Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0880/07
Data do Acordão:03/12/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IVA
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:A indemnização recebida pela impugnante como contrapartida pela rescisão bilateral de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, está sujeita a IVA, nos termos do disposto no artº 4º, nº 1 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Nº Convencional:JSTA00064888
Nº do Documento:SA2200803120880
Data de Entrada:10/15/2007
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA84 ART1 N1 A ART3 N1 ART4 N1 ART18 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC232/07 DE 2007/09/26.; AC STA PROC904/06 DE 2006/12/12.
Referência a Doutrina:PINTO FERNANDES E OUTRO CÓDIGO DO IVA ANOTADO 4ED PAG87.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial que A..., SA, melhor identificada nos autos, deduziu contra o acto de liquidação de IVA, referente ao ano de 2000, no valor de € 130.585,30 e juros compensatórios, no valor de € 21.813,11, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) A B..., Lda, celebrou em 22-07-1999 com a A..., SA, um contrato de cessão de exploração, pelo qual cedeu a exploração de um estabelecimento comercial de pronto a vestir, confecções e novidades, pelo prazo de cinco anos, com inicio em 01-08-1999, prorrogável por iguais períodos e pelo preço de € 74.819,69, pagos em duodécimos mensais € 1247,00, prevendo um prazo de 180 dias para a hipótese de rescisão, sem qualquer cláusula indemnizatória.
2) No entanto em 17-04-2000, as partes celebraram um “acordo” para a rescisão do referido contrato de exploração em 31-05-2000, fixando a título de indemnização um valor de € 768.148,76, a ser pago pela B.... à A..., SA, em quatro tranches.
3) Encontra-se definido no art° 862 do C. Civil, que a obrigação de indemnizar, visa a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
4) Dispõe o n° 1 do art.° 4 do CIVA, o conceito de prestação de serviços “… as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”
5) O Código do IVA contém os conceitos, embora por vezes de forma pouco explícita, é nas disposições que regulam este imposto que terá de se buscar a aplicação normativa que sirva de critério decisório para o caso em concreto.
6) O conceito de prestação de serviços é de natureza económica, integrando a transmissão de direitos, a obrigação de conteúdos negativos (obrigação de não praticar determinados actos) e a prestação de serviços coactiva, cfr. nº 1 do art° 6° da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE).
7) No enquadramento em relação ao CIVA do valor recebido a título de indemnização, este será tributado se as indemnizações tiverem subjacente uma transmissão de bens ou serviços, ou seja, será tributada a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham carácter remuneratório.
8) Neste desiderato, a indemnização em causa consubstancia uma obrigação de conteúdo negativo, visando compensar proveitos que deixaram de ser obtidos, pelo tratando-se de um sujeito passivo de imposto, deve ser liquidado IVA nos termos do artº 18º nº 1 do CIVA.
9) Em suma, estamos perante uma operação efectuada a título oneroso que não constitui transmissão, nem aquisição intracomunitária, nem importação de bens.
10) Neste pendor a sentença recorrida não fez a melhor interpretação da norma do nº 1 do artº 4° do CIVA, porque na realidade, trata-se de uma prestação de serviços como foi demonstrado e não apenas uma indemnização que visa ressarcir um prejuízo que se teve.
A recorrida não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso, sufragando-se, para o efeito, na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, prolatada em casos idênticos, que cita.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1) A sociedade impugnante foi objecto de uma acção de inspecção aos exercícios de 1999 e 2000, por parte dos Serviços de Inspecção Tributária da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa, que originou a liquidação adicional de IVA nº 03022157, no valor de € 142.223,57, sendo este valor o resultado da soma de € 130.585,30 (calculado com base no IVA a pagar pela indemnização recebida pelo impugnante) e € 11.638,27 (calculado com base em quebras de existências e donativos em espécie), assim como as liquidações de juros compensatórios n° 03022155 no valor de € 21.813,11 e n° 03022156 no valor de € 1.600,34, relativas a juros sobre a liquidação-base - Doc. fls. 5, 6, 7 e 18 e ss do Processo de reclamação apenso.
2) A Administração Tributária considerou que a impugnante deveria ter liquidado IVA de € 130.585,30 relativo a indemnização por cessação de um contrato. - Doc. fls. 18 e ss do Processo de reclamação apenso.
3) A firma “B..., Lda” celebrou em 22/07/1999 um contrato de cessão de exploração, com a sociedade impugnante, pelo qual cedeu a exploração de um estabelecimento comercial de pronto a vestir, confecções e novidades, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/08/1999, pelo preço de € 74.819,69, pagos em duodécimos mensais de € 1.274,00 - Doc. fls. 18 e ss do Processo de reclamação apenso.
4) O referido contrato prevê a denúncia por qualquer das partes com um pré aviso de 180 dias em relação ao termo do prazo de 5 anos - Doc. fls. 154 do Processo de reclamação apenso.
5) O contrato não contêm qualquer cláusula que preveja o pagamento de indemnização - Doc. fls. 154 do Processo de reclamação apenso.
6) Em 17/04/2000, foi estabelecido acordo de rescisão do contrato de cessão de exploração, dando-o por findo em 31/05/2000, e fixando a título de indemnização pela antecipação do termo do contrato um valor de € 768.148,76 - Doc. fls. 18 e ss do Processo de reclamação apenso.
7) A impugnante depositou 4 cheques emitidos pela “B..., Lda” nos valores de 10.000.000$00, 25.000.000$00, 100.000.000$00 e 17.341.572$00- Doc. fls. 18 e ss do Processo de reclamação apenso.
3 – A questão que se coloca com o presente recurso, consiste em saber se, tendo a impugnante recebido determinada quantia, a título de indemnização, por rescisão bilateral de contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, está ou não sujeita a tributação em IVA, atento o disposto no artº 4º, nº 1 do CIVA.
Na sentença recorrida decidiu-se, em suma, que, não constituindo o pagamento das indemnizações a prestação de qualquer serviço, antes a reparação de um dano, “não faz sentido obrigar o lesante a pagar o IVA (aumentando assim o montante indemnizatório) nem obrigar o lesado a considerar o IVA incluído na indemnização (diminuindo assim o seu valor)”.
Por sua vez, entende, em suma, a recorrente que, “no enquadramento em relação ao CIVA do valor recebido a título de indemnização, este será tributado se as indemnizações tiverem subjacente uma transmissão de bens ou serviços, ou seja, será tributada a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham carácter remuneratório.
Neste desiderato, a indemnização em causa consubstancia uma obrigação de conteúdo negativo, visando compensar proveitos que deixaram de ser obtidos, pelo tratando-se de um sujeito passivo de imposto, deve ser liquidado IVA nos termos do artº 18º nº 1 do CIVA.
Em suma, estamos perante uma operação efectuada a título oneroso que não constitui transmissão, nem aquisição intracomunitária, nem importação de bens”.
Vejamos se lhe assiste razão.
4 – Dispõe o artº 1º, nº 1, al. a) do CIVA que “estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado…as transmissões e prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal”.
Por sua vez estabelece o artº 3º, nº 1 do mesmo diploma legal que “considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade”.
E no seu nº 4 acrescenta que “não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º”.
Por outro lado, determina o artº 4º, nº 1 do CIVA que “são consideradas como prestação de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intercomunitárias ou importações de bens”.
A este propósito referem F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, in CIVA anotado, 4ª ed. pág. 87, que “o conceito de prestação de serviços, dado por este artigo. 4º, apresenta natureza residual…Assim o mérito da definição é conduzir à tributação, de qualquer modo, as situações que se situem na zona cinzenta da fronteira entre as transmissões de bens e as prestações de serviços.
De qualquer forma o conceito de prestação de serviços em sede de IVA é de natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo artigo 1154.º do Código Civil…”.
E sendo um conceito residual, prestação de serviços há-de ser tudo aquilo que não é transmissão, aquisição ou importação de bens.
Ora, no caso dos autos e como resulta do probatório, a impugnante celebrou, em 22/7/99, com a firma B..., Lda, um contrato de cessão de exploração, pelo qual esta cedeu àquela a exploração de um estabelecimento comercial de pronto a vestir, confecções e novidades, pelo prazo de cinco anos, com início em 1/8/99 (nº 3) do probatório).
O referido contrato previa a denúncia por qualquer das partes com um pré aviso de 180 dias em relação ao termos do prazo de 5 anos (nº 4) do probatório).
Este contrato não continha qualquer cláusula que previsse o pagamento de indemnização (nº 5) do probatório).
Entretanto, no dia 17/4/00, foi estabelecido entre as partes acordo de rescisão desse mesmo contrato de cessão de exploração, o que veio a acontecer em 31/5/01, fixando-se, a título de indemnização, pela antecipação do termo do mesmo o valor de € 768.148,76 (nº 6) do probatório)
Do que fica exposto, ressalta que a recorrida rescindiu o contrato de cessão de exploração, mediante o recebimento de uma indemnização.
A ser assim, como foi, não houve transmissão do direito de exploração do estabelecimento comercial mediante o recebimento de uma indemnização. O que houve foi o recebimento de uma indemnização, como contrapartida pelo facto de a impugnante ter rescindido bilateralmente o referido contrato e não para compensar possíveis prejuízos.
Pelo que, estamos, assim, face a uma operação onerosa que, como se viu, não constitui uma transmissão do que quer que seja e muito menos uma aquisição intercomunitária ou importação de bens.
E a ser assim, como é, está abrangida pela incidência objectiva do IVA, de harmonia com o disposto nos artºs 1º, al. a) e 4º, nº 1 do CIVA.
Neste sentido, pode ver-se os Acórdãos do Pleno da Secção de 26/9/07, in rec. nº 232/07, citado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto e da Secção do STA de 12/12/06, in rec. nº 904/06, que aqui vimos seguindo de perto.
5 – Nestes termos e face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e julgar improcedente a impugnação judicial, mantendo-se o acto de liquidação impugnado.
Custas pela recorrida apenas na 1ª instância, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 12 de Março de 2008. – Pimenta do Vale (relator) – Brandão de Pinho – Jorge Lino.