Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0657/15.8BEPRT 0949/17
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:IUC
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA
Sumário:Não há oposição de julgados se na decisão recorrida foi entendido que o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01 de agosto, que deu nova redação ao artigo 3.º, n.º 1 do Código do Imposto Único de Circulação, tinha carater interpretativo, e o acórdão fundamento foi proferido antes da entrada em vigor da nova lei.
Nº Convencional:JSTA000P27592
Nº do Documento:SA2202104280657/15
Data de Entrada:09/06/2017
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
1.1. A………… e B…………, identificados nos autos, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto do artigo 280.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na redação anterior à Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida conta as liquidações de Imposto Único de Circulação n.ºs 10102100077221068248403, 11102100077311686373303 e 12102100077212688043403, dos anos de 2010, 2011 e 2012, e concluíram do seguinte modo as suas alegações:
“A. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal a quo que aquilatou que as liquidações impugnadas não enfermam de erro quanto aos pressupostos de facto, julgando, por isso, improcedente a impugnação judicial apresentada contra as liquidações do Imposto Único de Circulação [IUC], referentes ao veículo com a matrícula ………, dos anos de 2010, 2011 e 2012, no valor de 961,70 €, acrescida de juros compensatórios no montante de 51,81 €.
B. Os Impugnantes, aqui Recorrentes, não se conformando com a sentença proferida nos autos, na parte concernente à aplicação e interpretação do artigo 3.º do CIUC, interpuseram recurso para este venerando Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 5 do CPPT, porquanto, existem inúmeras decisões que perfilham uma solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito.
Com efeito,
C. No segmento fáctico-jurídico o Tribunal a quo entendeu que, apesar de não ser expressamente referido que a nova redacção do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01 de Agosto, tem carácter interpretativo, essa nova redacção deve ser considerada como interpretativa, uma vez que a mesma se destinou a ultrapassar as dificuldades interpretativas existentes e visou esclarecer que a norma de incidência tributária, efectivamente, ficciona o sujeito passivo do imposto aquele que figurar no registo como proprietário do veículo, e na medida em que se encontram preenchidos os dois requisitos necessários para que a nova Lei possa realmente ser interpretativa, citando a este respeito BAPTISTA MACHADO [Introdução ao direito e ao discurso legitimador, 20ª reimpressão, p. 246 e ss].
Isto posto,
D. Tendo presente o pensamento e doutrina do Ilustre Professor Doutor JOÃO BAPTISTA MACHADO, citada inclusivamente na sentença, com o devido respeito, cremos que o Tribunal a quo não fez o correcto uso e aplicação de tais ensinamentos ao caso sub judice.
Porquanto,
E. Em consonância com a doutrina de BAPTISTA MACHADO, é facto obstativo à atribuição de carácter interpretativo da norma “se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga.” pois, nesse caso, “a LN que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.”. (sublinhado nosso).
F. Na mesma linha de pensamento, afirmam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA que “As normas interpretativas não são verdadeiras normas jurídicas, mas antes regras de carácter “pedagógico”. Pergunta-se se a interpretação feita pelo legislador de uma norma anterior é válida para situações de facto anteriores à publicação de tal interpretação. Em princípio será válida: não se está perante uma norma jurídica em sentido próprio; e a norma aplicável é a interpretada, não a interpretativa. Mas só assim será, se a norma interpretativa se limitar a fixar o sentido dominante que era atribuído à norma interpretada. Caso contrário, estar-se-á, a coberto de uma pseudo-interpretação, a criar uma norma de carácter retroactivo.” (in DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4ª edição, 2012, p. 132) (sublinhado nosso).
G. Destarte, antes de mais, deveria o Tribunal a quo ter indagado sobre a existência (ou não) de corrente jurisprudencial uniforme que tenha tornado praticamente certo o sentido da norma antiga.
H. Todavia, na sentença nada é referido a esse respeito, limitando-se a mencionar apenas as duas possíveis interpretações do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redacção vigente à data da ocorrência dos factos tributários (bem como da apresentação da impugnação judicial) – ficção legal ou presunção – sem, porém, fazer qualquer referência à existência de correntes jurisprudenciais ou à inexistência das mesmas.
I. Ora, no que diz respeito à interpretação de que a norma de incidência constante do n.º 1, do artigo 3.º do CIUC ficciona como sujeito passivo do imposto aquele que figurar no registo automóvel como proprietário, com a devida ressalva, julgamos que inexiste jurisprudência e/ou doutrina a sustentar tal entendimento.
J. Do que nos é possível conhecer, tal interpretação - ficção legal - é a eleita e reiteradamente sufragada pela Autoridade Tributária e acolhida nos despachos de indeferimento das reclamações graciosas e, por conseguinte, pela Fazenda Pública, em sede de contestação às impugnações judiciais.
K. Pelo contrário, a interpretação de que a norma de incidência constante do n.º 1, do artigo 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível, por força do disposto artigo 73.º da Lei Geral Tributária [LGT], é sobejamente defendida pela jurisprudência, conforme se infere da leitura, por exemplo, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, no processo n.º 08300/14, de 19/03/2015, disponível em www.dgsi.pt, e pela inúmera jurisprudência do CAAD - Arbitragem Tributária nesta matéria, indicando-se aqui as decisões proferidas nos processos n.º 226/2016-T, 250/2016-T, 260/2016-T, 213/2015-T, 635/2015-T, 699/2015-T, 845/2014-T, 230/2014-T, 14/2013-T e 73/2013-T, entre muitas outras no mesmo sentido, todas disponíveis em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/.
L. A jurisprudência salienta que a lógica e coerência do sistema de tributação automóvel, em geral, e do regime inscrito no CIUC em particular, apontam no sentido de que quem polui deve pagar, associando assim, o imposto aos danos ambientais causados, o que não se pode compaginar com a imputação do encargo fiscal aos sujeitos que, só aparentemente e em princípio, estão nessas condições, enquanto proprietários formais dos veículos, ou seja, enquanto pessoas que constam do registo. Outrossim, o sistema de tributação automóvel postula o conhecimento dos efectivos proprietários (que poderão ser os que constam do registo), posto serem esses que, neste quadro, enquanto reais poluidores, ou, pelo menos, potenciais poluidores, devem sofrer o respectivo imposto.
M. Mais sustenta a jurisprudência supra citada que, a ratio legis do imposto aponta no sentido de serem tributados os efectivos proprietários-utilizadores dos veículos, pelo que a expressão “considerando-se” está usada no normativo em apreço num sentido semelhante a “presumindo-se”, razão pela qual dúvidas não há que está consagrada uma presunção legal.
N. A reforçar tal posição, temos os ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA, Juiz Conselheiro, Jubilado, do Supremo Tribunal Administrativo, e autor de diversas obras jurídicas, que perfilha o entendimento de que, em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser explícitas, reveladas pela expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, mencionando como exemplos dessas presunções, a constante no artigo 40.º, n.º 1, do CIRS, em que se usa a expressão “presume-se” e a constante no artigo 46.º, n.º 2, do mesmo Código, em que se faz uso da expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e consubstanciando, igualmente, uma presunção (JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, 6ª Edição, Áreas Editora, SA, Lisboa, 2011, p. 589 a 591).
O. Nessa medida, se deve entender que o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC (na redacção em vigor à data dos factos tributários) consagra uma presunção legal, que será necessariamente uma presunção juris tantum, consequentemente ilidível, seja por força do estabelecido no n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, seja à luz do disposto no artigo 73.º da LGT, permitindo, assim, à pessoa que figurar no registo como proprietário do veículo, a possibilidade de apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.
P. Consequentemente, face à corrente jurisprudencial já firmada em relação à interpretação do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01 de Agosto, que estatuía que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”, não subsistem dúvidas de que a antiga norma era interpretada no sentido de se presumir como sujeito passivo do imposto aquele que figurar no registo automóvel, presunção que admite prova em contrário, em conformidade com o disposto no artigo 73.º do LGT.
Q. Mais, a interpretação seguida pelo Tribunal a quo não se coaduna, outrossim, com o princípio da protecção da confiança e segurança jurídica, pois, se à data da ocorrência dos factos tributários (bem como quando os Impugnantes apresentaram a impugnação judicial), estava em vigor uma redacção que, de acordo com o entendimento perfilhado pela doutrina e jurisprudência, permitia ao presumido sujeito passivo ilidir a presunção fundada no registo, o que criou nos Impugnantes, aqui Recorrentes, na qualidade de responsáveis subsidiários da devedora originária, a legítima expectativa de que em sede de impugnação judicial poderiam ilidir a presunção fundada no registo.
R. Ao aplicar a nova redacção do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC ao caso em apreço, o Tribunal a quo defraudou as legítimas expectativas dos Impugnantes, tanto mais, que à data da ocorrência dos factos tributários, inexistia o procedimento previsto no Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro [Procedimento especial para o registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda], pelo que, tendo a empresa MANUEL CARVALHO & JOÃO COSTA, LDA, entregue toda a documentação ao comprador do veículo [conforme consta do facto B dado como provado], não tinha qualquer meio ao seu dispor para efectuar o registo de propriedade a favor do adquirente do veículo.
Isto posto,
S. À luz do pensamento e doutrina de BAPTISTA MACHADO e, ainda, de DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, não poderia o Tribunal a quo ter concluído que estão “preenchidos os requisitos referidos por Baptista Machado para a admissibilidade da nova redacção como lei interpretativa.”.
T. Pois, como se demostrou, o entendimento elegido quer no acórdão do Tribunal Central Administrativo citado, quer na inúmera jurisprudência do CAAD relativamente à interpretação do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, é claramente no sentido de se presumir como sujeito passivo do imposto aquele que figurar no registo automóvel, presunção que admite prova em contrário, em conformidade com o disposto no artigo 73.º do LGT.
U. Por conseguinte, não poderia o Tribunal a quo ter aplicado ao caso sub judice a nova redacção do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, mas sim a redacção em vigor à data dos factos tributários.
V. Com efeito, da subsunção dos factos (especificamente os factos B e C da factualidade assente), o Tribunal a quo deveria ter considerado que o facto presumido não ocorreu efectivamente e, concludentemente, que as liquidações impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de facto.
W. De todo o modo, mesmo que a nova redacção do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC já estivesse em vigor aquando da ocorrência dos factos tributários, cremos que tal norma jamais pode ser entendida como sendo uma ficção legal.
Pois,
X. O artigo 1.º do CIUC, sob a epígrafe “Princípio da equivalência”, estatui que “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”, estabelecendo-se princípio idêntico no artigo 1.º do Código do Imposto sobre Veículos.
Y. Da leitura das citadas normas, e como já supra se referiu, se depreende que o princípio subjacente à tributação é onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infra‐estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária, pelo que o sistema de tributação automóvel postula o conhecimento dos efectivos proprietários (que poderão ser os que constam do registo), posto serem esses que, neste quadro, enquanto reais poluidores, ou, pelo menos, potenciais poluidores, devem sofrer o respectivo imposto.
Z. Concludentemente, se a nova redação do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC (dada pelo Decreto-lei n.º 41/2016, de 01 de Agosto) for entendida como uma ficção legal do sujeito passivo de imposto, tal norma estará em plena contradição com a lógica e objectivos do sistema de tributação automóvel, em particular o regime do imposto único de circulação, ocorrendo, claramente, violação do princípio da equivalência, plasmado no artigo 1.º do CIUC, bem como do princípio da igualdade fiscal, sempre que o sujeito passivo ficcionado não seja o proprietário do veículo e, portanto, o real e efectivo poluidor.
TERMOS EM QUE dando provimento ao presente recurso, decidindo-se conforme o exposto, V. EX.AS FARÃO COMO SEMPRE JUSTIÇA.”

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.

2. Fundamentação de facto
Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante da decisão recorrida.

3. Fundamentação de Direito
3.1. O recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi interposto ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, na redação anterior à Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro.
Assim, a primeira questão que importa decidir é a do preenchimento das condições de admissibilidade do recurso.
Se verificadas, então conhecer-se-á do seu mérito, o que passa por saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao concluir pela legalidade das liquidações impugnadas.

3.2. Dispunha o n.º 5 do artigo 280.º, na redação anterior à Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que:
“A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.”

Ainda que o valor da causa fosse inferior à alçada do tribunal recorrido, a norma admitia o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo desde que a decisão estivesse em oposição relativamente ao mesmo fundamento de direito, e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau, ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.

No caso sub judice, o valor da ação, €1013,51, é inferior à alçada do Tribunal Tributário de 1.ª instância [a alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para o tribunais judiciais de 1.ª instância, ou seja, €5.000: artigo 105.º da Lei Geral Tributária], e para fundamentarem o recurso ao abrigo da norma em referência, os Recorrentes invocaram a oposição do decidido com um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 08300/14, de 19/03/2015, e com as decisões proferidas nos processos 1430/13.3BEBRG e 113/14.1BEBRG, ambos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e, ainda, com decisões que identificam do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) (cf. requerimento de interposição de recurso de página 334 do SITAF).

Os Recorrentes apontam, assim, desde logo, oposição do decidido pelo Tribunal a quo com um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. O que é bastante para se considerar cumprida formalmente aquela condição legal de recurso. Na verdade, basta para tanto a indicação de apenas uma decisão de um Tribunal superior, não sendo necessário, nesse caso, a indicação de outras decisões do mesmo tribunal ou de outros tribunais de igual hierarquia. De qualquer modo, sempre se dirá que se não fosse a indicação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, o recurso não passaria, desde logo, esta primeira triagem, porque restar-nos-iam apenas duas sentenças de tribunais tributários de igual grau ao do Tribunal a quo, número inferior ao exigido por lei. Isto porque, não fazendo o CAAD parte da jurisdição administrativa e fiscal, as decisões nele proferidas, e indicadas pelos Recorrentes, não valem para aquele efeito.

Mas, não basta, apontar a oposição do decidido com outra ou outras decisões para que se conheça do mérito do recurso. É necessário que se verifique efetivamente uma oposição de julgados.

Para que haja oposição de julgados, tal como acontece no caso de oposição de acórdãos (cf. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20/02/2019, de 17/12/2019 e de 10/03/2021, proferidos nos processos n.ºs 0832/15.5BEBRG, 0721/16.6BEPNF e 01140/17.2BEAVR, respetivamente), é necessário que se verifique: i) identidade substancial de situações de facto; ii) identidade substantiva do quadro normativo aplicável; iii) solução oposta da mesma questão jurídica.

Vejamos, então, se existe oposição de julgados, tendo em conta aqueles pressupostos.
A sentença recorrida respeita a liquidações do Imposto Único de Circulação dos anos de 2010, 2011 e 2012, interpretou o artigo 3.º, n.º 1 do Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, na redação vigente ao tempo dos factos [“São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”], e confrontou-a com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01 de agosto [“São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos”], tendo concluído, suportando-se na Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março de 2016, que conferiu ao Governo a autorização legislativa, que a nova lei tinha carater interpretativo, apesar de nela não estar expressamente referido. Deste modo, o Tribunal a quo decidiu que é sujeito passivo de imposto, nos anos de 2010, 2011 e 2012, a pessoa a favor da qual constava o registo de propriedade automóvel.

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que também tratou de Imposto Único de Circulação, do ano de 2008, e também interpretou o artigo 3.º, n.º 1 do respetivo Código, foi proferido em 19/03/2015, ou seja, antes da alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01 de agosto. Não se lhe colocou, naturalmente, a questão da lei interpretativa.

Deste modo, as diferentes respostas dadas pelas decisões em confronto no que respeita à incidência subjetiva do imposto, assentou em pressupostos legais diferentes, face à alteração legislativa ocorrida entre a prolação de uma e de outra.

Esta alteração legislativa, substancial, impede que se possa falar em oposição de decisões.
E, assim, não estão reunidos os pressupostos da admissibilidade do recurso previsto no n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, havendo que decidir em conformidade.
*
4. Decisão
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 28 de abril de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.