Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02356/14.9BELRS
Data do Acordão:06/17/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:BANCO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - A Contribuição sobre o Sector Bancário tem natureza jurídica de contribuição financeira.
II - As normas que aprovam o regime jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário não enfermam de inconstitucionalidade orgânica, nem material, não violando os princípios constitucionais da legalidade, da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência.
Nº Convencional:JSTA000P26074
Nº do Documento:SA22020061702356/14
Data de Entrada:01/21/2019
Recorrente:BANCO ..............., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2356/14.9BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela apresentada na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa que deduziu contra a autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) relativa ao ano de 2014.

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«I. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual declarou totalmente improcedente a impugnação judicial;

II. Sucede que a Douta Sentença recorrida contém, desde logo, um erro manifesto na fixação do valor da causa para efeitos de custas, erro esse cuja rectificação se requer, na medida em que, comprovadamente, o valor da autoliquidação cuja legalidade mediatamente se contestou é de € 5.569.711,96, e não de € 6.343.915,95 como, certamente, por lapso, se concluiu;

III. Quanto à decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada da autoliquidação da CSB de 2014, conclui o Recorrente que a mesma padece do vício de falta de fundamentação, razão pela qual deve ser anulado, em cumprimento do disposto no artigo 77.º da LGT;

IV. Ainda que assim não fosse, e independentemente da concreta natureza que se impute à CSB em crise, tal facto não altera o respectivo enquadramento no que respeita à sujeição deste tributo ao princípio da reserva de lei formal, contido no artigo 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição;

V. Isto porque, contrariamente ao que subjaz à Douta Sentença recorrida, quer os impostos, quer as contribuições financeiras, estão sujeitos ao princípio da legalidade em sentido formal, o que significa que os respectivos elementos essenciais (a saber, a base de incidência, as taxas, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes) têm necessariamente de ser aprovados por Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado do Governo;

VI. Porém, alguns dos elementos essenciais da CSB, designadamente as respectivas taxas e a definição da sua base de incidência, foram aprovados pela Portaria CSB, o que configura uma flagrante violação do princípio da reserva de lei na criação de impostos e contribuições financeiras, e implica a declaração da respectiva inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição;

VII. Contudo, ainda que assim não fosse – o que apenas por cautela e a benefício de raciocínio se admite, sem conceder –, sempre haveria que concluir pela anulabilidade da autoliquidação da CSB em crise, com fundamento na respectiva inconstitucionalidade material;

VIII. É que a CSB falha inapelavelmente o teste da bilateralidade potencial, o que, viola, desde logo, o princípio da equivalência, porquanto não decorrem do respectivo pagamento, para o Recorrente, quaisquer benefícios, sequer eventuais ou difusos;

IX. Mais: também se for qualificada como um imposto, como defende o Tribunal de Contas, a CSB viola o princípio da capacidade contributiva como corolário do princípio da igualdade tributária, previsto no artigo 103.º da CRP, na medida em que se encontra estruturada de um modo absolutamente alheio a tais critérios;

X. Razão pela qual, também neste plano, a sua incidência sobre o Recorrente se revela manifestamente inconstitucional por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 2, e 104.º da Constituição, inquinando irremediavelmente a autoliquidação da CSB, que também por este motivo haveria sempre de ser anulada;

XI. Em paralelo, a autoliquidação da CSB revela-se ainda desconforme com o artigo 1.º do Primeiro Protocolo à CEDH, por articulação com o artigo 14.º da CEDH, e indirectamente com o artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, por manifesta inexistência de quaisquer prestações públicas presumíveis ou potenciais cuja provocação ou aproveitamento sejam seguros numa óptica de grupo para o Recorrente;

XII. Por fim, e a título subsidiário, importa concluir que a alteração da taxa da CSB, operada pela Portaria n.º 64/2014, de 12 de Março, é ilegal por violação do disposto nos artigos 12.º da LGT e 12.º do Código Civil;

XIII. Sendo ainda inconstitucional por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição;

XIV. Isto porque, em concreto quanto à CSB do ano de 2014, é forçoso concluir que o agravamento da taxa está a agir sobre um facto passado (ocorrido em 2013);

XV. O que configura um flagrante problema de retroactividade autêntica de normas, proibido pela CRP;

XVI. E implica a anulabilidade da autoliquidação da CBS de 2014 indevidamente paga, sendo a mesma restituída ao Impugnante, acrescida de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT;

XVII. Requerendo-se ainda a reforma da Douta Sentença recorrida quanto à condenação em custas, de forma a dispensar-se a totalidade do pagamento da taxa de justiça remanescente nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, por não estar em causa uma situação de especial complexidade, nos termos previstos no artigo 530.º, n.º 7, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, al. e), do CPPT.

XVIII. Pois ao não dispensar a totalidade do pagamento da taxa de justiça remanescente, o Tribunal a quo fixou a taxa de justiça estritamente em função do valor da acção, o que, por manifesta falta de correspectividade entre os serviços que foram concretamente prestados pelo Tribunal a quo e a taxa de justiça que o Impugnante, ora Recorrente, suportará, violou o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, tal como interpretado à luz do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça, respectivamente com acolhimento constitucional nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, segunda parte, e 20.º da Constituição.

Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida, e declarando-se a anulabilidade da autoliquidação da CSB do ano de 2014, em resultado da declaração da inconstitucionalidade orgânica e material das normas que a regulamentam, por violação do disposto nos artigos 165.º, n.º 1, al. i), 103.º, n.º 2, e 104.º, e ainda do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 3, todos da Constituição, com a necessária restituição do montante de € 5.569.711,93 indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.

Devendo ainda a sentença ser reformada quanto a custas, sendo dispensado o pagamento da totalidade da taxa de justiça remanescente, nos termos conjugados dos artigos 6.º, n.º 7, do RCP, 530.º, n.º 7 do CPC, e artigos 2.º, 18.º, n.º 2, segunda parte, e 20.º, todos da Constituição,

Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!».

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa corrigiu o lapso de escrita a que o Recorrente se refere na conclusão com o n.º II.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. Isto, depois de enunciar as questões a apreciar, com a seguinte fundamentação: «[…]

Vindo a apresentar reclamação graciosa das autoliquidações que efectuou, e em que alegou inconstitucionalidades, vieram as mesmas a ser apreciadas e indeferidas por referência ao previsto no art. 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 30 de Março e da regulamentação introduzida pela Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março.
Não ocorre, assim, falta de fundamentação, nem é anular o acto por violação do art. 77.º da L.G.T.
Por outro lado, a C.S.B. é de considerar como contribuição financeira a favor de entidade pública, nos termos previstos no art. 3.º n.º 2 da L.G.T., e de acordo com os critérios constantes do acórdão n.º 539/2015 do Tribunal Constitucional (T.C.).
Tendo sido prevista na acima referida Lei, e ficado posteriormente afecta ao Fundo de Resolução criado pelo art. 1.º n.º 2 al. e) da Lei n.º 58/2011, de 28/11, não resulta a inconstitucionalidade invocada quanto à violação de reserva de lei formal, pois a mesma foi aprovada pelo órgão constitucionalmente competente para legislar na matéria, a Assembleia da República – nesse sentido, vai a jurisprudência do T. C. após o acórdão n.º 365/2008.
A tal não obsta que o referido Fundo tenha sido posteriormente enquadrado no R.G.I.C.S.F., conforme foi previsto ainda nos artigos 153.º-A e 153.º-U, aditados pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10/2, bem como que o mesmo tenha sido constituído como pessoa colectiva de direito público, dotado de autonomia administrativa do próprio Banco de Portugal junto do qual funciona, nos termos previstos no art. 2.º do Regulamento aprovado pela Portaria n.º 420/12, de 21/12.
Quanto à invocada violação dos demais princípios constitucionais é de considerar o seguinte:
Na sua origem esteve evitar o contágio resultante da liquidação de bancos, o chamado risco sistémico, não sendo, por isso, de afastar que sejam estes os chamados a contribuir, e não a comunidade no seu globo.
Não resulta ainda a violação do princípio da equivalência, considerando que a C.S.F. tem por função angariar receitas que possam ser utilizadas no financiamento de resoluções respeitantes à dita liquidação de bancos, grupo em que se inclui a recorrente.
A base de base de incidência foi prevista no art. 3.º da dita Lei n.º 55-A/2010, por referência ao “passivo apurado e aprovado”, deduzido de fundos e depósitos, e ainda quanto ao “valor nocional de instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado”, o qual até ao presente se mantém.
Por outro lado, a taxa foi também prevista no seguinte art. 4.º, com uma variação entre “entre 0.01% e 0.05%”, quanto ao referido passivo, “em função do valor apurado”; e “entre 0,00010% e 0,00020%” quanto ao dito valor nocional, também “em função do valor apurado”.
Não é de excluir a sua densificação por Portaria dentro de limites que se afiguram razoáveis – assim, a jurisprudência do T. C. firmada após o acórdão n.º 70/2004 –, nem por tal ter sido cometido ao Banco de Portugal, entidade que supervisiona o sector e que em melhor posição se encontra por preceder a tal, não resulta a inconstitucionalidade por violação dos artigos 103.º e 104.º da C.R.P.
Quanto à violação do princípio da irretroactividade, as normas em causa não foram interpretadas como aplicáveis a factos ocorridos antes da entrada em vigor da lei ao tempo aplicável, pelo que a mesma também não ocorre.
Finalmente, não resulta ainda a inconstitucionalidade suscitada quanto à aplicação efectuada do art. 6.º n.º 7 do R.C.P.
Não há outras questões de que cumpra conhecer como as suscitadas relativamente às autoliquidações que assentam em normas nacionais que importavam invocar para que se considerassem violadas a C.E.D.H., bem como o art. 8.º n.º 2 da C.R.P.
Concluindo:
A contribuição para o sector bancário é uma contribuição financeira a favor de entidade pública – art. 3.º n.º 2 da L.G.T.
Não resulta a sua inconstitucionalidade por violação dos vários princípios que foram postos em causa como violados, bem como assim a inconstitucionalidade do art. 6.º n.º 7 do R.C.P.».

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa deu como provados os seguintes factos:

«A) O Impugnante é uma instituição de crédito, desenvolvendo a actividade típica deste tipo de entidades (conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela Impugnada).

B) Em 26 e 30 de Junho de 2014, procedeu, respectivamente, à autoliquidação e pagamento (no montante de € 5.569.711,96) da Contribuição sobre o Sector Bancário (conforme resulta da cópia da declaração modelo n.º 26 através da qual efectuou a autoliquidação e do documento comprovativo do pagamento, que constituem fls. 46 a 48).

C) Em 7 de Julho de 2014, apresentou reclamação contra a autoliquidação a que se refere a alínea anterior e requereu o pagamento de juros indemnizatórios (conforme resulta do documento 2 junto com a PI).

D) No processo de reclamação graciosa a que se refere a alínea anterior foi prestada a Informação n.º 220-AIR2/2014, de fls. 14 a 21 processo de reclamação graciosa em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
«(…) § IV. DOS FACTOS
10. A Contribuinte, ora Reclamante, é uma instituição financeira que exerce a sua actividade ao abrigo do preceituado na norma que consta do art. 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, estando sujeita à supervisão do “Banco de Portugal”.
11. Conforme já o dissemos a Contribuinte, aqui Reclamante, é uma sociedade comercial, sujeito passivo de Contribuição Sobre o Sector Bancário. E
12. O acto tributário aqui contestado diz precisamente respeito à “autoliquidação” da Contribuição para o Sector Bancário, ex novo introduzida pelo disposto no art.º 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, conforme melhor demonstrado na própria declaração “Modelo 26 junta aos presentes autos de procedimento administrativo de reclamação graciosa. E
13. Compulsado o sistema informático ao dispor destes Serviços, constata-se que a Contribuinte, ora Reclamante, procedeu ao pagamento no prazo Legal das quantias então liquidadas, nos termos do previsto no art.º 7º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março. Todavia,
14. Não se conformando com o ato tributário sub judicio veio a Contribuinte, ora Reclamante, interpor agora a presente reclamação graciosa consubstanciada no requerimento aqui em apreço, entendendo pela sua anulação integral com todas as consequências legais que ao presente caso possam caber.
§ V. DA ANÁLISE DO MÉRITO DO PEDIDO
15. Compulsado o teor da petição inicial apresentada pela Contribuinte, ora Reclamante, e considerando que nos autos está em causa dirimir se o ato tributário a sindicar enferma ou não dos vícios de ilegalidade que lhe são apontados, somos então a aferir da bondade dos argumentos nesta sede trazidos ao nosso conhecimento Isto par e passo com o itinerário percorrido pela apresentante.
Dito isto,
§ VI. Do cálculo de imposto
§ V.I.I. Da Contribuição Sobre o Sector Bancário
§ V.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante
16. Em primeiro lugar, a Contribuinte, ora Reclamante argumenta que a Contribuição sobre o Sector Bancário que moto próprio “autoliquidou” é ilegal, por inconstitucionalidade da norma que a prevê por violação do principio constitucional da não retroactividade dos tributos, contemplado no art. 103.º da Constituição da República Portuguesa e por violação dos princípios da equivalência e da capacidade contributiva, estes por sua vez previstos no art. 13.º, também da nossa Lei Fundamental.
17. Depois, em segunda instância, alude ainda a uma pretensa inconstitucionalidade orgânica das normas legais que introduziram e regulamentam a própria Contribuição Sobre o Sector Bancário, afirmando que a incidência e a respectiva taxa foram fixadas tão-somente por portaria, em violação do princípio da reserva de lei previsto no art. 165.º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos,
18. E sobre isto, no essencial, que se suporta todo o seu entendimento, o qual, por razões de economia processual, nos inibimos de aqui transcrever, considerando-o aqui reproduzido, com todas as consequências legais.
§ V.I.I.II. Da apreciação de mérito
19. Sem prejuízo de desde já se referir que, consabido, não cabe no elenco das atribuições e competências desta Unidade dos Grandes Contribuintes aferir da bondade de uma qualquer norma face ao preconizado na nossa Lei Fundamental ainda assim não poderemos, sem mais, deixar de tecer algumas considerações acerca do assunto que ora nos apraz, a ponto de aqui se sublinhar que, na verdade, relativamente ao argumentado pela Contribuinte, ora Reclamante, não é de lhe conferir valor jurídico suficiente para resolver a questão em causa; de modo algum, pois não é isso que resulta da lógica dessa novação tributária estabelecida pelo legislador fiscal nacional.
20. Sobre a matéria em análise, a nova “contribuição” criada pelo art. 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 30 de Março, cuja regulamentação foi introduzida pela Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, refira-se sucintamente que a criação desta taxa teve na sua origem vários aspectos discutidos na Cimeira de Pittsburg, de Setembro de 2009, e no Conselho ECOFIN, de 18 de Maio de 2010, nos quais se afirmou que deveria ser esse sector a pagar os encargos que ele próprio gera, através da criação de um imposto sobre bancos. Aliás,
21. Alguns Estados, como, por exemplo, a Alemanha e a Suécia, decidiram que as receitas provenientes deste tributo seriam afectas a “Fundos de Resolução de Crises Administrativas” geridos por organismos executivos independentes.
Neste sentido,
22. Com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal exigido ao sector financeiro e, bem assim de eliminar ou diminuir os riscos sistémicos que lhe estão por sua vez associados, o próprio Orçamento de Estado para o ano 2011, no art. 141.º da respectiva Lei, criou a denominada “Contribuição Sobre o Sector Bancário”, cujo regime legal se encontra complementado de acordo com o preceituado na Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março. Contudo,
23. De acordo com as alegações proferidas pela Contribuinte, ora Reclamante, recorde-se, é invocado que o ato tributário praticado, está ferido de ilegalidade em razão da sua pretensa inconstitucionalidade invocada em vários sentidos. Porém,
24. Não lhe assiste qualquer razão. Com efeito,
25. Interessa, por isso, para além do princípio da não retroactividade da lei fiscal, trazer aqui à colação, por um lado, o disposto n.º 2 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, o qual consagra expressamente que “(...) os impostos são criados por lei que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”, e, por outro a alínea i) do n.º 1 do art. 165.º, igualmente da nossa Lei Fundamental, o qual, por sua vez, estabelece que “(...) é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre (...) a criação de impostos e sistema fiscal”, mais, segundo o n.º 2 do mesmo artigo,” leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada”. Ora,
26. Quanto à alegada violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, vertido no art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, não vislumbramos como, atento o momento da verificação do facto tributário, se possa arrazoar invocando um pretenso dissídio com tal postulado constitucional.
27. Por sua vez, no que concerne à invocada inconstitucionalidade material e orgânica, não se pode olvidar que, numa primeira linha, cabe ao aplicador de leis expressamente reportadas a determinados factos, analisar os caracteres de tais leis, a sua natureza e fundamento, e o seu enquadramento na ordem geral da política financeira, expressa ou implicitamente revelada nas manifestações do Governo ou da Assembleia da República, concluir sobre a alteração ou não de determinada legislação e a sua conformidade.
28. Na verdade, é a lei, no seu mais amplo sentido (compreendendo as leis parlamentares, os decretos-leis, os decretos-regulamentares, as portarias e os despachos normativos), que constitui o meio formal de expressão das normas jurídicas. Pelo que,
29. É de manual que a adopção de um ou de outro tipo de forma legal varia e depende do grau do interesse do objecto disciplinado ou consagrado pela norma ou do grau e gravidade do seu efeito perante as pessoas por elas afectadas ou perante a própria sociedade em que elas próprias se integram. Destarte,
30. Através de uma adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo que a própria Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade, somos de parecer que, em nossa opinião, face ao que até aqui foi dito não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário ora colocado em crise pela Contribuinte, ora Reclamante.
§ VI. DA CONCLUSÃO
Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido em conformidade com o teor do “quadro-síntese” desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.
Mais se propõe que, igualmente em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, aqui Reclamante, de acordo com as normas insertas nos arts. 35.º a 41.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, através de ofício a remeter sob registo, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, de acordo com o disposto no art. 60.º da Lei Geral Tributária, por sua vez con1jugado com a regra contida no n.º 2 do art. 100.º, este do Código do Procedimento Administrativo, ex vi alínea c) do art. 2.º também da Lei Geral Tributária.»

E) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 14 do processo de reclamação graciosa em apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

F) Em 01/09/2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira expediu sob registo postal o Ofício n.º 3003, de 29 de Agosto de 2014, da Unidade dos Grandes Contribuintes, através do qual se comunicava o projecto de indeferimento da reclamação apresentada em 7 de Julho de 2014 e se concedia um prazo de 15 dias para exercício do direito de audição (conforme resulta de fls. 22 e 23 do processo de reclamação graciosa em apenso).

G) O ofício a que se refere a alínea anterior é do seguinte teor:

«Assunto: NOTIFICAÇÃO DE “PROJETO DE DECISÃO”

Procedimento Administrativo de Reclamação n.º 3085201404006186
ImpostoContribuição Sobre o Sector Bancário
Período de tributação 2014
Com referência aos autos supramencionados, para os termos e efeitos previstos na alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 4 a 6, todos da art. 60.º da Lei Geral Tributária, conjugados com o n.º 2 do art. 100.º do Código do Procedimento Administrativo, este ex vi alínea c) do art. 2.º também da Lei Geral Tributária, fica V. Exa. por este meio notificado(a) na qualidade de mandatário(a) da sociedade constituída sob a forma comercial que usa a firma “Banco …………., SA”, para, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da presente notificação, exercer, querendo, o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, através de requerimento a apresentar junto desta Unidade dos Grandes Contribuintes.
Para o efeito, nos termos da norma inserta no n.º 5 do já mencionado art. 60.º da Lei Geral Tributária, junto se remete, em anexo, o correspondente “Projecto de Decisão” e respectiva fundamentação

H) Por requerimento apresentado em 15/09/2014, vieram as ilustres ilustres advogadas subscritoras da reclamação invocar que não eram mandatárias do reclamante e que ignorarão a notificação que lhes foi efectuada (conforme resulta do requerimento de fls. 24 do processo de reclamação graciosa em apenso).

I) Na unidade dos Grandes Contribuintes foi prestada e Informação.º 258-AIR2/2014, que constitui fls. 45 a 48 do processo de reclamação graciosa em apenso e que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos.

J) Por despacho de 30/09/2014, foi indeferida a reclamação graciosa (conforme resulta de fls. 44 do processo de reclamação graciosa em apenso).

K) Em 01/10/2014, foi enviado à Impugnante o Ofício n.º 3336, de 30 de Setembro de 2014, da Unidade dos Grandes Contribuintes, para notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (conforme resulta de fls. 48 e 49 do processo de reclamação graciosa em apenso)

L) Com o ofício a que se refere a alínea anterior, foi enviada a Informação n.º 258-AIR2/2014 da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, sobre a qual é proferido um despacho de indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário efectuada pelo Impugnante em 26 de Junho de 2014.

M) Em 3 de Outubro de 2014, a Impugnante apresentou um requerimento ao abrigo e para efeitos do artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário para que fosse ordenada a notificação ao Impugnante dos elementos em falta no Ofício n.º 3336, de 30 de Setembro de 2014, da Unidade dos Grandes Contribuintes, ou seja, os elementos que fundamentam o projecto de decisão que nele é mencionado (conforme requerimento que constitui fls. 50 e 51 do processo de reclamação graciosa em apenso).

N) Em apreciação do requerimento a que se refere a alínea anterior, foi prestada informação na Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta de fls. 57 do processo de reclamação graciosa em apenso).

O) Resulta da informação a que se refere a alínea anterior:
«Através de requerimento, com registo de entrada nestes Serviços no dia 03 de Outubro de 2014, junto a fls. 50 e seguintes dos autos, veio a Contribuinte, ora Requerente, invocar o mecanismo previsto no art. 37.º do CPPT, face ao nosso anterior ofício n.º 3336. Este ofício, recorde-se, procedeu à notificação da decisão final proferida nos presentes autos.
Ora, compulsados aos autos, facilmente se descortina que a referida notificação, efectuada pelo nosso mencionado ofício, junto a fls. 48 dos autos, continha todos os elementos então exigidos pela norma inserta no n.º 2 do art. 36.º do CPPT, sendo por isso manifestamente “suficiente”, ao invés do alegado pela Contribuinte, aqui Requerente».

P) Por despacho de 08/10/2014, concordando com a informação a que se refere a alínea anterior, foi indeferido o requerimento nos termos seguintes:
«Concordando com o supra exposto, indefiro o pedido ora formulado, disso se notificando a Contribuinte, ora Requerente, com a menção adicional de que os prazos anteriormente indicados de modo algum se suspenderam ou interromperam com a interposição do presente requerimento.»

Q) Em data que não pode precisar, o Impugnante tomou conhecimento do Ofício n.º 3422, de 8 de Outubro de 2014, da Unidade dos Grandes Contribuintes, através do qual foi comunicada a decisão de indeferimento do requerimento referido no artigo anterior (conforme cópia que junta como Documento 6.)

R) A petição inicial foi apresentada em 23/10/2014 (conforme carimbo aposto a fls. 2)».


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2.2 DE DIREITO

2.1.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

As questões a apreciar e decidir que se prendem com a natureza jurídica da CSB e alegada violação dos princípios constitucionais da legalidade, por violação da reserva de lei formal e por não cumprimento do comando constitucional do art. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), da irretroactividade da lei fiscal, da capacidade contributiva e da equivalência foram já circunstanciadamente analisadas e apreciada a conformidade constitucional dos diplomas que regem a tributação aqui em causa, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Junho de 2019, proferido no processo n.º 2340/13.0BELRS (683/17) (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/02054caa615575e88025845c00509985.) em julgamento ampliado desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, que tem vindo a ser seguido nos muitos processos em que se tem discutido a CSB.
Porque esse julgamento ampliado visa «assegurar a uniformidade da jurisprudência», porque concordamos integralmente com a respectiva fundamentação e tendo também em conta a regra do n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, remetemos para a fundamentação expendida no referido acórdão de 19 de Junho de 2019, ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, cumpre negar provimento ao recurso quanto às referidas questões e confirmar a sentença recorrida, com a fundamentação expendida no referido acórdão, dispensando a junção de cópia porque indicamos onde o mesmo se encontra publicado.

2.1.2 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

A única questão que sobra para apreciar e decidir ( Tenha-se presente que o erro de escrita invocado na conclusão II foi entretanto corrigido pelo Juiz do Tribunal a quo ainda antes da subida do recurso e que a alegada desconformidade com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, invocada exclusivamente em sede de recurso (cfr. conclusão XI), não tem verdadeiramente autonomia relativamente à questão da violação dos princípios constitucionais da equivalência e da capacidade contributiva.), para além das questões atinentes às custas processuais (que trataremos adiante), é a da falta de fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada da autoliquidação (cfr. conclusão III).
A este propósito, nada temos a acrescentar ao que ficou dito na sentença recorrida, para cuja fundamentação remetemos e que aqui damos por reproduzida.
Na verdade, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar repetidamente, a falta de fundamentação não se confunde com a falta de comunicação dos fundamentos, sendo que, enquanto aquela pode afectar a validade do acto e determinar a sua anulação, esta apenas contende com a eficácia do acto, podendo diferir o início do prazo para a impugnação do mesmo.
Por outro lado, no caso, como bem salientou o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, se é certo que o ofício remetido à ora Recorrente para notificá-la do indeferimento da reclamação graciosa não continha a informação que fundamentava essa decisão – informação n.º 220-AIR2/2014 –, a verdade é que essa informação já lhe havia sido previamente comunicada, quando da notificação para o exercício do direito de audiência prévia à decisão.
Por outro lado, como consta do referido ofício, o Director da Unidade dos Grandes Contribuintes aí referiu que o despacho de indeferimento foi «exarado na nossa informação n.º 258-AIR2/2014», informação que foi enviada conjuntamente com o ofício e da qual consta expressamente a remissão para a anterior informação, com o n.º 220-AIR2/2014, tudo como permitido pelo n.º 1 do art. 77.º da LGT.
Assim, nenhuma censura merece o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo relativamente quanto a esta questão.

2.2.3 DA DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

2.2.3.1 A Recorrente discorda da sentença também na parte em que limitou a dispensa do remanescente da taxa de justiça a 95% e sustenta que estão reunidas as condições para que seja dispensada a totalidade do remanescente da taxa de justiça: não obstante reconheça que está em causa «uma matéria tecnicamente complexa», considera que «não se verifica qualquer dos factores enunciados nas alíneas do artigo 530.º, n.º 7, do CPC».
Salvo o devido respeito, não concordamos.
Desde logo, do art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) não resulta que para a formulação do juízo sobre a complexidade da causa se impõe necessariamente a consideração dos factores que o n.º 7 do art. 530.º do CPC enumera, que mais não constituem do que índices para a consideração das acções e dos procedimentos cautelares como de especial complexidade para efeitos de taxa de justiça, designadamente para efeito de agravar essa taxa, como permitido pelo n.º 5 do art. 6.º do RCP.
Por outro lado, e sem prejuízo do que deixámos dito, consideramos verificado o factor a que alude a alínea b) do n.º 7 do art. 530.º do CPC, qual seja o de a acção respeitar a «questões de elevada especialização jurídica» e «especificidade técnica».
Seja como for, a sentença tratou de várias questões e, salvo o devido respeito, nenhuma delas se pode considerar de menor complexidade, que, relativamente à complexidade da causa tem sido o parâmetro usado por este Supremo Tribunal para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, que assume carácter excepcional.
É certo que, mesmo em situações em que a complexidade da causa não seja inferior à média, a jurisprudência tem vindo a admitir a dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça quando este assumir valor manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.
Foi com base nesse entendimento que, no caso, o Juiz do Tribunal a quo entendeu dispensar o pagamento do remanescente em 95%, juízo que se nos afigura não merecedor de censura.

2.2.3.2 Cumpre agora averiguar da possibilidade de dispensar o Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo presente recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP.
Embora se nos afigure que não está verificado o requisito de “menor complexidade” a que aludimos supra, o montante da taxa de justiça devida, a nosso ver, é manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, tanto mais que as questões suscitadas (com excepção da falta de fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa e da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, estas de complexidade inferior à média) já tinham sido jurisdicionalmente apreciadas no acórdão para cuja fundamentação se remeteu.
Assim, dispensaremos na totalidade o pagamento do remanescente da taxa de justiça nesta sede de recurso.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A Contribuição sobre o Sector Bancário tem natureza jurídica de contribuição financeira.
II - As normas que aprovam o regime jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário não enfermam de inconstitucionalidade orgânica, nem material, não violando os princípios constitucionais da legalidade, da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente, que ficou vencida, com dispensa do remanescente da taxa de justiça [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT e art. 6.º, n.º 7, do RCP].


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Lisboa, 17 de Junho de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Joaquim Condesso – Gustavo Lopes Courinha.