso ou uso conclusivo daquele conceito inserto na regra de direito em causa.

XXIX. Desta feita, tal realidade deve ser recuperada e considerada como integrante do elenco da matéria de facto a considerar na decisão do litígio, pelo que o «TCA/S», ao eliminá-la por meramente conclusiva, incorreu em erro de julgamento, mormente, por infração dos comandos supra enunciados.

XXX. Assim, firmada esta conclusão, temos que já se vê que a decisão recorrida relativa à insubsistência do requisito do periculum in mora e decorrente indeferimento da pretensão cautelar, firmada, aliás, em consequência de tal eliminação do acervo factual, não poderá subsistir, devendo prevalecer o juízo adotado na sentença do «TAF/CB» que, tomando em consideração tal realidade, como se impunha, deferiu a pretensão cautelar mercê da verificação do referido requisito e, bem assim, dos demais insertos nos n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA.


3. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder total provimento ao recurso e, em consequência, revogar no segmento impugnado o acórdão recorrido, fazendo subsistir, pelas razões supra invocadas, a decisão proferida em 1.ª instância pelo «TAF/CB» de deferimento da pretensão cautelar requerida, com todas as legais consequências.
Custas neste Supremo Tribunal e no «TCA/S» a cargo do Requerido, aqui Recorrido.

D.N..


Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano - Alberto Acácio de Sá Costa Reis.