Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0983/20.4BEBRG
Data do Acordão:07/27/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:CONCURSO PÚBLICO
FORNECIMENTO DE BENS
FOTOGRAFIA
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
Sumário:Se o caderno de encargos apenas exige a descrição escrita das características e das especificações técnicas das peças de mobiliário a fornecer, não é de excluir uma proposta, com fundamento na alínea b) do nº2 do artigo 70º do CCP, que cumpre essa descrição escrita mas ilustra-a com fotografias dos bens a fornecer não de todo coincidente com a mesma.
Nº Convencional:JSTA000P28087
Nº do Documento:SA1202107270983/20
Data de Entrada:06/07/2021
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DE VIZELA
Recorrido 1:A............ UNIPESSOAL LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O MUNICÍPIO DE VIZELA [MV] vem interpor recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 19.02.2021, que, confirmando sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF], julgou procedente a presente acção de «contencioso pré-contratual» que lhe moveu A………… UNIPESSOAL, LDA. e em que figura como contra-interessada a adjudicatária B…………, LDA., e relegou as partes para o mecanismo jurídico previsto no artigo 45º do CPTA [ex vi artigo 45º-A do CPTA] - «considerando que o contrato impugnado já foi executado».

Conclui assim as suas alegações de revista:

1) Tal como se reconhece no «acórdão recorrido», entre a descrição dos acima referidos itens na proposta adjudicada e o caderno de encargos não existe qualquer divergência;

2) A divergência verifica-se entre, por um lado, as fotografias e a descrição que nelas se faz dos aludidos itens e, por outro lado, a descrição desses itens na proposta adjudicada e o caderno de encargos;

3) Na alínea C) dos factos provados, na descrição do teor do caderno de encargos, mais precisamente no conteúdo da respectiva cláusula 2ª, nºs 2 e 3, refere-se que [nº2] «O contrato a celebrar integra, ainda, os seguintes elementos: [...] c) O presente caderno de encargos; d) A proposta adjudicada […]» e que [nº3] «Em caso de divergência entre os documentos referidos no número anterior, a respectiva prevalência é determinada pela ordem pela qual aí são indicados»;

4) Tal como se reconhece no acórdão recorrido [alínea F) dos factos provados], a contra-interessada emitiu e assinou a declaração [Anexo I] referindo que «[…] tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento […], declara, sob compromisso de honra, que a sua representada se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas»;

5) Acresce que, em G) dos factos provados, também se reconhece que na proposta da contra-interessada esta declarou que «Se compromete para todos os produtos que fazem parte deste Concurso Público, cumprir na íntegra, todas as características e pormenores técnicos solicitados no Caderno de Encargos»;

6) Reconhece-se, ainda, no acórdão recorrido, que [alínea K) dos factos provados], tendo-lhe sido pedidos esclarecimentos a esse propósito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 72º nº1 do CCP, a contra-interessada reiterou que «[…] tem de cumprir todas as características técnicas e condições do referido caderno de encargos» e que «[…] juntou ao concurso uma declaração titulada Declaração de cumprimento das características Técnicas solicitadas no Caderno de Encargos reforçando a obrigatoriedade do cumprimento, sem quaisquer condicionantes, de todas as características e especificações técnicas solicitadas no Caderno de Encargos»;

7) Feito esse esclarecimento, nem sequer se pode invocar a existência de qualquer divergência entre a proposta adjudicada e o caderno de encargos;

8) Como refere o «voto de vencido» expresso no acórdão do TCAN, a apresentação de fotografias dos elementos do mobiliário não é exigida pelos regulamentos do concurso, e, as mesmas, não constituem elementos submetidos à concorrência, nem pelo caderno de encargos, nem pelo programa do concurso, sendo que tais aspectos não são susceptíveis de avaliação concorrencial, pois apenas o preço o é;

9) Mais refere aquele «voto de vencido» que tais fotografias, em face da lei, não representam ou contêm atributos, nem termos ou condições [artigos 56º nº2 e 57º nº1 alínea c) do CCP], donde não são susceptíveis de análise para efeitos de adjudicação e, como tal, devem ser desconsideradas, mormente depois do esclarecimento prestado pela contra-interessada;

10) Daí que, conclui o «voto de vencido», tal situação não é subsumível à previsão normativa da alínea b) do nº2 do artigo 70º do CCP, na medida em que não apresenta nenhum atributo;

11) Ainda que se entendesse existir divergência entre a «proposta adjudicada» e o caderno de encargos, esta seria resolvida nos termos do disposto da cláusula 2ª n 3 do caderno de encargos, e do artigo 96º nº5 do CCP, pela prevalência do caderno de encargos;

12) A exclusão da proposta da contra-interessada nos termos do disposto no artigo 70º nº2 alínea b) do CCP, defendida no acórdão recorrido, sempre seria manifestamente violadora dos «princípios da legalidade e da proporcionalidade» [artigo 1º-A nº1 do CCP];

13) Não ocorre «falta de fundamentação» do relatório final, uma vez que deste constam os fundamentos de factuais e jurídicos que levaram o réu a aceitar como sendo bastantes os esclarecimentos que a contra-interessada prestou, pelo que se mostra respeitado o disposto nos artigos 152º e 153º do CPA;

14) Na verdade, tal como refere o supra citado «voto de vencido», a contra-interessada estava vinculada pela aceitação [declaração Anexo I] a executar o contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, sendo que naquela fundamentação está patente a concreta motivação pela invocação dos fundamentos de facto [o documento próprio no qual foi declarada aquela aceitação] e de direito [a vinculação da contra-interessada à execução do contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, pela declaração Anexo 1 a que se refere a alínea a) do nº1 do artigo 57º do CCP], fundamentos esses perfeitamente perceptíveis para o declaratário normal colocado na posição das concorrentes, isentos que se mostram de obscuridade, contradição ou insuficiência;

15) A proposta da contra-interessada não poderia ser «excluída», nem a decisão de adjudicação padece de qualquer ilegalidade, pelo que a acção devia ter sido julgada totalmente improcedente;

16) O acórdão recorrido viola, por isso, claramente, as normas dos artigos 1º-A nº1, 56º nº2, 57º nº1 alíneas a) e c), 70º nº2 alínea b), 72º nº2, 96º nº2 alíneas c) e d) e nº5, e 148º nº1 todas do Código dos Contratos Públicos [CCP] e artigos 152º e 153º do Código do Procedimento Administrativo [CPA].

Termina pedindo a admissão do recurso de revista e o seu provimento, com a revogação do acórdão recorrido e o julgamento de total improcedência da presente acção.

2. A autora, aqui recorrida, produziu contra-alegações, culminando-as deste modo:

[…]

8) A «questão» em apreço é tão simples e circunscrita quanto é o «saber se na proposta apresentada, e que acabou por ser adjudicada, se verifica ou não divergência com o caderno de encargos»;

9) As restantes questões colocadas têm natureza casuística e dependem, única e exclusivamente, das ilações/conclusões de facto que o Julgador do TCAN retirou dos elementos constantes dos autos, que essencialmente dependem da interpretação das peças do concurso e da análise da proposta apresentada;

10) Trata-se de uma questão muito particular, que essencialmente depende da interpretação das peças do concurso e da especificidade do objecto do contrato a cuja celebração se destina, sendo certo que, o acórdão recorrido não adoptou na sua resolução raciocínios lógicos ou jurídicos que se afastem manifestamente dos critérios habitualmente seguidos;

11) A apreciação do presente recurso sempre requereria, no caso, a elaboração de um juízo sobre a forma como o TCAN apreciou a matéria de facto em si própria [não só quanto à força probatória dos documentos de prova constantes dos autos];

12) Sendo certo que está excluído, no recurso de revista excepcional, o controlo do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, porquanto não está em causa uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova que fosse preterida pelo TCAN;

13) A pretensão do recorrente apenas serve os seus interesses particulares e específicos sem possibilidade de se projectar para além dos limites do caso concreto, no fundo não é relevante para a decisão de outros casos, não extravasando os limites da importância inter partes da questão;

14) No caso, estamos perante uma acção de contencioso pré-contratual e que, toda a matéria de facto assenta em prova documental, nomeadamente, no Processo Administrativo [PA] junto pelo recorrente aos autos;

15) Ainda que assim não fosse, os poderes de cognição do TCA no âmbito do recurso, configura este tipo de recurso como recurso substitutivo, que pressupõe o reexame das questões que constituíam o objecto do litígio;

16) Ora, ainda que o recorrente procure contornar a questão principal, o que está em discussão é, única e exclusivamente, a divergência na própria proposta que apresentou, e desta com o caderno de encargos;

17) O que fundamenta a sua exclusão nos exactos termos decididos pelo acórdão recorrido, e que aqui se dão por reproduzidos;

18) Relativamente à segunda questão colocada pelo recorrente, no sentido que foi emitida e assinada pela contra-interessada a declaração [Anexo I], onde refere ter tomado inteiro e perfeito conhecimento do CE, e declara sob compromisso de honra, que se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, cujo conteúdo aceita sem reservas;

19) Em primeiro lugar dir-se-á que sendo entendimento da recorrida que os sete itens de bens referenciados, comportam elementos que violam os parâmetros base constantes do caderno de encargos, de nada adianta ter a contra-interessada subscrito ou sucessivamente reiterado a aceitação do conteúdo do caderno de encargos;

20) O que aliás de igual modo foi considerado no acórdão recorrido e ainda no AC de 22.05.2015, processo nº1199/14.4BEAVR, onde se confirma a irrelevância da declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, quando se verifique que um dos atributos viola os parâmetros base: «…Por outro lado, se um atributo violar os parâmetros base ou se um termo ou condição violar um limite máximo ou mínimo, a proposta deve ser excluída, sendo irrelevante o facto de o concorrente ter subscrito a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos do anexo I ao CCP ou o facto de, nos termos do artigo 96º, nº5, o caderno de encargos prevalecer sobre a proposta quando haja divergência entre eles»;

21) O TCAN, e o TAF do Porto, não deixam quaisquer dúvidas na decisão sobre esta questão, referindo que no caso em apreço, a situação é bem mais grave já que, depois de suscitados os esclarecimentos, a contra-interessada, reitera sucessivamente [em audiência prévia e reclamação administrativa], o teor da declaração de aceitação e compromisso apresentado inicialmente, limitando-se a repetir o conteúdo da declaração sem conceder qualquer esclarecimento quanto às divergências suscitadas, o que conduziu, necessariamente, à falta de fundamentação do relatório final do júri, que se afigura «…ininteligível por não estar expresso […] qual o iter cognoscitivo-valorativo que levou o réu a aceitar como bastantes os esclarecimentos que a contra-interessada prestou».

Termina pedindo que seja negada a admissão do recurso de revista, e que, de todo o modo, lhe seja negado provimento, mantendo-se o acórdão recorrido.

3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal - «Formação» a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA.

4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do provimento da revista - artigo 146º, nº1, do CPTA -, e as partes, notificadas da mesma, não lhe reagiram - artigo 146º, nº2, do CPTA.

5. Sem «vistos», por se tratar de processo de natureza urgente - artigo 36º, nº1 alínea c), do CPTA - cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

II. De Facto

Porque não posto em causa, limitamo-nos a «remeter» para o resultado do julgamento de facto efectuado pelas instâncias - artigos 663º, nº6, ex vi 679º, do CPC, ex vi 140º, nº3, do CPTA.

III. De Direito

1. A sociedade «A………… UNIPESSOAL Lda.» [A…………] demandou, nesta acção de contencioso pré-contratual, o MUNICÍPIO DE VIZELA [MV] e a contra-interessada «B………… Lda.» [B…………], pedindo ao tribunal que anule o acto administrativo pelo qual aquele município adjudicou à contra-interessada, no âmbito de concurso público por ele aberto, o fornecimento de mobiliário para uma escola secundária - ESCOLA SECUNDÁRIA DE VIZELA -, e seja condenado a fazer a adjudicação à sua proposta.

Como «causa de pedir» invoca a violação de lei, uma vez que a contra-interessada foi eleita adjudicatária quando a sua proposta deveria, antes, ter sido excluída pelo júri do concurso - por, alegadamente, violar o «princípio da concorrência» e da «comparabilidade das propostas», dado que apresenta a especificação dos bens a fornecer de acordo com o Caderno de Encargos [CE], mas ilustra-a com fotos de alguns bens que não coincidem com essa mesma especificação» -, e invoca «falta de fundamentação - por no «relatório final» não ser justificada a irrelevância do motivo que deveria ter levado à exclusão dessa proposta.

O TAF do Porto [Juízo de Contratos Públicos] julgou procedentes estes dois vícios apontados ao acto impugnado, mas visto que o contrato já se extinguira pelo cumprimento, remeteu as partes para o regime previsto no artigo 45º [ex vi artigo 45º-A] do CPTA - «indemnização» substitutiva.

O TCAN, para onde a entidade adjudicante [MV] apelou, confirmou a sentença recorrida, embora por maioria do respectivo colectivo.

É deste acórdão do tribunal de apelação que vem interposto este pedido de revista, de que é novamente autora a entidade adjudicante, que lhe imputa erro de julgamento de direito relativo a ambos os ditos juízos de procedência - violação de lei e falta de fundamentação.

2. Colhe-se da «matéria de facto provada» que em Abril de 2020 o MV abriu concurso público para aquisição de mobiliário destinado a apetrechar uma escola secundária [ver A) do provado], elegendo como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais favorável que teria como único factor de avaliação o preço, preço que poderia ir, no seu máximo, até 61.169,29€ [ver B) do provado - artigo 6º do Programa de Concurso].

Segundo o «Programa de Concurso» [PC] a proposta a apresentar por cada concorrente seria constituída - além do mais - por uma declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos - elaborada de acordo com modelo do Anexo I - e documento contendo os atributos da proposta submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, nomeadamente o preço unitário de cada uma das peças de mobiliário a fornecer - que se encontram indicadas no Anexo A do Caderno de Encargos - e o preço total do fornecimento, ambos sem inclusão de IVA [ver B) do provado].

As propostas apresentadas - e foram 3 - seriam analisadas considerando o dito critério de adjudicação - artigo 6º do PC -, podendo o júri solicitar esclarecimentos sobre as mesmas no caso de os considerar necessários à sua análise e avaliação. Tais esclarecimentos, uma vez prestados, passariam a integrar a respectiva proposta, desde que não contrariem os documentos que a constituem, nem alterem ou completem os seus atributos nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão [ver B) do provado].

Seriam excluídas as propostas cuja análise revelasse - além do mais - que não apresentavam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições exigidos, respectivamente, pelo que é disposto nas alíneas b) e c), do nº1, do artigo 57º do CCP, ou que apresentavam termos ou condições que violassem aspectos da execução do contrato, a celebrar, não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos [ver B) do provado].

Segundo o «Caderno de Encargos» [CE], o fornecedor obriga-se a entregar os bens que são objecto do contrato com as características, especificações e requisitos técnicos previstos no seu Anexo A, que dele faz parte integrante, os quais serão, após a entrega, sujeitos a uma inspecção, quantitativa e qualitativa, com vista a verificar se essas características especificações e requisitos técnicos são cumpridos. Em caso negativo, deverão ser reparados ou substituídos os respectivos bens fornecidos [ver C) do provado].

A autora da acção, ora recorrida, apresentou «proposta» integrada, além do mais, pela declaração de aceitação do conteúdo do CE e documento contendo o preço unitário e o preço global - 47.285,98€ - das peças de mobiliário a fornecer, e sem inclusão de IVA, tal como exigia o PC, bem como a descrição escrita de cada uma delas.

A contra-interessada - que veio a ser adjudicatária - apresentou «proposta» também integrada pela declaração de aceitação do conteúdo do CE e documento contendo o preço unitário e o preço global - 34.967,00€ - das peças de mobiliário a fornecer, e sem inclusão de IVA, mas ilustrou a descrição escrita de cada uma delas com uma fotografia.

Na referida declaração, elaborada de acordo com o Anexo I ao PC, a contra-interessada dizia: «tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento do contrato público nº7/COPV/2020 - Aquisição de mobiliário para apetrechamento da Escola Secundária de Vizela - declara, sob compromisso de honra, que […] se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do referido caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas». E mais dizia - embora de forma não integrada nessa «declaração» - que «se compromete, para todos os produtos que fazem parte deste concurso público, cumprir, na íntegra, todas as características e pormenores técnicos solicitados no caderno de encargos» [ver G) do provado].

No seu «relatório preliminar» o Júri do concurso, aplicando o critério de adjudicação que fora estabelecido, propôs a ordenação da proposta da ora contra-interessada [B…………] em 1º lugar e a da autora da acção em 2º lugar - em 3º lugar ficou a proposta da C…………, concorrente que não intervém neste processo judicial [ver H) do provado].

Na sequência da audiência prévia da autora, que alegou que a proposta ordenada em 1º lugar ilustrava os bens com fotografias que não cumpriam as exigências formuladas, o Júri do concurso - ao abrigo do artigo 72º, nº1, do CCP - pediu à B………… que esclarecesse, face à dúvida instalada, se a cadeira de recepção de 4 rodas, a estante início dupla, a estante início simples, o maple simples duplo, e o maple simples individual, o posto de trabalho com bloco, o bengaleiro em T, a mesa de informática com passa fios - modelo 1 - e a mesa de informática com passa fios - modelo 2 respeitam, efectivamente, as especificações requeridas no caderno de encargos, face à ambiguidade gerada pelas fotografias [ver I) e J) do provado].

Respondendo ao esclarecimento solicitado, a B………… veio dizer que juntou declaração de compromisso de cumprimento de todas as características e especificações técnicas solicitadas, no caderno de encargos, sem quaisquer condicionantes [ver K) do provado].

No «relatório final» o Júri do concurso manteve as conclusões do «relatório preliminar» uma vez que, disse, não existia fundamento para alterar as mesmas. Acrescentou que o esclarecimento da B………… foi aceite, até porque a concorrente, como todas as outras, se encontrava vinculada, sob compromisso de honra, a executar o contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, conforme se encontra esclarecido em documento próprio [ver L) do provado].

3. As instâncias julgaram verificado o referido vício de violação de lei pois entenderam que a proposta da contra-interessada - B………… - deveria ter sido excluída pelo Júri porque, pese embora reproduza as exigências do caderno de encargos relativamente a todas as características, especificações e requisitos técnicos previstos no seu Anexo A, que dele faz parte integrante, apresenta fotografias, das peças de mobiliário a fornecer, que não cumprem essa mesma descrição. Por isso - concluem - a proposta da adjudicatária contém «termos e condições em violação de aspectos do caderno de encargos não submetidos à concorrência», e tinha de ser excluída com base na alínea b) do nº2 do artigo 70º do CCP. Porque o não foi, saiu violado o princípio da comparabilidade das propostas e, por inerência, o princípio da concorrência, o que conduz à anulação do acto de adjudicação, isto é, à anulação do acto aqui impugnado.

E julgaram verificada, ainda, a invocada falta de fundamentação do «relatório final» do Júri do concurso, vício também contaminador do acto de adjudicação, uma vez que tal relatório não justifica a irrelevância da discrepância existente entre a referida descrição e as fotografias dos bens a fornecer.

4. O «erro de julgamento de direito» apontado pelo MV - entidade adjudicante - ao acórdão recorrido, versa sobre o juízo das instâncias - uma vez que a 2ª manteve o da 1ª - acerca de um e outro desses vícios.

O ora recorrente defende, na linha do «voto de vencido» relativo à decisão do tribunal de apelação, que as fotografias que ilustram a lista das peças de mobiliário a fornecer, com os respectivos preços unitários, não consubstanciam ou integram quaisquer termos ou condições não submetidos à concorrência, nomeadamente para efeito de exclusão da proposta de acordo com alínea b), do nº2, do artigo 70º do CCP. Bem como defende que aquilo que consta do relatório final do Júri, sobre a resposta da contra-interessada ao pedido de esclarecimento que lhe foi dirigido, é claro e suficiente para fundamentar a manutenção da decisão elaborada, enquanto proposta, no relatório preliminar. O MV insurge-se, pois, contra a pronúncia unânime das instâncias, relativa às ilegalidades do acto impugnado, a qual considera errónea e carecida de reapreciação.

E o certo é que lhe assiste razão, e quanto aos «dois fundamentos de ilegalidade» que foram julgados procedentes pelas instâncias.

Não há dúvida de que as características, especificações e requisitos técnicos previstos no Anexo A do caderno de encargos - e que dele fazem parte integrante - estavam subtraídas à concorrência, constituindo termos e condições das propostas apresentadas pelos vários concorrentes. Submetido à concorrência apenas estava o preço enquanto único atributo exigido às propostas [56º nº2 do CCP]. Aquelas constituíam, pois, disposições inderrogáveis do caderno de encargos, que tinham de ser cumpridas pelas propostas, sem alterações.

É pacífico que a proposta vencedora, da contra-interessada, continha, entre o demais, o documento constituído pelo mapa de preços unitários e características técnicas das várias peças de mobiliário a fornecer ao MV, e que, relativamente à descrição escrita de cada uma delas não ocorria qualquer imparidade ou incumprimento das especificações exigidas naquele Anexo A do caderno de encargos. Não existia, portanto, discrepância entre a descrição dos bens feita na proposta e a formulada, e imposta, no Anexo A do caderno de encargos. Existia, sim, e também é pacífico nos autos, entre essa descrição escrita das peças de mobiliário e de algumas fotografias das mesmas [cadeira de recepção de 4 rodas, estante início dupla, estante início simples, maple simples duplo, maple simples individual, posto de trabalho com bloco, bengaleiro em T, mesa de informática com passa fios modelo 1 modelo 2].

Acontece, porém, que as fotografias dos bens a fornecer não eram de modo algum uma exigência do programa de concurso, nem do caderno de encargos, surgindo, antes, na proposta da contra-interessada B…………, como uma «ilustração da descrição de bens» da sua inteira iniciativa. Documento integrador da proposta [57º do CCP] era o mapa de preços unitários e características técnicas das peças de mobiliário a fornecer, e sobre ele deveria incidir, como incidiu, a análise e a avaliação do Júri, sendo que as referidas fotografias surgiam como um plus que, por não ser exigido, teria sempre um valor subalternizado à descrição escrita. E no fundo, foi isso mesmo que a contra-interessada veio esclarecer ao Júri, perante a ambiguidade suscitada e o seu pedido de esclarecimento: vincula-se ao exigido pelo caderno de encargos, e descrito, em conformidade com ele, no referido documento, vinculação essa que reafirma. O que significa, sem sombra de dúvida, que remete as fotografias para o campo de uma ilustração sobre o tipo de peça de mobiliário a fornecer, mas sem intuito integrante, mas apenas acrescente, da sua proposta.

Surge como certo, assim, que nem o regulamento do concurso exigia as fotografias nem a aqui contra-interessada as juntou à descrição escrita dos bens a fornecer com intuito integrativo, como é patente na resposta dada ao pedido de esclarecimento formulado. E isto significa, desde logo, que as fotografias dos bens, não sendo exigidas pelo CE, e tendo sido aditadas pela concorrente com intuito acrescente, não integram «termos ou condições» violadores de aspectos da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência. Não justificavam, assim, a exclusão da proposta da contra-interessada ao abrigo do artigo 70º, nº2 alínea b) do CCP, como entenderam as instâncias.

Mais. O que a concorrente ora contra-interessada manifestamente expressou, quer com a declaração de aceitação do caderno de encargos quer com a reiteração de se vincular ao mesmo, foi que era o caderno de encargos a ter primazia perante qualquer eventual divergência. É isto que resulta, aliás, do nº5, do artigo 96º, do CCP, que, não obstante ser normativo relativo ao momento da celebração do contrato, consagra um critério de primazia - em caso de divergência até então não detectada - do caderno de encargos sobre a proposta.

Passemos ao julgamento das instâncias sobre o vício de falta de fundamentação, que é imputado directamente ao relatório final do Júri.

No fundo, o juízo de procedência desse vício formal enraíza no entendimento de que o Júri do concurso, face ao esclarecimento prestado pela contra-interessada, terá ficado exactamente na mesma situação, ou seja, perante uma proposta ambígua, que enuncia características de um bem e apresenta fotografia do bem com características diferentes das enunciadas. Em suma, o MV ficou sem saber o que lhe iria ser fornecido.

Mas não é assim. O esclarecimento prestado ao abrigo do artigo 72º do CCP, pela aqui contra-interessada, não obstante o seu laconismo, desfez a ambiguidade que tinha sido evidenciada pela aqui recorrida, tornando claro que a concorrente se propunha fornecer bens «com todas as características e especificações técnicas» exigidas pelo caderno de encargos, e remetendo as fotografias - por exclusão tácita -, e como aliás já sublinhamos, para o campo da mera ilustração do tipo de bem a fornecer. E isto é suficientemente claro para qualquer destinatário normal colocado na concreta situação do procedimento em causa [artigo 236º do CC].

5. Deverá, por conseguinte, ser concedido provimento ao recurso de revista, revogado o acórdão recorrido, e julgada totalmente improcedente a acção administrativa. Assim se decidirá.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento a este recurso de revista, revogar o acórdão recorrido e julgar improcedente a acção.

Custas, neste tribunal e nas instâncias, pela autora da acção e aqui recorrida.

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Senhores Juízes Conselheiros JOSÉ GOMES CORREIA e JOAQUIM MANUEL CHARNECA CONDESSO - têm voto de conformidade.

Lisboa, 27 de Julho de 2021 [em turno]

José Augusto Araújo Veloso