Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:092/19.9BALSB
Data do Acordão:12/09/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
IRS
ARBITRO
JUIZ
Sumário:I – Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redacção do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas.
II – Não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS.
Nº Convencional:JSTA000P26893
Nº do Documento:SAP20201209092/19
Data de Entrada:12/03/2019
Recorrente:A............. E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A…………. e mulher B…………. vêm, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 29 de Outubro de 2019 no processo n.º 421/2019-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido na decisão arbitral proferida a 6 de Abril de 2018 no Processo n.º 510/2017-T, transitada em julgado.

Os Recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) A decisão arbitral recorrida foi proferida em 29-10-2019, na vigência da nova redação do artigo 25.°, n.° 2 do RJAT que prevê a possibilidade de recurso com fundamento em oposição entre Decisões Arbitrais, pelo que o presente recurso é admissível.

B) A Decisão Arbitral proferida nos presentes autos está em franca oposição com a Decisão Arbitral Fundamento proferido no âmbito do Processo n.° 510/2017-T.

C) As Decisões Arbitrais em confronto assentam em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais: obtenção de rendimentos provenientes do exercício da atividade de árbitro.

D) Estando também em causa em ambas as Decisões Arbitrais a mesma questão de direito referente à aplicação dos coeficientes previstos no artigo 31.º, n.° 1 do Código do IRS aos rendimentos provenientes do exercício da atividade de árbitro.

E) A propósito desta questão, a Doutrina e a Jurisprudência tem vindo a entender que para estarmos perante uma Oposição de Acórdãos, não se exige uma total identidade dos factos, cfr neste sentido Acórdão do STA de 25-03-2009, proferido no Processo n.° 0175/08, disponível em www.dgsi.pt, Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA de 09/09/1997, in Rec. N.° 20.641 e ainda Jorge Sousa, in CPPT anotado, Vol. II, 5.ª ed., págs. 808 e 809, bastando que os factos em análise nos dois processos se mostrem suscetíveis de serem subsumíveis ao mesmo normativo legal.

F) Tanto a decisão arbitral recorrida como a decisão arbitral fundamento debruçam-se sobre a questão de determinar qual o coeficiente aplicável aos rendimentos provenientes da atividade de árbitro, ou seja, se será aplicável o coeficiente de 0,75 previsto no artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS aplicável às “actividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” ou se, por outro lado, será aplicável o coeficiente de 0,35 previsto na alínea c) do n.° 1 do artigo 31.° do CIRS, por se tratar de “rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores”.

G) Constata-se que a Decisão Arbitral proferida nos presentes autos e a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.° 510/2017-T estão em expressa e frontal contradição, uma vez que, face a situações de facto em tudo idênticas defendem-se soluções francamente opostas e contraditórias.

H) A douta Decisão Arbitral recorrida, face aos mesmos elementos de facto relevantes e a mesma questão fundamental de direito, decidiu em sentido contrário à decisão arbitral fundamento, porquanto decidiu no sentido de que aos rendimentos provenientes da prestação de serviços de árbitro, é aplicável o coeficiente de 0,75 previsto no artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS.

I) Os Recorrentes consideram que a Decisão Arbitral Recorrida andou mal ao manter a liquidação de IRS n.° 2018 00003665075 e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.° 1783201904000293, já que, e na esteira da posição vertida no Acórdão fundamento, a falta de previsão clara e inequívoca da atividade de árbitro na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, determina a não aplicação do artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS.

J) A decisão arbitral recorrida procedeu a uma errada interpretação da redação do artigo 31.º, n.° 1 do Código do IRS, ao concluir que os rendimentos provenientes da prestação de serviços enquanto árbitro estão abrangidos pelo artigo 31.º, n.° 1, alínea b) do Código do IRS, sendo-lhes aplicável o coeficiente de 0,75, porquanto não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS.

K) A abrangência da expressão utilizada na alínea b) do n.° 1 do artigo 31.º do Código do IRS, “atividades profissionais a especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.°”, não pode ser diferente, quando está em causa exatamente a mesma atividade profissional — atividade de árbitro.

L) Os Recorrentes consideram dever declarar-se a existência de oposição de Decisões Arbitrais entre a decisão proferida nos presentes autos e a decisão arbitral proferida no âmbito do processo 510/2017-T”.

2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

A. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto por A………….. e outra (adiante somente Recorrentes) tem por base alegada oposição entre decisão proferida por Tribunal Arbitral em matéria Tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo arbitral que correu termos sob o 421/2019-T (doravante decisão arbitral recorrida) e a decisão prolatada no âmbito do processo arbitral n.º 510/2017 (adiante decisão fundamento), nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

(RJAT).

B. A matéria que foi objeto de pronúncia na decisão arbitral recorrida, proferida no Processo n.º 421/2019-T e na decisão arbitral fundamento, proferida no processo n.º 510/2017-T, prende-se com saber se o conceito “Desportistas”, com o CAE 1323 do Anexo I do CIRS, Tabela de Atividades do artigo 151º, deve ser interpretado e aplicado de forma a abarcar a atividade de árbitro de futsal.

C. A decisão fundamento na qual os ora Requerentes se estribam, respeita a um sujeito passivo cujas prestações de serviços são nas atividades de personal trainer e de árbitro federado.

D. Nos presentes autos estamos perante duas decisões, a saber, a decisão arbitral recorrida, proferida no âmbito do processo arbitral n.º 421/2019-T que decidiu, e bem, pela aplicação, no caso concreto, o CAE “Desportistas” – da Tabela de Atividades do artigo 151º do CIRS, aplicando-se à atividade de árbitro de futsal o coeficiente de 0,75 previsto no artigo 31º, nº 1 alínea b) do CIRS, na redação vidente à data dos factos e a decisão arbitral prolatada no processo n.º 510/2017-T, que serve de decisão fundamento e que, em manifesto erro de julgamento, conclui em sentido oposto.

E. Na decisão recorrida, proferida no processo 421/2019-T, o tribunal julga integralmente improcedente o pedido arbitral formulado, considerando que se deve aplicar o CAE 1323 “Desportistas” – da Tabela de Atividades do artigo 151º do CIRS, aplicando-se, no caso em concreto, à atividade de árbitro de futsal o coeficiente 0,75 previsto no artigo 31º, nº 1, alínea b) do CIRS.

F. Na decisão fundamento, o tribunal julga procedente o pedido de pronúncia arbitral considerando que os rendimentos de prestações de serviços como personal trainer e árbitro federado, obtidos no ano de 2015, deverão ser apurados com base no coeficiente previsto na alínea c) e não da alínea b) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.

G. A atividade de árbitro consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151º do CIRS, sob o Código “1323 – Desportistas”, sendo este código abrangente e engloba, para além de atletas, todos os agentes desportistas envolvidos em atividades desportivas.

H. Contrariamente ao que propugnam os Requerentes ao longo da sua dissertação, a aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação da atividade REALMENTE e ESPECIFICAMENTE exercida.

I. A atividade que o Requerente marido exerce é CONCRETA e ESPECIFICAMENTE a de desportista, tal como os atletas dos diversos desportos (incluindo os jogadores de futsal em cujos jogos este participa e arbitra) e agentes desportivos que participem nas atividades desportistas, pelo que a atividade que exerce como árbitro de futsal, tem inequívoca e clara constância na tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, no código CIRS – Código 1323 – Desportistas.

J. Deve ser-lhe aplicado o coeficiente 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º, nos termos da alínea b) do artigo 31º do CIRS.

K. A interpretação literal defendida pelos Recorrentes proposta com apoio na Decisão fundamento encerra em si mesma uma limitação insanável, porquanto o que propugna implica que, sendo a sua atividade de árbitro desportivo parte integrante de, neste caso específico, da atividade desportiva de jogos de futsal, a tributação do seu rendimento seria manifestamente desigual e desproporcional, em comparação com os atletas, praticantes desportivos, neste caso, de futsal, abstraindo por completo de uma análise de todas as consequências sistemáticas decorrentes de tal entendimento.

L. É de rejeitar a tese interpretativa vertida na decisão fundamento porque se atém em exclusivo ao elemento literal das normas e abstrai das repercussões da mesma no quadro mais amplo do princípio da igualdade fiscal.

Nestes termos, e nos mais de direito, peticiona-se pela improcedência do pedido apresentado pelos Recorrentes, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 145.º do CPTA”.


3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 49 a 52 dos autos, no sentido da verificação dos pressupostos para prosseguimento do recurso para uniformização de jurisprudência, por considerar que “ambas as decisões assentam em situações de facto idênticas: a obtenção de rendimentos provenientes do exercício da actividade de árbitro. E debruçam-se sobre a questão de determinar qual o coeficiente aplicável aos rendimentos provenientes de tal actividade. Todavia enquanto que a decisão recorrida, proferida na decisão arbitral nº421/2019-/T, considerou aplicável o coeficiente de 0,75 previsto no artigo 31º, nº1, alínea b), do CIRS, aplicável às actividades especificamente previstas no artigo 151º, do mesmo diploma legal, a decisão fundamento, proferida no processo arbitral nº510/17-T, considerou aplicável o coeficiente 0,35 previsto na alínea c) do citado nº1, do artigo 31º, do CIRS, por se tratar de rendimentos de prestações de serviços “não previstos nas alíneas anteriores””.

Posicionando-se a favor da verificação dos requisitos estabelecidos para a admissibilidade do recurso, o Excelentíssimo Procurador-Geral veio depois pronunciar-se pela negação de provimento ao recurso e pela integral manutenção da decisão arbitral recorrida, por concordar com a definição de desportista aí adoptada e por considerar que, “para efeitos de IRS, a actividade de árbitro de futsal está enquadrada na alínea b) do nº1 do artigo 3º, do CIRS e consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de actividades a que se refere o artigo 151, do CIRS sob o código CIRS 1323-Desportistas”. Para o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, estamos perante “um código abrangente que engloba, para além dos atletas, todos os agentes desportivos participantes nas actividades desportivas. Assim, o rendimento proveniente da actividade de árbitro de futsal deve ser inscrito no campo 403 do quadro 4-A do anexo B, na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS. E a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75 previsto na alínea b), do nº1, do artigo 31º, do CIRS”.

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.



- Fundamentação -

5 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso, que consiste em saber qual o coeficiente aplicável aos rendimentos auferidos em 2017 por um árbitro de futsal tributado ao abrigo do regime simplificado do IRS:

- Se é aplicável o coeficiente de 0,75 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.° do Código do IRS, por se considerar que estamos perante rendimentos de uma atividade profissional especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS; ou, alternativamente,

- Se é aplicável o coeficiente de 0,35 previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.° do Código do IRS, por se considerar que estamos perante rendimentos de uma atividade profissional não especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.

6 – Matéria de facto

6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

a) O Requerente marido declarou o seu início de atividade no dia 30-05-2016, no Código CAE 93192 – Outras Atividades Desportivas, N.E., tendo optado pelo regime simplificado para efeitos de tributação em sede de IRS dos seus rendimentos da categoria B. (cfr. documento n.º 2.)

b) No ano de 2017, o Requerente marido declarou, no quadro 4 A do campo 404 do Anexo B – “Rendimentos de prestação de serviços não previstos nos campos anteriores”, rendimentos no valor €10.802,50. (cfr. documento n.º 3)

c) O Requerente marido foi notificado, de que “[a] declaração de rendimentos relativa ao ano de 2017, foi selecionada para análise por terem sido detetadas as seguintes situações: Necessidade de comprovação do tipo de rendimentos declarados, considerando os códigos de atividade declarados ou patentes em cadastro”. (cfr. documento n.º 4)

d) A AT considerou que a quantia de €10.802,50 (dez mil, oitocentos e dois euros e cinquenta cêntimos), declarada pelo Requerente marido no campo 404 do Anexo B (Rendimentos de prestação de serviços não previstos nos campos anteriores), deveria constar antes no campo 403 (Rendimentos de atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art. 151º do CIRS). (documento n.º 4; PA)

e) 17. O Requerente apresentou resposta à referida notificação. (documento nº 5)

f) Os Requerentes foram notificados do reembolso da quantia de €948,33 (novecentos e quarenta e oito euros e trinta e três cêntimos), conforme a demonstração de liquidação nº 2018... . (documento n.º 6)

6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral fundamento:

1- A Requerente exerceu no ano de 2015 as atividades de Personal Trainer e árbitro federado de andebol, estando inscrito com o código CAE 0393192 (Atividades desportivas).

2- A Requerente, na sua declaração de início de actividade, optou pelo regime simplificado para efeitos de tributação em sede de IRS dos seus rendimentos da categoria B.

3- Apresentou a declaração de rendimentos IRS, modelo3, relativa ao ano de 2015, tendo declarado no anexo B, no campo 403 a quantia de € 850,00 €, referente a actividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151º do CIRS e 11 553,50 €, no campo 404, referente à actividade de prestação de serviços.

4- O Serviço de Finanças de …, entendeu que a inscrição no campo 404, dos rendimentos provenientes da atividade de Personal Trainer e árbitro federado era incorreta, disso, notificando a Requerente.

5- Foram pela AT considerados no campo 403 do anexo B, todos os rendimentos obtidos pela Requerente em 2015, procedendo a uma liquidação oficiosa no valor de €1.108,39.

6- Não se conformando, a Requerente apresentou a Reclamação Graciosa n.º …2017…, a qual foi indeferida na sua totalidade.

7 – Decidindo

7.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Alega a Recorrente que “a Decisão Arbitral proferida nos presentes autos está em franca oposição com a Decisão Arbitral Fundamento”, assentando as duas decisões em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais: a obtenção de rendimentos provenientes do exercício da actividade de árbitro. Sendo idênticas, essas situações de facto são ainda subsumíveis ao mesmo normativo legal, pois que em “ambas as Decisões Arbitrais [foi colocada] a mesma questão de direito referente à aplicação dos coeficientes previstos no artigo 31.º, n.° 1 do Código do IRS aos rendimentos provenientes do exercício da atividade de árbitro”. “Tanto a decisão arbitral recorrida como a decisão arbitral fundamento debruçam-se sobre a questão de determinar qual o coeficiente aplicável aos rendimentos provenientes da atividade de árbitro”, sendo que “face a situações de facto em tudo idênticas” adoptaram “soluções francamente opostas e contraditórias”.

Discorda desta tese a Recorrida, por considerar que enquanto a decisão fundamento “respeita a um sujeito passivo cujas prestações de serviços são nas atividades de personal trainer e de árbitro federado”, a decisão recorrida respeita a um sujeito passivo que é árbitro de futsal, divergência factual que se reflecte nas soluções adoptadas em cada uma das decisões arbitrais em confronto”. Peticiona, assim, “pela improcedência do pedido apresentado pelos Recorrentes, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 145.º do CPTA”.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA pronunciou-se pela verificação dos pressupostos para prosseguimento do recurso para uniformização de jurisprudência, por considerar que “ambas as decisões assentam em situações de facto idênticas: a obtenção de rendimentos provenientes do exercício da actividade de árbitro. E debruçam-se sobre a questão de determinar qual o coeficiente aplicável aos rendimentos provenientes de tal actividade” tendo, todavia, decidido em sentidos opostos.

E com razão.

Com efeito, e percorrido o probatório de cada uma das decisões arbitrais em confronto, verificamos que nos dois casos estamos perante Sujeitos Passivos de IRS que optaram pela respectiva tributação ao abrigo do regime simplificado previsto no contexto desse imposto.

Nos dois casos, estamos perante Sujeitos Passivos que exercem, além do mais, a actividade profissional de árbitro, encontrando-se inscritos na Classificação Portuguesa das Actividades Económicas (CAE) com o Código 93192 – Outras Atividades Desportivas, N.E..

Nos dois casos, a função de árbitro é exercida em modalidades desportivas, sendo a modalidade desportiva arbitrada no caso sub judice o futsal e a modalidade desportiva arbitrada na decisão fundamento o andebol.

E ao contrário do que pretende a Recorrida, a circunstância de na decisão fundamento ser também exercida a actividade profissional de personal trainer não prejudica a similitude das situações de facto em confronto, uma vez que não foi o exercício dessa actividade que fundou a integração dos rendimentos decorrentes da arbitragem como rendimentos provenientes de uma actividade desportiva. Tanto mais que aos rendimentos decorrentes de cada uma das actividades profissionais exercidas na situação analisada na decisão fundamento (i.e., aos rendimentos decorrentes da actividade de personal trainer e aos rendimentos decorrentes da actividade de árbitro) poderia ter sido dada um tratamento fiscal diferente, com a consequente autonomização de preenchimento nos campos 403 ou 404 do Quadro 4-A do Anexo B das Modelos 3 do IRS.

Sendo similar a factualidade dada como provada em cada uma das situações, verificamos ainda que nos dois casos foi colocada ao tribunal arbitral a questão de saber se o Código de Actividade 1323 – Desportistas previsto na Tabela do Artigo 151.º do Código do IRS deve ser interpretado de forma a abarcar a actividade profissional de um árbitro de modalidades desportivas, de forma a concluir-se pela aplicação do coeficiente de 0,75 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.° do Código desse imposto ou, alternativamente, do coeficiente de 0,35 previsto na alínea c) do n.º 1 dessa mesma disposição legal.

Assim, sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções propugnadas:

- Se na decisão arbitral recorrida se considerou aplicável o coeficiente 0,75 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, por via da sujeição da actividade profissional de árbitro no âmbito de aplicação do Código 1323 – Desportistas da Tabela de Actividades do artigo 151.º do Código do IRS;

- Na decisão arbitral fundamento considerou-se aplicável o coeficiente 0,35 previsto na alínea c) do n.º 1 daquele artigo 31.º do Código do IRS, por se entender que a actividade profissional de árbitro não podia ser incluída no âmbito de aplicação do Código 1323 – Desportistas da Tabela de Actividades do artigo 151.º do Código do IRS.

Há, pois, entre a decisão sufragada na decisão arbitral recorrida e a decisão sufragada na decisão arbitral fundamento uma oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito. E uma vez que não se conhece qualquer pronúncia deste Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão controvertida sub judice que inquine a possibilidade de conhecimento do recurso, dá-se como verificada a divergência das decisões que justifica a prossecução do presente recurso para uniformização de jurisprudência.

Donde deve o recurso prosseguir para conhecimento do respectivo mérito.

7.2 Da apreciação do mérito do recurso

Na decisão arbitral recorrida, entendeu o Tribunal Arbitral ser de aplicar à situação sub judice o Código “1323 “Desportistas” – da Tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, aplicando-se à atividade de árbitro de futsal o coeficiente 0,75 previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, na redação vigente à data dos factos”, por se considerar que a actividade de árbitro desportivo se enquadra “facilmente no conceito de atividade desportiva, constante da Classificação das Atividades Económicas” e se subsume “de forma natural, imediata e logicamente transparente, ao conceito de Desportista, da Tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, Anexo I”.

Entende o Tribunal que o conceito de Desportista “não tem que abranger unicamente os praticantes desportivos propriamente ditos, sejam eles profissionais ou não profissionais, antes podendo designar outros agentes desportivos intimamente ligados à prática competitiva de uma dada modalidade”, como é o caso dos árbitros que participam “ativamente na realização da competição desportiva, estando presente no recinto de jogo e interagindo ativamente com os atletas em competição”. Por esse motivo, a “disciplina do acesso e exercício da atividade de árbitro desportivo, incluindo a respetiva classificação, encontra-se definida e estruturada pelas federações desportivas”, fazendo o Tribunal referência a diversos diplomas legais dos quais se retira a aplicação aos árbitros de diversas prerrogativas associadas à prática de actividade desportiva, tais como a contratualização obrigatória de seguro desportivo, a medicina desportiva, as medidas de apoio para o desporto de alto rendimento e um regime de formação, coordenação e classificação no seio das federações.

Para o Tribunal Arbitral, este é o entendimento que respeita os “princípios da justiça fiscal, da igualdade fiscal – horizontal e vertical – e da consideração da capacidade contributiva subjectiva”, uma vez que a aplicação do coeficiente de 0,75 a praticantes desportivos e o de 0,35 a árbitros “representaria uma diferenciação dificilmente compatível com a justiça do sistema fiscal”. Ademais, este entendimento “não representa qualquer violação da tipicidade específica ínsita nos princípios da legalidade tributária e da segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos, que concretizam o princípio constitucionalmente estruturante do Estrado de Direito. Trata-se de uma operação conceitual, hermenêutica e metódica cuja razão de ser se afigura inteiramente razoável e inteligível, à luz do regime jurídico da atividade desportiva e das federações desportivas”.

Discordam os Recorrentes do assim decidido, considerando, em suma, que “na esteira da posição vertida no Acórdão fundamento, a falta de previsão clara e inequívoca da atividade de árbitro na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, determina a não aplicação do artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS”. Para os Recorrentes, “não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS. A abrangência da expressão utilizada na alínea b) do n.° 1 do artigo 31.º do Código do IRS, “atividades profissionais a especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.°”, não pode ser diferente, quando está em causa exatamente a mesma atividade profissional — atividade de árbitro”.

É outra a opinião da Recorrida para quem, e em suma, o Código 1323 – Desportistas da Tabela do artigo 151.º é abrangente, englobando, “para além de atletas, todos os agentes desportistas envolvidos em atividades desportivas”. A aplicação dos coeficientes “efetua-se pela verificação da atividade REALMENTE e ESPECIFICAMENTE exercida” pelo que, constatando-se que “a atividade que o Requerente marido exerce é CONCRETA e ESPECIFICAMENTE a de desportista”, deve a mesma ser enquadrada naquele Código. Para a Recorrida é de “rejeitar a tese interpretativa vertida na decisão fundamento porque se atém em exclusivo ao elemento literal das normas e abstrai das repercussões da mesma no quadro mais amplo do princípio da igualdade fiscal”, repercussões essas que conduziriam a que a tributação do rendimento de um árbitro desportivo, que é parte integrante da actividade desportiva de jogos de futsal, fosse “manifestamente desigual e desproporcional, em comparação com os atletas, praticantes desportivos” dessa mesma actividade.

O Excelentíssimo Procurador-Geral pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso e pela integral manutenção da decisão arbitral recorrida.

Vejamos.

O artigo 31.º do Código do IRS prevê os coeficientes aplicáveis para a determinação do rendimento tributável dos Sujeitos Passivos tributados ao abrigo do regime simplificado em IRS. Nos presentes autos, discute-se qual desses coeficientes é aplicável ao Recorrente marido por referência aos rendimentos obtidos enquanto árbitro de futsal no ano fiscal de 2017.

A este respeito, importa começar por referir que em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição, lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo a afirmação concordante do legislador ordinário nesse sentido mero corolário daquela norma constitucional (vide, a este respeito, o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária).

Não se encontra, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva, pelo que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186).

Pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit, in casu, que quando o legislador se refere a Desportistas no Código 1323 da tabela do artigo 151.º do Código do IRS quer abarcar não apenas os desportistas em sentido estrito mas, também, outras actividades profissionais incluídas na actividade desportiva, como é o caso dos árbitros.

Senão, vejamos.

Com a Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que entrou em vigor a 1 de Janeiro desse ano, os coeficientes aplicáveis aos rendimentos resultantes do exercício de actividades profissionais passaram a estar indexados ao exercício das actividades profissionais previstas na tabela de actividades do artigo 151.º do Código do IRS, prevendo-se no n.º 2 do artigo 31.º desse mesmo Código, e na parte que aqui nos interessa, a aplicação do coeficiente de 0,75 aos “rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º” e o coeficiente de 0,10 aos “subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores” (nosso sublinhado).

Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redacção do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (nosso sublinhado).

Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às actividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às actividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas.

Percorrido o elenco da tabela do artigo 151.º do Código do IRS, não se vislumbra a referência específica à actividade profissional de árbitro de desportos. Contudo, e como vimos já, é entendimento da decisão arbitral recorrida que a actividade profissional de árbitro de futsal se subsume “de forma natural, imediata e logicamente transparente, ao conceito de Desportista, da Tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, Anexo I”. Mas sem razão.

A actividade profissional de desportista está incluída no Grupo 3421 – Atletas e Desportistas de Competição da Classificação Portuguesa das Profissões (editada em 2010 pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P.), prevendo-se no sub-grupo 3421.3 – Outros atletas e desportistas de competição (que não sejam especificamente futebolistas e ciclistas) que a actividade de desportista compreende as seguintes tarefas e funções:

· “Executar exercícios físicos adequados e complementares à respectiva modalidade, individualmente ou por orientação do treinador, a fim de desenvolver e manter o rendimento máximo das suas aptidões físicas;

· Treinar individualmente ou em grupo para melhorar a técnica e tácticas a adoptar;

· Participar, individualmente ou como membro de uma equipa, em competições ou exibições de uma determinada modalidade desportiva;

· Cumprir regras e pôr em prática as orientações do treinador”.

Por sua vez, a actividade profissional de árbitro (juíz) de desportos encontra-se prevista no Código 3422.2 daquela Classificação Portuguesa das Profissões, incluindo a realização das seguintes funções:

· “Dirigir encontros desportivos, aplicar as respectivas leis e velar pela sua observância

· Verificar se o local das provas apresenta as condições requeridas e identificar os participantes, certificando-se se têm autorização de participação

· Estabelecer, antes dos encontros, com os auxiliares a coordenação que deve existir entre eles para uma boa observação dos lances

· Dar início, na hora determinada, aos encontros e cronometrar o tempo de jogos

· Vigiar o desenrolar do encontro e aplicar as penalidades correspondentes às infracções cometidas e assinalar os golos ou pontos marcados

· Participar superiormente faltas graves dos atletas ou dirigentes e elaborar relatórios dos encontros arbitrados”.

E assim é.

O envolvimento e a importância dos árbitros para a realização dos eventos desportivos não pode ser considerada como factor determinante para julgar que tais profissionais são, eles próprios, desportistas, sob pena de terem de ser considerados como desportistas todos quanto estão envolvidos no fenómeno desportivo: não só os árbitros, mas também os médicos, os dirigentes, os empresários, e outros agentes desportivos previstos na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro). Com efeito, mais do que o envolvimento no fenómeno desportivo e a qualificação como agente desportivo, o que releva para incluir um determinado profissional na tabela do artigo 151.º do Código do IRS é a actividade concreta e especificamente por ele exercida. Tal como reconhece a Recorrida nas suas contra-alegações, “a aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação da atividade REALMENTE e ESPECIFICAMENTE exercida”.

Não se podendo negar a preparação e destreza física exigida a um árbitro de futsal (encontrando-se naturalmente previsto o respectivo acesso à medicina desportiva nos termos do artigo 40.º n.º 4 da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto), nem a sua relevância para a realização dos eventos desportivos desse desporto, tais circunstâncias não são suficientes para considerar o árbitro como um desportista. A função do árbitro é muito clara: dar início e cronometrar o jogo, verificar as condições para a sua realização, identificar os participantes, dirigir e ajuizar o encontro. A sua função não é a de competir em conjunto os demais elementos da sua equipa e contra a equipa adversária, cumprindo as regras impostas pelo treinador e obedecendo aos critérios definidos pelo juiz do jogo (v.g., o próprio árbitro).

De maneira que, tal como resulta da alínea a) do probatório fixado na sentença recorrida, o Recorrente marido declarou o “seu início de atividade no dia 30-05-2016, no Código CAE 93192 – Outras Atividades Desportivas, N.E., tendo optado pelo regime simplificado para efeitos de tributação em sede de IRS dos seus rendimentos da categoria B. (cfr. documento n.º 2.)”. Portanto, na sua declaração de actividade, o Recorrente marido não se enquadrou no Código 1323 – Desportistas da tabela do artigo 151.º do Código do IRS mas, alternativamente, na Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE) 93192 – Outras Atividades Desportivas, N.E., que compreende diversas actividades desportivas não particularmente especificadas noutros CAE, como é o caso dos “ produtores e promotores de acontecimentos desportivos com ou sem instalações; promoção de eventos desportivos; atletas, árbitros, cronometristas e de outros desportistas independentes; estábulos, canis e garagens, relacionados com a actividade desportiva; apoio à pesca e caça recreativas e desportivas; e dos guias de montanha. Inclui a gestão de zonas de caça e pesca”.

Assim, e por não considerar as suas funções profissionais como subsumíveis no conceito estrito de Desportista, o Recorrente marido enquadrou-se no ramo mais amplo de actividade desportiva não especificada, previsto no CAE 93192. E assim o fez em cumprimento do disposto no artigo 151.º do Código do IRS, que prevê precisamente que “as actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças” (nosso sublinhado).

Como tal, não se pode concluir pela aplicação do coeficiente de 0,75 ao caso dos autos mas, ao invés, do coeficiente de 0,35, previsto para as actividades profissionais não especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. E sem que isso viole o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, porque já se demonstrou que não é curial proceder a uma interpretação extensiva da actividade profissional de desportista na medida em que as funções e tarefas exercidas por um árbitro não se incluem concretamente nesse conceito. Sem esquecer que é o próprio legislador que, no artigo 48.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, prevê que “o regime fiscal para a tributação dos agentes desportivos é estabelecido de modo específico e, no caso dos praticantes desportivos, de acordo com parâmetros ajustados à natureza de profissões de desgaste rápido” (nosso sublinhado).

Tudo quanto justifica o provimento do recurso, uniformizando-se jurisprudência no sentido de não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS.


- Decisão -

8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso, conceder-lhe provimento, anulando a decisão arbitral recorrida e, julgando procedente o pedido, anular a liquidação de IRS sindicada.

Custas pela Recorrida, que contra-alegou.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2020. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (vencido, nos termos da declaração de voto junta) – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

***


Vencido, quanto à decisão sobre o mérito do recurso.

Sinteticamente, em apoio da minha divergência, elenco estas razões:

- o art. 31.º do CIRS (“Regime simplificado”), a partir de 1 de janeiro de 2014 (Redação da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro.), passou a prescrever a determinação do rendimento tributável (de IRS - rendimentos da categoria B) através da aplicação, entre outros, do seguinte coeficiente:

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”;

- em 1 de janeiro de 2015 (Redação da Lei n.º 82-E/2013 de 31 de dezembro.), a par do anterior (e outros), foi aditado, ao mesmo normativo, um novo coeficiente:

c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores”;

- além deste novel coeficiente se reportar a “prestações de serviços” e não a “atividades profissionais”, o que me faz questionar se o legislador, embora reportando-se às “alíneas anteriores”, não se quis, apenas, referir a alínea a) do n.º 1 do art. 31.º do CIRS e, portanto, abranger as prestações de serviços efetuadas fora do âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, entendo, sobretudo, que o funcionamento dos dois coeficientes em apreço, tem de apartar-se pelo tracejamento de uma linha que, ponderada a evolução legislativa, desde a entrada em vigor, a 1 de janeiro de 1989, do Código do IRS, seja compatível com a vontade do legislador, no sentido de, após 1 de janeiro de 2014, todos os sujeitos passivos de IRS, que aufiram rendimentos profissionais, incluindo pelo exercício de qualquer atividade de prestação de serviços (bem como, pela prática de atos isolados), serem integrados em uma (ou várias) das atividades profissionais especificamente (com código e designação) previstas na tabela a que se reporta o art. 151.º do CIRS e não com a “Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística”.

Efetivamente, por comparação do conteúdo, textual, do, pretérito, art. 141.º do CIRS (“Classificação das atividades”) (Revogado pela Lei n.º 32-B/2002 de 30 de dezembro. «As actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS serão classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, e, quanto às constantes da tabela anexa, de acordo com os códigos nela mencionados.») e do vigente, com a redação da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, art. 151.º do CIRS (“Classificação das atividades”) («As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.»), parece-me evidente o propósito de se acabar com um sistema dual e com, clara, preferência para os CAE, do INE, o qual veio a ganhar efetividade quando, como vimos, o art 31.º do CIRS, passou a referenciar “os rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”, ou seja, esta tabela, consubstanciada no Anexo I, da Portaria n.º 1011/2001 de 21 de agosto (Que, como se assinala no respetivo preâmbulo, visou, além do mais, colmatar a revogação do n.º 2 do art. 3.º do CIRS (pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de dezembro) e consequente desaparecimento de uma lista de profissões, anexa ao Código; a qual, por mera comparação, se apresenta muito mais exígua que a atual.), tornou-se, em meu entender, no elemento central para dirimir as questões respeitantes à classificação das atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS; para efeitos, desde logo, da determinação do rendimento tributável - rendimentos da categoria B, mas, também, por razões de tratamento igual, equivalente, para todas as matérias, no âmbito deste tributo, em que esteja a disputar-se qual a atividade exercida por aqueles.

Assim, in casu, o sujeito passivo (marido), independentemente do declarado para efeitos de início de atividade, quanto ao ano de 2017, tinha de, no quadro 3A 07, da Modelo 3, Anexo B, ter inscrito como “Código da tabela de atividades art.º 151.º do CIRS” o número 1323 (Desportistas) (Não cabe, no espaço reduzido deste voto, justificar este, concreto, enquadramento.) e declarado, no campo próprio, o montante dos rendimentos de prestação de serviços (auferidos no âmbito da atividade de árbitro, da modalidade de andebol).

Destarte, negaria provimento ao recurso (e não uniformizaria jurisprudência em nenhum sentido, por entender que a factualidade disponível é insuficiente).


*

[redigi em meio informático e revi]


Aníbal Ferraz