Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01064/17
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DECISÃO ARBITRAL
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do art. 25.º do RJAT).
II - Não havendo entre o acórdão arbitral recorrido e o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo apresentado como fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito – porquanto nem a questão erigida como objecto do recurso foi abordada em ambos os arestos, nem os pressupostos de facto de um e outro caso são idênticos – não deve o recurso ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P22826
Nº do Documento:SAP2018012401064
Data de Entrada:10/04/2017
Recorrente:Z..., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 3/2017-T

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “Z………………, Lda.” (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tendo apresentado alegações do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão em tipo normal.):

«I. O litígio e o teor da decisão final

I.I. Enquadramento do litígio

Discute-se nos presentes autos a (i)legalidade dos actos de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2016 6410000867 e da liquidação de juros compensatórios n.º 2016 00001716038, relativos ao seu exercício de 2012, de que resultou um montante a pagar de imposto no valor de € 188.740,33 e de juros compensatórios no valor de € 26.558,09.

Em causa no Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela ora Recorrente estava a questão de saber, em primeiro lugar, se à data de 31.12.2012 as disponibilidades identificadas contabilisticamente como saldo em «caixa», conta #11, no valor de € 719.544,49, existiam efectivamente; e em segundo lugar estava a questão de saber quais os efeitos do movimento contabilístico de anulação daquele saldo de caixa, num quadro em que tais importâncias haviam sido efectivamente distribuídas aos sócios em exercícios anteriores (que corresponde a formular a mesma pergunta de uma outra perspectiva).

E, portanto, no fundo a questão resumia-se a saber quais os efeitos jurídico-tributários num cenário em que se conjugassem os seguintes factos:

a) Distribuição aos sócios no decurso de exercícios fiscais sem que se fizessem os respectivos lançamentos contabilísticos (permanecendo as importâncias distribuídas numa conta de caixa);

b) Lançamento / regularização contabilística da distribuição do saldo de caixa num exercício posterior ao da distribuição efectiva, ou seja, num exercício em que, de facto, tal distribuição não ocorrera.

I.II. O teor do Acórdão recorrido

O Tribunal Arbitral Colectivo veio «julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação do acto de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2016 6410000867».

VEJAMOS – NO QUE RELEVA PARA O JUÍZO DO PRESENTE RECURSO – EM QUE TERMOS AQUELA CONCLUSÃO FOI FUNDAMENTADA:

O Tribunal Arbitral começa por enquadrar a questão em juízo afirmando que «o que está em causa é o tratamento jurídico tributário das regularizações de caixa, no valor agregado de EUR. 595.382,55, e da saída do valor de EUR 116.845,08, com destino às contas de sócios, ambas contabilizadas em Dezembro de 2012».

Nesse contexto, afirma-se no Acórdão, «como se viu, o tribunal dá como provada a retirada de valores, não especificados, pelos sócios – rectius pelos dois sócios que também são gerentes. Tais valores – prossegue o Acórdão – deveriam ter sido sujeitos a tributação em IRS, por retenção na fonte, por referência a cada um dos exercícios em que ocorreram as retiradas».

Assim, ainda nas palavras do Acórdão Arbitral, «caso tivesse sido feita pela Requerente a retenção de IRS na fonte ao longo dos exercícios em que os sócios gerentes se foram apropriando de valores gerados pela actividade da Requerente, como deveria ter ocorrido, este facto tributário ulterior, quando das deliberações de distribuição, embora realmente existente, não importaria nova liquidação de imposto».


E CONCLUI O ARESTO EM CAUSA:

«Inversamente, deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adoptadas pelos sócios da Requerente em 2012 ou 2013, eram um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação, ou por retenção na fonte feita pelo substituto tributário, ou administrativa, na verificação da falta daquela, sem que se gere duplicação de colecta, pois que a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte do IRS devido em função dos factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores».

No fundo, o Tribunal Arbitral Colectivo afirma que:

(i) Os factos tributários verificaram-se nos exercícios anteriores ao do respectivo registo contabilístico, isto é, «ao longo dos exercícios em que os sócios gerentes se foram apropriando de valores gerados pela actividade da Requerente»;

(ii) Tais valores «deveriam ter sido sujeitos a tributação em IRS, por retenção na fonte, por referência a cada um dos exercícios em que ocorreram as retiradas»;

(iii) Como «a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte do IRS devido em função dos factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores» então as «deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adoptadas pelos sócios da Requerente em 2012 ou 2013, eram um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação».

É este o juízo, no plano do direito, que o Tribunal Arbitral formulou e que, do ponto de vista do ora Recorrente, se encontra em frontal oposição com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, conforme se demonstrará.

II. O Acórdão de 05/08/2013, proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do processo n.º 0841/11, como Acórdão fundamento – o seu teor e a oposição com o Acórdão recorrido

Como vimos, o Tribunal Arbitral Colectivo sustentou que sendo incumprida a obrigação de retenção na fonte por referência a factos tributários verificados em exercícios anteriores então haverá «novo» facto tributário no exercício em que esses factos (os mesmos) são lançados na contabilidade.

Ora, a Secção de Contencioso Tributário do STA, no âmbito do processo n.º 0841/11, proferiu um Acórdão em que sustentou, justamente, que «estando em causa a retenção na fonte, a título definitivo (...) o facto gerador do imposto considera-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela».

E acrescentou: «[deve] o facto gerador do imposto considerar-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar a retenção na fonte, ou seja, na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular», pelo que, entre outras considerações específicas do caso em causa, o STA afirmou que não era de relevar o momento diferente do lançamento na contabilidade (lançamento da factura, no caso).

Mesmo ressalvadas as especificidades do caso em juízo naquele Acórdão do STA – designadamente (i) estar em causa a retenção na fonte de IRC (e não de IRS) e (ii) as referências à não prevalência do momento da contabilização (em detrimento do momento da colocação à disposição) estarem dirigidas à determinação da taxa de câmbio aplicável – a oposição ao Acórdão é insofismável.

É insofismável por uma razão evidente e que resulta da afirmação da relevância do momento do pagamento ou da colocação à disposição como o do facto gerador da obrigação tributária (rectius, como facto tributário), em detrimento do momento do movimento contabilístico.

Mas essa oposição é também insofismável se apelarmos a um argumento de lógica (a contrario), na justa medida em que do Acórdão do STA se infere que a cada realidade corresponde apenas um facto tributário – no caso, fixado no momento em que nasce a obrigação de retenção na fonte (o das «apropriações ou levantamento»). Não é possível, a esta luz, admitir uma eventual sucessão de factos tributários de «substituição» para uma mesma realidade.

Ora, ainda que não se pretenda, nesta sede, e no plano do direito mobilizado e da solução sustentada, relevar as contradições e os erros exibidos no Acórdão do Tribunal Arbitral Colectivo, o mero confronto com o Acórdão do STA aqui citado é bastante para conduzir à anulação daquele.

Porque, insista-se, a oposição entre os dois arestos é clara. Um sustenta a relevância do momento do lançamento contabilístico quando desfasado temporalmente da realidade que o subjaz. O outro faz prevalecer o momento da realidade que se pretende tributar (o pagamento ou a colocação à disposição).

Ora, é neste último – no Acórdão de 05/08/2013, proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do processo n.º 0841/11 – que está a razão. Tanto mais que o STA giza a decisão para que foi instado no dito processo n.º 0841/11, apartando-se da alegação de que a prevalência do momento da contabilização permite dar cumprimento aos princípios fundamentais da contabilidade como expressão ou «imanência do princípio fundamental constitucional da tributação pelo rendimento real» (assim alegou a Autoridade Tributária e Aduaneira naqueles autos). Ora, pelo contrário, é fazendo prevalecer a realidade (as apropriações e levantamentos) sobre o mero lançamento contabilístico que se dá expressão ao comando constitucional da tributação do rendimento real (no caso das pessoas colectivas) e da capacidade contributiva (no caso das pessoas singulares). E sempre como tradução do princípio da igualdade.

A tributação do rendimento, baseada na capacidade contributiva, não pode abandonar o pressuposto económico que é justamente a manifestação dessa capacidade (no caso decidido pelo Tribunal Arbitral, manifestada através da apropriação ou do levantamento efectivo de importâncias da empresa pelos seus sócios). Como bem sustenta JOSÉ CASALTA NABAIS, este princípio da capacidade contributiva obriga o legislador «a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações de capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestações dessa capacidade»2 [2 Direito Fiscal, Almedina, 2017, 7.ª Edição, p. 157].

No caso dos autos, o lançamento contabilístico, que comprovada e assumidamente, tem subjacente movimentos (de apropriação e levantamento) ocorridos em exercícios anteriores, não chega como manifestação de capacidade contributiva no exercício em que é promovido. Aliás, nesse exercício não há qualquer manifestação de capacidade contributiva (como bem reconheceu, por outras palavras, o próprio Tribunal Arbitral).

Nestes termos, requer-se a Vossas Excelências, ao abrigo do n.º 2 do art. 25.º do RJAT, e observando-se o regime do art. 152.º do CPTA (aplicável ex vi, n.º 3 do art. 25.º do RJAT) a uniformização de jurisprudência, fixando-se o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão de saber se, no caso como o dos autos e no caso como o julgado no processo n.º 0841/11 nesse Supremo Tribunal, em que, nos termos da lei, ocorria a obrigação de proceder à retenção na fonte, o facto gerador do imposto deve considerar-se verificado na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular (por ser essa a data em que ocorre a obrigação de efectuar a retenção na fonte) – como julgado no Acórdão do STA que serve de fundamento –, ou, antes, no momento do respectivo lançamento na contabilidade – com julgado no Acórdão do Tribunal Arbitral Colectivo de que se recorre.

Termos em que deve ser proferida decisão que verifique a contradição alegada, anulando-se, em consequência, o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Colectivo, substituindo-o por uma decisão no mesmo sentido do Acórdão do STA proferido no âmbito do processo 0841/11, com todas as demais consequências legais».

1.3 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) contra-alegou, resumindo a sua posição em conclusões do seguinte teor:

«I. São requisitos de admissibilidade do recurso por uniformização de jurisprudência; a) a existência de contradição entre um acórdão arbitral e um acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo; b) o trânsito em julgado do acórdão fundamento; c) a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; e, d) desconformidade entre a orientação perfilhada no acórdão impugnado e a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA;

II. Relativamente àquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respectivos pressupostos de facto e, ainda, que a oposição decorra de decisões expressas e não meramente implícitas.

III. O recurso apresentado falha na verificação de qualquer destes pressupostos, sendo significativo o facto de a Recorrente não esboçar qualquer esforço no sentido de demonstrar a sua presença

IV. O que, por si só, justifica se considere incumprido o disposto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA quando exige que o Recorrente, na alegação, identifique de “forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada”.

V. No caso concreto, não há similitude de factos, nem estamos perante idêntica questão de direito.

VI. Logo, as situações de facto não podem ser analisadas à luz do recurso para uniformização de jurisprudência.

VII. Como se viu, o tribunal dá como provada a retirada de valores, não especificados, pelos sócios – rectius, pelos dois sócios que também são gerentes. Tais valores deveriam ter sido sujeitos a tributação em IRS, por retenção na fonte, por referência a cada um dos exercícios em que ocorreram as retiradas. A Requerente não procedeu às retenções na fonte, nem, consequentemente, ao pagamento do imposto devido nos cofres do Estado.

VIII. Porém, o tribunal dá também como provado que todas as actas (numeradas de 2 a 10) em que se consigna a distribuição de resultados dos exercícios de 2001 a 2008, no valor agregado de EUR 595.382,55, para regularização do saldo de Caixa reportado no ficheiro SAF-T a Outubro de 2012, foram elaboradas após o envio desse ficheiro pela Requerente (portanto, em 2012 ou já mesmo em 2013), bem como que as actas (numeradas de 11 a 14) em que se consigna a distribuição do valor agregado de EUR 102.498,66, todas contabilizadas em Dezembro de 2012, foram elaboradas em data necessariamente não anterior à das primeiras.

IX. Ora, a deliberação pelos sócios – ocorrida em 2012 ou 2013, embora feita constar de actas falsamente antedatadas – das referidas distribuições gera, ela mesma, o facto tributário previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.

X. Caso tivesse sido feita pela Requerente a retenção de IRS na fonte ao longo dos exercícios em que os sócios gerentes se foram apropriando de valores gerados pela actividade da Requerente, como deveria ter ocorrido, este facto tributário ulterior, quando das deliberações de distribuição, embora realmente existente, não importaria nova liquidação de imposto. No limite, uma nova liquidação de imposto geraria duplicação de colecta, nos termos do n.º 1 do artigo 205.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), com efeito de ilegalidade do ato tributário.

XI. Inversamente, deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adoptadas pelos sócios da Requerente em 2012 ou 2103, geram um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação, ou por retenção na fonte feita pelo substituto tributário, ou administrativa, na verificação da falta daquela, sem que se gere duplicação de colecta, pois que a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte do IRS devido em função de factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores.

XII. Não se julga, pois, por verificada qualquer ilegalidade do acto de liquidação objecto do pedido de decisão arbitral, designadamente a de caducidade do direito a liquidar, pelo que improcedeu e bem o pedido da Requerente.

Nestes termos, e nos demais de direito, peticiona-se pela improcedência do pedido apresentado pela Recorrente, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA.

Caso assim não se entenda, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com todas as devidas consequências legais».

1.4 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que não se verificam os pressupostos da admissão do recurso previstos no n.º 1 do art. 152.º do CPTA, motivo por que não deverá tomar-se conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] I.2. Emitindo pronúncia sobre a problemática da admissibilidade do presente recurso, importa dilucidar, em primeira linha, se ocorre ou não a alegada contradição, entre a sentença recorrida e o aresto invocado como fundamento, relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, apurar se a decisão impugnada estará em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste Colendo Supremo Tribunal Administrativo.
Na verdade, a existência de oposição de julgados depende (i) da ocorrência de contradição quanto a idêntica questão fundamental de direito, no quadro de idêntica situação fáctica e de idêntica regulamentação jurídica, e, outrossim, (ii) da decisão proferida não se mostrar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada, de harmonia com o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 284.º do CPPT, 27.º n.º 1, alínea b), do ETAF e 152.º n.ºs 1, alínea a) e n.º 3 do CPTA.
Sucede que o regime legal aqui aplicável tem sido objecto de inúmeros e exaustivos arestos deste Colendo STA, dos quais citamos, por todos, nomeadamente os recentes doutos Acórdãos de 29/03/20 17, tirados pelo Pleno da Secção do CT, no âmbito dos Processos n.º 01091/16 e n.º 01521/15, que consagram um entendimento restritivo do âmbito de aplicação deste recurso (arestos disponíveis in www.dgsi.pt).

I. 3. Ora, na esteira da posição defendida pela ora Recorrida AT, examinadas, de um lado, a decisão arbitral recorrida e, do outro, o acórdão-fundamento, o Ministério Público considera que não ocorre qualquer divergência insanável ou oposição na solução dada pelo CAAD, ao caso em presença, no confronto com o tratamento conferido por este Colendo STA, no âmbito do supracitado processo, porquanto se trata de decisões que se movem dentro de um quadro fáctico distinto e com um diferente enquadramento legal, a merecer, pois, um tratamento jurídico diverso.
Na verdade, na decisão arbitral recorrida, ponderou-se, nomeadamente, que “(...) O que está em causa é o tratamento jurídico-tributário das regularizações de caixa, no valor agregado de EUR 595.382,55, e da saída do valor de EUR 116.845,08, com destino às contas de sócios, ambas contabilizadas em Dezembro de 2012.
No entendimento da AT, como explanado no RIT e replicado na Resposta apresentada, ocorreram, em Dezembro de 2012, quer o facto tributário da distribuição de lucros e reservas no valor de EUR 595.382,55, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS quer o facto tributário presumido (iuris tantum) de serem lucros ou adiantamentos de lucros os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
No entendimento da Requerente, tais factos tributários existiram efectivamente no mundo jurídico, mas nos exercícios em que os sócios foram fazendo, pelas várias formas acima referidas, apropriações de valores da Requerente, pelo que a liquidação administrativa tomando por base a existência de tais factos tributários em 2012 está viciada de ilegalidade” (o sublinhado não consta do original, disponível in https://caad.org.pt/tributario).
Por sua vez, analisado o citado douto Acórdão-fundamento, prolatado por este Colendo Tribunal ad quem, constata-se que foram eleitas como questões decidendas: “(...) a) saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que para efeito de retenção na fonte a título definitivo em sede de IRC (art. 88.º, n.ºs 3 e 5 do CIRC, na redacção então em vigor, do Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho) a taxa de câmbio a aplicar deve aquela que vigorar no momento do pagamento efectivo e não aquela que vigorar no momento em que a factura for recepcionada e lançada na contabilidade. // b) saber se a sentença recorrida julgou erradamente a questão do vício de forma por falta de cumprimento de uma formalidade, relacionada com o procedimento inspectivo, derivado ao facto de não ter sido recepcionada a carta aviso com a antecedência mínima de 5 dias sobre o início da inspecção que precedeu a liquidação, violando o disposto no art. 49.º n.º 1, 2 e 3 do RCPIT (...)” (o sublinhado é nosso consultável em http://www.dgsi.pt/jsta).
A ser assim, no caso em presença, entre a decisão recorrida e o acórdão-fundamento, não se verifica a similitude das situações de facto e, outrossim, das normas jurídicas aplicáveis, que justificaria e/ou imporia a admissão do presente recurso.
A ser assim, afigura-se ao Ministério Público que não se encontram reunidos, no caso vertente, todos os pressupostos previstos no já citado artigo 152.º n.º 1, do CPTA. para a admissão do presente recurso».

1.5 Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.


* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«2.1. Factos provados

A) A Requerente, Z………………, Lda., foi constituída em 2001 e desenvolve a sua actividade na área da prestação de serviços médicos.

(B) Tem como sócios, desde a sua constituição, X…………… (titular, à data da constituição, de uma quota com o valor nominal de EUR 2.450,00 correspondente a 49% do capital social), V……………. (titular, à data da constituição, de uma quota com o valor nominal de EUR 2.450,00 correspondente a 49% do capital social) e a U…………. (titular, à data da constituição, de uma quota com o valor nominal de EUR 100,00 correspondente a 2% do capital social).

(C) Em 29 de Novembro de 2012, a Requerente foi notificada pela Equipa de Auditoria Informática do Departamento A da Inspecção Tributária, ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 59.º da LGT, solicitando o envio do ficheiro SAF-T “relativo à contabilidade do exercício de 2012 até ao último mês que se encontre fechado”.

(D) Na resposta a esta notificação, a Requerente enviou o ficheiro SAF-T, referindo ‘Saldos do mês de Outubro” [de 2012], que continha nesse mês um montante em caixa, conta 11, de EUR 719.544,49.

(E) Foi após receberem a solicitação do ficheiro SAF-T que os responsáveis pela contabilidade da Requerente informaram a Gerência da mesma que as demonstrações financeiras ostentavam o saldo em «caixa» no valor de EUR 719.544,49, situação que motivou a realização de uma “auditoria externa”, pedida pela Requerente à .....

(F) O valor do saldo em «caixa», EUR 719.544,49, foi regularizado contabilisticamente em 2012, por contrapartida das contas #55 (Reservas), #56 (Resultados Transitados) e #2788102 (Outros devedores e credores), porque “verificada a desconformidade das contas” com o que a Requerente considerava “a realidade factual”.

(G) No decurso da recepção do ficheiro SAF-T, foi emitido o Despacho DI201302934, no sentido de os Serviços da AT analisarem e enquadrarem a situação. Na análise aos elementos enviados pelo TOC da Requerente relativos ao exercício de 2012 e no âmbito do referido Despacho, a AT detectou as regularizações contabilísticas reportadas a 31/12/2012, creditando a Conta 11 ‘Caixa’ em EUR 595.382,55, por contrapartida das contas 55 ‘Reservas’, 56 ‘Resultados Transitados’: EUR 230.530,62 de Reservas e EUR 364.851,93 de Resultados Transitados.

(H) Questionada pela AT sobre o suporte documental dos lançamentos em causa, a Requerente enviou uma folha em Excel com a indicação dos movimentos contabilísticos por conta e com a designação em todos eles de “operações diversas”, todos com a data de 31/12/2012;

(I) Solicitada pela AT a justificação para os lançamentos contabilísticos, a Requerente remeteu 9 actas (com os números de ordem 2 a 10), mencionando períodos entre 2002 e 2008, todas elas com proposta e aprovação de aplicação de resultados, suportando a regularização total de EUR 595.382,55 da conta de Caixa.

(J) Os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) fizeram diligências de forma a testar a autenticidade das actas, tendo ouvido, em termo de declarações, dois dos anteriores TOCs da Requerente, T………….., responsável pelo encerramento de contas do exercício 2012, e S………………….., responsável pela contabilidade nos períodos a que respeitam as actas em causa. Consta dos termos e dos documentos que os acompanham, em síntese e com interesse para o processo: (a) que todos os lançamentos contabilísticos e fechos anuais de contas da Requerente passaram pelos referidos TOCs, com excepção dos lançamentos de acerto de Caixa efectuados no final de 2012, sendo estes efectuados por indicação da ......... e do gerente da sociedade Dr. X…………; (b) que a Requerente tinha saldos elevados no final de cada exercício e que a explicação para tal facto resulta de estar então enquadrada no regime simplificado do IRC e de terem sido apresentadas receitas sem contrapartidas de despesa, levando ao acumular do saldo de Caixa ao longo de praticamente toda a vida da Requerente; (c) que, após a Requerente ser notificada para apresentação do ficheiro SAF-T da contabilidade do exercício de 2012, foi efectuado o acerto de Caixa, por aconselhamento da .......... e indicação da Gerência, bem como foi substituída a Dec. mod. 22 do exercício de 2012, por indicação da mesma ......., retirando o acréscimo que tinha sido inicialmente incluído como variação patrimonial negativa (campo 704) no valor de EUR 595.382,55; (d) que, no que toca ao exercício de 2012, os vários movimentos a crédito na conta Caixa, imputados a 31/12/2012, num montante total de EUR 724.916,49, tiveram como documentos de base um e-mail da .........., com data de 23 de Março de 2013, e actas numeradas 2 a 10, em anexo ao mesmo, ou seja, não foram elaboradas pelos TOCs responsáveis pela contabilidade da Requerente no exercícios 2001 a 2008; (e) que foram dadas instruções ao TOC T.., em emails de 28 e 30 de Maio de 2013, pelo sócio e gerente da Requerente X………….., para seguir as indicações da ..........., designadamente quanto a retirar o acréscimo que tinha sido incluído na Dec. Mod. 22 como variação patrimonial negativa, e quanto à declaração IES relativa ao ano 2012, por conseguinte também quanto às regularizações relativas ao saldo de Caixa;

(K) Consta do Processo Administrativo que, no âmbito do Processo de Inquérito nº 467/15.2IDLSB, foram remetidos aos SIT, em 30 de Julho de 2015, pelo actual TOC da Requerente, R……………, vários documentos, dos quais decorre, em síntese e com interesse para o processo, que existem várias actas, numeradas de 3 a 9 (com duplicação do número 5), não assinadas pelos sócios da Requerente, que suportam os valores inscritos nas declarações IES submetidas em nome desta: (a) Acta n.º 3, datada de 2004/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afectação dos resultados do ano 2003, de EUR 80.676,28, com aplicação integralmente a reservas livres, conforme consta da IES submetida em 2004/06/22; (b) Acta n.º 4, datada de 2005/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afectação dos resultados do ano 2004, de EUR 74.813,92, com afectação a reservas legais de EUR 750,00 e a reservas livres de EUR 74.063,92, conforme consta da IES submetida em 2005/06/24; (c) Acta n.º 5, datada de 2006/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afectação dos resultados do ano 2005, de EUR 58.018,28, com afectação a reservas legais de EUR 1.000,00 e a reservas livres de EUR 57.018,28, conforme consta na IES submetida em 2006/03/30; (d) Outra acta n.º 5, datada de 2007/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afectação dos resultados do ano 2006, de EUR 87.089,21, com afectação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2008/06/27; (e) Acta n.º 6, datada de 2008/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afectação dos resultados do ano 2007, de EUR 114.339,41, com afectação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2009/07/10; (f) Acta n.º 7, datada de 2009/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afectação dos resultados do ano 2008, de EUR 127.374,73, com afectação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2010/06/29; (g) Acta n.º 8, datada de 2010/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afectação dos resultados do ano 2009, de EUR 79.123,83, com afectação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2011/09/01; (h) Acta n.º 9, datada de 2011/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afectação dos resultados do ano 2010, de EUR 6.935,57, com afectação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2012/07/07.

(L) Até 2009, a Requerente foi tributada, em sede de IRC, pelo regime simplificado, com falta de rigor na contabilização das operações, designadamente sem contabilização de despesas, e com confusão entre a sua esfera patrimonial e as dos sócios, incluindo um padrão de recebimento das contraprestações dos serviços da Requerente directamente pelo sócio-gerente Dr. X……….., que procedia ao depósito nas suas contas bancárias pessoais, assim como nas da sócia-gerente Dra. V……………... Portanto, tais valores, registados em Caixa na contabilidade da Requerente, eram directamente depositados nas contas pessoais dos dois sócios e gerentes. Ao longo do período em análise, constituía prática reiterada a realização de transferências bancárias em favor dos sócios sem qualquer fundamento que as titulasse. A Requerente incorreu, ao longo dos anos, em despesas destinadas à esfera privada dos sócios, através do uso de cartão de crédito, com “frequente utilização” para “aquisição de bens como bilhetes de cinema, compras de supermercado, vestuário, brinquedos, artigos desportivos, vestuário infantil, entre outros”.

(M) Consta do Relatório de Gerência relativo ao exercício do ano 2012, com data de assinatura pelos gerentes de 31 de Março de 2013 (Doc. 3 junto pela Requerente): «Segundo o Balanço a 31 de Dezembro de 2012, os capitais próprios da Empresa passaram de EUR 701.018,28 no final de 2011 para EUR 104.705,27 no final de 2012. A gerência informa e esclarece que a supra referida redução dos capitais próprios resultou de uma regularização de natureza contabilística, no decorrer do ano 2012, do montante da rubrica de “caixa e depósitos bancários”. Com efeito, por manifesta negligência, os serviços de contabilidade, externos à Empresa, não haviam registado, nos exercícios anteriores, as distribuições de lucros verificadas desde a constituição da sociedade.»

(N) Na declaração de parte do sócio e gerente da Requerente, X………… este declarou que as actas foram elaboradas, “após a auditoria externa” realizada na sequência do envio do ficheiro SAF-T, “para reflectirem o que se tinha passado nos anos anteriores” e que “foram todas elaboradas em 2012”.

(O) Todas as actas em que se consigna a distribuição de resultados dos exercícios de 2001 a 2008, para regularização do saldo de Caixa reportado no ficheiro SAF-T a Outubro de 2012, foram elaboradas após o envio desse ficheiro pela Requerente (portanto, em 2012 ou já mesmo em 2013). Isto é, embora nelas conste que, nos dias 31.03.2002, pelas 19h (Acta n.º 2), 31.03.2003, pelas 19h (Acta n.º 3), 31.03.2004, pelas 17h (Acta n.º 4), 31.03.2005, pelas 17h (Acta n.º 5), 31.03.2006, pelas 22h (Acta n.º 6), 31.03.2007, pelas 13h (Acta n.º 7), 2.12.2007, pelas 18h (Acta n.º 8), 31.03.2008, pelas 11h (Acta n.º 9) e 7.12.2008, pelas 22h (Acta n.º 10): “reuniram-se em Assembleia Geral, com dispensa de formalidades prévias”, não existe evidência alguma de que as referidas reuniões da Assembleia Geral tenham efectivamente tido lugar nessas datas, e nas horas nelas tão cuidadosamente mencionadas, antes formando o tribunal a convicção sólida de que tais referências são falsas, designadamente em face dos factos referidos nos pontos E, F, H, I, J, K, M e N.

(P) Além do saldo de EUR 595.382,55, em que foi saldada a conta de Caixa, existia um outro saldo de EUR 116.845,08, que tinha saído da conta de Caixa com destino às contas 2788102 –X…………. (EUR 57.254,09), 2788103 – V……………. (EUR 57.254,09) e 2788104 – U…………. (EUR 2.336,90).

(Q) Notificado pessoalmente o sócio-gerente Dr. X…….. em 24/09/2015, para explicar a que título teriam sido transferidos esses montantes, identificar a natureza das transferências e juntar cópia dos documentos que as titulam, foi por este remetido e-mail, de 05/10/2015, em que refere que o valor não poderia estar correcto e que terá verificado que não estariam contabilizadas as actas n.º 11 a 14, que juntou em anexo ao mesmo. Delas consta que, nos dias 31.03.2009, pelas 12h (Acta n.º 11), 31.10.2009, pelas 19h (Acta n.º 12), 31.03.2010, pelas 22h (Acta n.º 13), 31.03.2011, pelas 12h (Acta n.º 14), “reuniram-se em Assembleia Geral, com dispensa de formalidades prévias” os sócios da Requerente e deliberaram as seguintes distribuições: na Acta n.º 11, EUR 17.374,83, do exercício de 2008; na Acta n.º 12, EUR 70.000,00, do exercício de 2009; na Acta n.º 13, EUR 9.123,83, do exercício de 2009; na Acta n.º 14, EUR 6.000,00, do exercício de 2010; no total de EUR 102.498,66. O remanescente (diferença dos EUR 116.845,08 contabilizados nas contas 27 e a distribuição de EUR 102.498,66), relativamente ao fundo de maneio à guarda do Dr. X……………, teria sido integralmente utilizado para o pagamento de despesas no ano 2013.

2.2. Factos não provados

A Requerente não provou – nem tentou fazê-lo – que, nos dias e horas referidos nas actas numeradas 2 a 10, nas quais se consigna ter havido deliberações de distribuição de resultados dos exercícios de 2001 a 2008, se tenham efectivamente realizado as reuniões da Assembleia Geral de sócios, “com dispensa de formalidades prévias”, que tais actas são ex lege supostas registar.

A Requerente não provou – nem tentou fazê-lo – que, nos dias e horas referidos nas atas numeradas 11 a 14, nas quais se consigna ter havido deliberações de distribuição de resultados dos exercícios de 2008 a 2010, se tenham efectivamente realizado as reuniões da Assembleia Geral de sócios, “com dispensa de formalidades prévias”, que tais actas são ex lege supostas registar.

Não existem outros factos que sejam relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

A convicção do tribunal sobre factos provados e não provados resulta do exame crítico dos documentos juntos e dos depoimentos das testemunhas, que mostraram conhecer os factos e depuseram com isenção».

2.1.2 No acórdão fundamento, considerou-se a seguinte factualidade, que resultou do julgamento efectuado em 1.ª instância:

«a) A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva que incidiu sobre os exercícios de 2001 e 2002, tendo em vista a conformação de reembolso solicitado por um fornecedor não residente e confirmação dos pressupostos para aplicação das convenções para evitar a dupla tributação internacional, nomeadamente existência e validade de certificados de residência (cf. relatório da acção inspectiva – fls. 14 a 43 dos autos).

b) Em relação ao exercício de 2002 apurou -se que “A empresa foi notificada através do nosso ofício n.º 349595 de 27 de Dezembro de 2004, para apresentar os certificados válidos e os originais em falta para o exercício de 2002.
A empresa encetou todos os esforços para colmatar a falta de certificados apresentando modelos 12-RFI para o exercício em questão, certificado pelas autoridades da residência do respectivo fornecedor. No entanto até à presente data não foram apresentados os Modelos 12-RFI ou certificados originais válidos para os seguintes fornecedores:

Sujeito passivo PaísValor rend. pagosFalta de certificado residência válido
C…US6.281,35 €Não exibiu original
D…FR2.560,00 €Não exibiu original
E…FR1.913.61 €Não exibiu original

O sujeito passivo não comprovou assim a residência fiscal dos seus fornecedores não residentes, não podendo pois accionar as respectivas convenções para evitar a dupla tributação, sendo devida retenção na fonte à taxa de 15% nos termos do disposto no art. 83.º, nºs 3 e 5 do CIRC e art. 80.º, n.º 2 alínea e) do CIRC (cf. fls. 20 dos autos).

c) Concluíram aqueles serviços que “A empresa é responsável original pelo pagamento do imposto retido a título definitivo assim como os respectivos juros compensatórios, nos termos do artigo 28.º da LGT, n.º 2 e n.º 5 do art. 106.º do CIRC. Através do mapa seguinte o imposto retido em falta por período e respectiva data para efeitos de juros”

Mês de retenção Retenção em faltaData para efeitos de juros
Jan - 02 942,20€ 20-02-2002
Fev - 02 384,00 €20-03-2002
Mar - 02224,93 €20-04-2002
Jun - 0262,11€20-07-2002
Total 20021.613,24 €
d) No que tange à diferença de câmbio na retenção em relação ao fornecedor “B……………” aos SIT apuraram que “A A…………… efectuou os lançamentos na contabilidade dos pagamentos e não residentes na moeda em que a factura foi emitida. Automaticamente o programa de contabilidade transforma esses lançamentos de moeda estrangeira em valores em Euros, através da aplicação da taxa de câmbio do dia constantes na base de dados do programa. No entanto o pagamento efectuado em 08-08-2002, da factura 221257 do fornecedor “B………….”, emitida em 01-06-2002, no valor de USD 16.149,00, foi convertida em Euros a uma taxa de câmbio de 0.5032. A retenção foi igualmente efectuada sobre o valor em USD e posteriormente convertido à mesma taxa de câmbio (...) A taxa de câmbio à data não foi de 0,5032 mas sim de 1,03231 de acordo com os dados extraídos do Banco de Portugal (...) pelo que o cálculo da retenção não foi efectuado correctamente e a retenção entregue ao estado foi diminuída (...) assim a A……………. não entregou ao estado o valor correcto da retenção na fonte a título definitivo, nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 3 e 5 do CIRC e art. 80.º, n.º 2 alínea e) do CIRC, no valor de 1.281,696, …” (cf. doc. de fls. 21 dos autos).

e) Após o exercício do direito de audição, e para o exercício de 2002, foram efectuadas correcções de natureza meramente aritmética em sede de IRC, no montante de € 2.894,93, o que veio a originar a liquidação n.º 2005 6420000928, no montante de € 3.288,19, com data limite de pagamento de 01/06/2005 (cf. doc. de fls. 9 dos autos).

f) A liquidação referida em e) veio a ser paga em 01/06/2005 (cf. doc. de fls. 11 dos autos).

g) A impugnante foi notificada em 20/12/2004 da ordem de serviço e do despacho subjacentes à inspecção externa que conduziram à liquidação (cf. doc. de fls. 41 dos autos).

h) A presente impugnação foi deduzida em 04/08/2005 (cf. fls. 2 dos autos)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade denominada “Z……………. Lda.” veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD em 28 de Julho de 2017 no processo n.º 3/2017-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=3%2F2017-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=2853.), invocando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 841/11 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Junho de 2002,
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 1984 a 1989, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/20c1d19978b649ec80257b7f004ffad3.), relativamente à questão que enunciou como sendo a de saber se, havendo obrigação de retenção do imposto na fonte, «o facto gerador do imposto deve considerar-se verificado na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular (por ser essa a data em que ocorre a obrigação de efectuar a retenção na fonte) – como julgado no Acórdão do STA que serve de fundamento –, ou, antes, no momento do respectivo lançamento na contabilidade – como julgado no Acórdão do Tribunal Arbitral Colectivo de que se recorre».
Ou seja, a Recorrente entende que existe uma questão decidida em sentido divergente pela decisão recorrida e pelo acórdão fundamento e que, a seu ver, é a que respeita ao momento em que se deve considerar verificado o facto tributário para efeitos de imposto sobre o rendimento quando este deva ser retido na fonte.
Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, o regime de interposição do recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo difere do regime do recurso previsto no art. 152.º do CPTA, na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre da alínea a) do n.º 2 do referido art. 152.º (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, pág. 230. ).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso sub judice.
Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

2.2.2.1 Nos termos do referido art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que remete, com as devidas adaptações, para o art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes: i) que exista contradição entre essa decisão e um acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito, ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que decidiram os acórdãos em confronto – o arbitral, ora sob recurso, e o fundamento.

2.2.2.2.1 A sociedade ora Recorrente apresentou no CAAD pedido de anulação das liquidações de IRS e dos juros compensatórios que lhe foram efectuadas com referência ao exercício de 2012 por falta de retenção na fonte do imposto e com fundamento na distribuição de lucros que foi deliberada pelos sócios em Dezembro desse ano, como modo de proceder à regularização contabilística dos fundos da sociedade de que os sócios, informalmente e sem que a sociedade retivesse o imposto devido, se apropriaram entre os anos de 2002 e 2011. Na verdade, ao longo dos anos de 2002 a 2011 os sócios efectuaram diversas apropriações de valores da sociedade sem que esta tenha retido o IRS; porque tais apropriações não foram registadas na contabilidade, permanecendo os fundos correspondentes registados numa conta de caixa, em 2012, a fim de regularizar a situação contabilística (que apresentava um saldo de caixa anormalmente elevado), a sociedade deliberou distribuir lucros e, assim, pelo respectivo registo, regularizar a situação contabilística.
Para sustentar aquele pedido formulado ao Tribunal arbitral, alegou, em síntese e no que ora nos interessa considerar, que a tributação apenas pode referir-se aos momentos em que os lucros foram de facto distribuídos e já não ao momento em que foram formalizados os registos contabilísticos, sendo que nesta data não houve qualquer distribuição de lucros, real ou presumida, não houve qualquer facto tributário, não integrando a situação de facto a previsão do n.º 4 do art. 6.º do Código do IRS («Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros» (redacção anterior à republicação do CIRS pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro).); que não releva o facto de as actas que deliberaram a distribuição de lucros para os anos de 2002 a 2011 terem sido elaboradas em 2012, pois a distribuição ocorreu efectivamente em cada um daqueles anos (nos termos que constam daquelas actas) e não em 2012; que, por isso, à data da liquidação (2016) estava já caducado o direito de liquidação.
A decisão arbitral recorrida considerou que «[o] que está em causa é o tratamento jurídico-tributário das regularizações de caixa, no valor agregado de EUR 595.382,55, e da saída do valor de EUR 116.845,08, com destino às contas de sócios, ambas contabilizadas em Dezembro de 2012».
Depois, considerou que não se verificava o invocado vício de caducidade do direito à liquidação, com a seguinte fundamentação:
«No entendimento da AT, como explanado no RIT e replicado na Resposta apresentada, ocorreram, em Dezembro de 2012, quer o facto tributário da distribuição de lucros e reservas no valor de EUR 595.382,55, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, quer o facto tributário presumido (iuris tantum) de serem lucros ou adiantamentos de lucros os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
No entendimento da Requerente, tais factos tributários existiram efectivamente no mundo jurídico, mas nos exercícios em que os sócios foram fazendo, pelas várias formas acima referidas, apropriações de valores da Requerente, pelo que a liquidação administrativa tomando por base a existência de tais factos tributários em 2012 está viciada de ilegalidade.
Como se viu, o tribunal dá como provada a retirada de valores, não especificados, pelos sócios – rectius, pelos dois sócios que também são gerentes. Tais valores deveriam ter sido sujeitos a tributação em IRS, por retenção na fonte, por referência a cada um dos exercícios em que ocorreram as retiradas. A Requerente não procedeu às retenções na fonte, nem, consequentemente, ao pagamento do imposto devido nos cofres do Estado.
Porém, o tribunal dá também como provado que todas as actas (numeradas de 2 a 10) em que se consigna a distribuição de resultados dos exercícios de 2001 a 2008, no valor agregado de EUR 595.382,55, para regularização do saldo de Caixa reportado no ficheiro SAF-T a Outubro de 2012, foram elaboradas após o envio desse ficheiro pela Requerente (portanto, em 2012 ou já mesmo em 2013), bem como que as actas (numeradas de 11 a 14) em que se consigna a distribuição do valor agregado de EUR 102.498,66, todas contabilizadas em Dezembro de 2012, foram elaboradas em data necessariamente não anterior à das primeiras.
Ora, a deliberação pelos sócios – ocorrida em 2012 ou 2013, embora feita constar de actas falsamente antedatadas – das referidas distribuições gera, ela mesma, o facto tributário previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.
Caso tivesse sido feita pela Requerente a retenção de IRS na fonte ao longo dos exercícios em que os sócios gerentes se foram apropriando de valores gerados pela actividade da Requerente, como deveria ter ocorrido, este facto tributário ulterior, quando das deliberações de distribuição, embora realmente existente, não importaria nova liquidação de imposto. No limite, uma nova liquidação de imposto geraria duplicação de colecta, nos termos do n.º 1 do artigo 205.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), com efeito de ilegalidade do acto tributário.
Inversamente, deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adoptadas pelos sócios da Requerente em 2012 ou 2103, geram um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação, ou por retenção na fonte feita pelo substituto tributário, ou administrativa, na verificação da falta daquela, sem que se gere duplicação de colecta, pois que a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte do IRS devido em função de factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores.
Não se julga, pois, por verificada qualquer ilegalidade do acto de liquidação objecto do pedido de decisão arbitral, designadamente a de caducidade do direito a liquidar, pelo que improcede o pedido da Requerente.
Aliás, importa acrescentar que repugnaria à própria axiologia da tributação que a obrigação de pagar imposto sobre uma capacidade contributiva gerada pela apropriação pelos sócios gerentes das disponibilidades de caixa da Requerente pudesse ser afastada por uma ‘fórmula’ tão ‘básica’ quanto a da omissão, ao longo de anos bastantes para a caducidade do direito a liquidar, de lançamentos na conta Caixa correspondentes aos actos de apropriação, seguida de uma ou mais regularizações contabilísticas retroactivas, feitas em data já para lá do período de exercício do direito a liquidar. E ainda repugnaria mais se essa ‘fórmula’ que se revelasse apta a evadir a tributação fizesse recurso a actas em que falsamente se faz constar a realização, em certos dias e em certas horas de anos já abrangidos pela caducidade do direito a liquidar, de reuniões da Assembleia Geral “com dispensa de formalidades prévias”, nas quais são deliberadas distribuições de resultados desses anos».
Ou seja, o Tribunal arbitral considerou que a AT procedeu correctamente ao considerar que a deliberação dos sócios (em 2012 ou 2013) de distribuição de lucros gerou um facto tributário, nos termos da alínea h) do n.º 2 do art. 5.º CIRS, verificado à data em que foram contabilizadas as respectivas saídas da conta de caixa.
Assim, na improcedência do vício decorrente da caducidade do direito à liquidação e também na improcedência do invocado vício de falta de fundamentação, concluiu o acórdão arbitral pela improcedência do pedido de anulação das liquidações impugnadas.

2.2.2.2.2 Por sua vez, no acórdão fundamento, estava em causa, na parte que ora releva a fim de averiguar da oposição de julgados que é requisito do presente recurso, e nas palavras desse aresto, «saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que para efeito de retenção na fonte a título definitivo em sede de IRC (art. 88.º, n.ºs 3 e 5 do CIRC, na redacção então em vigor, do Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho) a taxa de câmbio a aplicar deve ser aquela que vigorar no momento do pagamento efectivo e não aquela que vigorar no momento em que a factura for recepcionada e lançada na contabilidade».
No caso aí sujeito a apreciação judicial, a AT não aceitou que a taxa de câmbio utilizada para determinar o montante de imposto sobre o rendimento (IRC) sujeito a retenção por um pagamento devido por uma aquisição efectuada por uma sociedade nacional a uma sociedade não residente e sem estabelecimento estável situado no nosso País fosse outra (designadamente e como pretendia a Impugnante, a data em que foi recebida e registada na contabilidade a factura) que não a em vigor à data em que foi efectuado o pagamento, ou seja, em que o rendimento foi posto à disposição do seu titular.
A essa questão, este Supremo Tribunal, no acórdão invocado como fundamento, deu a seguinte resposta: «No caso em apreço estão em causa rendimentos obtidos por uma entidade não residente que não são imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, mais concretamente o pagamento efectuado em 08-08-2002, da factura 221257 do fornecedor “B…………….”, emitida em 01-06-2002, no valor de USD 16.149,00 foi convertida em Euros a uma taxa de câmbio de 0.5032, sujeitos a retenção na fonte nos termos dos arts. 88.º, n.ºs 3 e 5 e 80.º, n.º 2, al. e) do CIRC (redacção do Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho).
Trata-se, pois, de uma retenção na fonte a título definitivo, estando em causa o total do imposto devido por aplicação de uma taxa liberatória.
Nestes casos, a cobrança feita por retenção na fonte esgota a pretensão tributária portuguesa. (Vide, com mais desenvolvimento, sobre a questão, Rui Duarte Morais, apontamentos ao IRC.)
Assim sendo, o facto gerador do imposto deve considerar-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar a retenção na fonte, ou seja, na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular (Cf., também neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.01.2008, recurso 887/07, in www.dgsi.pt.), sendo lógico que a taxa de câmbio (USD/Euro) a considerar no cálculo da retenção na fonte devida pelo pagamento ao fornecedor “B………………..” seja também aquela que vigorar no momento da colocação do rendimento à disposição e não aquela que vigorar no momento em que a factura for recepcionada e lançada na contabilidade.
Aliás, isso mesmo resultava do art. 8.º, n.º 8, al. b) do CIRC, na redacção então em vigor, que era a do Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho, normativo esse que, na definição de facto gerador do imposto para estes rendimentos, exceptuava a regra geral constante do seu n.º 7 (o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação) nos termos seguintes: “exceptuam-se do disposto no número anterior os seguintes rendimentos, obtidos por entidades não residentes, que não sejam imputáveis a estabelecimento estável situado bem território português: a) (…); b) Rendimentos objecto de retenção na fonte a título definitivo, em que o facto gerador se considera verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela.
A idêntica conclusão se chegaria, tal como fez a sentença recorrida, pela interpretação do artigo 88.º, n.º 6, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção então em vigor (do referido Decreto-Lei 198/2001, de 3 de Julho).
De harmonia com este normativo a obrigação de retenção ocorre na data estabelecida para obrigação idêntica em sede de IRS, sendo que nos artigos 98.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares se estipula que essa obrigação tem lugar no acto em que a entidade devedora dos rendimentos os paga ou coloca à disposição.
Nenhuma razão assiste, pois, à impugnante quando argumenta que o momento do nascimento da obrigação tributária nada tem a ver com o valor da retenção na fonte a efectuar e a entregar nos cofres do Estado, não padecendo a liquidação correctiva relacionada com o pagamento efectuado a “B…………………” de qualquer violação de lei».
Ou seja, em resumo, como consta do sumário doutrinal do acórdão, neste entendeu-se que, «[d]evendo o facto gerador do imposto considerar-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar a retenção na fonte, ou seja, na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular, também a taxa de câmbio (USD/Euro) a considerar no cálculo da retenção na fonte devida pelo pagamento ao fornecedor não residente deverá ser aquela que vigorar no momento da colocação do rendimento à disposição e não aquela que vigorar no momento em que a factura for recepcionada e lançada na contabilidade».

2.2.2.2.3 Como deixámos já dito, a questão que a Recorrente enunciou como constituindo “a mesma questão fundamental de direito” decidida em sentido divergente pelo acórdão arbitral recorrido e pelo acórdão fundamento foi a de saber se, havendo obrigação de retenção do imposto na fonte, «o facto gerador do imposto deve considerar-se verificado na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular (por ser essa a data em que ocorre a obrigação de efectuar a retenção na fonte) – como julgado no Acórdão do STA que serve de fundamento –, ou, antes, no momento do respectivo lançamento na contabilidade – como julgado no Acórdão do Tribunal Arbitral Colectivo de que se recorre».
Salvo o devido respeito, nenhuma divergência existe entre os acórdãos recorrido e fundamento no que respeita a essa questão que, aliás, só foi tratada pelo primeiro. Na verdade, só no acórdão recorrido assume relevância como questão a dirimir pelo Tribunal arbitral o momento em que deve considerar-se ocorrido o facto tributário: se na data em que foram apropriados pelos sócios meios financeiros da sociedade, sem qualquer registo contabilístico nem retenção do IRS devido, se na data em que a sociedade aprovou a deliberação de distribuição de lucros em ordem à regularização da situação contabilística criada por essa apropriação informal e não relevada na contabilidade. Já no acórdão fundamento não se questionava o momento da ocorrência do facto tributário (Sendo que a Recorrente, nas conclusões de recurso, após dizer que a obrigação de retenção na fonte «nasce no momento em que a entidade devedora dos rendimentos os paga ou coloca à disposição», afirmava expressamente que «o momento do nascimento desta obrigação tributária nada tem a ver com o valor da retenção na fonte a efectuar e entregar nos cofres do Estado: são questões absolutamente distintas».), mas apenas qual a taxa de câmbio a utilizar para efeitos de retenção do imposto: se a que estava em vigor na data em que foi efectuado o pagamento, se a que vigorava na data da recepção da factura. No que respeita ao momento da verificação do facto tributário, era questão que nem sequer se colocava no acórdão fundamento, inexistindo a esse propósito qualquer divergência de entendimentos que ao Tribunal cumprisse dirimir.
Assim, como bem salientaram a Recorrida e a Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, não existe contradição de decisões sobre a mesma questão fundamental de direito, que, aliás, tem subjacente uma identidade fáctica também não verificada.
Afigura-se-nos, pois, que não se verifica a decisão expressa de uma questão em sentido divergente que possa autorizar a prossecução do recurso por oposição de julgados.
Consequentemente, o presente recurso para uniformização de jurisprudência não deve ser admitido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do art. 25.º do RJAT).

II - Não havendo entre o acórdão arbitral recorrido e o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo apresentado como fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito – porquanto nem a questão erigida como objecto do recurso foi abordada em ambos os arestos, nem os pressupostos de facto de um e outro caso são idênticos – não deve o recurso ser admitido.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.

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Lisboa, 24 de Janeiro de 2018. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Ana Paula da Fonseca Lobo – António José Pimpão - Joaquim Casimiro Gonçalves – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes.