Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0643/19.9BEPNF
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
QUESTÃO DE DIREITO
Sumário:I – No seguimento das alterações introduzidas na matéria de competência em sede de Recursos, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, importa concluir que, das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, “salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito”, caso em que tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo tribunal Administrativo.
II - A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artigo 16.º, n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal ao qual é indevidamente dirigido o recurso.
Nº Convencional:JSTA000P26941
Nº do Documento:SA2202012160643/19
Data de Entrada:08/28/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...................... - EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
Inconformada, vem a Fazenda Pública recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a reclamação deduzida por A…………… -EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS LDA, melhor identificada nos autos, contra o ato de penhora de saldo de conta bancária no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3565201801221442, que corre termos no Serviço de Finanças por dívidas de IVA, referentes ao período de 2018/06, no valor de € 5.002,93.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que concedeu provimento à reclamação de atos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no art. 276º do CPPT, das compensações efetuadas pelos serviços centrais da DSC-DCV-IVA-Divisão de Cobrança Voluntária – IVA, comunicadas à contribuinte no dia 09.07.2019, pela Direção de Finanças do Porto – Divisão Liquidação Impostos – Rendimento e Despesa e, da penhora do saldo bancário no EUROBIC efetuada pelo Chefe de Finanças do Serviço de Valongo 2 proferida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3565201801221442, (adiante designado PEF), no valor de € 5.360,10, que corre termos no Serviço de Finanças mencionado, por dívidas de IVA, referentes ao período de 2018/06.
B. Nos autos em referência, a douta sentença concedeu provimento à reclamação apresentada, com fundamento na ilegalidade da não afetação do pagamento efetuado pela Reclamante ao IVA do período de 2018/06, subjacente à instauração e prosseguimento do processo de execução fiscal n.º 3565201801221442, no qual essa não afetação se manteve, e na consequente ilegalidade da penhora realizada para cobrança coerciva da quantia exequenda e respetiva afetação ao processo executivo em apreço.
C. Estando em causa os atos de utilização de valores pagos, de acordo com o determinado no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de setembro, bem como a penhora do saldo bancário, no âmbito dos processos de execução fiscal.
D. Os pagamentos foram efetuados em 23.10.2018, tendo a Reclamante recorrido a guias de pagamento modelo P2 de IVA, (Portaria nº 92/2004, de 23/01) não imputou os pagamentos diretamente às guias de autoliquidação geradas aquando da submissão das declarações de substituição de IVA.
E. Sendo que para cada período existem liquidações adicionais, umas em resultado das substituições operadas pela Reclamante e, outras em resultado de correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, que a Reclamante entende não serem devidas e que diz que pretender impugnar, o que ainda não fez,
F. E, ainda outras a repor a diferença por reembolso já recebido, de declarações substituídas, tendo, a imputação do pagamento realizado sido efetuada de acordo com o estatuído no artigo 9º do DL nº 229/95, de 11 de setembro e aplicado no imposto que se mostrou devido.
G. E a questão que o Tribunal apreciou foi a de saber se o pagamento efetuado pelo sujeito passivo para o pagamento de IVA do período 2018/06, à ordem da Direção-Geral do Tesouro, deveria ter sido afeto à declaração de substituição por aquele apresentada para esse período, e, não tendo sido, se tal consubstancia uma violação do artigo 9º do Decreto-Lei nº 229/95 e do princípio da boa fé, ou se o mesmo poderia ter sido utlizado pela AT, de forma diversa, para pagamento de imposto (s) que considerasse devido (s).
H. Decidiu a final a Meritíssima Juiz a quo pela ilegalidade do ato de compensação alicerçada no vício de violação de lei, por considerar tal ato de compensação ferido de ilegalidade por violação do princípio da boa fé, na medida em que é suscetível de trair a confiança da reclamante na atuação da Administração Tributária, porquanto, os pagamentos realizados pelo sujeito passivo provêm de autoliquidações reportadas às declarações de substituição apresentadas por ele, sendo absolutamente inequívoco a que dívidas fiscais os meios de pagamento se destinavam.
I. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, pelas razões que passa a elencar.
J. As liquidações relativas aos períodos de IVA entre 2014/01 e 2018/06, onde se inclui o período de 2017/12, ora em execução, foram pagas, em 23/10/2018, através de guias de pagamento modelo P2 de IVA, aquando da entrega voluntária das declarações de substituição, na mesma data, ou seja, para além do prazo legal.
K. E, no caso vertente, as declarações de substituição foram entregues quer em resultado das correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo, quer por iniciativa da Reclamante, tendo a Reclamante promovido pagamentos através de guias de pagamento de IVA, modelo P2, no valor total de € 104.022,45, decorrente de um modo de afetação das verbas, próprio, sem observância com os atos de compensação utilizados, ou em conformidade ao disposto no art.º 89.º do CPPT e 36º, nº 3 da LGT, apenas, por si, aritmeticamente, calculados, pretendendo que as importâncias pagas com as declarações de substituição, sem imputar os pagamentos diretamente às guias de autoliquidação geradas aquando da submissão das declarações de substituição de IVA, sejam aplicadas no pagamento de dívidas de IVA geradas pela apresentação dessas declarações de substituição, e não outras, com efeitos retroativos à data do pagamento.
Por sua vez,
L. Não se afigura possível interpretar o e-mail recebido pela reclamante a 09.07.2019, como um indeferimento a qualquer requerimento da Reclamante, atenta a referência desse e-mail a um “pedido de esclarecimento” e a falta de conteúdo decisório daquele.
M. Mas, ainda que se considerasse que este e-mail era um verdadeiro indeferimento, note-se, em primeiro lugar, que a Reclamante não reclama do ato de indeferimento do requerimento por si apresentado, mas apenas dos atos de compensação;
N. E, é duvidosa a possibilidade de apresentação de reclamações administrativas no seio da execução fiscal, o que teria como efeito a prorrogação de um prazo perentório previsto na lei e o adiamento no tempo de uma questão à qual o legislador quis dar solução urgente.
O. De referir ainda que a Reclamante não imputa quaisquer vícios próprios ao ato de penhora em si mesmo e que a ilegalidade concreta dos atos de liquidação não é objeto de reclamação dos atos de órgão de execução fiscal prevista no artigo 276.º e ss. do CPPT, mas sim fundamento/objeto de impugnação judicial.
P. E quando a Reclamante invoca alegados vícios de violação de lei e violação do princípio da boa fé à penhora, não tem razão.
Q. Com efeito, estando pendente um processo de execução fiscal e não tendo sido paga a respetiva quantia exequenda, nem apresentado contencioso judicial com prestação de garantia, o órgão de execução fiscal não pode deixar de proceder à penhora de bens do executado sob pena de violação do n.º 2 do art.º 36º da LGT que determina ser proibida a concessão de moratórias no pagamento de impostos (cfr. também artigos 215.º e ss. do CPPT).
R. Como tal a penhora impugnada é legalmente admissível e não padece de qualquer ilegalidade, contrariamente ao determinado no douto decisório que considerou que, no caso em concreto, a atuação da AT não foi, de todo, consentânea com os ditames da boa fé.S. Desde logo, deve o princípio da boa fé ser conjugado com os restantes princípios norteadores da atividade administrativa tributária, designadamente com o da legalidade, pelo que quando a Administração Tributária atua com poderes vinculados, o respetivo ato será legal ou ilegal, consoante respeite ou não o quadro rigorosamente desenhado na lei, e este foi no caso em concreto respeitado não determinando a anulação do ato a ofensa ao princípio da boa fé, quando se demonstre que este foi praticado no exercício de poderes vinculados e o foi em plena conformidade com a lei ao caso aplicável.
T. No caso em concreto, reunidos os pressupostos exigidos por lei para que a compensação operasse, e não reunidos os requisitos para que a mesma fosse proibida, impunha-se à Administração Tributária a obrigação de efetuar a compensação nos termos do disposto no artigo 9.º do DL nº 229/95, de 11 de setembro.
U. Entende a Fazenda Pública ser de afastar a resolução do litígio com fundamento no princípio da boa fé, pela alegada quebra da confiança do contribuinte, como se decidiu na douta sentença, porquanto, estamos perante um ato estritamente vinculado à lei, e a situação daquele que atua na convicção de proceder em conformidade com o Direito é jurídica e autonomamente protegida na ordem jurídica. Por outro lado,
V. Como decorre dos autos, tanto a anulação das dívidas que peticiona, quanto a anulação da penhora, são consequências jurídicas da restituição da situação atual hipotética que a anulação dos atos de compensação exige, a verificar-se e estes pedidos carecem de qualquer autonomia face ao pedido de anulação dos atos de compensação.
W. De todo o modo, a Reclamante não imputa quaisquer vícios próprios ao ato de penhora em si mesmo e que a ilegalidade concreta dos atos de liquidação não é objeto de reclamação dos atos do órgão de execução fiscal prevista no artigo 276º e ss. do CPPT.
X. Pelo que não existiu qualquer violação do principio da confiança da reclamante na atuação da Administração Tributária, porquanto, e ao contrário do que entende o Tribunal a quo, bem sabia a reclamante que nada mais havia a fazer por parte da Administração Tributária senão proceder à compensação do crédito na divida tributária, nos termos do artigo 9º do DL 229/95, de 11 de setembro, uma vez que se preenchiam todos os pressupostos exigidos legalmente, e a tal ato estava obrigada. Nesta conformidade,
Y. Deve considerar-se que a Administração Tributária na prática do ato de compensação reclamado cumpriu o legalmente preceituado, não violando o princípio da boa fé, na medida em que não violou a confiança da reclamante na sua atuação, pois, sabendo que a imputação do pagamento foi efetuado de acordo com o estatuído no artigo 9º do DL 229/95, de 11 de setembro,
Z. Neste segmento decisório, entende a Fazenda Pública que o ato de compensação objeto da presente reclamação é legal e, assim, deve manter-se no ordenamento jurídico-tributário, pelo que, a sentença recorrida incorreu em ERRO DE JULGAMENTO em matéria de direito por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 9º do DL 229/95, de 11 de setembro.

I.2 – Contra ordenações.
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso com o seguinte quadro conclusivo:
I) Prevenindo a necessidade da sua apreciação em caso de procedência do recurso da Recorrente, o seguinte Facto deveria ter sido dado como provado mas que o não foi, o que se aqui requer em sede de ampliação do objecto do recurso, em caso de procedência do recurso da Recorrente:
- Email de 31 de maio de 2019:
“Exmºs Senhores:
Em aditamento ao pedido efetuado através de email que se junta em anexo, somos a enviar o requerimento apresentado pelo do sujeito passivo para análise por essa DS, tendo em vista a aferir da possibilidade de alteração da afetação dos pagamentos efetuados aos períodos solicitados.
Acrescenta-se que o SP tem 9 PEFs afetos ao SF Valongo 2, (3965), na situação de “suspensão a aguardar anulação”. Esta situação encontra-se pendente de resolução desde dezembro de 2018.” - cfr. fls. 1 do Doc. n.º 5 P.I. ,
81) conforme o autoriza em processo tributário, inter alias, o Acórdão do
TCA Sul de 05-06-2019 (Processo 147/08.5BELRA, in www.dgsi.pt):
I – A ampliação do objeto do recurso vem prevista no artigo 636.º do CPC e pressupõe que o tribunal de recurso possa conhecer do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação, ou seja trata-se de um pedido que só será apreciado em caso de procedência dos argumentos (de facto ou de direito) aduzidos no recurso pelo recorrente.”
II) No vertente caso, fácil é concluir que os pagamentos realizados pelo Sujeito Passivo provêm de autoliquidações reportadas às declarações de substituição apresentadas por ele, sendo absolutamente inequívoco a que dívidas fiscais os meios de pagamento se destinavam. O mesmo é dizer que tais pagamentos exorbitaram o âmbito de aplicação do art.º 9º do Decreto-Lei n.º 229/95 de 11 de Setembro, estando vedada à A.T. a afectação das quantias pagas a seu bel-prazer, como efectivamente ocorreu.
III) O comportamento da Administração fiscal viola, não apenas, o antedito art. 9.º do Regime de Cobrança e dos Reembolsos do IVA, como também incorreu em violação do princípio da boa fé que impõem uma actuação em conformidade com a «confiança suscitada na contraparte», nos termos dos artigos 59º, nº 2 da Lei Geral Tributária e 266.º da Constituição da República Portuguesa.
IV) Assim, tal como se decidiu no Acórdão que vimos seguindo, “a actuação da Administração Tributária no caso vertente, para além de não colher o apoio legal invocado [art. 9º Decreto-Lei n.º 229/95 de 11 de Setembro], deve ser afastada com fundamento em que tal actuação conduziu, em concreto, à violação do equacionado princípio da boa-fé.
V) Ainda que de compensação se tratasse, a mesma seria ilegal, já que foi feita contra a vontade expressa da Contribuinte, conforme ensina o aresto do STA de 02-04-2014 (processo 01943/13, in www.dgsi.pt), transcrito na Alegação 85) que se dá por reproduzida: “III - Deve ter-se por ilegal, por violação do princípio da boa fé, a actuação da Administração Fiscal que, tendo completa percepção de que o contribuinte pretendia regularizar parcialmente a dívida de IVA relativa aos períodos que especificamente indicou e que se encontrava em cobrança no processo de execução fiscal – não só não o informou da necessidade de requerer tal pagamento no âmbito do processo de execução fiscal, como o informou que iria ser solicitado aos Serviços de cobrança do IVA a compensação no processo executivo, criando-lhe a convicção de que tais abatimentos iriam ser efectuadas pela DSCIVA, o que afinal veio a não suceder, já que tal serviço acabou por afectar tais verbas ao pagamento de outras dívidas, com prejuízo para o requerente.
VI) In casu, não há dúvidas que, tendo a Contribuinte apresentado declarações de substituição, tendo cada uma destas gerado a respectiva guia de pagamento e tendo a Contribuinte pago cada uma dessas guias, foi manifesta a vontade da Contribuinte em pagar aquelas concretas guias e, por isso, a diferença de IVA que cada uma dessas declarações de substituição implicou a favor do Estado. -Docs. n.ºs 1 a 4 da P.I..
VII) Assim, na esteira do citado aresto, é ilegal, por violação do princípio da boa fé, a actuação da Administração Fiscal que, tendo completa percepção de que o contribuinte pretendia regularizar parcialmente aquelas dívidas de IVA relativa aos períodos que especificamente constavam das declarações de substituição, a AT informou que iria ser solicitado aos Serviços de cobrança do IVA a compensação no processo executivo, criando-lhe a convicção de que tais abatimentos iriam ser efectuadas pela DSCIVA, o que afinal veio a não suceder, já que tal serviço acabou por afectar tais verbas também ao pagamento de outras dívidas, sem qualquer fundamento legal ou sequer lógico e, por isso, infundamentado, com prejuízo para a Contribuinte, dívidas que esta não pretende pagar mas sim impugnar (estando em prazo) e prestar garantia, conforme já o requereu tempestivamente.
VIII) Aliás, diz-nos peremptoriamente o Ac. STA de 08-08-2012 (Processo 0806/12, in www.dgsi.pt), transcrita na Alegação 88) que se dá por reproduzida, que “III - Assim, é ilegal o acto de compensação efectuado pela AT antes de esgotados os prazos para reclamação graciosa e para impugnação judicial da liquidação que deu origem à dívida exequenda, como decorre da alínea a) do n.º 1 do art. 89.º do CPPT”, sendo que, in casu, a Contribuinte estava e está em prazo de impugnar as supostas “dívidas” geradas pelas liquidações oficiosas de Abril de 2019, sob a gestão e cobrança do Serviço de Finanças do Porto 2, que nunca deveria ter sido compensadas com parte do valor pago de 104.022,45€.
IX) O mesmo nos diz o Ac. STA de 12-10-2016 (Processo 01024/16, in www.dgsi.pt), “Não é admissível a compensação, por iniciativa da AT, de dívida relativamente à qual o inerente crédito foi contestado e cuja garantia de pagamento pode ainda ser prestada por outro meio a definir pelo devedor/executado (art. 89º do CPPT).”.
X) Termos em que, deverá ser julgado ilegal o indeferimento do pedido de conciliação de 04/12/2018 descrito no Facto Provado n.º 5 da Sentença, deverão ser julgadas ilegais as dívidas (quantia exequenda, taxa de justiça, despesas e juros) geradas pela DSCIVA que deram origem aos 38 processos de Execução Fiscal instaurados pelo Serviço de Finanças de Valongo 2, os quais deverão ser extintos, bem como declarados ilegais os actos de compensação efectuados pela DSCIVA, devendo, em consequência, as importâncias pagas com as declarações de substituição, no total de 104.022,45€, ser aplicadas no pagamento das dívidas de IVA geradas pela apresentação dessas declarações de substituição (e não noutras), com efeitos retroactivos à data do pagamento; deverá ainda ser anulada a penhora do saldo bancário no EUROBIC efectuada pelo Serviço de Finanças de Valongo 2.

I.3 – O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Penafiel que julgou procedente a reclamação apresentada contra o ato de penhora de saldo de conta bancária e determinou a sua anulação.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por considerar ter sido feita uma errónea interpretação e aplicação da lei, já que no seu entendimento «…não existiu qualquer violação do principio da confiança da reclamante na atuação da Administração Tributária, porquanto, e ao contrário do que entende o Tribunal a quo, bem sabia a reclamante que nada mais havia a fazer por parte da Administração Tributária senão proceder à compensação do crédito na dívida tributária, nos termos do artigo 9º do DL 229/95, de 11 de setembro, uma vez que se preenchiam todos os pressupostos exigidos legalmente, e a tal ato estava obrigada».
Mais considera que «…o ato de compensação objeto da presente reclamação é legal e, assim, deve manter-se no ordenamento jurídico-tributário, pelo que, a sentença recorrida incorreu em ERRO DE JULGAMENTO em matéria de direito por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 9º do DL 229/95, de 11 de setembro».
E termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por decisão que julgue a reclamação improcedente.
2. Por sua vez a Recorrida, em contra-alegações, requereu a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 636º do CPC, para o caso de ser julgado procedente o recurso interposto pela Fazenda Pública.
Entende a Recorrida que à matéria de facto há que acrescentar o teor do correio eletrónico trocado entre os serviços da AT e constante do documento nº5 da petição inicial.
II. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.
Na sentença recorrida o tribunal “a quo” considerou que «a pretensão da Reclamante visa, assim, forçosamente, o ato de compensação/acerto de contas que incidiu sobre o pagamento que aquela pretendia ver destinado ao pagamento da dívida de IVA desse período, ou seja, o pagamento da guia junta a pp. 109 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos e à penhora de saldo bancário decorrente da alegada incorreta afetação, pela AT, do pagamento efetuado pela Reclamante quanto a tal período temporal».
Mais se considerou que o que «… se impõe a este Tribunal decidir é a de saber se o pagamento efetuado pelo sujeito passivo para o pagamento de IVA do período de 2018/06, à ordem da Direção - Geral do Tesouro, deveria ter sido afeto à declaração de substituição por aquele apresentada para esse período, e, não tendo sido, se tal consubstancia uma violação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 229/95 e do princípio da boa fé, ou se o mesmo poderia ter sido utilizado pela AT, de forma diversa, para pagamento de imposto(s) que considerasse devido(s)».
Para se decidir pela procedência da reclamação, considerou a Mma. Juíza “a quo” que «impõe-se concluir pela ilegalidade da sua atuação, na não afetação do pagamento efetuado pela Reclamante em 23.10.2018 ao IVA do período de 2018/06 (cfr. ponto 2 do probatório) subjacente à instauração e prosseguimento de processo de execução fiscal com vista à cobrança coerciva do montante da dívida atinente a esse período. Outrossim, tendo a penhora de saldo bancário efetuada, no âmbito desse processo de execução fiscal, tido por base a não afetação, ilegal, do referido pagamento, sendo aquele um ato consequente deste, impõe-se concluir, igualmente, pela sua incontornável ilegalidade, porquanto sustentado numa atuação ilegal prévia».
III. Análise do Recurso.
A questão que vem suscitada pela Recorrente consiste em saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 9º do DL 229/95, de 11 de setembro, e mais precisamente se a penhora do saldo bancário padece de ilegalidade indireta, decorrente da ilegal afetação dos valores entregues pelo sujeito passivo aquando da apresentação da autoliquidação de IVA relativa ao período de junho de 2018.
1. Em face da matéria de facto assente na sentença recorrida não se suscitam dúvidas que a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 276º do CPPT e que deu origem aos presentes autos tem por objecto a penhora de saldo bancário da conta aberta no EUROBIC e comunicada à executada e aqui Recorrida em 20/07/2019 (pontos 15 e 16 do probatório).
Resulta igualmente da sentença recorrida que a Reclamante alicerça o vício de ilegalidade que assaca ao ato de penhora na consideração de que a dívida que a AT pretende cobrar devia ter sido dada como saldada com a entrega do meio de pagamento contemporâneo à entrega da autoliquidação, e cuja anulação/conciliação requereu ao órgão de execução fiscal.
O tribunal “a quo” sufragou o entendimento da executada/reclamante, considerando que a não afetação desse meio de pagamento configura uma ilegalidade que se repercute na validade do ato de penhora agora sindicado, invocando em abono de tal tese a doutrina do acórdão deste tribunal de 02/04/2014, proferido no processo nº 01943/13, tendo por objecto uma situação com semelhantes contornos.
2. Da matéria de facto assente na sentença recorrida resulta que a quantia exequenda no montante de € 5.002,93 euros (na sentença consta por lapso um digito numérico a mais) respeita a um acerto de contas relativo a IVA do mês de junho de 2018 e comunicado ao sujeito passivo em outubro de 2010, após este ter entregue uma declaração periódica referente ao mesmo período e no mesmo mês de outubro (pontos 1 e 3 do probatório).
Mais resulta que aquando da entrega dessa declaração periódica por parte do sujeito passivo, este efetuou um pagamento através de guia de pagamento “modelo P2” do montante de € 6.597,32 euros (ponto 2 do probatório).
Da sentença recorrida não resulta que o sujeito passivo tenha impugnado graciosa ou contenciosamente a liquidação apurada na referida nota de acerto de contas, nem se alcança da matéria de facto assente quais os elementos tidos em consideração pela AT no apuramento desse montante de € 5.002,93 (sendo certo que não é diretamente apreensível dos documentos para os quais remete a sentença).
De todas as formas na argumentação de direito que o tribunal “a quo” realiza, parte do princípio que a AT (Direção de Serviços do IVA) não afetou o valor de € 6.597,32 euros liquidado aquando da entrega da declaração periódica de IVA referente ao mês de junho de 2018 ao pagamento do imposto devido e apurado nessa declaração. E é nessa medida que o tribunal formula a questão decidenda nestes termos: «E a questão que, nessa apreciação, se impõe a este Tribunal decidir é a de saber se o pagamento efetuado pelo sujeito passivo para o pagamento de IVA do período de 2018/06, à ordem da Direção - Geral do Tesouro, deveria ter sido afeto à declaração de substituição por aquele apresentada para esse período, e, não tendo sido, se tal consubstancia uma violação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 229/95 e do princípio da boa fé, ou se o mesmo poderia ter sido utilizado pela AT, de forma diversa, para pagamento de imposto(s) que considerasse devido(s)».
Ora, embora não se alcance da matéria de facto assente no probatório qual o montante do imposto apurado nessa declaração pelo sujeito passivo e em que elementos alicerça o tribunal “a quo” a conclusão de que o valor daquele pagamento teve outras afetações que não aquela (já que o tribunal “a quo” se limitou a descrever documentos e não fez qualquer análise critica dessa prova), certo é que na sua resposta a Fazenda Pública admite a verificação dessa outra afetação, pugnando pela sua conformidade com a lei, por o pagamento ter sido efetuado através do requerimento modelo P2.
Dispõe o artigo 9º do Dec.-Lei nº 229/95, de 11 de Setembro (na redação introduzida pelo artigo 10º da Lei nº 64/2012, de 20/12):
“Sempre que for efetuado um pagamento que não corresponda a qualquer valor autoliquidado, deverá a respetiva importância ser creditada em conta corrente, para efeitos da sua compensação em imposto que venha posteriormente a mostrar-se devido.
Ora, como se deixou referido na sentença recorrida, pese embora o modelo de requerimento utilizado não tenha sido o correto (Atento que a portaria nº 92/2004, de 23 de Janeiro determina que o referido modelo deve ser utilizado para os pagamentos do IVA que não sejam efectuados com a entrega da declaração periódica ou em processo de execução fiscal), o requerimento de pagamento é expresso na indicação da referência à declaração de substituição a que se reportava, motivo pelo qual não podia a respetiva importância ser creditada em conta corrente e ser utilizada para compensação de outras dívidas.
Por outro lado o sujeito passivo confirmou essa mesma afetação especifica na correspondência trocada com a administração tributária.
Assim sendo, impõe-se a correção por parte da AT da referida afetação com a consequente anulação do título executivo dada à execução e a extinção da execução na parte correspondente e consequente redução da penhora.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.

I.4 - Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 23.10.2018, a Reclamante entregou uma declaração periódica de IVA com o n.º de documento (pagamento MB e Internet) 162 812 223 090 168, referente ao período de 2018/06. – cfr. pp. 80 a 83 do documento petição inicial junto a fls. 37 do processo eletrónico (doravante autos) cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Na mesma data, procedeu a Reclamante ao pagamento de IVA referente ao período de 2018/06, através de guia de pagamento modelo P2, da qual consta a referência para pagamento 162 238 004 683 878, no valor de € 6 597,32. – cfr. pp. 109 e 111 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Em 31.10.2018, foi entregue, na caixa de correio eletrónica do sistema via CTT da Reclamante, a demonstração de acerto de contas n.º 201800022822087 (FCC n.º 201800007600495), referente a IVA do período de 2018/06, da qual resultou o valor a pagar de € 5 0002, 93, com data limite de 10.12.2018. – cfr. doc. fls. 253 (pp. 3 e 4) dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 02.11.2018, a Reclamante acedeu à sua caixa postal eletrónica – cfr. doc. fls. 253 (p. 4) dos autos.
5. Em 04.12.2018, a Reclamante, através do endereço de correio eletrónico do seu gabinete de contabilidade, remeteu uma mensagem de correio eletrónico, à Direção de Finanças do Porto, com o assunto “IVA – Autoliquidações | Substituição Declarações. Iva | N/NIF ………….”, com o seguinte conteúdo:






- cfr. pp. 117 a 120 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos (fls. 6 a 9 do doc. 5 junto com a petição inicial) e ponto 10 da p.i. .
6. Em 17.12.2018, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3565201801221400, para cobrança coerciva de dívida IVA referente ao período de 2018/06, no montante de € 5 0002, 93, tendo a Reclamante sido citada pessoalmente em 17.12.2018. – cfr. doc. fls. 253 (p. 7) do SITAF cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Em 30.04.2019, a Reclamante remeteu, à Direção de Finanças do Porto, uma mensagem de correio eletrónico com o assunto “Urgente Levantamento de Penhora | N/NIF: …………”, com o seguinte conteúdo:





- cfr. pp. 117 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos (fls. 6 do doc. 5 junto com a petição inicial) e ponto 12 da p.i.
8. Em 30.04.2019, o Chefe da Divisão de Liquidação de Impostos – Rendimento Despesa da Direção de Finanças do Porto remeteu à DSC – DCV – IVA – Divisão de Cobrança Voluntária – IVA uma mensagem de correio eletrónico, com o seguinte conteúdo:





- cfr. pp. 113 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos (fls. 2 do doc. 5 junto com a p.i.).
9. Em 31.05.2019, a Reclamante remeteu uma mensagem de correio eletrónico para a Direção de Finanças do Porto e para o Serviço de Finanças de Valongo - 2 (Ermesinde), contendo um documento intitulado “Requerimento”, com o seguinte conteúdo:







- cfr. pp. 124 e 125 da petição inicial junta a fls. 37dos autos.
10. Em 04.06.2019, a Reclamante remeteu uma mensagem de correio eletrónico ao Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Valongo 2 (Ermesinde), com o seguinte teor:







- cfr. pp. 116 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos (fls. 5 do doc. 5 junto com a p.i.).
11. Em 05.06.2019, a Reclamante remeteu uma mensagem de correio eletrónico à DSC – DCV – IVA, com conhecimento ao Serviço de Finanças de Valongo 2 (Ermesinde) e à Direção de Finanças do Porto, com o seguinte conteúdo:







- cfr. pp. 122 e 123 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos ( fls.1 e 2 do doc. 6 junto com a p.i.)
12. Em 12.06.2019, a Reclamante apresentou um requerimento junto do Provedor de Justiça, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
(…)











(…)
- cfr. pp. 126 a 129 da petição inicial junta a fls. 37 autos (doc. 7 junto com a p.i.).
13. Em 09.07.2019, a Divisão de Liquidação de Impostos – Rendimento Despesa da Direção de Finanças do Porto remeteu, à Reclamante, uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor:






- cfr. pp. 130 a 134 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos (doc. 8 junto com a p.i.) cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13-A. Do teor do e-mail referido na mensagem de correio eletrónico identificada supra consta o seguinte:
"Exmo(a). Senhor(a)
Em resposta ao email infra informa-se terem sido utilizados a totalidade dos pagamentos mencionados pelo contribuinte, no valor de 104.022,45€, conforme demonstrado no quadro em anexo (Excel).
Assim, pode observar-se, designadamente, o seguinte:
Que os pagamentos MAR-2014, NOV-2016, MAR-2018 e ABR-2018, de 1.207,50€, 15.067,42€, 2.473,88€ e 4.025,00€, respetivamente, foram diretamente imputados aos respetivos períodos;
Que os pagamentos JAN-2014, OUT-2014 e NOV-2015, de 2.661,10€, 1.161,50€ e 6.643,55€, respetivamente, foram integralmente consumidos, em diversos períodos com débitos e para os quais não foi enviado pagamento, de forma automática, segundo critérios legalmente definidos para o efeito;
Que os pagamentos FEV-2016, AGT-2016, JAN-2017 e SET-09, de 5.985,75€, 9.319,60€, 1.713,50€ e 3.478,75€, respetivamente, foram parcialmente utilizados, em diversos períodos, de forma automática, pelo mesmo motivo do ponto anterior;
Que, em 30-04-2019, este Serviço elegeu parte da importância disponível no total de 57.990,20€, para efeitos de utilização no pagamento de dívidas existentes em justiça tributária (JT) - segundo gestão do serviço de finanças;
Que, em 27-06-2019, este Serviço procedeu à elegibilidade das últimas verbas ainda disponíveis, de ABR-2016 e JAN-2017, de 977,50€ e 716,09€, respetivamente, para JT."
- cfr. doc. n.º 8, junto com a p.i.
14. A Reclamante teve conhecimento da penhora do seu saldo da conta bancária do EUROBIC, no dia 16.07.2019. – cfr. pp. 140 a 143 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos (doc. 12 junto com a p.i.) e ponto 35 da p.i..
15. A notificação da penhora do saldo da conta bancária do EUROBIC, no montante de €25.119,40, foi entregue na caixa de correio eletrónica da Reclamante do sistema via CTT no dia 20.07.2019. – cfr. fls. 32 e 33 do doc. de fls 4 dos autos.
16. A presente reclamação foi remetida ao Serviço de Finanças de Valongo-2 (Ermesinde) em 19.07.2019. – cfr. fls. 146 a 147 da petição inicial junta a fls. 37 dos autos.
17. A remessa da reclamação a este Tribunal foi acompanhada de informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Valongo-2 (Ermesinde), da qual consta, entre o mais, o seguinte:
(…)














































(…)

- cfr. pp. 1 a 8 do documento junto a fls. 4 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

II.2 – De Direito
I. Nos termos do presente recurso, importa começar por responder à questão seguinte: será este tribunal competente para conhecimento das questões apresentadas no presente Recurso?

II. A competência deste Supremo Tribunal encontra-se fixada, no que ora interessa aos autos, nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT (na redação introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro) e do artigo 26.º, alínea b) do ETAF (na redação introduzida pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro).
Segundo a solução ali prevista, a competência deste Supremo Tribunal está apenas circunscrita ao recurso, com exclusivos fundamentos de Direito, de decisões que tenham conhecido do mérito.
É o que se extrai do primeiro daqueles dispositivos: “Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

III. Tais alterações legislativas em matéria competencial encontravam-se em vigor à data da prolação da sentença recorrida.
Com efeito, a data da prolação da sentença recorrida encontra-se fixada no dia 31 de Dezembro de 2019, momento em que já se encontravam em vigor e produziam efeito as novas redações introduzidas por aquelas Leis.
Ora, no contexto do presente Recurso e pela leitura das Conclusões das Alegações, logo se constata que as questões levantadas configuram exclusivamente questões de Direito e que a sentença recorrida se pronunciou, indiscutivelmente, de mérito sobre o ali peticionado.
Não se vislumbra por aqui, por conseguinte, qualquer obstáculo à competência deste Supremo Tribunal para apreciar o presente recurso.

IV. Todavia, importa registar que é suscitada, em sede de Contra-Alegações, uma questão subsidiária de ampliação do objecto do recurso por parte da Recorrida, nos termos do n.º 2/in fine do artigo 636.º do CPC – como se extrai, desde logo, da Conclusão I – com vista à apreciação de questão de facto, a qual não foi dada como provada em 1.ª instância, no entender daquela Parte.
Ora, e sem prejuízo da demonstração da viabilidade ou não da ampliação daquele objecto, daqui se conclui que – na linha do que já antes das alterações de 2019 a que acima se fez referência sucedia – se encontra expressamente excluída da competência deste Supremo Tribunal o conhecimento de tal questão, porquanto no regime de competências em matéria de recursos actualmente em vigor a mesma não se pode configurar, manifestamente, como exclusivo fundamento de Direito, antes impondo a pronúncia deste Supremo Tribunal sobre uma questão de facto.

V. É, aliás, o que expressamente reconhece a própria Recorrida, em resposta dada ao nosso despacho de 21 de Outubro de 2020, onde foi colocada à consideração das Partes, para tutela do princípio do contraditório, a questão prévia da competência deste Supremo Tribunal para conhecer do presente Recurso.

VI. Importa, por conseguinte, concluir que, para efeitos do presente Recurso, este Supremo Tribunal é incompetente, em razão da hierarquia, incompetência esta que é absoluta.


III. Conclusões
I – No seguimento das alterações introduzidas na matéria de competência em sede de Recursos, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, importa concluir que, das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, “salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito”, caso em que tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo tribunal Administrativo.
II - A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artigo 16.º, n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal ao qual é indevidamente dirigido o recurso.


IV. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em declarar este Supremo Tribunal incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer deste recurso jurisdicional, devendo os autos ser remetidos ao Tribunal Central Administrativo Norte.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.