Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01955/13.0BEPRT
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:LEASING
LOCAÇÃO FINANCEIRA
CÁLCULO PRO RATA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I – Tendo a Administração Tributária dado a conhecer os motivos, de facto e de direito, que a determinaram a proceder a um conjunto de correcções, que permitiram ao sujeito passivo, sem qualquer dificuldade, defender-se em juízo, há que concluir que o acto impugnado não padece do vício de falta de fundamentação formal que lhe é imputado.
II - Relativamente à previsão do art. 17º, n° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva, o TJUE considerou (acórdão de 10/7/2014, no processo C-183/13) que nas circunstâncias ali referidas, os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
III - No âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do artigo 342° do Código Civil e nº 1 do artigo 74° da LGT), pelo que, não tendo o Impugnante logrado demonstrar que os custos suportados com bens e serviços de utilização comum respeitassem, em parte, à disponibilização dos bens que constituem o objecto das operações de locação financeira e de aluguer de longa duração, há que julgar improcedendo a sua pretensão de anulação das correcções realizadas.
Nº Convencional:JSTA000P27830
Nº do Documento:SA22021060901955/13
Data de Entrada:11/15/2018
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1 “A…………, S.A.”, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a Impugnação Judicial por si deduzida contra os actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado e juros compensatórios relativos ao ano de 2010, interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo recurso jurisdicional, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

«I. O presente recurso vem interposto da Sentença Recorrida, a qual declarou totalmente improcedente a Impugnação Judicial;

II. Porém, considera o Recorrente que a parte decisória da Sentença Recorrida deve ser reconsiderada por este Tribunal;

III. Em primeiro lugar, a Sentença Recorrida incorreu em errónea aplicação do disposto no artigo 77.º da LGT e do artigo 268.º, n.º 3 da CRP, ao não reconhecer que os atos de liquidação se encontravam viciados por:

a) Falta de fundamentação, por parte de AT, por não ser indicado como foi quantificado o valor de € 609.754.539,95, atribuído à amortização financeira das rendas de locação financeira e ALD referente ao exercício de 2010; e

b) Falta de fundamentação de Direito da aplicação às rendas de ALD do regime da locação financeira.

IV. Depois, porque a Sentença Recorrida incorreu igualmente em errónea interpretação e aplicação do Direito da UE pertinente – maxime, os artigos 173.º e ss. da Diretiva IVA – e da lei nacional que os transpõe – in casu, o artigo 23.º Código do IVA –, na medida em que, infundadamente e em violação do princípio da legalidade tributária:

(a) Considerou, pelo menos implicitamente, preenchidos os pressupostos que habilitariam a AT a impor um método alternativo ao pro rata geral de dedução do IVA nos custos comuns, nos termos do artigo 23.º, n.º 3, do Código do IVA, quando tal não se verificou;

(b) Concluiu existir assento normativo para o método alternativo preconizado pela AT, traduzido na cisão do montante das rendas geradas pelas atividades de leasing e ALD em juros e amortização financeira, para efeitos de apuramento do numerador a considerar na fração de cálculo do pro rata de dedução do IVA incorrido nos ditos custos comuns; e, pelo seu silêncio;

(c) Consentiu na já mencionada violação do disposto no artigo 128.º do CPA, bem como dos princípios constitucionais e de Direito da UE da não retroatividade, segurança jurídica e proteção da confiança, na medida em que a injustificada substituição do método do pro rata de dedução geral que havia sido utilizado pelo ora Recorrente para calcular o IVA a deduzir relativamente aos chamados “custos comuns”, no ano de 2010 por um método sem arrimo legal foi, ademais, efetuada com efeitos retroativos.

V. Pelo exposto, nenhuma outra conclusão será de vingar senão a da revogação da Sentença Recorrida e, em conformidade, a determinação da anulação das Liquidações;

VI. O que desde já se requer, para todos os devidos efeitos legais, com a necessária restituição dos custos incorridos pelo Recorrente com a prestação e manutenção da garantia bancária para suspensão do processo executivo, nos termos do disposto no artigo 53.º da LGT.

1.2. A Autoridade Tributaria, doravante Recorrida, requereu a junção aos autos das suas contra-alegações, aí concluindo pela forma que infra se reproduz:

«I - Por Sentença datada de 26/06/2018, foi julgada totalmente improcedente a Impugnação deduzida pelo Impugnante (aqui Recorrente) contra a liquidação de IVA n.º 13006591, no valor de € 8.817.795,98, e de Juros Compensatórios n.º 13006592, no valor de € 649.376,32, no montante total de € 9.467.172,30, atinentes a Dezembro de 2010 (e resultantes de procedimento inspectivo), com a consequente manutenção destas liquidações, por não se verificarem nenhum dos vícios arguidos pelo Impugnante, tendo ainda ficado as custas a cargo deste.

II – Inconformado com esta decisão, vem o Recorrente invocar que a decisão em apreço sofre de vícios insanáveis de interpretação e aplicação da lei, consubstanciados nos seguintes fundamentos: i) falta de fundamentação dos actos de liquidação no que tange à quantificação dos alegados factos tributários e no que concerne à fundamentação de Direito, e ii) ilegalidade da desconsideração da amortização financeira incluída nas rendas de locação financeira no apuramento do pro rata de dedução de IVA para efeitos de apuramento da percentagem de dedução definitiva por: violação do Direito da União Europeia no plano do direito constituído, inaplicabilidade ao Recorrente da Jurisprudência citada na Sentença recorrida e aplicação retroactiva de um método que não o pro rata de dedução.

III - Entende a Fazenda Pública (aqui Recorrida) que a Sentença ora em recurso não merece qualquer reparo, por configurar uma correcta interpretação e aplicação da Lei e se encontrar bem fundamentada de facto e de Direito, pelo que se deve manter na Ordem Jurídica, não assistindo, assim, qualquer razão ao invocado pelo Recorrente.

IV – Assim, no que concerne à alegada falta de fundamentação da quantificação dos factos tributários, alega o Recorrente que, ao invés do considerado pelo Tribunal a quo, não se sabe por que razão a AT considerou o valor de € 609.754.539,95 como imputável à amortização financeiras das actividades de Leasing e ALD e não outro.

V - Desde logo, é de referir que, ao invés do que menciona o Recorrente, no que tange concretamente ao valor de € 609.754.539,95 considerado no RIT, o Tribunal a quo não justifica a inexistência de falta de fundamentação por o Recorrente alegar omissões e incorrecções quanto ao método adoptado pela IT, mas sim porque aquele valor consta de elementos por si fornecidos durante o procedimento inspectivo.

VI - Por outro lado, o Recorrente vem invocar que no RIT não está demonstrado por que foi atribuído o montante de € 609.754.539,95 à componente de amortização financeira das rendas de locação financeira e ALD, mas não colocou em causa a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo sobre esta matéria (designadamente os pontos 3., 4. e 11. da parte “IV. Fundamentação de facto” da Sentença).

VII - Ora, sendo certo que o Recorrente interpôs Recurso para o STA, que apenas conhece de matéria de Direito (Art. 280.º, n.º 1 do CPPT), afigura-se-nos que não poderá ser conhecido este vício, dado que o seu conhecimento implica necessariamente a apreciação da matéria de facto, como passaremos a demonstrar.

VIII – De facto, consta como provado na Sentença em apreço que aquele valor correspondia à componente de amortização financeira das rendas de locação financeira e ALD, tal como consta dos elementos fornecidos pelo Recorrente durante o procedimento inspectivo, em resposta ao pedido formulado pela Inspecção Tributária (através de notificação de 13/03/2012), designadamente, uma exposição a fls. 182 do PAT que contém em anexo o documento constituído de 1 fl. (a fls.187), com a evidência do apuramento do pro rata relativo ao exercício 2010, tendo o Recorrente junto outro documento constituído por 7 folhas (a fls. 188 e ss. do PAT) com a identificação e discriminação das parcelas que compõem o valor referente às operações tributadas, do qual é possível extrair que a parte de amortização de capital relativamente a operações de locação financeira assume o montante de € 527.715.706,51 e relativamente a operações de aluguer de longa duração assume o valor de € 82.038.833,44, perfazendo aquele montante de € 609.754.539,95.

IX - Assim, assumiram os SIT, de boa fé, como verdadeiros os valores apresentados pelo Sujeito Passivo, porquanto a renda de ALD/Leasing integra as duas componentes - capital e juro (proveito), tendo a IT reconhecido como capital a totalidade do montante tributado em IVA e não contabilizado como proveito, na falta de elementos que revelassem a existência de outras operações que pudessem estar ali eventualmente incluídas.

X – Tanto mais que o Recorrente, no âmbito do direito de audição prévia conferido ao abrigo do Art. 60.º da LGT e do Art. 60.º do RCPIT, não suscitou tal questão.

XI - De facto, embora o Recorrente tenha elaborado o documento constituído por 7 folhas, com as referências já indicadas, refere que nunca tenha afirmado que aquele valor correspondia à componente de amortização financeira das rendas de locação financeira e ALD que de debitou durante o ano 2010, mas não apresentou qualquer outro valor e respectivos elementos comprovativos, como era o seu ónus (Art. 74.º, n.º 1 da LGT).

XII - Deste modo, o valor de € 609.754.539,95, atribuído à componente de amortização financeira das rendas de locação financeira e ALD, no exercício em apreço, resulta dos elementos fornecidos pelo próprio Recorrente, como decorre do PAT e do RIT, que gozam da presunção de veracidade nos termos do Art. 75.º, n.º 1 da LGT, não tendo a IT que justificar aquele valor, mas apenas mencionar de onde o mesmo resulta (no caso resulta dos elementos fornecidos pelo Sujeito Passivo), como fez.

XIII - Assim, tal como bem considerou o Tribunal a quo, não se verifica qualquer falta de fundamentação, não assistindo qualquer razão ao Recorrente nesta parte, não sofrendo as liquidações em causa de qualquer falta de fundamentação da quantificação dos factos tributários.

XIV – No que toca à alegada falta de fundamentação de Direito, advoga o Recorrente que o RIT não especifica o valor a considerar para efeitos do apuramento do pro rata no caso do ALD, não tendo o Tribunal a quo negado a existência desse vício, sendo que a ausência de discriminação das duas categorias por parte do Recorrente não pode justificar a ausência de fundamentação; todavia, também aqui não lhe assiste razão.

XV - Efectivamente, reconhece o Recorrente que, nos elementos por si cedidos durante o procedimento inspectivo, não distinguiu as operações, sendo que, como também bem sabe, e considera a doutrina e jurisprudência, as operações de locação financeira e ALD são semelhantes em génese, durante a vigência dos respectivos contratos, e têm tratamento fiscal e contabilístico semelhante, distinguindo-se, mormente, a final, na obrigação de aquisição, ou não, do bem locado, que não é o que está em causa.

XVI - De facto, o que está em causa na correcção promovida pela AT é o valor de um dos elementos que compõem a renda (o elemento “capital”), o que pressupõe a vigência do respectivo contrato de ALD.

XVII - Assim, o que é verdade para as rendas de locação financeira é, também, necessariamente verdade para as rendas de ALD, pois estas duas figuras representam, tão-somente, modalidades da (mesma) operação, às quais se concede tratamento idêntico, quer do ponto de vista contabilístico e económico, quer do ponto de vista jurídico e fiscal.

XVIII - Donde resulta que, durante a vigência dos respectivos contratos, a enunciação dos pressupostos de facto e de direito que sustentam a fundamentação da correcção operada para uma das modalidades (locação financeira) esclarece, concreta e inevitavelmente, a motivação da correcção operada com referência à outra modalidade, tornando, por isso, para o efeito, perfeitamente dispensável a sua fundamentação individualizada.

XIX - Aliás, nas próprias Alegações deste Recurso, no que concerne à ilegalidade da correcção efectuada (desconsideração da componente capital), o Recorrente contesta as operações de locação financeira e ALD em conjunto, como resulta, desde logo, do artigo 20.b) das Alegações de Recurso.

XX – Deste modo, e tal como considerou o Tribunal a quo, os actos de liquidação (de IVA e de Juros Compensatórios) dão a conhecer ao Impugnante, colocado na posição de destinatário normal, o iter cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, isto é, o que levou este a decidir de determinada forma e não de outra, de modo a que o interessado possa decidir conformar-se com ela ou contestá-la.

XXI – Sendo que as alegações do Contribuinte nesta Impugnação, com a enunciação e refutação de todas as questões de facto e de Direito subjacentes à correcção efectuada pela IT, acabam por se revelar como a mais evidente demonstração da suficiência da fundamentação (quer formal quer substancial) do acto tributário ora impugnado.

XXII – No que tange à alegada ilegalidade da desconsideração da amortização financeira incluída nas rendas de locação financeira no apuramento do pro rata de dedução de IVA para efeitos de apuramento da percentagem de dedução definitiva, veio o Recorrente invocar que a desconsideração, no numerador da fracção, da componente da amortização financeira das rendas (ou seja, capital) das operações de locação financeira e ALD viola o Direito da União Europeia, o Art. 23.º, n.º 4 do CIVA, bem como o princípio da não retroactividade em matéria de incidência tributária, não sendo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida no Acórdão de 10/07/2014, processo C-183/13, aplicável ao caso em apreço, sendo que os entendimentos em que o Tribunal a quo se baseou para considerar que a actuação da AT não padecia dos vícios que o Recorrente lhe imputou não são unânimes nem correctos, havendo jurisprudência arbitral e doutrina a reconhecer que não encontram acolhimento na Lei, estando em contradição com o Direito da União Europeia.

XXIII – Tal como consta dos Autos, o Recorrente encontra-se colectado pela actividade principal de “Outra Intermediação Monetária” – CAE 64190, desenvolvendo ainda outras actividades, tais como locação financeira, factoring, ALD, concessão de crédito.

XXIV - No que tange à locação financeira (e ALD), a verdadeira prestação do locador é a cedência do uso da coisa, sendo que é nessa cedência que se afere o exercício da sua actividade económica no que respeita a esta operação – a locação financeira, e é obtido o respectivo valor acrescentado, sendo que no final do contrato, terá recebido (fraccionadamente, através da amortização financeira contida nas rendas) o valor integral equivalente ao custo do bem.

XXV - Pelo que a prestação efectuada pelo locador ao locatário, no âmbito de tais contratos de locação financeira, se concretiza, em substância, na concessão de financiamento, a qual pressupõe, necessariamente, como contrapartida, a cobrança de uma verba (renda) que agrega, para além dos juros e outros encargos correspondentes, o capital emprestado, que vai sendo amortizado.

XXVI – Ora, o Recorrente, enquanto pessoa colectiva que exerce uma actividade de prestação de serviços de modo regular e independente, é um Sujeito Passivo de IVA nos termos do Art. 2.º, n.º 1, a) do CIVA, estando enquadrado no ano 2010 no Regime Normal Mensal, assumindo, em face das várias actividades desenvolvidas, a natureza de sujeito passivo misto, ou seja, realiza operações isentas sem direito à dedução, operações sujeitas e operações isentas com direito à dedução.

XXVII - Desta forma, o Recorrente utiliza o método de afectação real no que concerne ao IVA dos “inputs” directamente relacionados com a actividade que confere direito à dedução, recuperando, assim, integralmente o imposto suportado a montante nas operações atinentes à actividade de locação financeira (excepto para a locação imobiliária quando não tenha sido solicitada a renúncia à isenção), e recupera parcialmente, de acordo com método de percentagem de dedução ou pro rata, o IVA dedutível referente a aquisições de bens e serviços que sejam conjuntamente utilizados nas operações de concessão de crédito e nas operações de locação financeira.

XXVIII - Sendo que detectou a Inspecção Tributária que, depois de analisadas as operações que influenciaram a percentagem de dedução aplicada pelo Sujeito Passivo para o exercício de 2010, essa percentagem reflectia a totalidade das rendas decorrentes de contratos de locação financeira e de ALD, ou seja, a componente de amortização de capital e a componente de juros.

XXIX – De acordo com as normas constantes dos Arts. 19.º a 26.º do CIVA, é integralmente dedutível o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afectos a operações atinentes ao exercício de uma actividade económica que sejam tributadas, ou isentas com direito à dedução.

XXX - Ao invés, não confere direito à dedução o imposto suportado na aquisição de bens ou de serviços exclusivamente afectos a operações sujeitas a imposto sem direito à dedução ou a operações que não integrem o conceito de actividade económica para efeitos de IVA.

XXXI - Todavia, há casos em que o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços é afecto indistintamente a actividades que conferem direito à dedução e a actividades que não conferem esse direito.

XXXII – Esta matéria, encontra-se, em primeira linha, regulada nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28/11/2006, que substituiu a Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, denominada Sexta Directiva), decorrendo, designadamente, da al. c) do n.º 2 deste Art. 173.º que: «2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes: (…) c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;», sendo que esta alínea corresponde ao Art. 17.º, n.° 5, terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Directiva.

XXXIII - No plano interno, a transposição desta parte da Directiva consta do Art. 23.º do CIVA, que preconiza:

«(…) 2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: (…)

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação. (…)»

XXXIV - Daqui decorre que a utilização do método de afectação real é obrigatória nos casos em que o IVA suportado é atinente a bens ou serviços parcialmente afectos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica, não podendo ser utilizado o método pro rata.

XXXV - Já quando estamos perante IVA suportado em bens ou serviços afectos a operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, sendo que só algumas conferem direito à dedução, o método a utilizar é o pro rata.

XXXVI - Porém e sem prejuízo de a AT poder vir a impor condições especiais ou a fazer cessar o procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação, o Sujeito Passivo pode utilizar o método de afectação real, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens ou serviços nos dois tipos de operações (as que conferem direito à dedução e as que não conferem).

XXXVII - Assim, e ao invés do defendido pelo Recorrente, aquando da transposição da Directiva IVA para o ordenamento nacional, o Legislador Português optou por adoptar a forma alternativa de afectação real prevista al. c) do n.º 2 do Art. 173.º da Directiva IVA, que se encontra plasmada nos ns. 2 e 3 do Art. 23.º do CIVA, supra transcritos.

XXXVIII - Efectivamente, decorre dos ns. 2 e 3, al. b) do Art. 23.º (que consubstancia a concretização da faculdade dada aos Estados-Membros pela referida al. c) do n.º 2 do Art. 173.º da Directiva IVA), quando a aplicação do pro rata geral baseado no volume de negócios possa conduzir a distorções significativas, a AT pode obrigar o Sujeito Passivo a efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em outros critérios de repartição mais adequados e rigorosos, que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito e impondo, se necessário, condições especiais.

XXXIX - Importa não perder de vista que o IVA tem como princípios gerais subjacentes a neutralidade e a não distorção da concorrência, dos quais decorre que o imposto apenas é dedutível na exacta medida os respectivos inputs forem destinados à prática de operações prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

XL - Aliás, o TJUE preconiza que as alíneas a) a d) do terceiro parágrafo do n.º 5 do Art. 17.º da Sexta Directiva, correspondente às alíneas do n.º 2 do Art. 173.º da Directiva IVA supra transcrito, têm por objectivo permitir aos Estados-Membros atingir resultados mais precisos e rigorosos em matéria de determinação da medida do direito à dedução do IVA suportado a montante, tomando em conta as características específicas das actividades dos Sujeitos Passivos (cfr. Acórdãos de 18/12/2008, proc. C-488/07 e de 08/11/2012, processo C-511/10).

XLI - Daqui resulta que, ao invés do que defende o Recorrente, os Estados-Membros podem adoptar critérios ou percentagens diferentes do método pro rata, desde que os mesmos se afigurem mais precisos na determinação do IVA pago a montante que vai ser deduzido.

XLII - Efectivamente, e tal como bem considerou o Tribunal a quo, quer das Directivas supra mencionadas e do Art. 23.º do CIVA, quer do entendimento perfilhado pelo TJUE, com vista a assegurar a neutralidade do imposto, afigura-se de primordial importância que os métodos utilizados no apuramento da medida do IVA a deduzir sejam os mais rigorosos e precisos, nem que para tal sejam utilizados outros métodos ou percentagens calculadas de forma diferente do método pro rata geral.

XLIII - Deste modo, com o devido respeito, ao invés do alegado pelo Recorrente, das Directivas e do entendimento do TJUE não decorre que não possa ser utilizada uma percentagem, nem que esta não possa constituir um critério mais preciso e objectivo para efeitos do n.º 2 do Art. 23.º do CIVA.

XLIV - Sendo que retirar do cálculo o valor da componente capital das rendas provenientes das operações de locação financeira e ALD é um critério objectivo e preciso, tendo sido acolhido pelo Acórdão do TJUE de 10/07/2014, processo C-183/13, proferido numa situação em tudo idêntica à dos Autos (e que melhor analisaremos mais adiante), pelo que lhe é efectivamente aplicável e não só aparentemente, como advoga o Recorrente.

XLV - Cumprindo, nesta sede, fazer uma breve nota para mencionar que ao contrário do advogado pelo Recorrente, a questão prejudicial está bem formulada, havendo que ter em conta todo o texto do Acórdão, sendo que do seu ponto 14. (onde é explicada a questão prejudicial que se está a colocar), são referidos o numerador e denominador, sendo que também a Decisão do referido Acórdão também fala em numerador e denominador.

XLVI - Assim e em suma, foi precisamente com os objectivos mencionados e ao abrigo da faculdade concedida pela al. c) do n.º 2 do Art. 173.º da Directiva IVA, que o Legislador nacional consagrou o previsto nos ns. 2 e 3, al. b) do Art. 23.º do CIVA, supra transcritos, como decorre dos pontos 16. a 19. do Acórdão do TJUE neste processo C-183/13.

XLVII - Por outro lado, importa frisar que, ao invés do referido pelo Recorrente, a AT, na correcção propugnada, não está a aplicar o método pro rata, mas sim o método de afectação real com critérios de imputação, conforme decorre expressamente do RIT (cfr. fls. 55 do RIT, também transcrito no ponto 13. da parte “IV. Fundamentação de facto” da Sentença) e do Ofício-Circulado 30108, de 30/01/2009, da DSIVA (também transcrito no ponto 2. da mesma parte da Sentença).

XLVIII - Sendo que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, este Ofício-Circulado não viola o princípio da legalidade fiscal, visto que o entendimento nele preconizado é uma mera interpretação da lei, no caso dos ns. 2 e 3 do Art. 23.º do CIVA que, por sua vez, resultam da transposição da faculdade prevista na al. c) do n.º 2 do Art. 173.º da Directiva IVA (correspondente ao Art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Directiva).

XLIX - Assim, verificada a circunstância prevista na al. b) do n.º 3 daquele Art. 23.º, consubstanciada na dedução de imposto suportado com a aquisição/utilização/incorporação de gastos comuns numa proporção desconforme, em virtude dessa proporção se encontrar onerada com valores referentes a operações para as quais não concorreram esses recursos, pode a AT, no exercício da prerrogativa prevista na norma em presença, afastar o método pro rata e eleger, como critério de determinação do grau de utilização efectiva, o montante de réditos gerados pela actividade sujeita e isenta com direito à dedução de IVA, para a obtenção dos quais foi necessário adquirir/incorporar/utilizar os recursos cujo IVA que se pretende alocar nos termos do Art. 23.º, conforme instruções constantes do supra referido Ofício-Circulado n.º 30108.

L - Este procedimento revela-se objectivo e consistente, em virtude de permitir estabelecer facilmente o grau de contribuição dos «inputs», dado pela proporção (peso) dos respectivos «outputs» realizados, apresentando ainda a vantagem de ser exclusivamente sustentado nos valores e factos submetidos, contabilística e fiscalmente, pelo próprio Recorrente.

LI - Desta forma, este Ofício-Circulado é uma orientação administrativa de carácter genérico (Art. 68.º-A da LGT), através do qual a AT apenas interpreta normas tributárias, no caso o Art. 23.º do CIVA, não contemplando qualquer restrição do direito à dedução, estando em conformidade, como vimos, com o CIVA, com a Directiva IVA e com a jurisprudência do TJUE, tal como é considerado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, por exemplo, no Acórdão do TCA Norte de 24/01/2017, proc. 02487/15.8BEPRT (em que está em causa uma correcção semelhante à dos Autos).

LII - Face ao exposto, importa concluir que ao invés do alegado pelo Recorrente, o Legislador nacional optou por transpor para o ordenamento interno a faculdade prevista na al. c) do n.º 2 do Art. 173.º da Directiva IVA (correspondente ao Art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Directiva), concretamente para os ns. 2 e 3 do Art. 23.º do CIVA, pelo que as Liquidações ora impugnadas não violam os artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA (supra transcritos), nem o Art. 23.º do CIVA, como bem considerou a Sentença em apreço.

LIII - Por outra banda, ao contrário do referido pelo Recorrente, tal não leva a qualquer tipo de discriminação; tal como já mencionámos, a faculdade exercida por Portugal consta da Directiva IVA, tal como já constava da Sexta Directiva, e pode ser exercida por todos os Estados-Membros da União Europeia, constituindo uma faculdade e não uma obrigação, estando os Estados-Membros conscientes dos efeitos da adopção ou não de tal faculdade para os Sujeitos Passivos que operam no âmbito a sua jurisdição.

LIV – Vem ainda o Recorrente também defender que não lhe é aplicável a jurisprudência do TJUE (o já mencionado Acórdão de 10/07/2014, processo C-183/13) e dos Tribunais Superiores nacionais, uma vez não pode ter-se por imediatamente evidenciada a ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou à gestão dos contratos, não tendo a AT provado, como lhe competia nos termos do Art. 74.º da LGT, que a utilização dos bens locados é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira, não tendo sido provada nenhuma distorção significativa da tributação, sendo que se o valor das operações de locação financeira tributadas for significativo em relação ao volume de negócios global do Recorrente, o pro rata irá reflectir essa realidade, o que não traduz, por si só, qualquer distorção, nem tendo também a AT demonstrado que se verificam os pressupostos que a habilitam a impor um método alternativo ao pro rata.

LV - Ora, começando pelas distorções significativas da tributação, importa, desde logo, referir que não é o volume (maior ou menor) das operações de locação financeira e ALD que está em causa, mas sim o facto de a componente capital destas operações configurar um mero reembolso do montante financiado, e não um rendimento da actividade da Impugnante, já que este rendimento advém dos juros e outros rendimentos que constituem a outra componente da renda nas operações de locação financeira, que deve integrar aquele cálculo.

LVI - Efectivamente, com vista a assegurar a neutralidade do imposto, é necessário que os bens e serviços de utilização mista cujo IVA se pretende alocar “…sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações…”, ou seja, esses bens e serviços têm que ter sido utilizados/adquiridos/incorporados nas operações elegíveis para efeitos de aplicação do Art. 23.º.

LVII - Sendo que a parte dos bens e serviços comuns ou mistos cujo IVA é dedutível, ao abrigo do Art. 23.º, tem que ter contribuído para a realização das operações sujeitas a IVA e isentas com direito à dedução.

LVIII - Daqui resulta que, se tais bens e serviços comuns ou mistos não contribuíram para a realização de determinadas operações realizadas pelo Sujeito Passivo, essas operações (sujeitas ou isentas) não devem ser consideradas no âmbito do Art. 23.º.

LIX - Porém, verificando-se, inquestionavelmente, que na operação de locação financeira, a componente amortização financeira contida na renda, embora integrando o “valor tributável”, não incorporou/utilizou os bens ou serviços de utilização mista cujo imposto se pretende alocar (condição prévia acautelada pelo legislador), temos que concluir que a percentagem de dedução apurada com este método (pro rata) não reflecte a verdadeira proporção do IVA dos gastos comuns ou mistos consumidos/adquiridos/utilizados nas operações tributadas e isentas com direito à dedução.

LX - O que significa que o recurso a tal método origina distorções significativas na tributação, que o Legislador entendeu afastar expressamente.

LXI - De facto, a amortização financeira contida na renda consiste, tão-somente, no reembolso do capital equivalente ao valor de aquisição/construção exacto do bem objecto de locação, como já vimos, reconhecendo o TJUE que a componente das rendas de locação financeira referente à parcela de amortização do capital gasto na aquisição do bem é, por si só, desprovida de rendibilidade económica, nada tendo a ver com a efectiva remuneração auferida pelos locadores financeiros [cfr. Acórdão de 21/02/2008, Processo C-425/06 (Part Service), n.º 57, quinto travessão].

LXII - Sendo de notar que não se trata de incorporar o valor de aquisição do bem locado na prestação de serviço efectuada pelo locador, mas apenas da repercussão desse valor, na íntegra, sem qualquer alteração ou transformação.

LXIII - É que a componente amortização de capital encontra-se sujeita a IVA em virtude de corresponder ao valor de aquisição do bem que o locador adquiriu/construiu previamente, conforme especificações do locatário, tendo deduzido imposto nessa aquisição, pelo que, em obediência ao princípio da neutralidade fiscal, quando repercute, desta forma, na esfera do locatário, esse valor de aquisição liquida também o respectivo IVA associado.

LXIV - Em bom rigor, quaisquer gastos relacionados com o bem objecto de locação (de afectação directa ou mistos) são incorridos, desde o início do período de locação, na vigência do respectivo contrato, pelo locatário, em virtude do bem se encontrar afecto à sua esfera do ponto de vista contabilístico (porque o bem está evidenciado na contabilidade do locatário, como investimento sendo tratado como se estivesse na sua titularidade jurídica), do ponto de vista económico (porque o bem é utilizado pelo locatário para a realização das operações económicas, gerando rendimentos na sua esfera), e do ponto de vista fiscal (porque todos os gastos associados ao bem são aceites fiscalmente na esfera do locatário, e o correspondente IVA dedutível, sendo que, tratando-se do IVA contido em gastos comuns ou mistos relacionados com o bem, será dedutível na percentagem dada pelo grau da sua efectiva utilização nas operações económicas por si realizadas).

LXV - Sendo que, a partir do início do contrato de locação financeira, o respectivo bem em objecto (cujo valor de aquisição corresponde à parcela amortização financeira/capital contida na renda), encontra-se afecto economicamente à esfera do locatário para efeitos da sua utilização, manutenção e rentabilização, conforme já referido, e não à esfera do locador, daí que os gastos comuns ou mistos incorridos pelo locador não possam ter tido qualquer relação com o bem em causa, por manifesta impossibilidade física.

LXVI - É por este motivo que, para efeitos do cálculo da percentagem de dedução na esfera do locador, apenas se deve considerar a parte relativa ao juro (prestação de serviço e outros encargos), porque apenas esta recebeu a contribuição dos gastos comuns ou mistos cujo IVA suportado se pretende deduzir nos termos do Art. 23.º.

LXVII - Pelo contrário, o outro componente da renda – a amortização financeira (capital), que consiste na repercussão, na esfera do locatário, do valor de aquisição do bem locado, não recebeu, em medida alguma, a contribuição dos gastos comuns ou mistos cujo IVA suportado se pretende deduzir, nos termos do Art. 23.º.

LXVIII - Se assim não se entender, resultará falseada a relação entre inputs (operações a montante) e outputs (operações a jusante) que o legislador quis erigir como condição prévia no Art. 23.º, para efeitos do cálculo da percentagem de dedução (através do método pro rata ou de outro método de afectação real), cumprindo, assim, também por esta via, o princípio da neutralidade fiscal.

LXIX - Assim, concluiu a IT que face às especificidades da actividade desenvolvida, o pro rata genérico utilizado pelo Recorrente “(…) não tem mérito para medir o grau de consumo que as duas categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhes são indistintamente alocados e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível do IVA liquidado a montante.”

LXX - E tal assim é porquanto, considerada a natureza das operações em causa, a falta de coerência das variáveis utilizadas (uma vez que se consideram realidades diferentes) são susceptíveis de provocar vantagens ou desvantagens injustificadas e “distorções significativas de tributação”.

LXXI - De facto, a inclusão da componente do capital no cálculo do pro rata (dos custos comuns) determina a incoerência das variáveis, aumentando significativamente a percentagem de dedução definitiva.

LXXII - Pelo que julgamos estar amplamente demonstrado que a percentagem de dedução apurada pelo Impugnante é desconforme, porque não traduz a realidade que é suposto reflectir (o grau ou peso de utilização do IVA dos gastos comuns na realização das operações tributadas e isentas com direito à dedução), provocando, por isso, uma distorção significativa na tributação quantificada na correcção efectuada, pelo que, ao invés do invocado pelo Recorrente, a AT demonstrou que se verificam os pressupostos que a habilitam a impor um método alternativo ao pro rata.

LXXIII - Desta forma, incluindo o Recorrente no cálculo do pro rata quer o capital da locação financeira (registados numa conta 22 – conta de balanço, ou seja, não são proveitos), quer operações que constituem efectivamente proveitos ou ganhos (contas da classe 8 do PCI), como sejam os juros ou rendimentos desta locação financeira, está a provocar distorção significativa na tributação, já que não reflecte o grau ou peso de utilização do IVA dos gastos comuns na realização das operações tributadas e isentas com direito à dedução.

LXXIV - Sendo de relembrar que o Art. 23.º, ns. 2 e 3, al. b) do CIVA (resultante da transposição da faculdade prevista na al. c) do n.º 2 do Art. 173.º da Directiva IVA, correspondente ao Art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Directiva), confere à AT a possibilidade de, no caso de entender que o método pro rata causa distorções significativas na tributação, impor aos Sujeitos Passivos a tributação pelo método de afectação real com base em critérios objectivos de imputação, pelo que esta correcção é legal e legítima.

LXXV - Estando correcção, assim, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores nacionais, nomeadamente com Acórdão do STA de 15/11/2017, proc. 0485/17, e com o Acórdão do TCA Norte de 24/01/2017, proc. 02487/15.8BEPRT, bem como com o Acórdão do TJUE de 10/07/2014, proc. C-183/13.

LXXVI – A questão prejudicial submetida a apreciação do TJUE neste Acórdão foi a seguinte:

“Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”

LXXVII – Desta forma, declarou o TJUE: “O artigo 17.°, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”

LXXVIII - Deste modo, decorre deste Acórdão do TJUE que, com vista obstar às mencionadas distorções na tributação e, consequentemente, apurar de forma mais precisa o IVA dedutível, atento o princípio da neutralidade fiscal (subjacente ao IVA) que exige que as modalidades do cálculo da dedução reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução, podem os Estados-Membros impor a não inclusão no cálculo de percentagem de dedução do montante relativo ao capital incluído nas rendas de locação financeira, visto que, em regra, a maior parte dos bens de utilização mista é sobretudo determinada para o financiamento e gestão dos contratos e não pela disponibilização dos bens.

LXXIX – Daqui resulta que quer o Ofício-Circulado quer o procedimento da IT estão em consonância com esta decisão do TJUE, sendo de considerar apenas a componente juros (e outros rendimentos) da renda de locação financeira para efeitos do cálculo da percentagem de dedução do IVA que incidiu nos custos comuns.

LXXX – No que tange ao ónus da prova, importa frisar que o próprio TJUE refere que, nos contratos de locação financeira realizados pelos Bancos, em regra, a utilização de bens e serviços de utilização mista é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão, e não pela disponibilização dos bens, como decorre do ponto 33. do Acórdão supra mencionado: “A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso no processo principal.” (negrito nosso)

LXXXI - Por outra banda, parece-nos que não há que apurar qual o grau de utilização dos bens ou serviços de utilização mista que seja imputável ao financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, mas apenas se o caso cai na regra geral enunciada pelo TJUE – nas operações de locação financeira realizada pelos Bancos, a utilização de certos bens e serviços de utilização mista é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos e não pela disponibilização dos bens (ponto 33. do Acórdão supra transcrito).

LXXXII - Ao que acresce que é sobre o Recorrente que recai o ónus da prova de que, nas suas operações de locação financeira e de ALD, a utilização de certos bens e serviços de utilização mista é sobretudo determinada pela disponibilização dos bens e não pelo financiamento e pela gestão dos contratos, já que, nos termos do Art. 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, em conformidade com o que resulta da jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente do já referido Acórdão do STA de 15/11/2017, proc. 0485/17.

LXXXIII - Contudo, o Recorrente não veio demonstrar que, nas operações de locação financeira que realiza, a utilização de certos bens e serviços de utilização mista é sobretudo determinada pela disponibilização dos bens e não pelo financiamento e pela gestão dos contratos, ónus que sobre si impendia, tendo o Tribunal a quo considerado este facto como não provado.

LXXXIV - O que significa que, por falta de prova em contrário, a realização, pelo Recorrente, de operações de locação financeira (e de ALD) implica efectivamente a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, aplicações informáticas, consumo de electricidade e de certos serviços de utilização comum, sendo que esta utilização decorre sobretudo do financiamento e da gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os locatários, que é a actividade do Impugnante, e não da disponibilização dos bens objecto de locação (veículos, imóveis, etc.).

LXXXV - Sendo que a disponibilização do bem pelo Impugnante ao cliente (que previamente o escolheu em todas as suas características) é um momento situado no tempo; já o financiamento e a gestão daquele contrato prolonga-se por vários meses e anos, consoante a duração do respectivo contrato.

LXXXVI - Decorrendo do senso comum que o negócio (a actividade) do Banco não é a compra e venda de viaturas, imóveis e outros bens (bens dados em locação), mas sim o financiamento, advindo o seu rendimento dos juros e comissões, sendo que estes reflectem, inevitavelmente, todos os custos relacionados com o respectivo contrato, incluindo os suportados com a disponibilização dos bens, que será residual em relação aos custos com o financiamento e a gestão dos contratos.

LXXXVII - Deste modo, o método aplicado pela IT teve conta a parte das rendas correspondentes aos juros e outros rendimentos ou ganhos, excluindo a componente capital, dado que é aquela parte que corresponde, de facto, à contrapartida dos gastos de financiamento e de gestão dos contratos, ambos suportados pelo Recorrente como locador financeiro, dado que constitui o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização de operações de locação financeira, verificando-se, assim, a situação regra a que se alude naquele Acórdão do TJUE, como bem considerou o Tribunal a quo.

LXXXVIII – Por último, invoca o Recorrente que a AT faz aplicação retroactiva de regimes tributários, o que não é permitido pelos princípios da confiança e da segurança jurídica, sendo que a imposição de “condições especiais”, prevista no Art. 23.º, n.º 2 do CIVA, apenas poderia valer para o futuro, porque é este o sentido que resulta da norma em análise, sendo que a possibilidade cuja conformidade com o direito da União Europeia, que foi aceite pelo TJUE, reporta-se claramente à determinação para o futuro.

LXXXIX - Desde logo, não decorre da norma (Art. 23.º do CIVA) que a imposição de “condições especiais” seja para o futuro, antes decorrendo do seu teor “… no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar ” ou “… conduza …”.

XC - Por outro lado, como bem nota o Tribunal a quo, as correcções foram efectuadas no âmbito de vigência das normas do CIVA e da Directiva IVA já mencionadas, pelo que não se verifica qualquer aplicação retroactiva, nem teria que resultar de qualquer acto administrativo especifico prévio, estando já em vigor o supra referido Ofício-Circulado n.º 30108.

XCI - Acresce mencionar que também do Acórdão do TJUE supra mencionado não resulta que apenas pode valer para o futuro; aliás, o Aresto (datado de 2014) é referente (e aplicável) a IVA do ano 2004, o mesmo acontecendo, por exemplo, com os Acórdãos do STA de 04/03/2015 - proc. 01017/12, de 17/06/2015, proc. 01874/13, e de 15/11/2017, proc. 0485/17, que versam sobre a matéria em questão nos Autos, os Sujeitos Passivos são Bancos e está em causa IVA de 2004, 2009 e 2010.

XCII - Ao que acresce que o mencionado Ofício-Circulado n.º 30108 é de 30/01/2009, estando em causa nos Autos o ano de 2010, sendo que o Impugnante é reiteradamente sujeito a este tipo de correcção.

XCIII – Deste modo, a correcção efectuada não sofre de qualquer ilegalidade, estando em conformidade com o Direito e Jurisprudência da União Europeia.

XCIV – Assim e em suma, não colhe qualquer dos fundamentos apresentados pelo Recorrente.

XCV - Face ao exposto, a Sentença em recurso não sofre de qualquer vício ou ilegalidade, antes configurando uma correcta interpretação e aplicação da Lei e encontra-se bem fundamentada de facto e de direito, pelo que deve ser mantida na Ordem Jurídica».

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso com os argumentos que ora se sintetizam: quanto à questão de falta de fundamentação do acto, pelos fundamentos exarados na sentença que acolheu e parcialmente transcreveu; quanto à questão da legalidade do método de cálculo da dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista (art.23º nº 4 CIVA), invocou a decisão proferida no âmbito do reenvio prejudicial realizado no processo n.º 1017/12,respeitante à interpretação da Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 Maio 1977 (Sexta Diretiva). Salientou ainda que, em seu entender, a doutrina do acórdão citado é integralmente aplicável na vigência da actual Directiva 2006/112/CE, do Conselho, 28 Novembro 2006 que nada inovou quanto ao regime aplicável consagrado na anterior redacção, realçando também que, no caso, não se justifica a devolução do processo ao tribunal recorrido, como ditado pelo acórdão em referência, na medida em que não ficou provado que os custos suportados com a aquisição de bens e serviços de utilização mista fossem determinados pela disponibilização dos bens no âmbito das operações de locação financeira e aluguer de longa duração.

1.4. Cumpre julgar, o que fazemos com intervenção da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, são duas as questões a decidir:

- Saber se a sentença recorrida errou ao julgar não verificado o vício de falta de fundamentação do acto impugnado (i) por nele não estar quantificado o valor de € 609.754.539,95 atribuído à amortização financeira das rendas de locação financeira e ALD referentes ao exercício de 2010; (ii) por do acto impugnado não constar a fundamentação de direito que sustenta a aplicação às rendas de ALD do regime de locação financeira (ponto III das conclusões das alegações de recurso);

- Saber se a sentença objecto do recurso errou na interpretação e aplicação do Direito da União Europeia e da lei portuguesa – artigos 173.º e seguintes da Directiva IVA e 23.º do CIVA, violando o princípio da legalidade (ponto IV das conclusões das alegações de recurso);

- Em caso afirmativo, saber se deve ser reconhecido ao Recorrente o direito a ser ressarcido dos custos em que incorreu com a constituição e manutenção da garantia bancária que legitimou a suspensão do processo de execução em curso.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

1. O Impugnante está registado pelo exercício da atividade de “Outra intermediação monetária” – CAE 64190 –, exercendo a atividade bancária e, entre outras, as atividades de locação financeira e de aluguer de longa duração cfr. ponto II.3.3 do Relatório de Inspeção Tributária, a fls. 106/107 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

2. Em 30.01.2009, a administração tributária emitiu o Ofício-circulado n.º 30108, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

“[…]

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.” – cfr. ponto III.2. do Relatório de Inspeção Tributária, a fls. 147 a 152 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

3. No ano de 2010, o Impugnante praticou operações de locação financeira e de aluguer de longa duração, no âmbito das quais recebeu rendas, que englobam uma parte relativa a amortização de capital e outra parte relativa a juros e outros encargos – cfr. documentos a fls. 188 a 194 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

4. A parte de amortização de capital a que se refere o ponto anterior foi, relativamente a operações de locação financeira, no montante de € 527.715.706,51 e, relativamente a operações de aluguer de longa duração, de € 82.038.833,44 – idem;

5. A parte relativa a amortização de capital a que se referem os dois pontos anteriores não foi registada pela Impugnante como proveito do exercício – idem;

6. No ano de 2010, o Impugnante, para exercício do direito à dedução do IVA, utilizou, simultaneamente:

a. O método da afetação real, designadamente em relação nos encargos diretamente associados a operações de locação financeira e de aluguer de longa duração;

b. O método da percentagem de dedução, quanto aos custos suportados com bens e serviços de utilização comum a todas as atividades e em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações respeitavam;

7. Em resultado da utilização do método de afetação real referido no ponto anterior, o Impugnante deduziu integralmente o IVA que suportou na aquisição dos bens e dos serviços utilizados exclusivamente nas operações de locação financeira e aluguer de longa duração;

8. Para o ano de 2010, relativamente aos bens e serviços de utilização comum, o Impugnante calculou uma percentagem de dedução definitiva de 27%;

9. A percentagem de dedução referida no ponto anterior foi calculada com a inclusão, nos numeradores e denominadores da respetiva fração, dos valores mencionados no ponto 4;

10. Por despacho de 28.02.2012, do Diretor Geral da Unidade dos Grandes Contribuintes, proferido sobre a ordem de serviço n.º OI201200036, foi determinada uma inspeção externa ao Impugnante para o exercício de 2010 – cfr. ponto II.1 do Relatório de Inspeção Tributária, a fls. 104 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

11. No âmbito da ação inspetiva foram solicitados ao Impugnante esclarecimentos sobre o modo como calculou a percentagem de IVA dedutível, com referência aos bens e serviços de utilização comum, tendo o Impugnante, em resposta, apresentado documentos com a indicação dos valores considerados – cfr. documentos a fls. 188 a 194 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

12. Na sequência da ação inspetiva a que se refere o ponto 10, foram propostas correções à percentagem de dedução de IVA, das quais resultou imposto em falta no montante de € 8.817.795,98 – Cfr. ponto III.2. do Relatório de Inspeção Tributária a fls. 147 a 152 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

13. Relativamente às correções referidas no ponto anterior, consta do relatório da inspeção a seguinte fundamentação:

III.2 IVA

III.2.1 Apuramento da percentagem de dedução definitiva

€ 8.817.795,98 (art.º 23º do CIVA)

O A………… é uma instituição financeira que para além da atividade bancária também desenvolve a atividade de locação financeira, factoring e aluguer de longa duração (ALD), compreendendo desta forma simultaneamente operações isentas de IVA, nos termos do n.º 27 do art.º 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e operações sujeitas.

Para efeitos de dedução do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços, de acordo com o art.º 23.º do CIVA, utiliza o método da afetação real [Relativamente ao IVA dos inputs directamente relacionados com a atividade que confere direito à dedução, pelo que o sujeito passivo recupera integralmente o imposto suportado a montante nas operações efetuadas no âmbito da atividade de locação financeira mobiliária e imobiliária em que optou pela renúncia à isenção e recupera parcialmente, de acordo com critérios de dedução, o IVA dedutível relativo a aquisições de bens e serviços associados a terminais de pagamento automático, débitos diretos e pagamento de serviços.] e, apenas relativamente aos custos que abrangem todas as atividades, não sendo possível alocar os mesmos a cada uma delas, calculou, em 2010, uma percentagem de dedução especifica de 27% [Cf. ficheiro informático apresentado na resposta ao ponto 6 (Documentos 10 e 11) da notificação de 2012-03-13.], que corresponde à proporção das operações tributadas relativamente à totalidade das operações realizadas considerando, porém, neste cálculo, e no que respeita às operações de locação financeira e ALD a amortização financeira incluída nas rendas.

Deste modo, considerou no numerador da fração o montante de € 866.086.851,73, correspondente ao total da faturação das operações sujeitas com direito a dedução, e no denominador a importância de € 3.307.302.211,48, respeitante à soma do valor do numerador com o das operações isentas sem direito a dedução. Verificou-se ainda que o sujeito passivo considerou como operações tributadas o valor de € 609.754.539,95, relativo à componente amortização financeira, liquidada aos seus clientes nas rendas, referentes às atividades de leasing e ALD, a seguir indicadas:

Base Tributável das Operações ALD – Capital e Outros
82.038.833,44
Base Tributável das Operações Leasing - Capital
527.715.706,51

Verificou-se, ainda, com base na análise conjunta da discriminação mensal do IVA deduzido nas declarações periódicas [Resposta ao ponto 7 da notificação de 2012-03-13] com os elementos apresentados [Resposta ao ponto 8 da notificação de 2012-05-21] para justificar a entrega de uma declaração de substituição em 2012-04-26, que no exercício de 2010, as deduções decorrentes da aplicação do pro rata de 27% sobre os custos comuns foram € 14.004.734,79, pelo que a base do IVA suportado ascendeu a € 51.869.388,11 (Anexo 8).

O mecanismo da dedução do IVA está previsto nos artigos 19.º a 26.º do CIVA e faz parte da essência do imposto, desenvolvendo o A………… uma atividade que envolve operações que permitem a dedução do imposto suportado a montante, como sejam a locação operacional e financeira, mobiliária e imobiliária em caso de renúncia à isenção, e outras que não a possibilitam, designadamente, a concessão de crédito e locação de bens imóveis, isentas sem direito a dedução nos termos do art.º 9.º do CIVA, terá de se observar o previsto no art.º 23.º para efeitos de apuramento da parcela dedutível do imposto contido nos recursos adquiridos de utilização mista:

„1. Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.°, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.

2. Não obstante o disposto na alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

(…)

Retirando-se das disposições deste normativo que:

- O seu âmbito de aplicação limita-se às situações em que coexistem operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem tal direito e às quais são alocados, indistintamente, bens e serviços adquiridos com imposto. De facto, tratando-se de inputs exclusivamente afetos a operações com direito a dedução do imposto, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações, o imposto incorrido é objeto de dedução integral, nos termos do art.º 20.º do CIVA. E, a contrário, caso os recursos adquiridos se destinarem exclusivamente a operações tributáveis, mas isentas ou a operações não sujeitas, o imposto neles contido não será dedutível;

- Os sujeitos passivos podem optar, para efeitos de dedução do imposto que onerou os bens e serviços de utilização conjunta nos outputs com e sem direito a dedução, pela aplicação do método da afetação real ou pelo método da percentagem de dedução ou pro rata, de utilização supletiva, os quais têm por objetivo determinar o grau de utilização desses bens e serviços naqueles grupos de operações.

Deste modo, a alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º estabelece que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

No entanto, refere a alínea b) do n.º 1 do art.º 23.º do CIVA que quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.

Mesmo nos casos em que se aplica o método da afetação real, haverá IVA suportado em bens e serviços utilizados tanto em operações que dão direito a dedução como em operações sem direito a dedução, pelo que se impõe a sua repartição e consequente apuramento da parcela dedutível, não podendo por isso deixar de ser aplicado ao imposto contido nessas aquisições uma percentagem de dedução, que deverá refletir a medida efetiva em que aqueles bens e serviços são usados para a realização das operações com direito a dedução e das isentas sem aquele direito.

A percentagem de dedução ou pro rata resulta, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, de uma fração que comporta no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento incluídas no numerador e das operações que não confiram direito a dedução. Logo, da utilização deste método resulta imposto dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante das operações que permitem a dedução.

E envolvendo o seu apuramento o universo das operações sujeitas a imposto, ambos os membros da fração são constituídos pelo respetivo valor tributável determinado de acordo com as regras estabelecidas no art.º 16.º do Código. Assim, na situação em análise, e decorrente da especificidade da atividade desenvolvida, o pro rata tem na sua base de cálculo valores tributáveis que, correspondendo à contraprestação obtida ou a obter do adquirente ou destinatário, refletem os juros e outros rendimentos obtidos, como acontece nas operações de crédito, enquanto outros correspondem ao somatório de duas parcelas, juros obtidos e capital reembolsado, como se verifica nas operações de locação financeira e ALD (alínea h) do n.º 2 do art.º 16.º).

Destarte, na aferição da adequação do método utilizado pelo sujeito passivo haverá que ter em conta as especificidades da atividade de locação financeira por si desenvolvida.

A atividade do locador restringe-se, assim, a uma atividade financeira, servindo de intermediário entre fornecedor e locatário na transação do bem, adquirindo-o ao primeiro e cedendo o seu uso ao segundo, pelo que no leasing financeiro o interesse do locatário reside essencialmente no financiamento que este proporciona, e os juros por si suportados consubstanciam o resultado financeiro da atividade do locador. Tratando-se de um financiamento, o pagamento do serviço ao locador é composto por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada” e os juros, que constituem a remuneração do locador.

Logo, a componente “Capital” corresponde à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado e, não constitui, por consequência, contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, mas integra o valor tributável nos contratos de locação financeira, porque de outra forma nunca o Estado recuperaria o valor que lhe foi reclamado na altura da aquisição do bem, por via do mecanismo da dedução. E isto é a verdadeira essência do imposto, cujo nome é exatamente „sobre o valor acrescentado‟. O „ganho‟ ou, se se quiser, „a margem‟ de cada operador, é que é a parcela sobre a qual efetivamente recai o encargo do IVA, porque o remanescente é um mero reembolso da dedução do imposto que efetuou nos seus inputs […].

E no mesmo sentido da não adequação do pro rata geral aplicado para medir o grau de utilização do conjunto de bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito vão as instruções vertidas no Ofício Circulado n.º 30108, de 2009-01-30, do qual se destaca:

7. (...) a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a „distorções significativas na tributação‟, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.

9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.”

Deverá então ser utilizado um rácio cujas variáveis sejam homogeneizadas, a fim de se tomarem coerentes entre si, que se tornará numa percentagem específica à realidade a que vai ser aplicada e não será mais do que um coeficiente de imputação dentro do método de afetação real, de acordo com o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA.

Consequentemente, e decorrente da natureza das operações efetuadas pelo A…………, o método do pro rata previsto no n.º 4 do art.º 23.º, por si utilizado, tem na sua base de cálculo grandezas que, refletindo realidades bem diversas [Montantes anuais, imposto excluído, de prestações de serviços, que apenas refletem a componente juros das operações de normal concessão de crédito, e montantes anuais, imposto excluído de prestações de serviços que refletem a soma do capital financiado e dos juros, em relação a operações que sendo ainda de financiamento assumem a veste jurídica de locação financeira.], lhe retiram rigor para atingir o objetivo que lhe subjaz, que é o de determinar a parcela dedutível do imposto contido nos bens e serviços de utilização mista, sendo a falta de coerência das variáveis nele utilizadas suscetível de provocar vantagens ou desvantagens injustificadas, logo passível de conduzir a „distorções significativas de tributação‟.

Deste modo, e atendendo às especificidades da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, a percentagem de dedução ou pro rata genérico, apurada nos termos daquele normativo, não tem mérito para medir o grau de consumo que as duas categorias de operações, com e sem direito a dedução, fazem dos bens e serviços que lhes são indistintamente alocados e, consequentemente, não pode ser utilizada para determinar a parcela dedutível do IVA liquidado a montante.

Pelo que antecede, não concordando com a percentagem utilizada, relativamente à atividade de Leasing e de ALD no cálculo da percentagem de dedução (pro rata) apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros rendimentos, pelo que se subtraiu ao valor apurado pelo sujeito passivo relativo a „operações tributadas‟ (incluído no numerador e denominador) o montante de € 609.754.539,95, correspondente ao valor do capital contido nas rendas, donde resultou uma alteração da percentagem de dedução de 27% para 10%, conforme a seguir se demonstra:

Banco
Adm Tributária
Numerador
Operações tributadas
759.786.740,11
150.032.200,16
Operações financeiras isentas com direito à dedução
106.300.111,63
106.300.111,63
Operações não sujeitas com direito à dedução
0,00
0,00
Total
866.089.851,73
256.332.311,79
Denominador
Operações tributadas
759.786.740,11
150.032.200,16
Operações financeiras isentas com direito à dedução
106.300.111,63
106.300.111,63
Operações não sujeitas com direito à dedução
0,00
0,00
Operações não tributadas sem direito à dedução
2.441.215.359,75
2.441.215.359,74
Total
3.307.302.211,48
2.697.547.671,53
Pro rata
27%
10%

Assim sendo, será corrigida a percentagem de dedução do IVA que incidiu sobre os custos comuns de 27% para 10%, apurando-se imposto em falta no montante de € 8.817.795,98 de harmonia com o disposto no n.º 3 do art.º 23.º do CIVA (Anexo 8).”

– cfr. ponto III.2. do Relatório de Inspeção Tributária, a fls. 147 a 152 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

14. No âmbito do procedimento inspetivo, o Impugnante exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção tributária, mas sem se pronunciar sobre as correções propostas relativamente ao apuramento da percentagem de dedução de IVA – cfr. ponto IX do Relatório de Inspeção Tributária a fls. 153 a 157 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

15. Com base nas propostas de correção referidas nos pontos 12 e 13, foram emitidas a liquidação de IVA n.º 13006591, no montante de € 8.817.795,98, e a liquidação de juros compensatórios n.º 13006592, no montante de € 649.376,32, ambas tendo como data limite de pagamento o dia 30.04.2013 – cfr. documentos a fls. 80 e 81 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

16. O serviço de finanças de Porto 5 instaurou, contra o Impugnante, o processo de execução fiscal n.º 3190201301058916, para cobrança das quantias mencionadas no ponto anterior – cfr. documento a fls. 82/83 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

17. Para suspensão do processo de execução fiscal referido no ponto anterior, o Impugnante prestou a garantia bancária n.º 00182-02-0006761, no montante de € 11.996.125,83 – cfr. documentos a fls. 84 e 85 do processo administrativo apenso aos autos físicos;

18. No dia 01.08.2013 deu entrada neste tribunal a petição inicial da presente impugnação – cfr. averbamento a fls. 1 dos autos físicos.

Factos não provados:

Com interesse para a decisão, considera-se não provado o seguinte facto:

A. No ano de 2010, os custos suportados pelo Impugnante com bens e serviços de utilização comum respeitam, em parte, à disponibilização dos bens que constituem o objeto das operações de locação financeira e de aluguer de longa duração.

Não se deram como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

O facto constante do ponto 1, na parte relativa à atividade pela qual o Impugnante se encontra registado, foi dado como provado com base nos elementos documentais aí referidos. A parte restante deu-se como provada por acordo, atendendo à posição coincidente assumida pelas partes dos respetivos articulados.

Os factos constantes dos pontos 6 a 9 foram também dados como provados por acordo, atenta a posição coincidente assumida pelas partes dos respetivos articulados.

Os restantes factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.

Quanto ao facto dado como não provado, resulta da total ausência de prova a esse respeito, sendo que se considera que o ónus da prova recaía sobre o Impugnante.

Com efeito, a administração tributária emitiu uma instrução administrativa, na qual definiu um método de cálculo da percentagem de dedução de IVA para as situações específicas de locação financeira, atendendo às características típicas das operações contratuais em causa.

Tendo presente que, no âmbito do procedimento e do processo tributário, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre a parte que os invoque (artigos 342.º n.º 1 do Código Civil e 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária), caberia ao Impugnante, sem prejuízo da posição discordante acerca do entendimento explicitado na referida instrução, alegar matéria factual que abalasse os pressupostos do cálculo definido pela administração, designadamente quanto à existência de custos relacionados com a disponibilização dos bens que constituem o objeto das operações de locação financeira e de aluguer de longa duração que praticou.

Ora, o Impugnante não logrou produzir tal prova, pelo que se deu como não provado o referido facto».

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Vimos já que a Recorrente, “A…………, S.A.” não se conforma com nenhuma das questões que suscitou na petição inicial, todas relativas à falta de fundamentação dos actos de liquidação impugnados. E pese embora a forma pouco rigorosa como vem invocada – que conduziu a que, quer o Meritíssimo Juiz a quo quer o Exmo. Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal sentissem a necessidade de exteriorizar a distinção dogmática que existe entre fundamentação formal e fundamentação substancial - o teor os articulados, incluindo as alegações de recurso, permite suficientemente perceber que o Recorrente questiona simultaneamente a fundamentação formal e a fundamentação substancial do acto impugnado.

Ou seja, a Recorrente entende que o acto impugnado não exterioriza as razões ou fundamentos de facto e de direito que determinaram a Administração Tributária a decidir pela emissão do acto nos termos concretos em que o fez (fundamentação formal) e não aceita que os pressupostos de direito que a conduziram a decidir proceder à liquidação estejam correctos (fundamentação substancial).

Vejamos, então.

3.2.2. Do erro de julgamento por falta de fundamentação do acto de liquidação impugnado.

3.2.2.1. A invocada falta de fundamentação dos actos de liquidação, se bem vemos, constituiu o principal fundamento da presente Impugnação Judicial, percepção que se retira, desde logo, do facto de a anulação do acto com esse fundamento ter sido eleito pela ora Recorrente na petição inicial como pedido principal.

Os argumentos aduzidos pela Recorrente nesse sentido, quer na data da apresentação do articulado inicial quer em recurso são idênticos e reconduzem-se, no essencial, à alegação de que a Administração Tributária não indicou o modo como quantificou a componente de amortização financeira das rendas de locação financeira e aluguer de longa duração e não indicou quais as razões de direito que a determinaram a aplicar às rendas de aluguer de longa duração o regime que está consagrado para as rendas de locação financeira.

3.2.2.3. A Fazenda Pública, de igual modo, pese embora o extenso número de conclusões formuladas nas suas alegações, em defesa da legalidade dos actos também se limita a repetir a argumentação que anteriormente expendeu nos seus articulados.
Relativamente à quantificação, afirma que a mesma decorre do teor da resposta prestada pelo próprio Impugnante ao pedido formulado pela inspecção tributária, que a fundamentação do acto é consentâneo e absorveu os elementos apresentados na referida resposta da Recorrente, que utilizou os valores indicados e que se estes não correspondiam ao efectivo valor do capital, podia a Recorrente ter corrigido essa quantificação no procedimento inspectivo, em audiência prévia e mesmo nesta Impugnação, o que nunca fez.
No que concerne à alegada falta de fundamentação de direito da correcção relativa aos contratos de aluguer de longa duração, que o tratamento individualizado dos dois tipos de contrato é dispensável por, do ponto de vista contabilístico e do ponto de vista jurídico-fiscal, idêntico tratamento.
3.2.3.4. Adiantamos já que o Recorrente não tem razão.

Como repetidamente vem sendo dito, o direito à fundamentação dos actos que afectam direitos e interesses legalmente protegidos, com consagração constitucional no artigo 268.º, n.º 3 da Lei Fundamental, exige que que as razões (de facto e de direito) que sustentam as decisões administrativas em geral (ou actos administrativos em particular) fiquem expressas de forma clara no próprio acto, imposição que se mostra também concretizada pelo legislador ordinário, que admite, ainda, que essa exteriorização possa consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto e efectivada de forma sumária [artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que corresponde ao actual artigo 153.º, e 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributaria (LGT)]

É neste enquadramento legal que a doutrina e a jurisprudência há muito firmaram o entendimento que o acto está suficientemente fundamentado se a forma como ficou definido permite que o seu destinatário compreenda o iter cognoscitivo e valorativo que determinou o seu autor a proferir a decisão final que é comunicada e lhe faculta os elementos necessários a que se defenda, independentemente de essa fundamentação se suportar numa ou sucessiva cadeias de remissão para informações, propostas ou pareceres que lógica e cronologicamente o antecedam, sem prejuízo de reconhecer que o nível de fundamentação exigível pode variar em função do tipo de acto que se profere.
A suficiência de fundamentação com os contornos que ficaram definidos não serve apenas o propósito de definir o quantum exigível de fundamentação do acto. Serve, ainda, para definir o patamar de explicitação (explicação) abaixo do qual a fundamentação se deve considerar em falta, reconhecimento de falta reforçado pela imposição legislativa de fazer equivaler a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto (artigo 125.º, n.º 2 do CPA vigente na data de prolação do acto impugnado e que hoje tem idêntico acolhimento no n.º 2 do já citado artigo 153.º do CPA).
Em suma, a fundamentação do acto deve ser entendida “não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada”, sendo através da rigorosa observância deste princípio fundamental que se alcançará, simultaneamente, a concretização dos princípios da transparência e da boa acção administrativa (isto é, que se revelará como devido, de forma clara, a própria actividade desenvolvida pela Administração e a bondade ou correcção da actividade em si mesma) e se possibilitará um eficaz “controlo contencioso (…) sobretudo quanto aos vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos e do desvio do poder (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “CRP – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA”, Coimbra Editora, 2014, VOLUME II, pág. 825.) e “deve revestir certos requisitos para se poder considerar fundamentação constitucionalmente adequada”, revestindo nesta matéria carácter de essencialidade, o princípio da suficiência [a fundamentação deve “estender-se a todos os elementos em relação aos quais a Administração dispõe do poder discricionário de escolher (e o exerce) de forma a poder reconstituir-se o iter lógico e jurídico do procedimento que terminou com a decisão final («motivação ou fundamentação de todo suficiente»)”, o princípio da clareza, “de modo que a fundamentação seja inteligível, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura do destinatário normal ou razoável que, na situação concreta, tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão” e o princípio da congruência “de tal modo que se verifique existir uma relação de adequação e consonância entre os pressupostos normativos do acto (de facto e de direito) e os motivos do mesmo”, o que significa que deve entender-se como equivalendo a falta de fundamentação “a adopção de fundamentos que, por contradição, não esclareçam concretamente a motivação do acto (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “CRP – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA”, Coimbra Editora, 2014, VOLUME II, pág. 826.)

3.2.3.5. Considerando a prolixidade das alegações e contra-alegações, importa ainda sublinhar a distinção que deve estar presente entre fundamentação formal e fundamentação substancial.

À verificação da primeira importa a certeza de que a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou. Isto é, releva nesta sede, a externação das razões de facto e de direito em que a Administração fundou a sua actuação. À segunda, conexionada com a validade substancial do acto, só importa a valia dos motivos invocados na fundamentação formal, ou seja, saber se esses motivos correspondem à realidade e se são suficientes para que se julgue legitima uma concreta actuação administrativa.

Nas palavras da doutrina, a distinção ente uma e outra das fundamentações em apreço está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo». Vieira de Andrade “O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos”, Almedina, 1991, página 231 e seguintes.

Significa, assim, que se é a fundamentação formal que a parte pretende ver sindicada, há-de necessariamente invocar a inexistência de uma exteriorização das razões de facto e de direito na decisão da Administração. Ou, pelo menos, a sua insuficiência, incongruência ou obscuridade. Se é a fundamentação substancial que se pretende que seja avaliada, a alegação tem que revelar a discordância da parte com os concretos fundamentos de facto e/ou de direito invocados em suporte da decisão. Se são ambas, a alegação terá necessariamente que revelar que a fundamentação formal vertida no acto é insuficiente, incongruente ou obscura (a alegação de absoluta inexistência de fundamentação formal é, para nós, por natureza, incompatível com qualquer invocação de falta de fundamentação substancial, razão pela qual, na análise da situação concreta nunca poderá ser considerada) e demonstrar, suportada ou não em juízos meramente hipotéticos, que os pressupostos de facto e de direito afirmados ou indiciados pela externação realizada, não correspondem à realidade e/ou não são os eleitos pelo direito aplicável e convocado no acto impugnado.

3.2.3.6. Posto isto, relevando simultaneamente o concreto acto sindicado e o contexto em que foi gerado, estamos já em condições de compreender o motivo pelo qual cedo adiantamos que a Recorrente não tem razão quando invoca que o acto impugnado padece de falta de fundamentação formal.

Na verdade, como resulta dos factos apurados, as liquidações impugnadas tiveram origem numa acção inspectiva em cujo âmbito a Administração Tributária veio a concluir que o ora Recorrente não tinha calculado correctamente a percentagem de dedução pelas razões que expendeu no respectivo Relatório de Inspecção.

É a este Relatório de Inspecção, que constitui fundamentação do acto de liquidação, que a Recorrente aponta o vício de falta de fundamentação.

Diga-se mais uma vez, sem razão. Resultam claramente do referido Relatório as razões da correcção operada, que, em resumo nosso, se traduzem no facto de o Recorrente ter considerado, para efeito de cálculo de dedução, a componente do capital ou amortização financeira contida nas rendas facturadas nos contratos de locação financeira e aluguer de longa duração. E que foi em conformidade com essa actuação, que configurou errada (ilegal) que procedeu às questionadas correcções, excluindo a referida renda de capital, passando a percentagem de dedução de 27% (imputada pela Recorrente) para 10% (resultado vertido na liquidação adicional).

Note-se, ainda, que no mesmo Relatório ficaram exaradas as normas legais que, no entender da Administração Fiscal, legitimavam as referidas correcções, mais ficando expresso que tais correcções se louvavam, também, na aplicação à situação sob inspecção do entendimento sancionado no Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009.

Por fim, ressalta igualmente do Relatório quais as consequências que, no entender da Administração Tributária, deviam ser extraídas dos factos apurados e da sua integração jurídicas: reconhecer um valor acrescido de imposto a pagar no montante de € 8.817.795,98 (cálculo igualmente pormenorizado no relatório de inspecção).

Em conclusão, do Relatório constante dos autos constam os factos que determinaram a decisão e a subsunção destes aos normativos legais que a Administração Tributária entendeu serem os disciplinadores da situação em apreço, bem assim, as consequências que dessa subsunção extraiu e que se vieram a substanciar na liquidação emitida e ora impugnada.
E não diga o Recorrente, como agora repetiu em recurso, que o Relatório é omisso no que respeita particularmente à quantificação dos componentes das rendas pagas no âmbito dos contratos de aluguer de longa duração, pois, como o Relatório de Inspecção permite claramente constatar, foi o próprio Recorrente que calculou a percentagem de dedução do imposto incluindo no valor total de facturação quer o valor relativo aos contratos de locação financeira, quer dos contratos de aluguer de longa duração. Ou seja, foi o próprio Recorrente que indicou um único valor total e o identificou como correspondendo ao somatório dos dois tipos de operações, denotando assim perfilhar o entendimento de que ambos são merecedores do mesmo tratamento fiscal.
Donde, como se diz na sentença recorrida, “a circunstância de as correções efetuadas englobarem os valores de amortização de capital respeitante às operações de aluguer de longa duração não pode constituir surpresa, pois a administração limitou-se a considerar os montantes constantes dos elementos fornecidos pelo próprio Impugnante”. Efetivamente, em resposta ao pedido de elementos, o Impugnante informou que a percentagem definitiva de dedução de IVA para 2010 foi de 27%, conforme cálculos que incluíram os valores faturados aos clientes de locação financeira e aluguer de longa duração, incorporando a componente de capital e a componente de juros. Estes elementos foram aceites pela Administração Tributária que se limitou a expurgar dos valores fornecidos pelo Impugnante, e não colocado em causa pela inspeção, as importâncias que, segundo entende, não podiam figurar na fórmula de cálculo, por respeitarem à componente capital contida nas rendas, no montante total de € 609.754.539,95, tal como declarado pelo Impugnante. Por outro lado, resulta claro que o Impugnante bem entendeu que a correção efetuada desconsiderou os montantes relativos a amortização financeira, quer dos contratos de locação financeira, quer dos contratos de aluguer de longa duração».
Em suma, do Relatório de Inspecção, que constitui a fundamentação do acto de liquidação constam de modo mais do que suficiente os motivos ou razões, de facto e de direito - certas ou erradas é, nesta sede de apreciação da questão de fundamentação formal irrelevante - que determinaram a Administração Tributária a fazer as correcções em causa, tendo o destinatário das mesmas ficado ciente, como nos é revelado pela forma como censurou o método adoptado pela Administração Tributária, das omissões e incorrecções de facto e de direito apontadas, incluindo as “propostas correctivas” que realizou no que respeita aos valores que em seu entender deviam ter sido adoptados pela Administração Tributária para cálculo de percentagem de dedução do imposto, ou seja, para a quantificação deste. Elementos que, tendo ficado na sua posse, lhe permitiram defender-se, como fez, quer quanto à quantificação concreta do acto quer quanto aos pressupostos de direito em que se louvou.

Questão distinta, naturalmente, é a de saber se assiste razão à Autoridade Tributária e Aduaneira nas correcções que fez, quer no que respeita aos valores corrigidos (cálculos) quer quanto aos preceitos legais que julgou legitimadores dessas correcções.
Porém, tal circunstancialismo, como está bem de ver, já não contende com a falta de externação das razões de facto e de direito do acto, antes com a sua bondade, com a designada fundamentação substancial, que, porque igualmente questionada neste recurso, de seguida se apreciará.
Improcedem, pois, com a fundamentação exposta, as conclusões vertidas nos pontos I, II e III das alegações de recurso.

3.2.3. Do erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito da União Europeia e da lei portuguesa – artigos 173.º e seguintes da Directiva IVA e 23.º do CIVA.

3.2.3.1. A Recorrente, na petição inicial, deduziu, a título subsidiário, pedido de anulação do acto com fundamento em que o método de cálculo da percentagem de dedução do IVA utilizado pela Administração Tributária – que desconsidera a parcela de capital incluída nas rendas pagas pelos locatários – viola o disposto no artigo 23.º do Código do IVA e os artigos 173.º e seguintes da Directiva IVA, na medida em que não estão verificados os pressupostos que a habilitam a impor um método de dedução de imposto alternativo ao método pro rata.

3.2.3.2. No que respeita a esta questão, que de forma assaz frequente vem sendo apreciada por este Supremo Tribunal Administrativo, em especial, nos últimos meses, pelo Pleno desta Secção, limitar-nos-emos, tendo presente o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, a acolher a jurisprudência que de forma firme tem sido reiterada e que mais não é de que a confirmação do julgamento realizado no processo n.º 485/17, de 15-11-2017, proferido após reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, que aqui transcrevemos apenas na parte essencial, remetendo, na integra, e como fundamentação, para o seu texto integral, consultável em www.dgsi.pt (bem como para os múltiplos acórdãos que desde essa data, como frisamos já, tem sido proferidos por esta Secção, especialmente para os proferidos em julgamento do Pleno:

Assim:

«3.1. A sentença enunciou como questão a decidir a de saber se o acto impugnado padece de ilegalidade, em virtude de não dever ser considerada a forma de cálculo do pro rata de dedução relativo aos custos comuns às actividades isenta e tributada levadas a efeito pela impugnante, conforme a instrução administrativa da AT (ofício n° 30.108, de 30/01/2009) concretamente no que respeita à desconsideração da parte relativa a amortização de capital das rendas atinentes aos contratos de leasing e ALD financeiro, nos termos definidos e circunscritos no anterior acórdão do STA proferido nestes autos em 03/06/2015 e constante de fls. 803 a 821.

E reportando, por um lado, ao disposto nos arts. 19º, 20º, e 23º, do CIVA, na Sexta Directiva, à jurisprudência do TJUE (nomeadamente no acórdão de 10/7/2014, proc. nº C-183/13 (caso Banco Mais vs. Fazenda Pública), à doutrina administrativa da AT (Ofício-Circulado n° 30103, de 23/4/2008, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA), e àquela jurisprudência do STA (acórdão de 29/10/2014, no proc. nº 01075/13) o TJUE), bem como, por outro lado, aos termos do que fora decidido (no âmbito da ordenada ampliação da matéria de facto) no acórdão anteriormente havia sido proferido nestes autos (em 3/5/205 – a fls. 803/821), a mesma sentença julgou improcedente a impugnação (na parte em que a mesma fora revogada por este mencionado acórdão do STA).

Para tanto, considerou-se ali, em síntese do essencial, o seguinte:

— No predito acórdão do TJUE (no proc. C-183/13) fora suscitada pelo STA a questão (prejudicial) de saber se «num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação».

— No enquadramento jurídico da questão o TJUE ponderou que o disposto nos nºs. 2 e 3 do art. 23° do CIVA (onde se estabelece que, no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados), se reconduz (no entendimento do TJUE) a uma norma que reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17°, n° 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva – constituindo por isso a transposição, para o direito interno do Estado português do direito da EU.

— Assim, a norma do art. 23° n° 2 do CIVA, ao permitir que AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, aquela regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA, quando ali se estabelece que, «os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»

— Sendo, portanto, admissível à AT determinar um critério para cálculo do pro rata (como no caso sucedeu), caberia então à impugnante demonstrar que a utilização de bens e serviços de utilização mista fora determinada também pela disponibilização dos veículos, o que não foi alegado nem provado.

3.2. Discordando do assim decidido, a recorrente alega erro de julgamento por parte da sentença, quer por errada interpretação destes apontados normativos legais, quer por ter admitido e relevado, relativamente à autoliquidação questionada, uma fundamentação sucessiva ou a posteriori desse mesmo acto [estando em causa uma autoliquidação decorrente do entendimento constante do Ofício-Circulado n° 30108, não é admissível convocar já em fase de recurso e com base na jurisprudência do TJUE, a ampliação de matéria de facto com vista a acolher fundamentos factuais e jurídicos que nunca foram especificadamente convocados pela AT no âmbito do presente processo, sendo que a condição mencionada no apontado acórdão do TJUE e reproduzida no acórdão do STA «de que a utilização dos serviços comuns é determinada também pela disponibilização dos veículos» nunca foi antes alegada nos presentes autos e não consta de qualquer norma legal ou regulamentar, nem do dito Ofício-Circulado], quer porque ocorre violação das regras que regem o ónus da prova (arts. 74°, 75° e 76° da LGT), pois que a sentença deveria, em todo o caso, ter decidido que o ónus da prova relativo à demonstração da condição negativa consubstanciada no facto de a utilização de bens e serviços de utilização mista ter sido determinada pela disponibilização dos veículos, teria necessariamente de recair sobre a AT.

(…)

Vejamos.

4.1. Na al. h) do nº 2 do artigo 16º do CIVA (valor tributável nas operações internas) dispõe-se:

«2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:

(...)

h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.

(...).»

4.2. E no artigo 23º (Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista) do mesmo código dispõe-se, além do mais:

«1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do nº 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do nº 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do nº 1 do artigo 20º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do nº 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do nº 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.

7. (...)»

4.3. Já no artigo 17º da Directiva 77/388/CEE (alterada pela Directiva 95/7//CE, do Conselho, de 19/4/1995) sob a epígrafe «Origem e âmbito do direito à dedução», dispõe-se:

«1. (...)

5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito àdedução, previstas nos n.ºs 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeitos passivo.

Todavia, os Estados-membros podem:

a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços, utilizados nas operações aí referidas;

e) Estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respectivo for insignificante.

6. (...)

7. (...)»

5.1. Sustenta a recorrente que, ao invés do que resulta da sentença recorrida e conforme decorre do próprio acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, o art. 23°, n° 2 do CIVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do art. 17°, n° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva.

Além de que, no caso, seria essencial considerar que nos termos do disposto na al. h) do n° 2 do art. 16° do CIVA é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista e, de todo o modo, também não resulta daquele acórdão do TJUE que a AT, em circunstâncias como as dos autos e em conformidade com o Ofício-Circulado n° 30108, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à recorrente de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n° 4 do art. 23° do CIVA.

Não procede, porém, esta argumentação.

Foi na sequência de um pedido de decisão prejudicial formulado pelo STA (no processo n° 1017/12) no âmbito da interpretação da referida Sexta Directiva (77/388/CEE), que o TJUE veio a pronunciar-se.

A questão formulada ao TJUE foi a seguinte:

«Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?».

E o TJUE, por acórdão proferido em 10/7/2014 (proc. C-183/13), emitiu pronúncia nos termos seguintes:

«O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Isto, na consideração de que (cfr. os considerandos 30 a 35 do acórdão), atendendo à redacção de tal norma, ao contexto em que se insere, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, e à finalidade desse mesmo preceito, resulta que qualquer Estado-Membro que exerça a faculdade ali prevista deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução. Concluindo o TJUE que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos. É que, na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.

Incumbindo ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso.

E este é também o sentido da doutrina constante do falado ofício circulado n° 30103, de 23/04/2008, em conformidade com a qual a recorrente operou a autoliquidação impugnada, tendo sido, como bem sublinha o MP, por aplicação da jurisprudência do TJUE que o acórdão proferido nesta Secção do STA, em 03/06/2015 (fls. 803/821), transitado em julgado, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos.

Além de que foi também em obediência a essa decisão de ampliação da matéria de facto, (com vista à aplicação da doutrina do acórdão do TJUE) que o tribunal a quo julgou não ter ficado provado que os custos (suportados em 2010) relativamente aos quais não se conseguira apurar, especificamente, a que tipo de operações estavam associados (se a operações financeiras isentas de IVA ou a operações tributadas de locação mobiliária, tendo por objecto veículos automóveis, traduzidas na celebração de contratos de leasing e ALD) respeitassem à disponibilização dos veículos objecto dos contratos.

Concluímos, pois, que a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento na interpretação do disposto nos nºs. 2 e 3 do CIVA, em concordância, aliás, com a interpretação do art. 17°, n° 5, 3° parágrafo, al. c), da Sexta Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 7/5/1977, efectuada no apontado acórdão do TJUE.

Neste sentido tem decidido, aliás, o STA, em situações semelhantes, como pode ver-se dos acs. de 20/10/2014, no proc. nº 1075/13, de 4/3/2015, nos procs. nº 1017/12 e nº 81/13, de 17/6/2015, no proc. 1874/13 e de 27/1/2016, no proc. 331/14.».

3.2.3.2. Em conclusão: sendo o quadro jurídico e a densificação dele realizada no acórdão que aqui acolhemos integralmente transponível para os presentes autos e tendo a instrução nele realizada determinado igualmente que o Tribunal a quo tivesse julgado como “não provado” que “No ano de 2010, os custos suportados pelo Impugnante com bens e serviços de utilização comum respeitem, em parte, à disponibilização dos bens que constituem o objecto das operações de locação financeira e de aluguer de longa duração», há que julgar integralmente improcedentes as conclusões vertidas nos pontos IV. e V. das alegações de recurso e, em conformidade, confirmar a sentença recorrida e julgar prejudicado o conhecimento e decisão da última questão suscitada em recurso (indemnização pela prestação da garantia bancária).

4. DECISÃO

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Junho de 2021 – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora, que consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Senhores Juízes Conselheiros que integram a presente formação de julgamento – Suzana Tavares da Silva e Aníbal Augusto Ruivo Ferraz).