Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0659/16.7BECBR
Data do Acordão:09/08/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:AGRUPAMENTO COMPLEMENTAR DE EMPRESAS
ISENÇÃO
IVA
Sumário:I – A constituição originária de um ACE, em que um dos seus dois membros configura um sujeito passivo sujeito ao regime normal de IVA, impede o mesmo de beneficiar do regime de isenção previsto nos números 21 e 22 do artigo 9.º do Código do IVA.
II – O regime de isenção previsto nos números 21 e 22 do artigo 9.º do Código do IVA tem por desiderato assegurar a neutralidade entre o desenvolvimento das actividades internas dentro de uma pessoa isenta (ou sujeita a um regime pro rata inferior a 10%) e a promoção dessas actividades a partir de um agrupamento de pessoas isentas.
Nº Convencional:JSTA00071239
Nº do Documento:SA2202109080659/16
Data de Entrada:06/26/2020
Recorrente:A......., ACE
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:art. 09.º, n.ºs 21 e 22 do CIVA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A………, ACE., com os demais sinais dos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, exarada a folhas 86 a 98 do SITAF, a qual julgou improcedente a impugnação por ele deduzida contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa de autoliquidação de IVA relativo aos períodos de 31 de dezembro de 2010 a 31 de julho de 2012.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A- A ora Recorrente A…………. ACE, é um Agrupamento Complementar de Empresas (“ACE”) fruto do agrupamento entre a B………., S.A. (NIF ………..) e o BANCO C………. S.A. (NIF ………..), cujo objecto é a prestação de serviços especializados na área de suporte, produção, desenvolvimento e projecto de tecnologias informáticas, em particular serviços de engenharia de software, contribuindo através da optimização de meios disponíveis à prestação destes serviços, para a melhoria das condições de exercício ou de resultado das actividades económicas dos membros do Agrupamento.
B- O Banco C………., S.A, é um sujeito passivo misto de IVA com uma percentagem de dedução (prorata) igual ou inferior a 10%.
C- A B………., S.A., é sujeito passivo do regime normal de IVA.
D- Em 03/12/2014 a ora Recorrente requereu a revisão da Liquidação de IVA referente aos anos de 2010 e 2011 por ter verificado que liquidou indevidamente IVA nas prestações de serviço efectuadas ao Banco C……... S.A.
E- De facto, considerando a doutrina ínsita no Acórdão do STA de 12/02/2014, proferido no processo nº 01231/12, as prestações de serviços efectuadas pelo Recorrente ao Banco C……… estariam isentas de IVA nos termos do disposto nas alíneas 21) e 22) do Código do IVA, não sendo impedimento ao funcionamento daquela isenção o facto de o ACE ser composto também por um membro que apenas exerce actividades sujeitas.
F- Neste âmbito, o thema decidendum, consiste em saber se a existência de um membro do ACE com um prorata superior a 10% implica que todo o grupo seja tributado como se se tratasse de um sujeito passivo normal para efeitos de IVA.
G- A douta sentença recorrida é nula, nos termos do nº 1 do artigo 125.° do CPPT, dada a manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, ao justificar a improcedência da pretensão do ora recorrente considerando que aquela “(...) apenas faria sentido quando os membros do agrupamento “que a ela teriam individualmente direito” e que conforme Acórdão do TJUE de 11.12.2008, proferido no processo n.º C-407/2007, “31. Relativamente ao artigo 13.°, A, n.º 1, alínea J) da Sexta Directiva, cabe salientar que não resulta da sua redacção que a isenção ai prevista só deve beneficiar as prestações de serviços fornecidas por agrupamentos autónomos a todos os seus membros.
32. Segundo esta redacção o legislador comunitário previu unicamente que são visadas pela isenção do IVA as prestações de serviços efectuadas por agrupamentos autónomos quando estes se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes corresponde nas despesas comuns.”
H- Com efeito, a fundamentação enxertada não tem o alcance que o douto Tribunal a quo lhe atribui: Se “não resulta da sua redacção (do artigo 13.°, A, n.º 1, alínea f) da Sexta Diretiva) que a isenção ai prevista só deve beneficiar as prestações de serviços fornecidas por agrupamentos autónomos a todos os seus membros”, o mesmo é dizer que a isenção ai prevista pode beneficiar as prestações de serviços fornecidas por agrupamentos autónomos a apenas alguns dos seus membros.
I- Ou seja, a aplicação da isenção é individual, o que parece ser reconhecido pelo colendo Tribunal a quo (“os membros do agrupamento que a ela teriam individualmente direito”), não sendo contaminada pelo facto de os outros membros também usufruírem das mesmas prestações de serviços ou sequer beneficiarem da mesma isenção relativamente àquelas.
J. Ora, sendo a isenção de aplicação individual, e apresentando o membro do grupo Banco C……… um prorata igual ou inferior a 10%, à luz da fundamentação transcrita, apenas faz sentido concluir que cumpre o requisito de exercer uma actividade isenta, donde beneficiaria da isenção de IVA relativamente às prestações de serviços que lhe fossem prestadas pelo ACE!
K- Por outro lado, considerando a questão em apreciação no citado Acórdão do TJUE, bem como a decisão que mereceu, não compreendemos como pode a mesma justificar não estar cumprido nos presentes autos o requisito de que “os grupos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes incumbe nas despesas comuns”.
L- Nem tal questão foi alguma vez suscitada pela requerida nos presentes autos, o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, por excesso de pronúncia,
M- Acresce que é uniformemente aceite na jurisprudência e doutrina (Nesse sentido, Clotilde Celorico de Palma, In Introdução ao imposto sobre o Valor Acrescentado, cadernos IDEFF, n° 1, 5ª edição, Almedina, pág. 164; José Guilherme Xavier de Basto in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Junho de 2007, livro de homenagem à Dr.ª Teresa Graça Lemos, pág. 180; Acórdão do STA de 12/02/2014, proferido no processo n.º 01231/12.) nacionais que se encontram abrangidos pela isenção prevista na alínea 21) do artigo 9.º do Código do IVA os agrupamentos complementares de empresas de instituições financeiras porquanto a respectiva função é a concentração da produção de serviços de interesse comum às várias empresas de um grupo, prestando esses serviços sem qualquer “valor acrescentado”, ou seja, limitando-se a distribuir pelos seus membros os custos suportados, na respectiva proporção, daí que lhes esteja vedado ter como fim principal a realização e partilha de lucros.
N- Pelo que, quando muito, a referida fundamentação apenas confirmaria in casu estarem cumpridos os requisitos para que as prestações de serviços prestadas ao Banco C…….. beneficiassem da isenção prevista nas alíneas 21) e 22) do artigo 9.º do Código do IVA.
O- A douta sentença ora recorrida padece ainda de erro de julgamento ao perfilhar o entendimento de que a alínea 21) do artigo 9.º do Código do IVA, exige que os elementos do grupo beneficiem todos da respectiva isenção e que não está em causa o reembolso exacto da parte que lhes incumbe nas despesas comuns.
P- Como se referiu, num ACE estão em causa serviços do interesse comum das várias entidades que integram o Agrupamento, não havendo lugar a qualquer valor acrescentado, ou seja, limitando-se o ACE a distribuir pelos seus membros os custos suportados, na respectiva proporção, conforme exige a alínea 21) do artigo 9.º do Código do IVA, daí que lhes esteja vedado ter como fim principal a realização e partilha de lucros.
Q -Ora, a isenção consagrada na alínea 21) do artigo 9.º do Código do IVA tem a virtualidade de tratar, no plano fiscal, de modo igual as prestações de serviços efectuadas por agrupamentos a favor dos seus membros e os serviços realizados ou obtidos internamente, acautelando a situação dos seus membros;
R- Conforme JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO a aplicação desta isenção aos agrupamentos complementares de empresas - que se limitam a distribuir pelos membros agrupados os custos suportados - radica na “necessidade de evitar que a aplicação do IVA a essas operações torne insustentável a concentração, no agrupamento às sociedades do grupo (...) introduzindo assim um custo fiscal que não existiria se idênticos serviços fossem prestados, como operações internas, dentro de cada uma das sociedades do grupo.”
S- Para o referido autor está em causa, tão-somente, evitar a liquidação de IVA sobre os serviços de uso produtivo, sem que pudesse haver dele dedução, considerando que, regra geral, as isenções em IVA implicam perda do direito de deduzir o imposto suportado a montante.
T- No mesmo sentido, o Acórdão do TJUE, de 11/12/2008, proferido no processo C 407/2007, no qual se reconhece que o artigo 13.º, A, n.º 1, alínea f), da Sexta Directiva, visa “instituir uma isenção do IVA para evitar que a pessoa que oferece certos serviços seja sujeita ao pagamento do referido imposto quando tenha sido levada a colaborar com outros profissionais através de uma estrutura comum encarregue das actividades necessárias à realização dos referidos serviços”.
U- A leitura conjugada das alíneas 21) e 22) do artigo 9º do Código do IVA não deixa margem para dúvidas que quando o legislador se refere “(A)s prestações de serviços fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta”, está de facto a referir-se “As prestações de serviços fornecidas (a) os membros do grupo autónomo (que) exercem uma actividade isenta”.
V- De facto, apenas tal interpretação se coaduna com o facto de as isenções em sede de IVA serem conferidas tendo em conta a concreta actividade efectuada, a concreta prestação de serviços sendo indiferente a natureza ou qualidade da entidade;
W-Assim, o que o legislador instituiu com a referida norma é que estão isentas as prestações de serviços que tenham como destinatário algum(s) dos membros do grupo que exerça(m) uma actividade isenta ou, tratando-se de sujeitos passivos mistos, cujo prorata não exceda 10%, admitindo, portanto, a coexistência, no mesmo grupo autónomo de pessoas, de membros isentos e membros não isentos, aplicando-se a isenção às prestações de serviços efectuadas àqueles primeiros.
X- Nesse pressuposto, o facto de um dos membros do agrupamento não exercer ab initio ou deixar de se considerar como exercendo uma actividade isenta por dispor em certo momento uma percentagem de dedução de IVA superior a 10% não impede nem deve impedir que as prestações efectuadas em beneficio dos membros que estejam isentos ou cuja percentagem de dedução não seja superior aos referidos 10% beneficiem da referida isenção;
Y- Conforme se pode ler no Acórdão do TJUE, de 11/12/2008, proferido no processo C 407/2007 “(...) a necessidade de interpretar de modo estrito a referida disposição não pode levar a que seja conferido a cada membro de um agrupamento autónomo o direito de privar os outros membros desse agrupamento do beneficio da isenção do IVA, decidindo, a todo o momento, não recorrer a tal ou tal prestação fornecida pelo agrupamento, do qual, não obstante, escolheu inicia fazer parte. Nem a redacção nem a, finalidade do artigo 13.°, A, n.º 1, alínea f), da Sexta Directiva permitem concluir que cada membro de um agrupamento autónomo dispõe individualmente de tal direito.”
Z- Caso contrário, deixaria de haver neutralidade em face da tributação dos serviços prestados aos outros membros do ACE e essas prestações de serviços passariam a ter um tratamento fiscal diferenciado, porque tributadas, dos serviços obtidos internamente, porque não tributados, situação que levou o legislador a estabelecer a isenção em primeiro lugar;
AA- Tal interpretação é ademais confirmada pela redação conferida à [actualmente revogada] al. d) do n.º 1 do artigo 12.°, do Código do IVA - introduzida pelo n°1 do artigo 35.º da Lei n.º 102-B/2001 e revogada pela Lei nº 53/2006 de 29/12 - a qual admitia a renúncia à isenção pelos “grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta nos termos do n.º 23 do artigo 9°, quando a percentagem de dedução de pelo menos um dos seus membros não seja superior à prevista no n.º 23-A do mesmo artigo.”.
BB- Conforme salienta Xavier de Basto (Idem, p. 198), se a lei permitia aos grupos autónomos renunciar à isenção quando pelo menos um dos seus membros mantém percentagem de dedução não superior a 10%, então é porque a isenção se mantém quando outro ou outros já a ultrapassaram, sob pena de redundância da norma em apreço.
CC- Assim, o entendimento perfilhado na sentença ora recorrida, de que para a isenção seja aplicável “é necessário que os elementos do grupo beneficiem todos da respectiva isenção” contraria a teleologia da norma, ignorando “as consequências que resultam, em termos de neutralidade fiscal, de fazer cessar a isenção para todas as operações do agrupamento com os seus membros, quando só um ou alguns deles, mas não todos, deixaram de preencher uma das condições da isenção – a de que o pro rata de dedução não tenha excedido os 10%.”(Idem, pp. 189 a 191.)
DD- Consequências que se traduzem, conforme refere o autor citado, na perda da racionalidade técnica e económica da tributação, na introdução de efeitos cumulativos ou de cascata, uma vez que o imposto que se obriga o agrupamento complementar de empresas a liquidar só muito parcialmente é dedutível pelo utilizador, que é um utilizador produtivo, não um consumidor final e no sacrifício da lógica da tributação do consumo.
EE- A confirmar que a interpretação veiculada pela AT e sufragada na sentença recorrida não tem suporte legal, chamamos à colação o Working Paper n.º 856 (“Commission WorKing Paper n. ° 856. Concernini’ the App o VAT Provisions; Subi c Scope of lhe exemplion forcost-sharinz arranaements: a further analysis. “taxud c. 1(2015)2162037 – Eh) Comité do IVA da Comissão Europeia, no qual se refere expressamente que “Não há nada na redacção do artigo 132 (i) (f) da Directiva IVA que sugira que cada uma das prestações de serviços efectuadas aos membros de um grupo de partilha de custos precisa de cumprir os requisitos [constantes no Artigo 132 (i) (f) da Directiva IVA], para que a isenção seja aplicável. Pelo contrário, parece que cada oferta de serviços por parte do grupo de partilha de custos para um membro deve ser analisada separadamente.”
FF- A posição do Comité do IVA da Comissão Europeia é, aliás, e como não podia deixar de ser, oposta à interpretação veiculada pela Recorrida e sufragada na douta sentença recorrida: “Exigir que todas as prestações de serviços preencham os requisitos para beneficiar da isenção parece ser uma restrição não prevista pela Directiva IVA. Se o grupo de partilha de custos é composto por vários membros, parece ser Ir demasiado longe condicionar a aplicação da isenção ao cumprimento (dos requisitos por todos eles.”
GG- Para a Comissão Europeia parece não suscitar dúvidas que “Quando uma prestação de serviços por um grupo de partilha de custos para um dos seus membros não satisfizesse as condições do artigo 132 (i) (O da Directiva IVA para ficar isenta, essa prestação seria equiparada a uma prestação de serviços tributada a um não- membro.”
HH- Interpretação igualmente sufragada no Acórdão do STA de 12/02/2014, proferido no processo n.º 01231/12: “a ultra passagem dos 10% na percentagem de dedução apenas tem como consequência passarem a não estarem isentas de IVA as prestações de serviços do agrupamento a favor daqueles «elementos do grupo relativamente aos quais a ultra passagem do limite se verificou, mantendo-se todavia isentas as operações com os elementos do grupo que mantêm percentagens de dedução não superiores a 10%, respeitadas que sejam, as demais condições de que o n°23 (actual n. °21) do artigo faz depender a isenção.”
II- E nem se pretenda que a isenção manter-se-ia relativamente ao grupo constituído exclusivamente por sujeitos passivos isentos quando um deles passasse a ser sujeito passivo de IVA, mas não seria já aplicável, ab initio, no caso do grupo autónomo de pessoas constituído de raiz por membros isentos e membros sujeitos.
JJ- Conforme se retira do Working Paper n.º 856, a Comissão Europeia defende uma aplicação individual da isenção, o que teria como consequência positiva que “o mesmo grupo de partilha de custos poderia fornecer, dependendo das circunstâncias que regem cada prestação de serviços, quer serviços isentos quer serviços tributados.”
KK- Assim, sendo a isenção aplicável às prestações de serviços numa lógica individual, o cumprimento dos requisitos de que a mesma depende é analisado a cada momento tendo em conta as características concretas de cada prestação de serviços e do respectivo destinatário (e não das características agregadas dos potenciais beneficiários das prestações de serviços efectuadas pelo grupo autónomo de pessoas).
LL- É pois irrelevante, em termos de neutralidade fiscal e para os fins visados pelo legislador, que os restantes membros sejam ou não isentos porquanto a isenção apenas se aplicará relativamente àquelas prestações efectuadas a membros que exerçam uma actividade isenta, cumpridas as demais condições.
MM- Cf. o Comité do IVA: “Quando uma prestação de serviços por um grupo de partilha de custos para um dos seus membros não satisfizesse as condições do artigo 132 (1) (f) da Directiva IVA para ficar isenta, essa prestação seria equiparada a uma prestação de serviços tributada a um não-membro.”
NN- Por tudo o exposto, não subsistem dúvidas de que a sentença recorrida procede a uma errónea interpretação e aplicação do direito, em clara e manifesta violação do disposto nas alíneas 21) e 22) do artigo g do Código do IVA e na alínea O do n.º 1 do artigo 13.° parte A) Sexta Directiva.
OO- De igual modo, viola a jurisprudência nacional e comunitária, de que são exemplo a nível nacional os Acórdãos do STA de 12/02/2014 proferido no processo n.º 01231/12 e do Tribunal Central Administrativo de 10/07/2012 proferido no processo n.º 05774/12, e a nível comunitário o Acórdão do TJUE, de 11/12/2008, proferido no processo C-407/2007, ao propugnar uma interpretação contrária à Letra e teleologia das normas em apreço.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 – Remetidos os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, veio este por decisão sumária exarada a fls. 172 a 184 do SITAF, declara-se incompetente em razão da hierarquia o que determina a incompetência absoluta do tribunal para conhecer o presente recurso jurisdicional, sendo competente para o efeito, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

I.4 – Parecer do Ministério Público
Neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
«1.OBJETO.
Sentença do TAF de Coimbra, que julgou improcedente pedido de revisão oficiosa de autoliquidações de IVA no período compreendido entre 31/12/2010 a 31/07/2012, no entendimento de que, nomeadamente, não se verifica o vício de violação das normas do artigo 9.º/21/22 do CIVA.
2.FUNDAMENTAÇÃO.
2.1.DA ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO E EXCESSO DE PRONÚNCIA.
A recorrente assaca à sentença recorrida vício formal de contradição entre os fundamentos e a decisão.
Vejamos.
A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão «…apenas ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adotada na decisão» (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, II volume, página 361, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Ora, ressalvado o, sempre, devido respeito por opinião contrária, temos como certo que não ocorre a apontada nulidade da decisão recorrida, como sustenta o tribunal recorrido no seu despacho de fls. 271 (processo físico).
De facto, a decisão recorrida sustenta que a recorrente não tem direito à isenção do IVA, nos termos do estatuído no artigo 9.º/21/22 do CIVA, uma vez que uma das entidades que o integra a «B………., SA» não beneficia da isenção, quando a lei exige que todos os elementos do grupo beneficiem dessa isenção.
A convocação do acórdão do TJUE, de 11/12/2008-P. C-407/2007, que, a nosso ver, também, sustenta que para haver direito a isenção de IVA o grupo autónomo apenas pode agrupar operadores que exerçam atividades isentas e transcrição do teor dos seus números 30 a 32 teve em vista evidenciar “…o caráter restritivo com que são reconhecidas nas respetivas normas referentes às isenções em sede IVA, tal como vai vertido na Sexta Diretiva”.
Portanto, os fundamentos invocados na decisão recorrida, num processo lógico, só poderiam levar à improcedência da impugnação, como veio a suceder.
Não se verifica, pois, em nosso entendimento, a alegada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.
A recorrente assaca, também, à decisão recorrida o vício formal de excesso de pronúncia.
Nos termos do disposto nos artigos 125.º do CPPT e 615.º/1/ d) do CPC constitui fundamento de nulidade da sentença a pronúncia sobre questões de que não deva conhecer.
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre que existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito (acórdão do STA, de 29/04/2008-recurso n.º 18150, AP-DR, de 30/11/2001, página 1311).
Esta nulidade está conexionada com a segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, em que se estabelece que o juiz não pode ocupar-se de questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora, ressalvado melhor juízo, entendemos que não se verifica o apontado vício formal da sentença recorrida.
De facto, a invocação na sentença recorrida do direito comunitário está inserida dentro dos vícios de violação de lei invocados pela impugnante e serve de mera coadjuvação no sentido da interpretação das normas por aquela invocadas do CIVA como tendo sido infringidas. Por outro lado, não emerge da sentença recorrida qualquer «dictum» sobre a conformidade ou desconformidade da legislação invocada com a sua fonte comunitária, ou se aprecia qualquer outro vício que não tenha sido alegado pela impugnante.
Não se verifica, assim, a nosso ver, a alegada nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
2.2. DO MÉRITO DO RECURSO.
A recorrente limita o objeto do recurso ao vício de violação de lei (artigo 9.º/21/22 do CIVA).
Nos termos do disposto no artigo 9.º do CIVA estão isentas de imposto:
“21.As prestações de serviços fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma atividade isenta, desde quer tais serviços sejam diretamente necessários ao exercício da atividade e os grupos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exato da parte que lhes incumbe nas despesas comuns, desde que, porém, esta isenção não seja suscetível de provocar distorções de concorrência;
22.Para efeitos do disposto no número anterior considera-se que os membros do grupo autónomo ainda exercem uma atividade isenta, desde que a percentagem de dedução determinada nos termos do artigo 23.º não seja superior a 10%”.
Os citados normativos estão em consonância com o artigo 132.º/1/f) da Diretiva IVA (anterior artigo 13.º/1/ f) da Sexta Diretiva).
Como referem Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos em anotação ao artigo 9.º do CIVA (Código do IVA e RITI, NOTAS E COMENTÁRIOS, 2014, páginas 139/140),
“Para que opere a isenção regulada nos números 21) e 22), as operações em causa devem ser qualificadas como prestação de serviços e serem efetuadas por agrupamentos autónomos de pessoas aos seus membros. Essas prestações de serviços devem ser necessárias à prossecução das atividades isentas (ou não sujeitas) dos membros dos agrupamentos e terem apenas como contraprestação o reembolso exato da parte das despesas comuns correspondente a cada um dos membros. Por último, a aplicação da isenção não deve ser suscetível provocar distorções de concorrência.
A isenção está condicionada ao facto de os agrupamentos autónomos serem constituídos exclusivamente por membros que exerçam atividades isentas ou não sujeitas, e que qualquer um desses membros, no conjunto das atividades que exerça, não disponha de uma percentagem de dedução (“pro rata”) superior a 10%.
(…)
Quando um agrupamento disponha de, pelo menos, um membro com uma percentagem de dedução superior a 10%, a isenção não tem aplicação ao conjunto das operações desse agrupamento, havendo lugar à tributação das prestações de serviços efetuadas pelo agrupamento a todos os seus membros, salvo se tais serviços estiverem fora do âmbito de incidência do IVA ou se lhes for aplicável outra isenção.”
Portanto, são pressupostos da isenção de IVA, nos termos do artigo 9.º/21/22 do CIVA que o grupo tenha apenas operadores que exerçam um atividade isenta, nos termos referidos no artigo 9.º/21/22 do CIVA e que se verifiquem os pressupostos objetivos mencionados no referido n.º 21 do CIVA e artigo 132.º/1/f) da Diretiva Iva.
Verificados tais pressupostos parece que nada impede que as prestações IVA serviços sejam fornecidas apenas a um único ou alguns dos membros do grupo, mantendo-se o direito à isenção.
Nesse sentido acórdão do STA, de 16/05/2007-P. 0184/07, disponível em www.dgsi.pt e o acórdão do TJCE de 11/12/2008-P. C-407/07, acessível via www.dgsi.pt/Portal para o Direito da União Europeia.
O acórdão do STA de 12/02/2012-P. 01231/12, citado pela recorrente em defesa da sua posição, em que estava em causa uma liquidação de IVA de 2004, foi tirado na vigência do artigo 12.º/1/d) do CIVA, na redação introduzida pelo artigo 35.º/1 da Lei 109-B/2001, de 27/12, que foi, entretanto revogado pela Lei 53-A/2006, de 29/12, pelo que terá perdido atualidade.
Ora, no caso em apreciação, o ACE recorrente é integrado pela B……….., SA e o Banco C………., SA, sendo certo que a primeira sociedade não exerce uma atividade isenta, sendo sujeito passivo do regime normal de IVA.
Assim sendo, pelo que se referiu, o recorrente não beneficia da isenção de IVA na prestação de serviços aos seus membros.
3.CONCLUSÃO.
Deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

I.5 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 86 e seguintes do SITAF:
A – A Impugnante assume a forma de uma agrupamento complementar de empresas (ACE), formado entre a B……….., S.A. e o Banco C………., S.A. (cf. docs. a fls. 43 a 51 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
B – Enquanto ACE, a Impugnante dedica-se à prestação de serviços especializados na área de tecnologias informáticas, em particular serviços de engenharia de software, tendo em vista a melhoria das condições de exercício ou de resultado das atividades económicas dos membros do agrupamento (cf. docs. a fls. 43 a 51 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
C – A Impugnante é um sujeito passivo de IVA em regime normal de tributação, cobrando IVA à taxa normal pelo exercício de atividade de programação informática (CAE 62010).
D – O Banco C……….., S.A. é um sujeito passivo misto de IVA com uma percentagem de dedução (prorata) igual ou inferior a 10 % (cf. doc. a fls. 1 a 3 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
E – A B………., S.A. é sujeito passivo do regime normal de IVA (cf. doc. a fls. 1 a 3 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
F – Em 03.12.2014, a Impugnante deu entrada na Direção de Finanças de Coimbra de uma exposição escrita na qual solicitava a «revisão do acto tributário» consubstanciado na revisão da liquidação de IVA relativa aos anos de 2010 e 2011 (cf. doc. a fls. 27 a 32 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
G – Em informação dos serviços do IVA, datada de 14.07.2016 e relativamente à exposição escrita referida na alínea anterior, retira-se que:
“[…]
IV. APRECIAÇÃO DO PEDIDO
» Enquadramento jurídico-tributário/Entendimento da AT
20. Em resultado da transposição para a ordem jurídica nacional do disposto na al. f) do n.º 1 do art.º 132 ° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro", a al. 21) do art.º 9.º do CIVA isenta do imposto "as prestações de serviços fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta, desde que tais serviços sejam directamente necessários ao exercício da actividade e os grupos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes incumbe nas despesas comuns, desde que, porém, esta isenção não seja susceptível de provocar distorções de concorrência;".
21. Para efeitos do disposto no número anterior considera-se que os membros do grupo autónomo ainda exercem uma atividade isenta, desde que a percentagem de dedução determinada nos termos do art.º 23.º do CIVA não seja superior a 10 %, conforme estabelece a al. 22) do art.º 9.º do mesmo Código.
22. Este aditamento à al. 21) veio abranger na isenção nela prevista os sujeitos passivos mistos, que, embora não sejam integralmente isentos, pratiquem operações tributadas em montantes pouco significativos.
23. Decorre de uma interpretação literal, que o alcance das normas, em termos de incidência subjetiva, condiciona a isenção à verificação do pressuposto de os agrupamentos serem constituídos, exclusivamente, por membros que exerçam atividades isentas.
24. O Oficio-Circulado n.0 30084/2005, de 2 de dezembro - Agrupamentos Complementares de Empresas - AGE, que sancionou, por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais as conclusões do parecer n.º 96/2005, de 27 de outubro, do Centro do Estudos Fiscais 10, veio veicular o seguinte ponto, objeto de controvérsia:
«1.5. Nas situações em que os ACE disponham de, pelo menos, um membro com uma percentagem de dedução (prorata) superior a 10% não se aplica a isenção referida no n.º 23 do artigo 9.º do CIVA, pelo que haverá lugar à tributação das prestações de serviços efetuadas pelos agrupamentos aos seus membros, salvo, obviamente, se tais serviços estiverem fora do âmbito de incidência do IVA ou lhes for aplicável outra isenção prevista no Código do IVA ou em legislação complementar.»
» Análise do acórdão do STA, processo 01231/12, de 12 de fevereiro de 2014
25. O acórdão, trazido à colação pelo Requerente, parte da questão de apreciar a possibilidade de subsistir a aplicação da isenção, prevista nos "nºs 23 e 23-A do artigo 9.º do CIVA", nos serviços prestados por um ACE aos seus membros isentos ou com percentagens de dedução inferiores ou iguais a 10%, nas situações em que o mesmo ACE integre também um ou mais membros com percentagens de dedução superiores a 10%
26. Contudo, a decisão do acórdão foi num sentido mais concreto, nomeadamente, na situação específica de determinado AGE que se encontrava nas condições estabelecidas pela al. 21) do art.º 9. º do CIVA, passar a ter algum ou alguns dos seus membros a exceder o limite dos 10%, considerando os doutos juízes que tal não implica que deixe de existir um grupo autónomo de pessoas em condições de beneficiar da isenção.
27. Mais entenderam que a ultrapassagem dos 10% na percentagem de dedução apenas tem como consequência passarem a não estarem isentas de IVA as prestações de serviços do agrupamento a favor daqueles «elementos do grupo» relativamente aos quais a ultrapassagem do limite se verificou, mantendo-se todavia isentas as operações com os elementos do grupo que mantêm percentagens de dedução não superiores a 10%, respeitadas que sejam, as demais condições de que o nº 23 do artigo faz depender a isenção (parte citada pelo Requerente).
28. O acórdão vai além do elemento literal, da interpretação estrita das normas, seguida pela AT, e que o STA reconhece como sendo a mais coerente com os critérios exigidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em matéria de isenções.
29. Porém, adota uma interpretação teleológica (sentido da lei) e sistemática (interpretação do art.º 12.º do CIVA, que previa à data dos factos do acórdão a renúncia à isenção dos ACE, entretanto revogado), para chegar à referida conclusão.
30. Socorre-se, assim, da ratio legis, de que o legislador teve a intenção de não introduzir custos de IVA em operações intermediárias, em transacções no interior de circuito produtivo, intenção essa já patente na norma que lhe deu origem, o artigo 13. º, A, n.º 1, alínea f), da Sexta Directiva, e que ficou exarada no Acórdão do TJUE de 11.12.2008, processo C-40712007, onde se refere que a finalidade desta disposição «é instituir uma isenção do IVA para evitar que a pessoa que oferece certos serviços seja sujeita ao pagamento do referido imposto quando tenha sido levada a colaborar com outros profissionais através de uma estrutura comum encarregue das actividades necessárias à realização dos referidos serviços».
» Do caso concreto do presente pedido de revisão
31. Considera-se que o entendimento vertido no acórdão, objeto de análise, não tem aplicação ao caso do Requerente, uma vez que nessa situação estava em causa um ACE que beneficiava da isenção até que um dos seus membros, sujeito passivo misto, passou a deter uma percentagem de dedução superior a 10%, deixando de preencher uma das condições para a não liquidação de IVA.
32. Ao contrário da situação em apreço, na qual o Requerente nunca reuniu as condições para beneficiar da isenção prevista, visto que a B………., SA é sujeito passivo do regime normal, para efeitos de IVA, não estando em causa uma ultrapassagem do limite como acontece no acórdão.
33. O que é substancialmente diferente, pois na situação do acórdão continua a estar-se perante um grupo que realiza atividades isentas, embora um dos membros, em determinado momento, pratique operações tributadas de modo considerado significativo a não poder aplicar-se a isenção, por ter apurado um pro rata superior a 10%, excedendo o limite legal.
34. Decorre do exposto que, neste caso, não é necessário aferir das implicações para os demais membros, neste caso para o C………., SA, como sucede no acórdão, i.e., ser ou não, em consequência, tributado todo o grupo, dado que não houve qualquer alteração de circunstâncias.
35. Em suma, os serviços que o Requerente fornece aos seus membros, designadamente ao Banco C…………, SA não reúnem as condições previstas na lei para beneficiar da isenção do imposto, na medida em que, desde logo, o ACE não é constituído exclusivamente por membros que desenvolvem uma atividade isenta (B……….., SA), exigência que decorre diretamente da letra da lei [da al. 21) do art.º 9.º do CIVA).
V. DIREITO DE AUDIÇÃO
36. Uma vez que a AT apenas apreciou os factos que lhe foram facultados pelo Requerente, limitando-se, na sua decisão, a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, e a concluir, face aos factos e argumentos invocados pelo Requerente e a lei aplicável, pela improcedência da sua pretensão, encontra-se reunida a condição prevista na al. a) do n.º 3 da Circular n.º13, de 1999-07-08, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, para haver dispensa de audição.
VI. CONCLUSÃO
37. Não se verifica qualquer erro nas liquidações de IVA efetuadas pelo Requerente nas faturas emitidas ao Banco C……….., SA, e por conseguinte imputável aos serviços, que fundamente a revisão dos atos tributários.
38. Ao anular as respetivas faturas e emitir notas de crédito, o Requerente viola o disposto na al. 21) do art.º 9.º do CIVA, resultando imposto a favor do Estado no valor de € 79.243,51.
39. Propõe-se o indeferimento total do pedido de revisão, com dispensa de audição prévia.
[…]”
(cf. doc. a fls. 17 a 23 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
H – Na informação referida na alínea anterior foi aposto despacho por parte da Sra. Diretora dos Serviços de IVA, datado de 14.07.2016, com o seguinte teor: “Concordo. Indefiro nos termos propostos” (cf. doc. a fls. 17 a 23 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
I – Do parecer e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante por ofício dos serviços da AT, datado de 21.07.2016 e recebido a 22.07.2016 (cf. docs. a fls. 37 a 39 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H – A p.i. do presente meio processual deu entrada neste Tribunal em 18.10.2016 (cf. fls. 2 a 19 dos autos).

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto da sentença do TAF de Coimbra, exarada a fls. 86 e seguintes do SITAF que julgou improcedente a presente impugnação judicial interposta pela Impugnante, ora Recorrente, contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa de autoliquidação de IVA relativo aos períodos de 31 de dezembro de 2010 a 31 de julho de 2012.

II. Contra o assim decidido, insurge-se a ora Recorrente alegando em síntese que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento por considerar que a isenção para ser aplicada é necessário que os elementos do grupo (ACE) exerçam uma actividade isenta e desde que a percentagem de dedução determinada pelo método do pro rata não seja superior a 10%, o que contraria o entendimento plasmado nas alíneas 21) e 22) do artigo 9.º do Código do IVA.
No seu entender, a decisão proferida pelo tribunal a quo, ao decidir da forma como decidiu, consubstanciou uma clara violação do disposto nas alíneas 21) e 22) do artigo 9.º do CIVA, das normas de direito comunitário nomeadamente a alínea f) do artigo 13º-A da sexta Directiva e com a jurisprudência deste Supremo Tribunal sufragada no processo º 01231/12 proferido em 12 de Fevereiro de 2014.

III. Como consta nos autos, o recurso foi interposto no Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) o qual se julgou hierarquicamente incompetente para dele conhecer, conforme resulta na decisão sumária a fls. 172 a 184 do SITAF, porquanto a Recorrente apenas diverge quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis - como resulta da leitura das conclusões de recurso – pelo que, não havendo controvérsia quanto à factualidade dada como assente, é de entender que o recurso tem por fundamento apenas matéria de direito (parte final do n.º 1 do artigo 280.º do CPPT) pelo que se impõe indiscutivelmente a este Supremo Tribunal apreciar o objecto do presente pleito.

IV. Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela Recorrente nas suas alegações recursivas, cumpre apreciar as seguintes quatro questões:
- se a douta sentença recorrida é nula, nos termos do nº 1 do artigo 125.° do CPPT, dada a manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão;
- se a douta sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia nos termos do disposto nos artigos 125.º do CPPT e 615.º/1/ d) do CPC.
Não estando verificadas as referidas nulidades cumpre apreciar o mérito de recurso que se prende com a questão de saber se deve ser aplicada às prestações de serviço em causa nos autos o regime de isenção consagrado no artigo 9.º, n.º 21 do CIVA.

V. E começamos por responder às duas primeiras questões conjuntamente e na linha do Parecer emitido pelo Ministério, que se encontra integralmente vertido no presente aresto e com cujos termos concordamos plenamente. E isto, apesar de ser notório que a decisão recorrida não preza, propriamente, pela absoluta clareza e assertividade – designadamente, nas reiteradas referências que faz à jurisprudência europeia, quando a mesma se apresenta frequentemente apenas incidental da questão objecto de discussão.
Sem prejuízo, importa deixar claro que:
- por um lado, não vislumbramos qualquer incongruência estrutural entre a jurisprudência avocada e a fundamentação adotada na sentença recorrida e o respectivo sentido decisório;
- por outro lado, as referências feitas na sentença aos requisitos gerais das normas de isenção de IVA aqui em debate (mesmo quando não em discussão) foram de cariz meramente genérico/enquadrador e exclusivamente ad latere, não configurando qualquer excesso de pronúncia.
Não se verificam, pelo exposto, os vícios geradores de nulidade apontados à sentença recorrida.

VI. Analisemos, agora, a questão de mérito.
Traduz-se a mesma em saber se, à luz do disposto nos números 21) e 22) do artigo 9.º do Código do IVA, um ACE deve ser apenas constituído por membros que configurem realizadores de actividades isentas e, não sendo, se pode beneficiar do regime de isenção ali previsto.
Comecemos por recordemos o que dispõem aqueles dois números do artigo 9.º do Código do IVA ora em análise:
Estão isentas do imposto:

21) As prestações de serviços fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta, desde que tais serviços sejam directamente necessários ao exercício da actividade e os grupos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes incumbe nas despesas comuns, desde que, porém, esta isenção não seja susceptível de provocar distorções de concorrência;
22) Para efeitos do disposto no número anterior considera-se que os membros do grupo autónomo ainda exercem uma actividade isenta, desde que a percentagem de dedução determinada nos termos do artigo 23.º não seja superior a 10 %;”.
Redação praticamente idêntica possui o artigo 132.º, n.º 1, alínea f) da Diretiva IVA: “Os Estados–Membros isentam as seguintes operações: …
f) As prestações de serviços efectuadas por agrupamentos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta ou relativamente à qual não tenham a qualidade de sujeito passivo, tendo em vista prestar aos seus membros os serviços directamente necessários ao exercício dessa actividade, quando os referidos agrupamentos se limitarem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes corresponde nas despesas comuns, desde que tal isenção não seja susceptível de provocar distorções de concorrência;”.

VII. A primeira nota que se impõe sublinhar é a de que, como já esclareceu este Supremo Tribunal no seu Acórdão de 16 de Junho de 2007, proferido no Processo n.º 184/07: “I – A expressão “actividade isenta” contida na norma do artigo 9.º, n.º 23 CIVA reporta-se ao exercício de uma actividade isenta por parte dos membros do grupo autónomo e não ao exercício de uma actividade isenta pelo grupo autónomo.” – disponível em www.dgsi.pt.
Na verdade, não podem sobrar dúvidas de que não são os agrupamentos que desenvolvem as actividades isentas – o que seria incompreensível, diga-se de passagem – mas os membros que os constituem. E é essa a essência da discussão no presente processo.

VIII. Aliás, toda a isenção destes números 21.º e 22.º encontra-se estribada nesse exato pressuposto: na ausência da isenção aqui em causa, as entidades que integram o “grupo autónomo de pessoas” - precisamente por serem isentas (ou sujeitas a um regime pro rata igual ou inferior a 10%) - seriam induzidas a não constituir tais formas concentradas de organização empresarial, optando antes pelos seus próprios serviços internos (logo não tributados), ainda que economicamente menos eficientes (por razões que se prendem, por exemplo, com a criação de economias de escala e a maximização da eficiência na utilização dos ativos). E tal explica-se pelo facto de, sendo a natureza das isenções de que beneficiam incompleta, nunca poderiam tais membros deduzir o IVA suportado nesses inputs desenvolvidos pelo ACE – que, recorde-se, desenvolve uma actividade que, por si própria, não é isenta (in casu e designadamente, serviços de natureza informática).
Assim sendo, por uma questão de neutralidade fiscal – no sentido de redacção das normas fiscais em termos que não induzam certas formas de organização em detrimento de outras (em particular, tornando aquelas economicamente mais eficientes simultaneamente mais onerosas do ponto de vista dos impostos incidentes) - o legislador vem permitir, nos n.ºs 21.º e 22.º do artigo 9.º do Código do IVA, que tais pessoas que desenvolvem actividades isentas incompletas possam integrar um agrupamento, numa lógica de cost-pooling, e assim desenvolver tais atividades em termos economicamente mais eficientes - sobre a isenção e o seu fundamento económico-fiscal, vd., por todos, José Xavier de Basto, “O que são ”grupos autónomos” para efeitos do nº 23-A do artigo 9.º do Código do IVA? Um comentário ao ofício circulado n.º 30 084/2005, da DGCI”, Estudos em Memória de Teresa Lemos, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 202, 2005, pp. 177 e ss. (em especial, pp. 179-84).

IX. Uma vez assim devidamente enquadrado o regime, julgamos que só agora parece possível responder à questão aqui em debate. E a resposta tem de ser negativa.
Sendo constituído o ACE, ora Recorrente, por um (dos dois) membro que não desenvolve uma actividade isenta - sendo antes um sujeito passivo abrangido pelo regime normal de IVA – a resposta à questão de saber se tal ACE pode ser abrangido pelo escopo daquela isenção tem de ser forçosamente negativa. Ou seja, e como devida e correctamente enquadrado para efeitos de IVA, o mencionado ACE nunca chega a reunir as condições para lograr beneficiar do regime de isenção decorrente dos n.ºs 21 e 22 do artigo 9.º do Código do IVA, não chegando nunca a verificar-se o pressuposto que justifica a aplicação desta isenção.
E nenhum facto teve, entretanto, lugar que justificasse uma mudança de tal enquadramento.
Não há, por isso, condições de enquadramento no regime de isenção aqui em causa.

X. Resta sublinhar que, por fim, a (a nosso ver) falta de pertinência da invocação do Acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 12 de Fevereiro de 2014, no âmbito do Processo n.º 1231/12, e entretanto seguido por outras decisões (cfr., entre outros, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 22 de Março de 2018, no Processo n.º 7228/13, também disponível em www.dgsi.pt).
E assim é, sinteticamente, por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque factualmente aquela decisão versa sobre um ACE em que, supervenientemente à sua constituição, se constatou ter um dos membros passado a sujeitar-se a um regime pro rata superior ao legalmente permitido, sendo a questão colocada a de saber se, por ultrapassagem daqueles valores, a mutação da qualidade de um dos membros de um ACE contamina toda a estrutura e implica a desaplicação integral do regime dos n.ºs 21.º e 22.º do artigo 9.º do Código do IVA.
Em segundo lugar, e como bem sublinhou o Ministério Público no Parecer junto aos autos, o circunstancialismo normativo também era, à data da prolação daquele aresto, bem distinto, vigorando uma norma de norma de renúncia à isenção de IVA no artigo 12.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA
Não é, por conseguinte, comparável o enquadramento factual e normativo entre ambas as situações.

XI. Por tudo o exposto, entendemos que o presente Recurso não pode deixar de improceder.

III. CONCLUSÕES

I – A constituição originária de um ACE, em que um dos seus dois membros configura um sujeito passivo sujeito ao regime normal de IVA, impede o mesmo de beneficiar do regime de isenção previsto nos números 21 e 22 do artigo 9.º do Código do IVA.

II – O regime de isenção previsto nos números 21 e 22 do artigo 9.º do Código do IVA tem por desiderato assegurar a neutralidade entre o desenvolvimento das actividades internas dentro de uma pessoa isenta (ou sujeita a um regime pro rata inferior a 10%) e a promoção dessas actividades a partir de um agrupamento de pessoas isentas.

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 8 de Setembro de 2021



O Relator atesta, nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exmºs Senhores Conselheiros Adjuntos:

Gustavo Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.