Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01167/08.5BELRA
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
II - Fazendo o recorrente assentar a sua alegação na qualidade de credor com garantia real, que o tribunal recorrido não lhe reconheceu, e inexistindo factualidade provada que permita concluir que detém essa qualidade, o recurso não pode ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P27133
Nº do Documento:SA22021020301167/08
Data de Entrada:01/18/2021
Recorrente:A………………
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT) (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1167/08.5BELRA
Recorrente: A………………..
Recorridos: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), B………… e C………………

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente, não se conformando com o acórdão proferido em 5 de Novembro de 2020 nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/5ffa695f88a505b5802586180056a7c0.) – que, negando provimento ao recurso por ele interposto, manteve a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o acto do órgão da execução fiscal «consubstanciado no despacho que determinou o prosseguimento das diligências para cassação das chaves e comandos de acesso, incluindo o arrombamento das portas de acesso para o interior da fracção AN e anexos, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1384200701044800, a correr termos no Serviço de Finanças de Leiria 1» –, interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1.ª- a questão fundamental de direito relativamente à qual se afigura necessária uma melhor aplicação do direito, atenta a sua relevância jurídica é a seguinte: Legitimidade processual para credor com garantia real sobre bem vendido, identificado como tal pela AT no PEF, arguir nesses autos nulidades processuais.

2.ª- A fls. 328 e 329 do PEF apenso e no qual foram suscitadas as nulidades processuais arguidas pelos Recorrente, este encontra-se reconhecido pela at como credor com garantia real sobre fracção penhorada e vendida - facto expressamente invocado no recurso interposto.

3.ª- Apesar da questão propriamente dita “legitimidade de credor com garantia real sobre bem penhorado e/ou vendido arguir nulidades em PEF” não ter tido, ainda, de per si, tratamento autónomo na Jurisprudência, o facto é que têm sido proferidas várias decisões judiciais relativamente a casos em que um credor com garantia real argui nulidades em PEF: julgando tal arguição, logo, considerando, implicitamente, a legitimidade deste, apontando-se, a título de exemplo, as seguintes:
a) “O credor com garantia real sobre os bens a vender é obrigatoriamente notificado do despacho que designa a venda em processo de execução fiscal, constituindo nulidade processual a preterição dessa notificação, nulidade esta que determina a anulação de todos os actos praticados posteriores ao despacho que designou a modalidade de venda neles se incluindo a venda executiva (art. 909.º, n.º 1, c) do CPC, aplicável ex vi art. 257.º do CPC)” – AC STA de 07/07/2010, proc. n.º 0188/10, in www.dgsi.pt:
b) “A omissão ao requerente (...) enquanto titular de garantia real sobre bem vendido, das condições e que se iria realizar a venda consubstancia nulidade processual passível de provocar anulação da venda” – AC TCA-Sul de 14/11/2013, proc. n.º 07029/13, in www.dgsi.pt.

4.ª- No caso dos autos, porém, o Tribunal “a quo” considerou o ora Requerente parte ilegítima para tal arguição escudando-se apenas no seguinte:
- No facto de terem sido proferidas decisões judiciais em outros processos (com relação de prejudicialidade face aos presentes autos), nos quais o ora Recorrente invocava ser proprietário do bem vendido (invocava aquisição por usucapião), nos quais não obteve ganho de causa.

5.ª- Ou seja, de forma resumida: o Tribunal “a quo” entende que o Recorrente não é parte legítima nos presentes autos por não ter conseguido provar naqueles outros a sua qualidade de proprietário do bem vendido, olvida, porém, o Tribunal “a quo” que, nestes presentes autos, tendo decaído naqueles outros a sua pretensão de ser proprietário, o Recorrente invoca também a qualidade que lhe foi conferida ab initio no PEF: a de credor com garantia real de fls. 328 e 329 que nunca foi questionada ou colocada em crise, mas antes aceite pela AT que assim o identificou em sede de PEF.

6.ª- É assim, notória, a relevância jurídica e necessidade de uma melhor solução de Direito para o caso, pois não é Justo, nem Equitativo que existam credores com garantia real que sejam admitidos como partes legítimas (mesmo implicitamente) para arguir nulidades processuais em processo de execução fiscal e que, pelo contrário, ao ora Recorrente seja negada tal possibilidade; nem é Justo nem Equitativo restringir de tal forma a legitimidade processual por forma a negar o direito de um evidente interessado arguir nulidades processuais – violando tal restrição o regime jurídico de arguição de nulidades processuais do CPC (ex vi art. 2.º do CPC), bem como o princípio do contraditório e o direito constitucional a um processo justo e equitativo (note-se que o Recorrente, apesar de ter tentado ser reconhecido judicialmente como proprietário do bem vendido, jamais se despiu nos presentes autos, à cautela, da sua qualidade de credor com garantia real, a qual lhe foi atribuída a fls. 328 e 329 do PEF pela própria AT)

7.ª- O Tribunal “a quo” julgou erradamente os seguintes pontos da matéria de facto sendo matéria de facto omissa na douta sentença recorrida e que deveria ter integrado os factos dados por assentes, os elencados nas subsequentes conclusões 8.ª e 9.ª:

8.ª- Encontram-se provados nos autos os seguintes factos relevantes para efeito de terem determinado o efeito suspensivo à presente reclamação:
um: A fracção penhorada e vendida, objecto do acto reclamado constitui casa de habitação e domicílio do recorrente;
dois: Este tem mais de 70 anos e padece de doença grave (actualmente 80 anos).

9.ª- Do PEF consta expressamente, o seguinte facto: 
três: A fls. 328 e 329 do PEF consta que a fracção vendida se encontra onerada com garantia real a favor do ora Recorrente.

10.ª- Deverão, pois, ser aditados ao elenco de factos provados os atrás referidos, sempre aceites por todas as parte e essenciais para conhecer das questões suscitadas: quer na perspectiva do recorrentes ser parte legítima para defender o seu direito de habitação e protecção do domicílio, quer na perspectiva de se analisar que, efectivamente, os vícios processuais (maxime a falta de tomada de posse pelo fiel depositário) determinaram que aquele não conhecesse nem da penhora nem da venda da sua fracção antes do acto reclamado – restando-lhe apenas a reclamação que deduziu nos presentes autos para defender os seus direitos (nunca iria a tempo de embargar de terceiro, por exemplo).

11.ª- O recorrente deve, além do mais, ser considerado parte legítima:
a) Porque reside na fracção penhorada e vendida sem o seu conhecimento – atentos os vícios do PEF;
b) Porque, além do mais se encontra reconhecidos no PEF como credor com garantia real sobre tal fracção e nunca foi citado - conforme impõe a jurisprudência.

12.ª- O Recorrente encontra-se reconhecido como credor com garantia real sobre a fracção penhorada e vendida a fls. 328 e 329 do PEF: é, assim, parte legítima para arguir as nulidades processuais e peticionar como o fez na Reclamação.

13.ª- “O credor com garantia real sobre os bens a vender é obrigatoriamente notificado do despacho que designa a venda (...) em processo de execução fiscal, constituindo nulidade processual a preterição dessa notificação, nulidade esta que determina a anulação de todos os actos praticados posteriores ao despacho que designou a modalidade da venda, neles se incluindo a venda executiva (art. 909.º, n.º 1, c) do CPC aplicável ex vi 257.º do CPPT” (AC STA de 07/07/2010 cuja cópia segue anexa às presentes alegações).

14.ª- O Recorrente deveria ter sido notificado da penhora e da venda e não o foi.

15.ª- Conforme Jurisprudência pacífica e dominante, encontrando-se identificado no PEF como credor com garantia real sobre a fracção vendida, tal falta determina nulidade processual e deve ser declarada – sendo o mesmo, obviamente, parte legítima para os presentes autos.

16.ª- A Douta Sentença recorrida violou e interpretou erradamente as normas referidas no aludido aresto (aqui aplicáveis ao tempo e ao caso – arts. 909.º, n.º 1 c) do CPC - redacção anterior) e ignorou o teor de fls. 328 e 329 do PEF.

17.ª- Deveria ter interpretado e aplicado tais normas de forma a considerar:
a) Que o Recorrente se encontra reconhecido a fls. 328 e 329 do PEF como credor com garantia real sobre a fracção penhorada e vendida;
b) Que como tal deveria ter sido notificado pessoalmente da penhora e da venda;
c) Que por não o ter sido, o processo se encontra acometido de nulidades processuais que influem obviamente no exame e decisão da causa, em desfavor do recorrente, que assim se viu impedido de exercer os seus direitos (art. 201.º, n.º 1, do CPC aplicável à data), sendo parte legítima para invocar tal nulidade – conforme Jurisprudência pacífica e arestos cuja cópia se encontra anexa às presentes alegações.

18.ª- A Douta Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare conforme anteriores conclusões 1.ª a 17.ª, julgando o recurso e a reclamação instaurada integralmente procedente.».

1.2 Apenas os Recorridos particulares apresentaram contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«Primeira – Não é verdade que o Recorrente tenha sido reconhecido por douta Sentença transitada em julgado como credor com garantia real sobre a fracção autónoma penhorada e vendida, muito pelo contrário, se o ora Recorrente foi reconhecido nessa qualidade a fls. 328 e 329 do PEF, como este alega, tratou-se certamente de um lapso, que de forma alguma poderá operar a favor do ora Recorrente.

Segunda – O presente processo iniciou-se com uma reclamação do ora Recorrente entregue em 11/09/2008 no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, já depois da abertura de propostas e depois deste ter sido interpolado pelo Serviço de Finanças para restituir a posse com a consequente entrega da chave e comando de acesso às garagens.

Terceira – Na douta Sentença transitada em julgado e proferida pelo extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, no Processo n.º 2081/08.0TBCLD (fls. 1054 e seguintes dos autos), resultou provado de que o ora Recorrente não adquiriu por usucapião, a fracção autónoma identificada no ponto 14. dessa sentença, tendo improcedido os pedidos aí formulados a título principal já que os mesmos dependiam do reconhecimento do direito de propriedade alegado pelo ora Recorrente.

Quarta – Ficou igualmente provado na douta Sentença transitada em julgado e proferida pelo extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, no Processo n.º 2081/08.0TBCLD (fls. 1054º e seguintes dos autos), de que ora Recorrente não é o proprietário da fracção autónoma.

Quinta – O ora Recorrente poderia ter defendido a sua alegada posse com recurso a embargos de terceiro (Art. 167.º do CPPT), mas não o fez, como o reconheceu e também não se encontra munido de um título judicial a reconhecer a sua alegada propriedade no incidente que este deduziu em apreço no presente Recurso sobre a fracção autónoma vendida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1384- 2007/104480.0 e apensos, muito pelo contrário, existe uma sentença transitada em julgado e indicada no ponto antecedente na qual resultou provado que o ora Recorrente não é o proprietário da fracção autónoma.

Sexta – No douto Acórdão de 30/01/2014 do TCAS, proferido no Processo n.º 6995/13, foi negado provimento ao recurso interposto pelo ora Recorrente e aí reclamante e confirmada a decisão recorrida que tinha sido proferida pelo Meritíssimo Juiz do TAF de Leiria nos autos de anulação de venda n.º 1185/08.3BELRA, e através da qual julgou verificada a excepção de ilegitimidade do ora e aí também Recorrente para a dedução do incidente de anulação de venda no âmbito da execução fiscal n.º 1384-2007/104480.0 e apensos, o qual correu os seus termos no 1.º Serviço de Finanças de Leiria, mais tendo sido determinado a absolvição dos demandados da instância, sendo que no âmbito dos presentes autos estamos novamente a apreciar a legitimidade do ora Recorrente.

Sétima – O douto Acórdão recorrido manteve a douta sentença recorrida proferida pelo TAF de Leiria, e em consequência foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade do Requerente, ora Recorrente, pelo que a douta Sentença proferida pelo TAF de Leiria, assim como o douto Acórdão proferido pelo TCAS, ora recorrido, não teriam, nem se deveriam ter pronunciado acerca das questões alegadas pelo aí Requerente, ora Recorrente, pelo que desse modo não existiu qualquer erro de julgamento, tal como não existiu qualquer erro na aplicação do direito.

Termos em que, e nos melhores de direito deve o douto Acórdão recorrido ser integralmente confirmado, e, em consequência o presente recurso ser declarado totalmente improcedente, com as legais consequências, nomeadamente que a reclamação apresentada pelo Recorrente seja integralmente improcedente.

Assim se fará JUSTIÇA!».

1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, verificando a tempestividade do recurso e a legitimidade da Recorrente, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido. Isto, após ter enunciado os requisitos da admissibilidade do recurso de revista e elaborado em torno dos mesmos, com referência à jurisprudência pertinente, com a seguinte fundamentação: «[…]

Desde logo e conforme enunciado no ponto anterior e resulta do n.º 4 do artigo 150.º do CPTA supra transcrito, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista. E nessa medida não pode ser objecto de conhecimento por parte deste tribunal a alteração da factualidade propugnada pelo Recorrente.
Por outro lado, a questão que o Recorrente elege como questão sobre a qual pretende a pronúncia deste tribunal não foi objecto de conhecimento no acórdão recorrido e o recurso tem por finalidade a revisão de decisões sobre questões apreciadas pelas instâncias.
Com efeito, para além da questão da nulidade da sentença de 1.ª instância, por omissão de pronúncia, o TCA conheceu da questão relativa à legitimidade do Reclamante para intervir no processo de execução fiscal (instaurado contra a sociedade “……………., S.A.” e no âmbito da qual foi penhorada a fracção autónoma de prédio em propriedade horizontal, cujo procedimento de venda o Reclamante questiona) na qualidade de residente no prédio penhorado e de credor com garantia real. Tendo o TCA confirmado o julgado da 1.ª instância no sentido de o Reclamante carecer de legitimidade para a acção, por não ser titular do direito ou interesse a que se arroga, em face do resultado de duas sentenças, já transitadas em julgado, proferidas em acção de reivindicação de propriedade e de anulação de venda 2 [2 Proc. n.º 2081/08.0TBCLD, que correu termos no Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, no qual se julgou não verificada a aquisição por usucapião invocada pelo Recorrente e julgados improcedentes os pedidos de cancelamento dos registos de penhora, hipoteca e aquisição, e proc. n.º 1185/08.3BELRA, que correu termos pelo TAF de Leiria, cujo pedido de anulação de venda foi julgado improcedente por falta de legitimidade do Requerente e aqui Recorrente.].
Ora, os termos em que vem enunciada a questão pelo Recorrente pressupõe a titularidade de direito ou interesse – credor com garantia real 3 [3 O Recorrente arroga-se a qualidade de titular de direito de retenção sobre o imóvel objecto de venda.] – que as instâncias não reconheceram como tal, sendo certo que também o Recorrente não identifica qualquer matéria de facto que tenha sido fixada pelas instâncias da qual resulte tal qualidade.
Constata-se, assim, que o recurso não reúne minimamente os requisitos para dele o STA tomar conhecimento, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 285.º do CPPT, cujos requisitos supra enunciados não se mostram evidenciados pelo Recorrente.
Entendemos, assim, que o recurso não deve ser admitido».

1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ou seja, o recurso de revista excepcional não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, i.e., que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).
Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que «[…] o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» ( Cf. acórdão de 2 de Abril de 2014, proferido no processo com o n.º 1853/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.2.1.2 O Recorrente interpôs o presente recurso de revista pedindo que este Supremo Tribunal revogue o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul porque considera, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, que este não teve em conta a sua qualidade de credor com garantia real sobre o bem imóvel penhorado e vendido no processo de execução fiscal – e, por isso, a sua legitimidade para arguir nulidades nesse processo –, que deveria ter aditado aos factos provados na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria os que alegou em ordem a demonstrar a sua legitimidade e que, reconhecida essa legitimidade processual, devia ser decretada a nulidade invocada, decorrente da falta de notificação dos despachos que ordenaram a penhora e a venda do bem penhorado no processo executivo.
Erigiu como questão fundamental de direito a apreciar em sede de revista, a da «Legitimidade processual para credor com garantia real sobre bem vendido, identificado como tal pela AT no PEF, arguir nesses autos nulidades processuais» e justificou a admissibilidade do recurso com a necessidade de «uma melhor aplicação do direito, atenta a sua [da questão] relevância jurídica».
Salvo o devido respeito, a alegação aduzida pelo Recorrente é insusceptível de servir o propósito de demonstrar a verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso, designadamente o preenchimento dos invocados conceitos indeterminados de necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito e de relevância jurídica fundamental da questão.
Vejamos:
Antes do mais, cumpre ter presente que, como judiciosamente observou o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, a questão que o Recorrente quer que seja apreciada e, consequentemente, a admissibilidade da revista, dependem da verificação de um pressuposto que o acórdão recorrido não reconheceu, qual seja a de que é credor com garantia real sobre o bem penhorado e vendido no processo de execução fiscal.
Na verdade, por um lado, nem o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria nem o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul ora recorrido lhe reconheceram essa qualidade e, por outro, também não consta dos autos como provada factualidade alguma que permita concluir que o Recorrente tem essa qualidade.
Recorde-se ainda que, mesmo que o Recorrente ora tivesse alegado tal factualidade – o que também não fez –, sempre este Supremo Tribunal estaria impedido de a considerar, pois no âmbito do recurso de revista não se incluem questões de facto e eventual «erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. n.º 4 do art. 285.º do CPPT).
É certo que o Recorrente alega que «encontra-se reconhecido pela AT como credor com garantia real sobre [a] fracção penhorada e vendida – facto expressamente invocado no recurso interposto». No entanto, não pode ignorar-se que a qualidade de credor com garantia real não é um facto, mas uma conclusão de direito – resultante da aplicação das regras jurídicas aos factos – e que, ainda que a AT lhe tivesse reconhecido aquela qualidade, o tribunal nunca estaria vinculado às conclusões de direito das partes (cf. art. 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Ou seja, o Recorrente não logrou demonstrar, como lhe competia, a verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso de revista excepcional. O invocado erro de julgamento, por si só, não justifica a admissibilidade da revista, que não constitui mais um grau de recurso que o legislador tenha posto à disposição da parte, mas, ao invés, um modo de trazer à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo, enquanto órgão de cúpula da jurisdição tributária, uma concreta questão relativamente à qual estejam verificados os requisitos para que seja admitido recurso de revista excepcional.
Assim, porque não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art. 285.º do CPPT, o recurso não pode prosseguir.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.

II - Fazendo o recorrente assentar a sua alegação na qualidade de credor com garantia real, que o tribunal recorrido não lhe reconheceu, e inexistindo factualidade provada que permita concluir que detém essa qualidade, o recurso não pode ser admitido.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso, por não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do mesmo artigo.


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Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Francisco Rothes (Relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia.