Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:084/18
Data do Acordão:06/06/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:IVA
LAR DE TERCEIRA IDADE
ISENÇÃO
UTILIDADE
Sumário:I - Conferida a utilidade social a um lar de idosos deve ver entregue a correspondente declaração de alterações, por se encontrarem reunidas as condições para o seu enquadramento no regime de isenção de IVA.
II - Trata-se de uma isenção incompleta na medida em que as operações que realiza estão isentas de imposto sobre o valor acrescentado e não conferem o direito à dedução do IVA pago a montante pela recorrente para adquirir bens e serviços que utiliza no seu lar de idosos.
III - A situação de isenção ocorre desde a data em que foi concedida a utilidade social e, um lar de idosos apenas pode exercer aquela actividade se tiver tal reconhecimento, que obtém quando a sua actividade é licenciada, funcionando ilegalmente no caso contrário.
IV - A tardia entrega dessa declaração e a continuação de realização de operações como se fosse um contribuinte integrado no regime normal de imposto sobre o valor acrescentado implica que tenha que proceder às regularizações de imposto a que estava obrigada por força dos artigos 24º e 26º na declaração referente ao último período de imposto anual (art. 29º, nº 5).”
Nº Convencional:JSTA000P23383
Nº do Documento:SA220180606084
Data de Entrada:01/29/2018
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada
. 06 de Outubro de 2017

Julgou improcedente a impugnação judicial, e em consequência manteve o despacho de indeferimento da reclamação graciosa referente à liquidação de IVA e juros compensatórios do período 0912T.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo
Tribunal Administrativo:

A…………, Ld.ª veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no âmbito do processo de Impugnação judicial nº 550/15.4BEALM, por si deduzida após ter interposto recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou com o nº 2160201404000641 referente à liquidação adicional de IVA do período 0912T no montante de € 92.885,06 e respetivos juros compensatórios no valor de € 13.976,02, tendo decorrido o prazo previsto no nº 5 do art. 66º do CPPT sem que tivesse sido notificada de qualquer decisão, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A. O DESPACHO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO DE IVA E JUROS COMPENSATÓRIOS DO PERÍODO 0912T CARECE DE FUNDAMENTAÇÃO, SENDO NULO.
B. A douta sentença do TRIBUNAL A QUO, ao aderir integralmente à argumentação da Autoridade Tributária, violou claramente o disposto no artigo 77º, nº.1 da LGT.
C. A ora recorrente peticionou a nulidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por manifesta insuficiência da fundamentação.
D. Mas não o fez, ao contrário do que o doutro tribunal a quo erradamente interpretou, por não achar por suficiente a “mera remissão ou concordância para outros pareceres ou informações anteriores”.
E. O douto tribunal a quo, salvo melhor opinião, cita e interpreta erradamente a jurisprudência produzida por esse reverendo Superior Tribunal Administrativo, ao usar os Acórdãos de 09/09/2015 (rec. 01173/14) e de 05/06/2013 (rec. 0867/13) para sustentar a sua decisão.
F. O que se passou na presente decisão objeto de impugnação judicial e a que o douto tribunal a quo aderiu de forma singela é uma situação bem diferente do que o STA tem vindo a decidir, porque resulta dos factos provados, FACTO J, que “foi a reclamante (…) notificada (…) para exercer o direito de audição consignado (…). Embora notificada, a reclamante não veio exercer o direito, pelo que, o proposto no projeto de decisão converte-se em decisão definitiva e indefere-se o pedido” – sublinhado nosso.
G. A ora recorrente não pretende que a decisão da autoridade tributária seja declarada nula por simplesmente remeter para uma decisão anterior, mas sim pelo facto de nem sequer o fazer, fundamentando a mesma a final no facto de o reclamante não ter exercido o direito de audição prévia.
H. Deveria isso sim ter declarado nula e sem qualquer efeito a decisão proferida pela Autoridade Tributária, por falta de fundamentação em violação do cit. artigo 77º, nº.1 da LGT.

OU, EM ALTERNATIVA, CASO NÃO SE ENTENDA FUNDAMENTO PARA A EXCEÇÃO INVOCADA, SER O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:

I. As liquidações adicionais de IVA (nº. 131151110 do período 0912T), no valor de 92.885,06€, e de juros compensatórios (nº. 131151111 do período 0912T) no valor de 13.976,02, serem anuladas, por violação dos direitos e interesses legítimos dos administrados, consagrada no n.º 4 do artigo 268.º em refração do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

J. De facto, a decisão administrativa da Autoridade Tributária – e que o douto tribunal a quo manteve – de enquadrar a declaração entregue pela ora recorrente (FACTO B PROVADO) ao abrigo do artigo 29º, nº. 4 do CIVA e não nos termos e de acordo com o disposto no artigo 12º, nº. 3 alínea a) do CIVA, induziu o contribuinte em erro, fazendo com que de imediato passasse a isentar de IVA os seus utentes/clientes, quando apenas o deveria ter feito a partir do 1 período trimestral de IVA de 2010 (ano fiscal seguinte ao da isenção).

K. Ao enquadrar o pedido do contribuinte de isenção do regime de IVA em regime legal diferente do peticionado por este (artigo 29º, nº. 4 do CIVA em vez do artigo 12º, nº. 3 alínea a) do CIVA), a Autoridade Tributária valeu-se em seu proveito da errada qualificação que, porventura, o contribuinte tenha feito no pedido de isenção e, com isso, proceder a correções na declaração de IVA do período em causa;

L. Ademais diga-se que a ora recorrente não obteve em seu benefício, para o período em causa, qualquer vantagem patrimonial, antes pelo contrário: deixou de cobrar o IVA (ao que parece, que vinha fazendo indevidamente) aos utentes do lar;


M. Também para o período anterior a 2009, apesar de uma inspeção tributária em 2002…, a ora recorrente não obteve qualquer vantagem patrimonial, uma vez que sempre entregou – com a AT reconhece no relatório de inspeção (FACTO PROVADO C) – o IVA cobrado ao Estado.

N. A AT violou claramente a garantia de proteção jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados, consagrada no n.º 4 do artigo 268.º em refração do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.


O. e o tribunal a quo (ao aderir à mesma tese sem a questionar) também o fez.

Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

I. SER O DESPACHO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IVA E JUROS COMPENSATÓRIOS DO PERÍODO 0912T DECLARADO NULO, POR CARECER DE FUNDAMENTAÇÃO, EM VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 77º, Nº.1 DA LGT,
II. OU, EM ALTERNATIVA, CASO NÃO SE ENTENDA FUNDAMENTO PARA A EXCEÇÃO INVOCADA, SER O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA serem as liquidações adicionais de IVA (nº. 131151110 do período 0912T), no valor de 92.885,06€, e de juros compensatórios (nº. 131151111 do período 0912T) no valor de 13.976,02, serem anuladas, por violação dos direitos e interesses legítimos dos administrados, consagrada no n.º 4 do artigo 268.º em refração do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.


Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.


Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:


A. Em 10/03/2000 foi emitido pelo Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo em nome de A………., Lda., o alvará nº 5/2000 para Lar de Idosos com a lotação máxima de 40 utentes e denominação A………… (cfr. fls. 28 dos autos).

B. Em 14/01/2009 foi entregue em nome da impugnante uma declaração de alteração de IVA, tendo sido alterado o regime de enquadramento para "o regime de isenção previsto no nº 7 do art. 9 do CIVA" (facto assente por acordo - art. 28º da petição inicial e fls. 145 do apenso).

C. A ora impugnante foi objecto de uma acção de inspecção tendo os serviços de inspeção procedido a correções ao IVA de 2009 de que resultou a correção no montante total de € 92.885,06 de imposto a regularizar a favor do Estado sendo € 4.008,04 referente a bens móveis e € 88.877,02 referente a bens imóveis (cfr. relatório de inspecção de fls. 137/294 do processo administrativo em apenso).

D. Relativamente às correcções em sede de IVA os serviços de inspeção apuraram "que o sujeito passivo esteve até 2009.12.31, enquadrado no regime normal do IVA com periodicidade trimestral, e a partir de 2010.01.01, no regime de isenção previsto pelo artigo 9º do CIVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado), mais concretamente no seu nº 7. Este tipo de isenção, trata-se de uma "isenção incompleta", ou seja, não confere o direito à dedução das operações a jusante, pelo que, a sociedade não deverá liquidar IVA nas suas operações ativas e não terá direito à dedução do imposto suportado nas suas operações passivas. Por outro lado, não é suscetível de renúncia (art. 12º a contrário) pelo que tem um cariz obrigatório.
Visto que a utilidade social é conferida à sociedade desde 2000.03.10, somos de concluir que a mesma deveria ter, desde logo, procedido à entrega da correspondente declaração de alterações, uma vez que se encontravam reunidas as condições para o enquadramento no referido regime de isenção. No entanto continuou a liquidar IVA nas prestações de serviços efetuadas, e a deduzir o imposto suportado.
Todavia a sociedade assim não procedeu, vindo apenas a fazer a entrega da mesma declaração em 2009.03.10, passando a estar dispensada do envio de declarações periódicas a partir de 1 de Janeiro de 2010 (artigo 29º, nº 4 do CIVA), e devendo proceder às regularizações de imposto a que está obrigada por força dos artigos 24º e 26º na declaração referente ao último período de imposto anual (art. 29º, nº 5)." (cfr. fls. 141/verso do apenso).


E. Em 25/11/2013 foi proferido despacho pelo Director de Finanças Adjunto, por delegação, e exarado no relatório de inspecção com o seguinte teor: "Concordo com as correcções e propostas que constam dos pareceres da Srª Chefe de Equipa e Srª Chefe de Divisão, face aos fundamentos vertidos no relatório em anexo. Proceda-se de conformidade" (cfr. fls. 137 do apenso).

F. Em 10/12/2013 foram emitidas as notificações da liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios decorrente das correções enunciadas nas alíneas anteriores de que resultou o montante a pagar de € 92.885,06 e de € 13.976,02 respetivamente, cuja data limite de pagamento ocorreu em 31/01/2014 (cfr. fls. 22 e 22/verso do apenso).

G. Em 08/05/2014 foi autuado o processo de reclamação graciosa nº 2160201404000641 em nome de A…………., Lda., com referência à liquidação adicional de IVA e juros compensatórios do período 0912T (cfr. processo de reclamação graciosa a fls. 9 e seguintes do processo administrativo em apenso).

H. Em 23/07/2014 foi elaborada informação no sentido do indeferimento da reclamação graciosa com o seguinte teor "A reclamante alega em síntese:
· que tem como atividade a gestão e exploração de lares e casas de repouso CAE e tendo obtido o alvará de licenciamento em 2000/03/10 (alvará 5/2000) as prestações de serviços realizadas estão isentas de IVA nos termos do nº 7 do art 9° (anterior nº 8) e, sendo uma isenção incompleta o IVA.
· o suportado não é dedutível face ao disposto no nº 1 alínea a) do art 20°
· o não poder renunciar à isenção uma vez que não se encontra prevista no art 12°.
· estando indevidamente enquadrada desde a data em que obteve o alvará, 2000/03/10 até 2009/01/14, data em que entregou uma declaração de alterações para produzir efeitos imediatos, comportou-se como um sujeito passivo do regime normal liquidando e deduzindo imposto, não tendo sido alertado do erro quando em 2002, foi objeto de uma ação inspetiva realizada pelos serviços da Administração Fiscal, durante a qual constataram que já estava na posse do alvará emitido pela segurança social em 10/03/2000.

PARECER
Nos termos do n° 7 do art 9° os lares de idosos são isentos de IVA desde que pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social, ou cuja utilidade social seja em qualquer caso reconhecida pelas autoridades competentes.
Nos termos do nº 2 do art 6° do Decreto-Lei 133-A/97 de 30 de Maio os estabelecimentos que se encontrem licenciados são considerados de utilidade social e podem beneficiar de isenções fiscais e outras regalias previstas na lei
Possuindo a reclamante o alvará de licenciamento 5/2000 emitido pela segurança social em 2000/03/10, face ao disposto no nº 7 do art 9° do CIVA as prestações de serviços no âmbito da sua atividade estão isentas desde aquela data (2000/03/10), sem possibilidade de renúncia à isenção face ao disposto no art 12°.
Dado que com a obtenção do alvará de licenciamento a reclamante passou do regime normal ao regime de isenção deveria:
· no prazo de 15 dias a contar de 2000/03/10, ter entregue a declaração de alterações prevista no art 32°;
· ter procedido às regularizações do IVA previstas n° 3 alínea g) do art 3° do CIVA e artigos 24° e 25°;
· ter deixado de liquidar IVA aos utentes do lar;
porém não deu cumprimento a qualquer destas obrigações e continuou a comportar-se como estando no regime normal enviando as declarações periódicas e apurando o imposto em conformidade com o disposto no art 19° do CIVA.
Embora argumente que a sua forma de procedimento se deveu à não atuação correta e atempada dos Serviços da Administração Tributária e ao seu desconhecimento da lei, dir-se-á que embora se reconheça que na ação inspetiva efetuada em 2002 não foram reconhecidas as implicações fiscais que o alvará atribuído em 2000 impunha, não é menos verdade que o "desconhecimento da lei não pode beneficiar ninguém" entende-se que a comunicação do facto era obrigação da reclamante, a qual deveria ter ocorrido 15 dias após a data da concessão do alvará, mediante a entrega da declaração de alterações, conforme disposto nos nºs 1 e 2 do art 33° do CIVA.
A reclamante só comunicou a alteração em 2009. No lapso de tempo que decorreu entre a atribuição do alvará em 2000 e a comunicação do facto, beneficiou da dedução indevida de imposto e do recebimento indevido de reembolsos com o consequente prejuízo para os cofres do Estado.
Em 14/01/2009, quando comunicou a alteração não procedeu às regularizações do IVA impostas pelo disposto nos artigos 24° e 25° do CIVA, pelo que a Administração Tributária agiu em sua substituição liquidando o imposto no prazo previsto no art 45° da LGT.
Face ao exposto e normas legais aplicáveis entende-se ser de indeferir o pedido" (cfr. fls. 100/104 do apenso).

I. Na informação referida na alínea anterior foi exarado despacho em 29/07/2014 pelo Chefe de Divisão, por delegação, com o seguinte teor "Confirmo. Considero a informação junta como PROJECTO DE DECISÃO. Notifique o reclamante para no prazo de 15 dias contados continuamente exercer, querendo, o direito de audição previsto na alínea b) do nº 1 do art. 60º da LGT" (cfr. fls. 100 do apenso).

J. Em 29/08/2014 foi elaborada informação no sentido de converter o projecto de decisão em decisão definitiva com o seguinte teor:
"Informação complementar
Foi a reclamante antes identificada, notificada pelo n/ofício 17974 de 2014/07/29, para exercer o direito de audição consignado no disposto na alínea b) do art. 60º da LGT. Embora notificada, a reclamante não veio exercer o direito, pelo que, o proposto no projeto de decisão converte-se em decisão definitiva e indefere-se o pedido." (cfr. fls. 108 do apenso).

K. Na informação referida na alínea anterior foi exarado despacho em 29/08/2014 pelo Chefe de Divisão, por delegação, com o seguinte teor "Confirmo. Considerando a informação junta torna-se definitivo o projeto de decisão e indefere-se o pedido. Notifique-se" (cfr. fls. 107 do apenso).

L. Em 10/09/2014 foi efetuada a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 110/111 do apenso).

M. Em 08/10/2014 foi apresentado no serviço de finanças do Barreiro o recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa tendo em 10/10/2014 sido autuado com o nº 2160201410000187 (cfr. fls. 115 e 119/131 do apenso).

N. O processo de recurso hierárquico não foi decidido tendo sido apenso aos presentes autos (cfr. teor de fls. 116)

O. Em 05/02/2015 foi enviada por registo postal a petição inicial de impugnação (cfr. fls. 83 dos autos).

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Questão objecto de recurso:

1- Falta de fundamentação da decisão final proferida em reclamação graciosa.
2- Regime de isenção de imposto sobre o valor acrescentado.


1- Falta de fundamentação da decisão final proferida em reclamação graciosa


Entende a recorrente que a sentença recorrida não curou de analisar que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa não remetia para qualquer parecer ou documento fundamentante anteriormente produzido pelo que carece em absoluto de fundamento.
Todavia verifica-se que na reclamação graciosa foi analisada a pretensão da recorrente e formulado um parecer de indeferimento dessa pretensão assente em fundamentos que a recorrente não ataca. No cumprimento do rito processual adequado foi a recorrente notificada, naquele procedimento para exercer o seu direito de audição sob pena de ser convertido em definitivo o projecto de decisão da reclamação graciosa que lhe foi, então, notificado.
A recorrente não exerceu o seu direito de audição não tendo aportado àquele procedimento quaisquer alegações ou factos que a Administração Tributária devesse ter considerado. Na falta de novos elementos, a Administração Tributária converteu em definitivo o projecto de decisão, indeferindo a reclamação graciosa pelos fundamentos que constam desse projecto de decisão, com os quais a recorrente não concorda, mas que existem e são os fundamentos daquela decisão de indeferimento.
Não é apontado, nem se descortina qualquer outro elemento que devesse ter sido e não haja sido considerado para decidir a pretensão formulada pela recorrente, pelo que, não assiste qualquer razão à recorrente quanto à falta de indicação de fundamentos da decisão que indeferiu a reclamação graciosa por ela apresentada quanto aos actos de liquidação impugnados.
Improcede, pois, o recurso quanto a este fundamento.


2- Regime de isenção de imposto sobre o valor acrescentado.

Passaremos, pois, a analisar se há fundamento legal que suporte as liquidações impugnadas.
A recorrente entende que deve ser enquadrada no regime de imposto sobre o valor acrescentado tendo em conta o disposto no artigo 12º, nº. 3 alínea a) do CIVA e não, como veio a entender a Administração Tributária ao abrigo do artigo 29º, nº. 4 do Código do imposto sobre o valor acrescentado. Este diverso enquadramento, além disso, terá, em seu entender induzido o contribuinte em erro, fazendo com que de imediato passasse a isentar de IVA os seus utentes/clientes, quando apenas o deveria ter feito a partir do 1 período trimestral de IVA de 2010 (ano fiscal seguinte ao da isenção).

De acordo com o disposto no art.º 9.º, n.º 7 do Código do imposto sobre o valor acrescentado Artigo 9.º

(…)
Estão isentas do imposto nas operações internas (…)
7) As prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efectuadas no exercício da sua actividade habitual por (…) lares de idosos, (…) ou outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou, instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas autoridades competentes;

A recorrente esteve até 2009.12.31, enquadrado no regime normal do IVA com periodicidade trimestral, e a partir de 2010.01.01, no regime de isenção previsto pelo artigo 9º do CIVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado), mais concretamente no seu nº 7. Enquanto se manteve nesta situação liquidou IVA nas prestações de serviços efetuadas, e deduziu o imposto suportado.
A Administração Tributária, em acção de fiscalização verificou que foi conferida a utilidade social à recorrente em 2000.03.10. Face a esta situação entendeu que a recorrente deveria ter procedido à entrega da correspondente declaração de alterações, por se encontrarem reunidas as condições para o seu enquadramento no referido regime de isenção.
A recorrente apenas fez a entrega da declaração de alteração em 2009.03.10, passando a estar dispensada do envio de declarações periódicas a partir de 1 de Janeiro de 2010 (artigo 29º, nº 4 do CIVA).
Esta tardia entrega da declaração mediante a qual deveria passar a estar integrada no regime de isenção implica que tenha que proceder às regularizações de imposto a que estava obrigada por força dos artigos 24º e 26º na declaração referente ao último período de imposto anual (art. 29º, nº 5).”
A recorrente beneficia de uma isenção incompleta na medida em que as operações que realiza estão isentas de imposto sobre o valor acrescentado e não conferem o direito à dedução do IVA pago a montante pela recorrente para adquirir bens e serviços que utiliza no seu lar de idosos.
A situação de isenção ocorre desde a data em que foi concedida a utilidade social e, um lar de idosos apenas pode exercer aquela actividade se tiver tal reconhecimento, que obtém quando a sua actividade é licenciada, funcionando ilegalmente no caso contrário. Na pendência do processo de licenciamento de funcionamento poderá estar integrado no regime normal, mas, à face da lei não pode funcionar como lar de idosos. Assim, a situação invocada pela recorrente indica que desde 2000.03.10 que tem utilidade social pelo que o seu enquadramento em sede de imposto sobre o valor acrescentado não pode desde então ser diverso do regime de isenção.
Bem certo que invoca, e a Administração Tributária não rejeita, que foi alvo de uma fiscalização pela Administração Tributária em 2002 que não alertou, como devia, a recorrente para a situação irregular em que se enquadrava. Todavia, essa alegada tal alegação, ainda que provada, não justificaria o incumprimento da lei.
A recorrente exerce uma actividade sem curar das responsabilidades tributárias que desse exercício decorre pelo que, desse incumprimento não pode retirar qualquer proveito.
Por outro lado, não é a Administração Tributária que considera por livre arbítrio que a situação é enquadrável artigo 29º, nº. 5 do Código do imposto sobre o valor acrescentado e não no seu n.º 4. A aplicação na presente situação do disposto no n.º 5 –
«5 - O disposto no n.º 3 não se aplica aos sujeitos passivos que, embora passando a praticar exclusivamente operações isentas que não conferem o direito à dedução, tenham de efectuar as regularizações previstas nos artigos 24.º e 26.º, os quais, no entanto, só ficam obrigados à apresentação de uma declaração com referência ao último período de imposto anual.» não é uma escolha mas uma imposição legal para a situação em que a recorrente, por acto seu, se colocou com o não cumprimento do disposto no art.º 32.º do Código do imposto sobre o valor acrescentado.
Tão pouco se pode dizer que: «A AT violou claramente a garantia de proteção jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados, consagrada no n.º 4 do artigo 268.º em refração do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.». São os tribunais e não a Administração Tributária que garantem a tutela jurisdicional efectiva que a recorrente, por este meio contencioso está a obter. Tem o direito de discutir a sua pretensão, o que é diverso de ter razão, ou fundamento legal para o que pretende. Tem o Supremo Tribunal Administrativo a analisar os seus argumentos e a rever a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância. Mas a tutela jurisdicional efectiva não confere aos contribuintes incumpridores das suas obrigações fiscais um perdão incondicional dos montantes em dívida. Os actos de liquidação são anulados quando enfermem de qualquer vício de violação de lei, mas não podem ser anulados por o contribuinte durante muitos anos ter desenvolvido uma actividade empresarial em desconformidade com a lei.
Não há no presente recurso qualquer elemento que permita concluir que o montante liquidado não é devido para além da indicação de que o contribuinte não cumpriu a lei, porque a não conhecia.
Não se apurou se a recorrente obteve ou não qualquer benefício patrimonial com as operações de liquidação e dedução de imposto sobre o valor acrescentado que realizou nem isso transporta qualquer elemento relevante para a legalidade/ilegalidade dos actos de liquidação impugnados. Tão pouco se verifica que a Administração Tributária haja enganado a recorrente fazendo-a não cobrar imposto sobre o valor acrescentado aos seus utentes em momento anterior ao devido. Todos os dados e prazos constam da lei e têm-se por conhecidos do contribuinte.
Não enferma, pois, a sentença recorrida de qualquer dos vícios que lhe vinham atribuídos, o que determina a sua integral confirmação.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).


Lisboa, 6 de Junho de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Francisco Rothes.