Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01167/08.5BELRA |
Data do Acordão: | 02/03/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR CPPT |
Sumário: | I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Fazendo o recorrente assentar a sua alegação na qualidade de credor com garantia real, que o tribunal recorrido não lhe reconheceu, e inexistindo factualidade provada que permita concluir que detém essa qualidade, o recurso não pode ser admitido. |
Nº Convencional: | JSTA000P27133 |
Nº do Documento: | SA22021020301167/08 |
Data de Entrada: | 01/18/2021 |
Recorrente: | A……………… |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT) (E OUTROS) |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1167/08.5BELRA Recorrente: A……………….. Recorridos: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), B………… e C……………… 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente, não se conformando com o acórdão proferido em 5 de Novembro de 2020 nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul ( Disponível em «1.ª- a questão fundamental de direito relativamente à qual se afigura necessária uma melhor aplicação do direito, atenta a sua relevância jurídica é a seguinte: Legitimidade processual para credor com garantia real sobre bem vendido, identificado como tal pela AT no PEF, arguir nesses autos nulidades processuais. 2.ª- A fls. 328 e 329 do PEF apenso e no qual foram suscitadas as nulidades processuais arguidas pelos Recorrente, este encontra-se reconhecido pela at como credor com garantia real sobre fracção penhorada e vendida - facto expressamente invocado no recurso interposto. 3.ª- Apesar da questão propriamente dita “legitimidade de credor com garantia real sobre bem penhorado e/ou vendido arguir nulidades em PEF” não ter tido, ainda, de per si, tratamento autónomo na Jurisprudência, o facto é que têm sido proferidas várias decisões judiciais relativamente a casos em que um credor com garantia real argui nulidades em PEF: julgando tal arguição, logo, considerando, implicitamente, a legitimidade deste, apontando-se, a título de exemplo, as seguintes: 4.ª- No caso dos autos, porém, o Tribunal “a quo” considerou o ora Requerente parte ilegítima para tal arguição escudando-se apenas no seguinte: 5.ª- Ou seja, de forma resumida: o Tribunal “a quo” entende que o Recorrente não é parte legítima nos presentes autos por não ter conseguido provar naqueles outros a sua qualidade de proprietário do bem vendido, olvida, porém, o Tribunal “a quo” que, nestes presentes autos, tendo decaído naqueles outros a sua pretensão de ser proprietário, o Recorrente invoca também a qualidade que lhe foi conferida ab initio no PEF: a de credor com garantia real de fls. 328 e 329 que nunca foi questionada ou colocada em crise, mas antes aceite pela AT que assim o identificou em sede de PEF. 6.ª- É assim, notória, a relevância jurídica e necessidade de uma melhor solução de Direito para o caso, pois não é Justo, nem Equitativo que existam credores com garantia real que sejam admitidos como partes legítimas (mesmo implicitamente) para arguir nulidades processuais em processo de execução fiscal e que, pelo contrário, ao ora Recorrente seja negada tal possibilidade; nem é Justo nem Equitativo restringir de tal forma a legitimidade processual por forma a negar o direito de um evidente interessado arguir nulidades processuais – violando tal restrição o regime jurídico de arguição de nulidades processuais do CPC (ex vi art. 2.º do CPC), bem como o princípio do contraditório e o direito constitucional a um processo justo e equitativo (note-se que o Recorrente, apesar de ter tentado ser reconhecido judicialmente como proprietário do bem vendido, jamais se despiu nos presentes autos, à cautela, da sua qualidade de credor com garantia real, a qual lhe foi atribuída a fls. 328 e 329 do PEF pela própria AT) 7.ª- O Tribunal “a quo” julgou erradamente os seguintes pontos da matéria de facto sendo matéria de facto omissa na douta sentença recorrida e que deveria ter integrado os factos dados por assentes, os elencados nas subsequentes conclusões 8.ª e 9.ª: 8.ª- Encontram-se provados nos autos os seguintes factos relevantes para efeito de terem determinado o efeito suspensivo à presente reclamação: 9.ª- Do PEF consta expressamente, o seguinte facto: 10.ª- Deverão, pois, ser aditados ao elenco de factos provados os atrás referidos, sempre aceites por todas as parte e essenciais para conhecer das questões suscitadas: quer na perspectiva do recorrentes ser parte legítima para defender o seu direito de habitação e protecção do domicílio, quer na perspectiva de se analisar que, efectivamente, os vícios processuais (maxime a falta de tomada de posse pelo fiel depositário) determinaram que aquele não conhecesse nem da penhora nem da venda da sua fracção antes do acto reclamado – restando-lhe apenas a reclamação que deduziu nos presentes autos para defender os seus direitos (nunca iria a tempo de embargar de terceiro, por exemplo). 11.ª- O recorrente deve, além do mais, ser considerado parte legítima: 12.ª- O Recorrente encontra-se reconhecido como credor com garantia real sobre a fracção penhorada e vendida a fls. 328 e 329 do PEF: é, assim, parte legítima para arguir as nulidades processuais e peticionar como o fez na Reclamação. 13.ª- “O credor com garantia real sobre os bens a vender é obrigatoriamente notificado do despacho que designa a venda (...) em processo de execução fiscal, constituindo nulidade processual a preterição dessa notificação, nulidade esta que determina a anulação de todos os actos praticados posteriores ao despacho que designou a modalidade da venda, neles se incluindo a venda executiva (art. 909.º, n.º 1, c) do CPC aplicável ex vi 257.º do CPPT” (AC STA de 07/07/2010 cuja cópia segue anexa às presentes alegações). 14.ª- O Recorrente deveria ter sido notificado da penhora e da venda e não o foi. 15.ª- Conforme Jurisprudência pacífica e dominante, encontrando-se identificado no PEF como credor com garantia real sobre a fracção vendida, tal falta determina nulidade processual e deve ser declarada – sendo o mesmo, obviamente, parte legítima para os presentes autos. 16.ª- A Douta Sentença recorrida violou e interpretou erradamente as normas referidas no aludido aresto (aqui aplicáveis ao tempo e ao caso – arts. 909.º, n.º 1 c) do CPC - redacção anterior) e ignorou o teor de fls. 328 e 329 do PEF. 17.ª- Deveria ter interpretado e aplicado tais normas de forma a considerar: 18.ª- A Douta Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare conforme anteriores conclusões 1.ª a 17.ª, julgando o recurso e a reclamação instaurada integralmente procedente.». 1.2 Apenas os Recorridos particulares apresentaram contra-alegações, com conclusões do seguinte teor: «Primeira – Não é verdade que o Recorrente tenha sido reconhecido por douta Sentença transitada em julgado como credor com garantia real sobre a fracção autónoma penhorada e vendida, muito pelo contrário, se o ora Recorrente foi reconhecido nessa qualidade a fls. 328 e 329 do PEF, como este alega, tratou-se certamente de um lapso, que de forma alguma poderá operar a favor do ora Recorrente. Segunda – O presente processo iniciou-se com uma reclamação do ora Recorrente entregue em 11/09/2008 no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, já depois da abertura de propostas e depois deste ter sido interpolado pelo Serviço de Finanças para restituir a posse com a consequente entrega da chave e comando de acesso às garagens. Terceira – Na douta Sentença transitada em julgado e proferida pelo extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, no Processo n.º 2081/08.0TBCLD (fls. 1054 e seguintes dos autos), resultou provado de que o ora Recorrente não adquiriu por usucapião, a fracção autónoma identificada no ponto 14. dessa sentença, tendo improcedido os pedidos aí formulados a título principal já que os mesmos dependiam do reconhecimento do direito de propriedade alegado pelo ora Recorrente. Quarta – Ficou igualmente provado na douta Sentença transitada em julgado e proferida pelo extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, no Processo n.º 2081/08.0TBCLD (fls. 1054º e seguintes dos autos), de que ora Recorrente não é o proprietário da fracção autónoma. Quinta – O ora Recorrente poderia ter defendido a sua alegada posse com recurso a embargos de terceiro (Art. 167.º do CPPT), mas não o fez, como o reconheceu e também não se encontra munido de um título judicial a reconhecer a sua alegada propriedade no incidente que este deduziu em apreço no presente Recurso sobre a fracção autónoma vendida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1384- 2007/104480.0 e apensos, muito pelo contrário, existe uma sentença transitada em julgado e indicada no ponto antecedente na qual resultou provado que o ora Recorrente não é o proprietário da fracção autónoma. Sexta – No douto Acórdão de 30/01/2014 do TCAS, proferido no Processo n.º 6995/13, foi negado provimento ao recurso interposto pelo ora Recorrente e aí reclamante e confirmada a decisão recorrida que tinha sido proferida pelo Meritíssimo Juiz do TAF de Leiria nos autos de anulação de venda n.º 1185/08.3BELRA, e através da qual julgou verificada a excepção de ilegitimidade do ora e aí também Recorrente para a dedução do incidente de anulação de venda no âmbito da execução fiscal n.º 1384-2007/104480.0 e apensos, o qual correu os seus termos no 1.º Serviço de Finanças de Leiria, mais tendo sido determinado a absolvição dos demandados da instância, sendo que no âmbito dos presentes autos estamos novamente a apreciar a legitimidade do ora Recorrente. Sétima – O douto Acórdão recorrido manteve a douta sentença recorrida proferida pelo TAF de Leiria, e em consequência foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade do Requerente, ora Recorrente, pelo que a douta Sentença proferida pelo TAF de Leiria, assim como o douto Acórdão proferido pelo TCAS, ora recorrido, não teriam, nem se deveriam ter pronunciado acerca das questões alegadas pelo aí Requerente, ora Recorrente, pelo que desse modo não existiu qualquer erro de julgamento, tal como não existiu qualquer erro na aplicação do direito. Termos em que, e nos melhores de direito deve o douto Acórdão recorrido ser integralmente confirmado, e, em consequência o presente recurso ser declarado totalmente improcedente, com as legais consequências, nomeadamente que a reclamação apresentada pelo Recorrente seja integralmente improcedente. Assim se fará JUSTIÇA!». 1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, verificando a tempestividade do recurso e a legitimidade da Recorrente, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido. Isto, após ter enunciado os requisitos da admissibilidade do recurso de revista e elaborado em torno dos mesmos, com referência à jurisprudência pertinente, com a seguinte fundamentação: «[…] Desde logo e conforme enunciado no ponto anterior e resulta do n.º 4 do artigo 150.º do CPTA supra transcrito, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista. E nessa medida não pode ser objecto de conhecimento por parte deste tribunal a alteração da factualidade propugnada pelo Recorrente. 1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.2.1.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2.2.1.2 O Recorrente interpôs o presente recurso de revista pedindo que este Supremo Tribunal revogue o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul porque considera, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, que este não teve em conta a sua qualidade de credor com garantia real sobre o bem imóvel penhorado e vendido no processo de execução fiscal – e, por isso, a sua legitimidade para arguir nulidades nesse processo –, que deveria ter aditado aos factos provados na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria os que alegou em ordem a demonstrar a sua legitimidade e que, reconhecida essa legitimidade processual, devia ser decretada a nulidade invocada, decorrente da falta de notificação dos despachos que ordenaram a penhora e a venda do bem penhorado no processo executivo. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Fazendo o recorrente assentar a sua alegação na qualidade de credor com garantia real, que o tribunal recorrido não lhe reconheceu, e inexistindo factualidade provada que permita concluir que detém essa qualidade, o recurso não pode ser admitido. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso, por não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do mesmo artigo. * Custas pela Recorrente. * Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Francisco Rothes (Relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia. |