Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0126/14.3BEMDL
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IMPOSTO DE SELO
INTERPRETAÇÃO
Sumário:I - A usucapião, constituindo, por natureza, uma forma de aquisição originária (desde logo, do direito de propriedade), é, para efeitos fiscais, ficcionada como transmissão gratuita de bens, em particular, imóveis, nascendo, constituindo-se a obrigação tributária no momento do trânsito em julgado da ação de justificação judicial, quando for celebrada a escritura de justificação notarial ou na data em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial (e não no momento da aquisição do direito …) - ver, artigos (arts.) 1.º n.ºs 1 e 3 alínea (al.) a), 2.º n.º 2 al. b) e 5.º (n.º 1) al. r) todos do Código do Imposto do Selo (CIS).
II - Nos termos do art. 13.º n.º 1 do mesmo compêndio, o valor (tributável) dos imóveis é o valor patrimonial tributável (VPT), conforme com os termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), à data da transmissão ou o determinado por avaliação, nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
III - Não consubstanciando, objetivamente, desrespeito pela lei, a utilização, pelo julgador, da regra de interpretação, inscrita no n.º 3 do art. 11.º da Lei Geral tributária (LGT), só, em situações limite, muito específicas, quando mais nenhum sentido literal, lógico, finalístico e/ou sistemático, for possível atribuir a normas, em particular, de incidência tributária, a mesma deve acontecer e, nesse caso, sempre, com a preocupação de o resultado não se traduzir, em vez da aplicação, na criação de Direito.
IV - No caso de alguém que, desde partilha, ocorrida em 1989, logo, passou a possuir um prédio urbano, composto de casa de habitação, …, inscrito na competente matriz predial, o qual, entre outros, na escritura de justificação notarial, de julho de 2013, veio a ser adquirido, como tal, por usucapião (e sem qualquer referência/menção a “benfeitorias”), não se tem de curar saber se o imposto do selo incide, apenas, sobre o ato de aquisição do prédio objeto de usucapião ou se inclui o ato de aquisição de benfeitorias, realizadas nesse mesmo prédio.
Nº Convencional:JSTA000P26559
Nº do Documento:SA2202010280126/14
Data de Entrada:12/10/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ***
Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


O/A representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela, em 12 de abril de 2018, que julgou procedente impugnação judicial, apresentada, por A…………, com os demais sinais dos autos, visando ato de liquidação, adicional, de Imposto do Selo (IS), ano de 2013, no valor de € 3.693,70.

A recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

1. Por via da douta sentença sob recurso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela decidiu anular a liquidação de Imposto de Selo, referente ao ano de 2013 (acto impugnado) atinente à aquisição, por usucapião, entre outros, do prédio inscrito na matriz predial urbana do concelho de Montalegre, freguesia de ……., sob o artigo 268;

2. Na usucapião, como forma de aquisição originária que é, o direito de propriedade emerge ab initio na esfera jurídica do usucapiente;

3. A validade da aquisição por usucapião pressupõe a verificação de todos os seus requisitos legais, incluindo o do decurso do tempo (por defeito, 20 anos de posse), já que, atentos os fins do Direito, a usucapião é um instituto não consagrado à Justiça em si mesma, mas sim à certeza e à segurança jurídicas;

4. Daí que, na usucapião, não releva saber as concretas razões pelas quais o usucapiente, em tempos imemoriais, entrou na posse do bem imóvel (se por partilha meramente verbal, por compra e venda meramente verbal ou por mera ocupação, etc.);

5. O que releva é, unicamente, saber se se verificaram os caracteres gerais da posse e se o requisito do tempo (por defeito, há mais de 20 anos) já se concretizou;

6. Porque é neste último momento, ou seja, decorridos os 20 anos, que se dá a aquisição do direito de propriedade por usucapião, oponível erga omnes, seja por via da acção ou da excepção;

7. O que o usucapiente adquire é o direito de propriedade sobre o prédio, tal como este se encontrar neste último momento, e não como ele se encontrava na data em que entrou na sua posse (há mais de 20 anos), pois, mesmo que com o corpus e animus possidendi, até à verificação de todos os requisitos da usucapião, o usucapiente mais não é do que, por assim dizer, um ocupa;

8. Mesmo constatando-se a existência de benfeitorias a expensas do mero possuidor, bem sabe este que pode perder a posse, bem como as benfeitorias, logo que, antes de decorridos os 20 anos, o prédio seja reivindicado pelo titular inscrito do direito de propriedade.

9. Vertendo estas considerações ao caso dos presentes autos, são as razões pelas quais, na aquisição do direito de propriedade por usucapião, o Imposto de Selo só é devido (a) na data em que transite em julgado a acção de justificação judicial, (b) na data em que seja celebrada a escritura de justificação notarial ou (c) na data em que se torne definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do CRP.

10. Porque é nestes momentos que, por via da acção ou da excepção, se afere, com a necessária solenidade, da verificação de todos os requisitos da aquisição do direito de propriedade por usucapião, incluído, primacialmente, o requisito essencial do decurso do tempo (por defeito, mais de 20 anos);

11. E, se assim é, o valor atendível para efeitos da liquidação do Imposto do Selo é o valor patrimonial tributário que, no momento relevante (trânsito em julgado da decisão judicial, celebração da escritura ou decisão do processo de justificação do CRP), conste da matriz.

12. Em sentido convergente o aqui defendido, vejam-se, entre os mais, os acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Tributário desse Supremo Tribunal, a 27-02-2013 e a 26-11-2008, nos recursos n.ºs 0981/12 e 0376/08, respectivamente, disponíveis em http://www.dgsi.pt;

13. Donde a sentença recorrida que, contra a mencionada jurisprudência desse Supremo Tribunal, firme e consolidada, decidiu em sentido contrário, fez errada interpretação e aplicação do Direito, violando as disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 3, alínea a), 5.º, alínea r) e 13.º, n.º 1, todos do Código do Imposto do Selo e, ainda, dos artigos 27.º, n.º 2, alínea a) e 15.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, não poderá manter-se indemne na ordem jurídica;

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE HÃO-DE SER POR V. EXA.S, COM CERTEZA, DOUTAMENTE SUPRIDOS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO, DEPOIS DE ADMITIDO, OBTER PROVIMENTO, COM A CONSEQUENTE REVOGAÇÃO DA SENTE(N)ÇA SOB RECURSO E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA, QUE, JULGANDO A IMPUGNAÇÃO NÃO PROVIDA E IMPROCEDENTE, MANTENHA INDEMNE, NA ORDEM JURÍDICA, A LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA. PORQUE, ASSIM DECIDINDO, FARÃO V. EXA.S, DE FORMA SÃ, SERENA E OBJECTIVA, COMO A ISSO JÁ NOS ACOSTUMARAM, A ALMEJADA JUSTIÇA.»

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Não foi formalizada contra-alegação.

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A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, expressou-se: «

1. Por partilha meramente verbal ocorrida 1989 por óbito de seus pais, ........... e ................, a Impugnante vem possuindo os seguintes prédios:

a. Prédio urbano, composto de casa de habitação, de rés-do-chão, primeiro andar e pátio anexo, sito no lugar e freguesia de ……….., concelho de Montalegre, com área coberta de cem metros quadrados e descoberta de vinte metros quadrados, a confrontar do norte e sul com caminho, de nascente com cemitério e de poente com …………., descrito na Conservatória de Registo Predial de Montalegre sob o n.º 1555 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 268;

b. Prédio rústico denominado “……..”, composto de lameiro e mato, sito no lugar de ……, freguesia de ……., concelho de Montalegre, com área de treze mil e seiscentos metros quadrados, a confrontar do norte com Parque Nacional, do sul e poente com ………. e de nascente com ………., descrito na Conservatória do Registo Predial de Montalegre sob o n.º 1556, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1409;

c. Prédio rústico denominado “……….”, composto de mato, sito no lugar de …………, freguesia de ……….., concelho de Montalegre, com área de dois mil e duzentos metros quadrados, a confrontar do norte, sul e nascente com baldio e de poente com albufeira, descrito na Conservatória de Registo Predial de Montalegre sob o n.º 1557, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1630;

d. Prédio rústico denominado “………”, composto por pinhal, sito no lugar de …….., freguesia de ………, concelho de Montalegre, com área de três mil e duzentos metros quadrados, a confrontar do norte com ……….., de sul e poente com Albufeira e nascente com estrada, descrito na Conservatória de Registo Predial de Montalegre sob o n.º 1558, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1640;

e. Prédio rústico denominado “………….”, composto por cultura arvense de sequeiro, sito no lugar de ………., freguesia de …………., concelho de Montalegre, com área de duzentos e quarenta metros quadrados, a confrontar do norte, sul e nascente com caminho, e de poente com cemitério, descrito na Conservatória de Registo Predial de Montalegre sob o n.º 1559, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1418; e

f. Prédio rústico denominado “………”, composto por lameiro, sito no lugar de ………, freguesia de ……., concelho de Montalegre, com área de quinhentos e cinquenta metros quadrados, a confrontar do norte com ribeiro, sul com Albufeira, nascente com ………. e de poente com ………., descrito na Conservatória de Registo Predial de Montalegre sob o n.º 1560 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1432.

2. A 16-07-2013 foi lavrada escritura pública de justificação notarial de aquisição por usucapião, na qual foi usucapiente a aqui Impugnante e usucapido, entre outros, o prédio inscrito na matriz predial urbana do concelho de Montalegre, freguesia de ………, sob o artigo 268, com o valor patrimonial tributário (VPT) de € 35.760,00 - cfr. fls. 17 a 22 do PA;

3. O VPT fora determinado a 18-02-2012 em procedimento de avaliação que teve lugar no âmbito da avaliação geral da propriedade urbana - cfr. fls. 29 e 30 do PA;

4. A 09-09-2013, a sobredita aquisição foi objecto de participação à AT - cfr. fls. 13 a 15 do PA.

5. Em resultado, a 18-09-2013, foi emitida a liquidação de IS n.º 1741087, pela qual, sobre o valor resultante da soma algébrica dos VPT dos prédios usucapidos (a matéria colectável), na importância de € 36.937,03 (sendo € 35.760,00 relativos ao VPT do prédio descrito e € 1.177,03 referentes aos restantes prédios usucapidos), incidiu a taxa de 10%, - daí resultando imposto a pagar no valor de € 3.693,70 (sendo € 3.576,00 relativos ao prédio referido e € 117,70 referentes aos restantes prédios usucapidos) - doc. 3 da PI;

6. Desde 1989 que a Impugnante possui os supra referidos prédios em nome próprio e sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o seu início, posse que sempre exerceu sem interrupção e ostensivamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e traduzida, no que diz respeito aos prédios rústicos, no amanho de terra, na recolha dos seus frutos, fazendo roçar os seus matos, aproveitando lenhas, limpando-as para evitar incêndios - cfr. doc. 1, e art.º 4.º da PI, não impugnado;

7. Quanto ao prédio urbano, procedendo a obras de conservação e suportando os inerentes custos, bem como em todos os demais actos materiais de fruição, pagando os respectivos impostos, sendo por isso posse pública e pacífica, porque exercida sem violência, contínua e pública - art. 5.º da PI, não impugnado; e doc. deste articulado;

8. No que diz respeito ao prédio urbano, a Impugnante adquiriu o mesmo em estado de ruína, sem condições de habitabilidade, existindo apenas paredes exteriores - art. 6.º da PI, não impugnado;

9. No momento da aquisição do prédio, o mesmo tinha o valor patrimonial de 1.463,61 € (mil quatrocentos e sessenta e três euros e sessenta e um cêntimos) - doc. 2 da PI;

10. No ano de 2012 foram realizadas no supra referido prédio urbano, a expensas suas, obras de reconstrução e de renovação, a saber: Placa de tecto; Placa de primeiro andar; Placa de rés-do-chão; Telhado; Isolação; Construção de divisórias; Reboco de paredes interiores e exteriores - art. 8.º da PI, não impugnado;

11. A AT considerou como valor tributável para o prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de ………l, concelho de Montalegre sob o artigo 268 o valor patrimonial que o mesmo tinha na data da celebração da escritura de justificação, isto é, a quantia de 35.760,00 - doc. 3 da PI;»


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A exclusiva questão que neste recurso se apresenta à nossa análise e veredicto, respeita ao apontamento, por parte da rte, de errado julgamento, que acomete a sentença sob crítica, decorrente de haver julgado procedente a impugnação judicial, com suporte no entendimento de, em síntese, o valor patrimonial tributário (VPT), utilizado para cálculo do IS, cobrado à impugnante, não ser o legal e correto.

Concretizando, em sede de fundamentação jurídica, na decisão recorrida, depois de o julgador assumir que a escritura de justificação notarial - ponto 2. dos factos provados - deveria relevar como “facto tributário autónomo”, sustentou o seguinte: «

Contudo no caso dos autos, verifica-se que em 2012 a Impugnante realizou, a expensas suas, relevantes obras de reconstrução e de renovação do prédio urbano, designadamente, execução de placa de tecto; de placa de primeiro andar; de placa de rés-do-chão; de telhado; de isolação; de construção de divisórias; de reboco de paredes interiores e exteriores. Ou seja, a actualização do VPT (de 1.463,61 € para 35.760,00 €) não ocorreu pela actualização temporal do preço de 1989 porque, no caso, o prédio foi recebido em ruínas e foi completamente reconstruído pela Impugnante. Portanto, considerando a substância económica dos factos é indiscutível que o edifício (re)construído resultou do investimento de activos patrimoniais da Impugnante e, como tal, não se pode considerar, ou ficcionar, que, para efeitos de incidência de IS, o prédio lhe foi transmitido a título gratuito - cfr. Artº. 11º, nº 3 da LGT e Ac. do STA, Proc. 01676/13, de 21/5/2014.»

Neste enquadramento, antes de mais, cumpre precisar que, na sentença, se começou por, em conformidade com a pretérita jurisprudência do STA, defender doutrina segundo a qual, a usucapião, constituindo, por natureza, uma forma de aquisição originária (desde logo, do direito de propriedade), é, para efeitos fiscais, ficcionada como transmissão gratuita de bens, em particular, imóveis, nascendo, constituindo-se a obrigação tributária no momento do trânsito em julgado da ação de justificação judicial, quando for celebrada a escritura de justificação notarial ou na data em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial (e não no momento da aquisição do direito …) - ver, artigos (arts.) 1.º n.ºs 1 e 3 alínea (al.) a), 2.º n.º 2 al. b) e 5.º (n.º 1) al. r) todos do Código do Imposto do Selo (CIS) Tenha-se presente, na operação desta jurisprudência, que ela se reporta às justificações (judiciais e/ou notariais) onde se verifique a invocação da usucapião como causa de aquisição originária, por contraposição com as que se destinam, unicamente, ao reatamento do trato sucessivo, objetivando suprir a falta de título respeitante a transmissão derivada intercalar.. Acrescentamos, ainda, que, nos termos do art. 13.º n.º 1 do mesmo compêndio, o valor (tributável) dos imóveis é o VPT, conforme com os termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), à data da transmissão ou o determinado por avaliação, nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.

Ora, em sintonia com aquela abordagem inicial, a rte sustenta que o sentido da decisão final deveria ter sido o de confirmar a liquidação efetuada/impugnada, porquanto, como decorre, inquestionável, da factualidade provada, na data, 16 de julho de 2013, em que foi lavrada a escritura pública de justificação notarial de aquisição, pela impugnante, por usucapião e emergiu o facto tributário, o VPT do prédio urbano inscrito, na matriz predial do concelho de Montalegre, freguesia de ………., sob o artigo 268, estava fixado, desde 18 de fevereiro de 2012, no âmbito da avaliação geral da propriedade urbana, em € 35.760,00.

Entendemos que a rte tem razão, sem prejuízo da tentativa de o julgador alcançar resultado que, parece, reputou mais justo, em função de circunstâncias específicas do caso concreto, apelando, determinantemente, para o estatuído no art. 11.º n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT).

Este normativo, traçando diretrizes sobre a interpretação, em primeira linha, das normas fiscais/tributárias, prescreve que, nas situações em que se mostre inultrapassável (após operação de outras regras interpretativas/de hermenêutica jurídica) dúvida sobre o sentido das normas de incidência aplicáveis, se deve atender “à substância económica dos factos tributários”. Em geral, a regra em apreço, devendo, desde logo, (ter de) ser considerada uma ferramenta residual, há muito que merece críticas e reservas doutrinárias, sobretudo, por poder levar, com facilidade, “à derrogação das normas jurídicas pelo intérprete, a pretexto, mais ou menos declarado, da sua inadequação aos resultados económicos que são erigidos, com largo subjectivismo, em sua finalidade”. Doutro modo, não consubstanciando, objetivamente, desrespeito pela lei, a utilização, pelo julgador, da versada regra de interpretação, só, em situações limite, muito específicas, quando mais nenhum sentido literal, lógico, finalístico e/ou sistemático, for possível atribuir a normas, em particular, de incidência tributária, a mesma deve acontecer e, nesse caso, sempre, com a preocupação de o resultado não se traduzir, em vez da aplicação, na criação de Direito.

Posto isto, torna-se evidente que o recurso feito, na sentença recorrida, ao disposto no art. 11.º n.º 3 da LGT, não pode ser acolhido.

Em primeiro lugar, as normas reguladoras da situação, com repercussões tributárias, versada nesta impugnação judicial, consensualmente, os arts. 1.º n.ºs 1 e 3 alínea (al.) a), 2.º n.º 2 al. b) e 5.º (n.º 1) al. r) do CIS, não deixam, dada, desde logo, a respetiva redação, qualquer espaço para dúvida sobre o sentido e âmbito da incidência do IS, no caso da impugnante. Outrossim, a jurisprudência encontra-se sedimentada de forma clara e sem margens para hesitações. In casu, o valor tributável a considerar, para efeitos de incidência do tributo, quanto à aquisição do direito de propriedade, por usucapião, do prédio urbano, era o de € 35.760,00, correspondente ao VPT inscrito na respetiva matriz predial, no dia 16 de julho de 2013, em que foi lavrada a escritura pública de justificação notarial de aquisição, por invocada prescrição positiva ou aquisitiva; consubstanciando este o facto tributário relevante.

Em segundo lugar, não tem respaldo, nos factos julgados provados em 1.ª instância, a afirmação produzida, entre os fundamentos de direito, de que “…, a actualização do VPT (de 1.463,61 € para 35.760,00 €) não ocorreu pela actualização temporal do preço de 1989 porque, no caso, o prédio foi recebido em ruínas e foi completamente reconstruído pela Impugnante.”. Como acima referenciámos e consta, expressamente, do ponto 3. dos factos provados, o VPT estava fixado, desde 18 de fevereiro de 2012, no âmbito da avaliação geral da propriedade urbana. Outrossim, também, está provado (ponto 10.) ter sido, no ano de 2012, que a impugnante realizou e pagou “obras de reconstrução e de renovação” do prédio urbano, sem se saber em que mês ou meses, o que inviabiliza que daqui se possa retirar, válida e seguramente, qualquer contributo, para sustentar que a atualização do VPT decorreu da reconstrução por si operada.

Uma nota final, para abordar o apoio que a decisão recorrida buscou, por remissão, no acórdão, do STA, de 21 de maio de 2014 (01676/13).

Como se conclui da consideração do teor integral (que não só do respetivo sumário) deste aresto, a questão que, aí, mereceu debruce foi a de “saber se o imposto de selo incide apenas sobre o acto de aquisição do prédio objecto de usucapião ou se inclui o acto de aquisição de benfeitorias realizadas nesse mesmo prédio.”. Parecendo este enquadramento equivaler ao da situação que nos ocupa, efetivamente, ponderado o cenário factual sobre que versou, deteta-se a diferença substancial e decisiva, de no aresto apoiante, se tratar situação, específica, em que a “impugnante adquiriu por usucapião o terreno para construção, onde veio a construir a expensas suas a casa da habitação que consta da matriz à data da escritura de justificação. Apesar de à data da escritura de justificação constar da matriz um prédio urbano composto por uma casa de habitação, com anexo e quintal, não foi esse o prédio adquirido por usucapião. O prédio adquirido por usucapião foi tão só o terreno para construção. (…). Deste modo, a liquidação do Imposto do Selo só pode ter por incidência objectiva o prédio adquirido por usucapião - o terreno para construção identificado na escritura de rectificação, e não o prédio que consta da matriz à data da escritura de justificação, o prédio de habitação, com anexo e quintal.”. Portanto, o caso da impugnante, nestes autos, que, desde a partilha, ocorrida em 1989, logo, passou a possuir um prédio urbano, composto de casa de habitação, …, inscrito na competente matriz predial, o qual, entre outros, na escritura de justificação notarial de julho de 2013, veio a ser adquirido, como tal, por usucapião (e sem qualquer referência/menção a “benfeitorias”) não pode colher amparo no entendido neste aresto ou em outros que veiculam o mesmo pronunciamento.

A liquidação de IS, identificada no ponto 5. dos factos provados, quanto ao prédio urbano, não sofre, pois, da ilegalidade que lhe foi assacada pela impugnante, tendo, em consequência, de manter-se na ordem jurídica.


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# III.


Face ao exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

- julgar improcedente a impugnação judicial.


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Custas a cargo da recorrida, em ambas as instâncias, sem taxa de justiça, neste STA, por não ter contra-alegado.

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[ Texto redigido em meio informático e revisto, com versos em branco ]


Lisboa, 28 de outubro de 2020. – Aníbal Ferraz (Relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.