Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0401/15.0BEAVR
Data do Acordão:09/25/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRS
BOLSA DE FORMAÇÃO
MÉDICO
VAGA
Sumário: I- Apesar da designação que o legislador lhe atribuiu, a bolsa adicional paga aos médicos internos em regime de vaga preferencial, deve ser considerada como uma prestação relacionada exclusivamente com acções de formação profissional dos trabalhadores já que o seu propósito é o de incentivar a fidelização do médico interno no serviço ou hospital onde se verificou uma carência de profissionais, compensando-os pela obrigação de permanência naquele serviço após a conclusão do internato médico.
II- Em consequência, a quantia atribuída mensalmente ao sujeito passivo a título de bolsa de formação, constitui rendimento do trabalho dependente, enquanto remuneração acessória da remuneração principal e portanto fora da incidência objectiva da norma de exclusão da tributação (art. 2º n.ºs 3 al. b) e 8 al. c) CIRS em vigor à data dos factos), sendo que, ao invés, estes rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte no momento do seu pagamento ou colocação à disposição nos termos do artigo 99°,1 do CIRS e do Decreto-Lei n° 42/91 de 1991-01-22.
III- Se o beneficiário da bolsa de formação procedeu pelo menos parcialmente à reposição da bolsa atribuída à entidade concedente e alega desde o início que incorre em ilegalidade a actuação da AT por inexistência de rendimento real (questão que não foi apreciada na 1ª instância) impõe-se a baixa dos autos para eventual ampliação do probatório no sentido de determinar, se necessário, o montante exacto reembolsado devendo proferir-se nova decisão que tenha em conta a alegação, em substância, de que em caso de reembolso da referida bolsa não pode haver incidência de IRS sobre a mesma.
Nº Convencional:JSTA000P24894
Nº do Documento:SA2201909250401/15
Data de Entrada:07/04/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO
Inconformada vem Autoridade Tributária e Aduaneira, recorrer para este Supremo Tribunal do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou procedente a impugnação deduzida por A……., melhor identificado nos autos, contra as liquidações de IRS e juros compensatórios, respeitantes aos anos de 2010 e 2011.
Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«1) O Tribunal a quo considerou que a “bolsa de formação” atribuída ao médico interno nos termos do Regulamento anexo à Portaria nº 61/1998 de 27 de Agosto não cai no âmbito da tributação ao abrigo do artigo 2º nº 3 alínea b) do CIRS, por não se tratar de uma remuneração acessória.
2) O tribunal a quo considerou que a questão que se discute nos presentes autos é a de saber se os valores recebidos pelo impugnante a título de “bolsa de formação”, enquanto médico em período de formação especializada, tem ou não natureza remuneratória.
3) E em resposta à referida questão o tribunal parte do entendimento de que a “bolsa de formação” não tem natureza remuneratória, tendo, antes, natureza compensatória.
4) E na medida em que defende que a quantia em causa não tem a natureza remuneratória, decide que é inaplicável o disposto no artigo 2º nº 3, alínea b) do CIRS, e como tal que é ilegal a liquidação por se basear em tal norma.
5) Ora, pensamos salvo melhor opinião, que outra deveria ter sido a decisão sobre a natureza da quantia atribuída ao impugnante a título de “bolsa de formação”, isto porque não se concorda com as ilações de facto que o tribunal a quo retira dos factos provados, nem com a interpretação que foi dada ao artº 2º nº 3 al. b) do CIRS.
6) A douta sentença, deu como provado como ressalta do ponto 7) do probatório que a “bolsa de formação” aqui em causa foi concedida ao abrigo do artº 12º A, aditado ao DL nº 203/2004 de 18 de Agosto, pelo DL nº 45/2009 de 13 de Fevereiro.
7) É ainda dado como provado que o impugnante exerceu funções no Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPE, como médico interno da especialidade de ginecologia/obstetrícia, nos anos de 2010 e 2011, e recebeu uma “bolsa de formação”, por ocupar uma vaga preferencial. (Cfr. pontos 1), 2) e 7) do probatório)
8) As vagas preferenciais, destinadas a suprir a carência de médicos de determinadas especialidades, foram introduzidas, no âmbito do internato médico, pelo Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de fevereiro, diploma que alterou o regime jurídico daquele internato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de agosto.
9) O preenchimento de uma vaga preferencial confere o direito a uma Bolsa de Formação, que acresce à remuneração do médico interno, sendo o pagamento da referida bolsa assegurado pela Administração Regional de Saúde ou pela Região Autónoma de vinculação.
10) Quanto ao primeiro argumento que é apontado pelo Tribunal para não sujeitar a tributação a “bolsa de formação”, que consiste em que referida atribuição não se insere em nenhuma das situações previstas no artº 2º nº 3 alínea b) do CIRS, é o próprio tribunal que lhe retira valor, ao considerar que tal preceito legal não contém uma lista de situações exaustiva, o que conduz a que a forma de remuneração em análise pode não estar lá prevista, e mesmo assim ser tributada.
11) Como segundo argumento, o Meritíssimo Juiz a quo refere na douta sentença sob recurso que a “bolsa de formação” não pode ser subsumida na previsão normativa de remuneração acessória prevista no artigo 2º nº 3 al. b) do CIRS, porque não se encontra preenchido o requisito de a “bolsa de formação” ser auferida devido a prestação de trabalho ou em conexão com esta.
12) Posição com a qual não concordamos, uma vez existe um nexo de causalidade entre o pagamento da “bolsa de formação” e o contrato de trabalho, de tal modo que se pode dizer que essa quantia paga é contrapartida desse contrato e depende da ocupação da vaga preferencial.
13) A atribuição da “bolsa de formação” ao médico interno ocorre por força do contrato de trabalho celebrado com a Direção Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores.
14) A existência e o conteúdo da obrigação de entrega de um valor monetário a título de “bolsa de formação” surge como uma condição de ocupar uma vaga preferencial.
15) Mas a atribuição desse montante ao médico interno ocorre como efeito do contrato de trabalho e configura uma das prestações recíprocas estabelecidas nele pelas partes, ainda que sujeita a uma determinada condição (a ocupação de uma vaga preferencial).
16) O facto de a atribuição da “bolsa de formação” estar dependente do preenchimento de uma vaga preferencial, não tem a virtualidade de converter aquele pagamento numa compensação, ou de lhe retirar a natureza jurídica de prestação devida por força do contrato de trabalho.
17) A bolsa de formação em causa constitui, uma remuneração acessória derivada de uma prestação de trabalho dependente.
18) Logo, é evidente que ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, não está em causa o pagamento de uma compensação que não deriva da prestação de trabalho ou em conexão com esta, nem se aceita que o nexo de casualidade seja entre a prestação pecuniária e a ocupação da vaga preferencial, pois não se pode excluir que a relação jurídica que titula tal atribuição pecuniária é o contrato de trabalho, e não outro qualquer.
19) O entendimento defendido pelo Tribunal a quo, também não tem apoio na doutrina.
20) Relativamente à definição de “remuneração acessória” diz José Guilherme Xavier de Basto, in IRS, Coimbra Editora, pág. 65, “ Na linha de uma recomendação específica da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, deu-se uma definição geral de “remuneração acessória” como sendo “todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devidos à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica”.
21) E explica que esta formulação geral de vantagem acessória, tem a virtualidade de excluir da tributação alguns bens que sejam consumidos ou utilizados pelo trabalhador apenas ou predominantemente no interesse da entidade patronal: eles não constituirão vantagem económica para o titular, embora recebidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta.
22) Se aplicarmos esta definição ao caso em apreço, constatamos que a remuneração em causa é uma vantagem do trabalhador, porque não se trata de qualquer bem que é fornecido pela entidade patronal para uso produtivo, portanto em conexão com as funções por ele exercidas, e como tal é uma vantagem acessória que deve ser tributada.
23) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo invoca o acórdão do STA de 31/01/2018 proferido no processo nº 01331/16, para justificar o entendimento de que a “bolsa de formação” não tem natureza remuneratória, mas antes compensatória.
24) Mas com o devido respeito, o acórdão invocado não decidiu sobre as questões de natureza remuneratória ou meramente compensatória da referida prestação, conforme resulta de forma evidente do ponto II do seu sumário.
25) O invocado acórdão debruçou-se sobre a questão de saber se a “bolsa de formação” atribuída ao médico interno, está excluída da incidência de IRS, por estar contemplada na exceção do artº 2º nº 8 al. d) do CIRS.
26) E a resposta encontrada foi negativa, pois entendeu-se conforme passamos a citar “ Afigura-se-nos, pois, duvidoso que, apesar da designação que o legislador lhe atribui, a bolsa adicional paga aos médicos internos em regime de vaga preferencial deve ser considerada como uma prestação relacionada exclusivamente com ações de formação profissional dos trabalhadores e como tal excluída de tributação em IRS, (…)”
27) Face ao atrás exposto, e partindo da tese que aqui se defende devidamente apoiada nos factos provados, de que a importância atribuída ao impugnante foi paga a título de remuneração, deverá manter-se a liquidação de IRS impugnada pois a esfera patrimonial do impugnante sofreu um incremento patrimonial, e como tal deve ser tributada.
28) A douta sentença recorrida violou o artigo, artigo 2º nº 3 al. b) do CIRS.
TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida, como é de LEI E JUSTIÇA.»

Foram apresentadas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1.º Deverá ser mantida a sentença proferida pelo Mm. Juiz a quo;
2.º A “bolsa de formação” em causa de natureza remuneratória deve ser considerada compensatória, pelo desiderato último que subjaz à sua criação – a supressão de necessidades de recursos humanos em zonas de maior carência;
3.º A “bolsa de formação” não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS pelo que não é sujeita a tributação;
4.º Admitindo por mera defesa de patrocínio que a “bolsa de formação” é considerada rendimento, ainda assim, perfilhar-se do entendimento que jamais poderá - em circunstância alguma – ocorrer a tributação, posto o reembolso de todas as quantias/valores obtidos.»

O Ministério Público, neste STA, a fls. 159 dos autos, emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«1 – AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA vem recorrer da douta sentença proferida nos autos, a fls.124 a 131, que julgou procedente a presente impugnação considerando que o montante auferido pelo impugnante a título de bolsa de formação e aqui em causa não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS. Decisão com a qual a recorrente se não conforma.
Para tanto, alega nos termos conclusivos que constam de fls. 141 a 143 vº, e, em síntese, entende que a decisão “a quo” peca por de erro de julgamento quanto à aplicação e interpretação do direito aplicado, pois, em seu entender a douta sentença viola o disposto no artigo 2º, nº 3 al. b) do IRS.
Pede, a final, a revogação da decisão com as consequências daí decorrentes.
2 – A recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.
3 – O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
4 – Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder.
A douta sentença recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada e apoiada em jurisprudência deste STA e TCA/S, não sendo passível de quaisquer censuras.
5 – Emite-se, assim, parecer no sentido da improcedência do presente recurso com a manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.»

2 - Fundamentação
Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte factualidade:
1) O ora impugnante exerceu funções no Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPE, como médico interno da especialidade de ginecologia/obstetrícia, nos anos de 2010 e 2011 – cfr. resulta de fls. 41 e 42 do suporte físico dos autos;
2) Na qualidade de médico interno o ora impugnante recebeu, nos anos de 2010 e 2011, a quantia [anual] de € 7.182,00, a título de bolsa de formação – cfr. resulta de fls. 41 e 42 do suporte físico dos autos;
3) Em 19-05-2011 foi pelo ora impugnante apresentada declaração de rendimentos, modelo 3 – IRS, relativo ao ano de 2010, no qual inscreveu no Anexo A, relativo a rendimento do trabalho dependente e/ou pensões, como rendimentos o montante global de € 41.077,49; como retenções a quantia global de € 7.312,00 e como contribuições o montante de € 4.251,00 – cfr. fls. 43 a 49 do suporte físico dos autos;
4) Em 29-05-2012 foi pelo ora impugnante apresentada declaração de rendimentos, modelo 3 – IRS, relativo ao ano de 2011, no qual inscreveu no Anexo A, relativo a rendimento do trabalho dependente e/ou pensões, como rendimentos o montante global de € 56.367,61; como retenções a quantia global de € 10.156,00 e como contribuições o montante de € 4.354,84 e retenção sobretaxa € 630,00 – cfr. fls. 50 a 54 do suporte físico dos autos;
5) Nas declarações de rendimentos aludida em 3) e 4) não foram inscritos, no campo “rendimentos”, o montante [anual] de € 7.182,00 recebidos a título de bolsa de formação – cfr. resulta de fls. 43 a 54 do suporte físico dos autos;
6) Tais declarações foram preenchidas de acordo com o declarado pelo HDES nas declarações constantes de fls. 41 e 42 e com o que consta dos recibos de vencimento do ora impugnante referente àqueles anos de 2010 e 2011, constantes de fls. 27 a 40 do suporte físico dos autos;
7) Entretanto, a Administração Tributária abriu um procedimento inspectivo por entender que o montante recebido a título de bolsa de formação, no montante [anual] de € 7.182,00 devia ter sido declarado como rendimento e, consequentemente, notificou o ora impugnante, em relação aos anos de 2010 e 2011, por ofícios datados de 18-08-2014 nos seguintes termos:
«(…)
Os elementos em poder da Administração Fiscal, designadamente, os decorrentes da informação recebida da direcção de finanças de Ponta Delgada e de conformidade com a informação que foi prestada pela Direção de Serviços de IRS, V. Ex.ª auferiu importâncias a título de “Bolsas de Formação, concedidas ao abrigo do Artigo 12º A, aditado ao Decreto-Lei nº 203/2004, de 18 de Agosto, pelo decreto-lei nº45/2009, de 13 de Fevereiro no ano de … [2010 e 2011] no montante de € 7.182,00 que não foram incluídos na declaração modelo 3 de IRS (Anexo A – Quadro 4A)
Assim, deverá V. Exa. regularizar a situação, procedendo à entrega de declaração de substituição para o ano … [2010 e 2011], no prazo de 15 dias, por via electrónica no Portal das Finanças (…) ou no Serviço de Finanças da área do seu domicílio fiscal.
Caso não proceda à entrega da declaração de substituição, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuará a correcção oficiosa das liquidações de IRS do ano de … [2010 e 2011], com inclusão dos valores correctos, pelo que fica, desde já, notificado, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, para, querendo, exercer o direito de audição prévia, no prazo anteriormente referido.
(…)» – cfr. resulta de fls. 10, 11, 40 e 41 do processo administrativo apenso;

8) O ora impugnante respondeu nos termos que constam de fls. 12 a 15 e 42 a 45 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
9) Por decisão de 10-11-2014 foi determinado a elaboração de documentos de correcção no sentido de passar a constar do anexo A o valor total de € 47.253,34 [2010] e € 47.292,53 [2011], a título de rendimentos de trabalho dependente pagos pelo Hospital do Divino Espírito Santo – cfr. fls. 19, 20, 48 e 49 do PA apenso;
10) Nesse mesmo dia foram emitidas as notas de alteração do conjunto dos rendimentos líquidos para os anos de 2010 e 2011 – cfr. fls. 22, 22vº, 51 e 51vº do PA apenso;
11) No dia 10-11-2014 foram, então, emitidos os documentos de correcção constantes de fls. 25 a 30 e 55 a 58 do PA apenso;
12) Na sequência das correcções efectuadas ao ano de 2010, foi emitida em 18-11-2014 a liquidação n.º 2014 5005381036, datada de 18-11-2014, da qual resultava IRS e juros a pagar no montante de € 5.672,52 – cfr. fls. 20 e 21 do suporte físico dos autos;
13) Em resultado das correcções efectuadas ao ano de 2011, foi emitida a liquidação n.º 2014 500538665, datada de 21-11-2014, da qual resulta IRS e juros a pagar no montante de € 6.242,11 – cfr. fls. 24 e 25 do suporte físico dos autos;
14) Em 21-11-2014 foi efectuado o acerto de contas relativo ao ano de 2010, constante de fls. 19 do suporte físico dos autos, resultante um saldo apurado de € 3.038,87, a pagar até 31-12-2014;
15) Em 25-11-2014 foi efectuado o acerto de contas relativo ao ano de 2011, constante de fls. 23 do suporte físico dos autos, resultante um saldo apurado de € 2.733,49, a pagar até 22-01-2015;
16) Em 31-12-2014 foi efectuado o pagamento do montante aludido em 14) – cfr. fls. 22 do suporte físico dos autos;
17) Em 18-01-2015 foi efectuado o pagamento do montante aludido em 15) – cfr. fls. 26 do suporte físico dos autos;
18) Em 30-03-2015 foi apresentada a presente impugnação judicial – cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos;
- MAIS SE PROVOU QUE:
19) Por ofício datado de 12-06-2013, da Direcção Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores foi solicitado ao ora impugnante o reembolso da bolsa de formação recebida por aquele, afirmando que «tendo em conta que já tinha sido autorizado que o reembolso se fizesse em doze prestações mensais, consecutivas, de € 6.718,31, a pagar durante os 12 meses de 2013, situação que ficou suspensa porque o Dr. A….. tinha-se comprometido a regressar à região, o que não cumpriu, deve o médico em causa iniciar de imediato, o pagamento do reembolso, caso contrário, em julho, será solicitada a cobrança coerciva.» - cfr. fls. 55 do suporte físico dos autos;
20) O ora impugnante começou a reembolsar a Direcção Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores dos valores relativos à bolsa de formação recebida pelo impugnante, tendo, até, 12-11-2013 procedido ao reembolso das cinco primeiras prestações – cfr. fls. 57 a 61 do suporte físico dos autos.

Fundamentação jurídica
Para julgar procedente a impugnação a sentença recorrida expressou a seguinte fundamentação jurídica que atenta a sua extensão se apresenta por extracto.
O ora impugnante, vem deduzir a presente impugnação judicial contra as liquidações de IRS e juros compensatórios, respeitantes aos anos de 2010 e 2011, alegando, em suma, que cumpriu o internato médico, na qualidade de bolseiro, entre o período de Novembro/2005 a Abril/2012, no total de 72 meses, no HDES; que em finais de Abril/2012 terminou com aproveitamento o internato médico, acto que lhe conferiu a qualidade de especialista de ginecologia/obstetrícia em Maio/2012; que, como bolseiro, durante o cumprimento do internato médico, recebeu uma bolsa de formação, conferida ao abrigo da Portaria n.º 61/98, de 27 de Agosto da Secretaria Regional da Educação e dos Assuntos Sociais e que, como contrapartida da bolsa de formação recebida e uma vez terminado o internato em 2012 o ora impugnante ficou adstrito à prestação de serviço na Região Autónoma dos Açores, durante um período não inferior ao dobro daquele durante o qual beneficiou de bolsa, sob pena de ficar obrigado a reembolsar a Região Autónoma dos Açores no dobro da totalidade dos valores entretanto recebidos a título de bolsa, funcionando o recebimento da bolsa como um incentivo à prestação de serviço na Região Autónoma dos Açores.
Com base nesta alegação, conclui o impugnante que as liquidações impugnadas são ilegais, por os montantes recebidos a título de bolsa de formação não corresponderem a remuneração acessória ou suplementar derivada da prestação de trabalho, mas sim um incentivo pecuniário atribuído aos médicos internos na Região Autónoma dos Açores, no âmbito de um processo de formação profissional do internato de medicina complementar em contrapartida de, uma vez findo o internato, exercer funções na Região onde se verificou haver a necessidade que lhe deu lugar à vaga preferencial ocupada, razão pela qual os montantes recebidos pelo impugnante a título de bolsa de formação no âmbito do internato médico estão excluídos da incidência do imposto e, consequentemente, excluída da sua tributação.
Vejamos, pois.
Em primeiro lugar, importa referir que, de acordo com o artigo 1.º, n.º 1, do Código do IRS, este imposto incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias neste preceito indicadas, da qual sobressai, com interesse para o caso versado, a Categoria A, relativos a rendimentos do trabalho dependente.
Depois, importa salientar que o número 2, do artigo 1.º, do CIRS estatui que os rendimentos, quer em dinheiro, quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual foi o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos.
Daqui resulta, desde logo, que para sujeição a tributação por IRS é necessário que os contribuintes tenham auferido rendimentos, daí que o IRS seja um imposto sobre o rendimento, neste caso em concreto, de rendimento de pessoas singulares.
Impera salientar que no CIRS foi consagrada a teoria de rendimento-acréscimo que, no fundo, abrange todos os acréscimos patrimoniais pagos ou postos à disposição dos contribuintes, pessoas singulares [é o que resulta do ponto 5. do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro].
Importa, pois, verificar se os valores recebidos pelo impugnante a título de bolsa de formação, enquanto médico em período de formação especializada, têm ou não natureza remuneratória.
Para tanto, importa, em primeiro lugar, aferir quais as quantias percebidas pelos contribuintes que assumem natureza remuneratória face à Categoria A – rendimentos de trabalho dependente.
Desde já se diga que os rendimentos de trabalho dependente – Categoria A abrangem todos os rendimentos obtidos no quadro de relações de trabalho subordinado ou em situações equivalentes, recebidos em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente exceptuado por lei, podendo resultar do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontre legalmente obrigada [p. ex.: concessão de prémios], como, ainda, podendo resultar de prestações feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente [vide, RUI DUARTE MORAIS, In Sobre o IRS, Almedina, 2.ª Edição, 2012, pp. 47 e 52].
No conceito de rendimento de trabalho dependente – Categoria A – incluem-se, pois, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não [cfr. artigo 2.º, n.º 2, do CIRS].
Apesar de corresponder a uma enumeração exaustiva do conceito de remuneração para efeitos de sujeição a IRS ao abrigo da Categoria A – rendimentos de trabalho dependente, o certo é que não se trata de uma enumeração taxativa. Isso mesmo nos dá conta a utilização no artigo 2.º, n.º 2 do CIRS do advérbio “designadamente” que pressupõe que, efectivamente, as componentes que integram a incidência de IRS da categoria A não se limitam às que vêm indicadas neste normativo.
O enfoque para os rendimentos de trabalho dependente serem tributados em sede de IRS, à luz da Categoria A é, como já referimos, que as remunerações pagas ou postas à disposição dos contribuintes, pessoas singulares, tenham conexão com relações de trabalho subordinado ou situações equiparadas.
Assim, inclui-se, ainda, no conceito de rendimentos de trabalho dependente as designadas vantagens acessórias, definidas no, então, artigo 2.º, n.º 3, alínea b), do CIRS como «correspondendo a todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídas na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica.».
(…)
Aqui chegados, cumpre referir que já delimitamos o âmbito de incidência objectiva de IRS, no que concerne à Categoria A – rendimento de trabalho dependente.
Agora falta o próximo passo: aferir se a “bolsa de formação” auferida pelo impugnante se subsume, para efeitos de tributação de IRS, a rendimento da Categoria A.
Para tanto, importa apreciar o regime que instituiu a concessão de bolsas de estudo para a frequência do internato complementar de medicina [vide artigo 1.º da Portaria da Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais n.º 61/98, de 27 de Agosto].
(…)
A razão de ser desta bolsa é, pois, o de criar incentivos para que jovens médicos [de fora] optem por carreiras na Região Autónoma dos Açores e que os jovens médicos [açorianos] pretendam prosseguir as suas carreiras na área da medicina naquela Região Autónoma, como se pode ler no Preâmbulo da referida Portaria n.º 61/1998, de 27 de Agosto.
(…)
Volvendo ao caso dos autos, resulta indesmentível que o ora impugnante, nos anos a que se reportam as liquidações impugnadas, encontrava-se a exercer medicina no Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPE, como médico interno na especialidade de ginecologia/obstetrícia [cfr. facto 1) da matéria assente].
Resulta, igualmente, demonstrado que o mesmo auferiu nos anos de 2010 e 2011, a quantia anual de € 7.182,00 a título de bolsa de formação [cfr. facto 2) do probatório].
Tal bolsa de formação foi atribuída nos termos do Regulamento Anexo à Portaria da Secretaria Regional da Educação e dos Assuntos Sociais [da Região Autónoma dos Açores] n.º 61/1998, de 27 de Agosto [num regime muito similar ao da bolsa de formação concedida à luz do artigo 12.º-A do Decreto-Lei n.º 2003/2004, de 18 de Agosto na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro].
Com interesse para a decisão da causa, cumpre referir que no artigo 3.º do Regulamento anexo à Portaria n.º 61/1998, de 27 de Agosto vem expressamente afirmado que, anualmente, por despacho do Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais, será estabelecida a listagem de especialidades previsivelmente carentes e o número máximo de bolsas a conceder para cada uma delas.
Daqui se percebendo que não serão todos os médicos internos que auferirão dessa bolsa de formação, mas somente aqueles que estejam a tirar a sua especialização numa área médica carenciada e limitada ao número de máximo de bolsas a conceder para cada especialidade carenciada, estando a concessão da bolsa dependente da existência de vagas previsíveis no Serviço Regional de Saúde para a especialidade a frequentar e de disponibilidade orçamental [cfr. artigo 4.º do Regulamento anexo à Portaria n.º 61/1998].
Preenchidos estes requisitos [preencher uma vaga de uma especialidade médica carenciada no Serviço Regional de Saúde], receberá, então, o médico interno a bolsa referida no artigo 5.º, alínea a) do Regulamento anexo à Portaria n.º 61/1998, mas só se, tiver assumido a prestação de serviço na Região Autónoma dos Açores, durante um período não inferior ao dobro daquele durante o qual beneficie de bolsa, até ao máximo de nove anos; devendo assumir, ainda, o compromisso de início de funções na Região Autónoma dos Açores imediatamente após a conclusão do internato e ainda que efectue o internato complementar em instituição integrada no Serviço Regional de Saúde, tal como decorre das alíneas b), c) e d), do artigo 7.º do Regulamento anexo à Portaria n.º 61/1998, sendo que tal incumprimento conduzirá à obrigação de reembolsar a Região Autónoma dos Açores através da Direcção Regional da Saúde, no dobro da totalidade dos valores entretanto recebidos a título de bolsa [vide artigo 11.º do Regulamento].
(…) Ora, como se constata do Regulamento anexo à aludida Portaria n.º 61/1998, de 27 de Agosto, o que origina a bolsa de formação é a necessidade de trazer médicos em fase de especialização em áreas médicas carenciadas para a Região Autónoma dos Açores, de modo a que se fixem naquela Região Autónoma.
No fundo, como já referimos anteriormente, a bolsa em questão tem como propósito criar incentivos para que jovens médicos [de fora] optem por carreiras na Região Autónoma dos Açores e que os jovens médicos [açorianos] pretendam prosseguir as suas carreiras na área da medicina naquela Região Autónoma, como se pode ler no Preâmbulo da referida Portaria n.º 61/1998, de 27 de Agosto, estando essa bolsa de formação intimamente conexionada com a obrigação de permanência de um determinado período de tempo naquela Região Autónoma, sob pena de ficar o médico interno obrigado a reembolsar os montantes recebidos a esse título, o que, aliás, aconteceu com o ora impugnante [vide factos 19) e 20) da matéria assente].
Daí que, podemos já adiantar que esta concreta bolsa de formação não cairá no âmbito da tributação ao abrigo do artigo 2.º, n.º 3, alínea b), do CIRS, por não se tratar de uma remuneração acessória, pelas razões que a seguir se apontam.
Por um lado, não se insere em nenhuma das situações previstas nesse preceito legal.
Tal não obstaria a que fosse considerada uma remuneração acessória, pois o elenco presente no artigo 2.º, n.º 3, do CIRS é meramente exemplificativo, o que se extrai do advérbio “designadamente”, naquele preceito contido.
Acontece que, segundo a própria definição de remuneração acessória vertida no artigo 2.º, n.º 3, do CIRS se percebe que a mencionada “bolsa de formação” não pode ser subsumida naquela previsão normativa, pois dela sobressai que as remunerações acessórias são aquelas que não incluídas na remuneração principal sejam auferidas devidas à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o beneficiário uma vantagem económica sendo que, no caso versado, não se encontra preenchido o requisito de a “bolsa de formação” ser auferida devida à prestação de trabalho ou em conexão com esta, para que se possa afirmar que se está perante remunerações acessórias.
Com efeito, o sinalagma estabelece-se entre a prestação tributária [“bolsa de formação”] e a permanência num determinado estabelecimento ou serviço de saúde [aquele onde se verificou a necessidade de um médico interno de uma determinada especialidade médica], durante um período de tempo [não inferior ao dobro do período de tempo do respectivo programa de formação médica especializada], sob pena de, incumprindo essa obrigação de permanência ser o médico interno obrigado a reembolsar a Região Autónoma dos Açores através da Direcção Regional da Saúde, no dobro da totalidade dos valores entretanto recebidos a título de bolsa, pelo que a bolsa em causa não tem correlação com a prestação de trabalho.
Daí que seja de concluir que a “bolsa de formação” não tem natureza remuneratória, tendo, antes, natureza compensatória.
(…) Também o Tribunal Central Administrativo do Sul já se pronunciou sobre as bolsas de formação criadas ao abrigo do artigo 12.º-A do Decreto-Lei n.º 203/2004 na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 45/2009, através do seu Acórdão de 12-01-2017, proferido no recurso n.º 09966/16, igualmente disponível em www.dgsi.pt, afirmando expressamente que, «Em conclusão, a bolsa de formação em causa não constitui uma remuneração acessória derivada de uma prestação de trabalho dependente, mas antes, um incentivo pecuniário atribuído, a título compensatório, no âmbito de um processo de formação profissional, ao médico interno que ocupe uma vaga preferencial, em contrapartida da obrigação por ele assumida de, findo o internato, permanecer ao serviço do estabelecimento onde se verificou a necessidade que deu lugar àquela vaga preferencial, por um período igual ao do respectivo programa de formação médica especializada.».
Posto isto, não tendo a “bolsa de formação” em causa natureza remuneratória, mas sim compensatória e, por isso, não integrando o conceito de rendimento para efeitos de IRS, está afastada a sujeição a esse imposto, procedendo, assim, a presente impugnação, o que se determinará a final (…).

3- DO DIREITO:
A questão que cumpre apreciar foi recentemente foi tratada nos acórdãos deste STA de 22/05/2019 rec. nº 15/15.4BEPDL e de 29/05/2019 nos quais o ora relator interveio, respectivamente, como Juiz 1º adjunto e relator. Assim, perante conclusões de recurso, substancialmente idênticas, mantemos a resposta então dada, que passamos a expor.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente FP, restringe-se à questão de saber se a denominada “Bolsa de Formação” a que aludia o n.º 8 do artigo 12º-A do DL n.º 203/2004, de 18.08, constituía ou não rendimento tributável e se, por essa razão, a liquidação de imposto sobre o rendimento efectuada pela AT se mostrava ilegal, como defendeu a sentença recorrida ou legal como sustenta a recorrente FP.
A questão já não é nova neste Supremo Tribunal e já mereceu resposta coincidente com a argumentação explanada pela recorrente.
Assim, não se vendo agora razão para se decidir de modo diferente seguir-se-á de perto o que se escreveu nos acórdãos datados de 21.01.2018 e de 08.05.2019, respectivamente recursos n.ºs. 01331/06 e 02553/14.7BELRS.
Entendeu a sentença recorrida que a “bolsa de formação” recebida pelos recorridos está excluída de tributação em IRS por constituir uma bolsa de formação, excecionada pelo artigo 2.º nº 8 al. d) do CIRS, na redação aplicável.
Diversamente defende a recorrente FP que a bolsa de formação paga aos médicos internos, em regime de vaga preferencial, constitui um meio para obviar às carências de médicos em determinados serviços ou estabelecimentos, sem nexo direto com a formação médica e sem se encontrar exclusivamente relacionado com ela, antes constituindo uma forma de retribuição do trabalho prestado numa vaga preferencial ao abrigo do contrato de trabalho em funções públicas. Estaria, por isso, abrangida pela enumeração casuística do artigo 2.º do Código do IRS, não lhe podendo ser aplicada a al. c) do nº 8 da mesma disposição legal.
O MP, neste STA, entende que o recurso não merece provimento nos termos do parecer supra transcrito.
Porém, acompanha-se o entendimento deste STA, no acórdão de 31-01-2018, proc. 01331/16, por inexistirem motivos para do mesmo discordar e no qual se escreveu o seguinte:
“Dispunha a alínea c) do n.º 8 do artigo 2.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos – que a sentença recorrida julgou aplicável ao caso dos autos -, que estavam excluídas de tributação “as prestações relacionadas exclusivamente com acções de formação profissional dos trabalhadores, quer estas sejam ministradas pela entidade patronal, quer por organismos de direito público ou entidade reconhecida como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes”.
No caso dos autos, o ora recorrido exerceu funções na Unidade de Saúde Familiar do Centro de Saúde de …… durante o exercício de 2011, ao abrigo de um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto, na qualidade de médico interno em regime de vaga preferencial e entre Janeiro e Dezembro de 2011, a Administração Regional de Saúde do Algarve, I. P. emitiu recibos de vencimento ao Recorrido, onde consta o pagamento de uma bolsa de formação com uma periodicidade mensal e no valor de € 750.
Ora, nos termos do artigo 2.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto (diploma que estabelece o regime jurídico do internato médico), na redação em vigor à data dos factos, “após a licenciatura em Medicina, inicia-se o internato médico, que corresponde a um processo único de formação médica especializada, teórica e prática, tendo como objectivo habilitar o médico ao exercício tecnicamente diferenciado na respectiva área profissional de especialização”.
Ou seja, o internato médico corresponde ao período de exercício da Medicina que se segue, imediatamente, à conclusão da respetiva licenciatura. Neste período de internato, e ao abrigo de um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, os médicos internos exercem a sua profissão e recebem, simultaneamente, formação especializada de cariz teórico e prático (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto).
Por força da aprovação do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro, foi aditado ao Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto o artigo 12.º-A, com a epígrafe “vagas preferenciais”, através do qual foi criada uma distinção ao nível das vagas do internato médico, a saber: as vagas comuns e as vagas preferenciais. Nos termos do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro, a introdução desta distinção foi motivada pela revogação do contrato administrativo de provimento (operada no âmbito das alterações introduzidas ao regime legal da função pública pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro e pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro), o que obrigou à criação de uma nova forma de vinculação dos médicos internos através da qual pudesse ser assegurado o exercício de funções próprias do serviço público que não revestissem carácter de permanência.
Pela sua importância para a decisão do caso sub judice, transcreve-se o artigo 12.º-A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto, com a epígrafe “Vagas Preferenciais” (aditado pelo Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro):
1 - No mapa de vagas previsto no n.º 6 do artigo 12.º, podem ser identificadas vagas preferenciais, destinadas a suprir necessidades de médicos de determinadas especialidades, as quais não podem exceder 30 % do total de vagas estabelecidas anualmente.
(…)
3 - As vagas preferenciais são fixadas independentemente da existência de capacidade formativa no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que a elas deu lugar, podendo a formação decorrer em estabelecimento ou serviço diferente daquele, no caso de não existir idoneidade ou capacidade formativa.
4 - Os médicos internos colocados em vagas preferenciais assumem, no respectivo contrato, a obrigação de, após o internato, exercer funções no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, por um período igual ao do respectivo programa de formação médica especializada, incluindo repetições.
5 - O exercício de funções nos termos do número anterior efectiva-se mediante celebração do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, o qual é precedido de um processo de recrutamento em que são considerados e ponderados o resultado da prova de avaliação final do internato médico e a classificação obtida em entrevista de selecção a realizar para o efeito.
(…)
8 - O preenchimento de uma vaga preferencial confere direito a uma bolsa de formação, que acresce à remuneração do interno, de valor e condições a fixar por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da saúde, sem prejuízo do recurso a outros regimes de incentivos legalmente previstos.
(…)
10 - O incumprimento da obrigação de permanência prevista no n.º 4, bem como a não conclusão do respectivo internato médico por motivo imputável ao médico interno, salvo não aproveitamento em avaliação final de internato, implica a devolução do montante percebido, a título de bolsa de formação, sendo descontados, proporcionalmente, os montantes correspondentes ao tempo prestado no estabelecimento ou serviço de saúde onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, a contar da data de conclusão do respectivo internato médico.
(…)
Importa, pois, compreender o “estatuto especial” conferido aos médicos em regime de vaga preferencial nos termos do artigo 12º-A transcrito, por oposição ao estatuto dos médicos internos em regime de vaga normal. Assim:
1. À semelhança dos médicos internos em regime de vaga normal, os médicos internos em regime de vaga preferencial celebram um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, ao abrigo do qual exercem a profissão de Medicina de forma remunerada e recebem formação especializada de cariz teórico e prático (artigos 2.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto).
2. Contrariamente aos médicos internos em regime de vaga normal, os médicos internos em regime de vaga preferencial:
a. Assumem a obrigação de, após internato, exercer funções no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial por um período igual ao do respectivo programa de formação médica especializada, incluindo repetições (artigo 12.º-A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto); e
b. Gozam do direito ao recebimento de uma bolsa de formação, que acresce à respetiva remuneração de médico interno (artigo 12.º-A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto).
Em face do exposto, parece evidente que aquilo que distingue uma vaga normal de uma vaga preferencial não é a existência de uma oferta formativa diferenciada ou alargada para os médicos internos que ocupam as vagas preferenciais, antes o facto de os médicos internos em regime de vaga preferencial assumirem a obrigação de, após o internato, exercerem funções no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial.
Afigura-se-nos, pois, duvidoso que, apesar da designação que o legislador lhe atribui, a bolsa adicional paga aos médicos internos em regime de vaga preferencial deva ser considerada como uma prestação relacionada exclusivamente com acções de formação profissional dos trabalhadores e como tal excluída de tributação em IRS, como julgado pela sentença recorrida, pois sendo embora verdade a conexão desta com a formação especializada dos médicos que a recebem, o seu propósito confesso é o de incentivar a fidelização do médico interno no serviço ou hospital onde se verificou uma carência de profissionais e onde este vinha exercendo a profissão de Medicina em regime de internato, compensando-os pela obrigação de permanência naquele serviço após a conclusão do internato médico, como, aliás, é reconhecido pelo recorrido nas suas contra-alegações de recurso.
Não pode, pois, manter-se o decidido, que julgou procedente a impugnação em razão da aplicação do disposto na alínea c) do n.º 8 do artigo 2.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos.”.
Como refere o MP o regime jurídico da formação médica não integra um conceito normativo de bolsa de formação, designadamente definindo-a como uma comparticipação compensatória nas despesas inerentes à formação do médico interno no decurso do internato e nos termos daquele regime jurídico a bolsa de formação é considerada um incentivo pecuniário que acresce à remuneração do interno.
Acrescenta, ainda, que o auferimento da quantia a título de bolsa de formação em função da prestação de trabalho ou em conexão com a prestação de trabalho resulta claramente da circunstância de o incumprimento da obrigação de permanência do médico interno no estabelecimento onde se verificou a necessidade de provimento de vaga preferencial, por um período igual ao do respectivo programa de formação médica especializada, implicar a devolução do montante percebido a título de bolsa de formação, na proporção do período do incumprimento, pelo que a quantia atribuída mensalmente ao sujeito passivo a título de bolsa de formação, assumindo a natureza de incentivo pecuniário associado ao exercício da actividade profissional do médico interno provido em vaga preferencial, constitui rendimento do trabalho dependente, enquanto remuneração acessória da remuneração principal, consequentemente fora da incidência objectiva da norma de exclusão da tributação (art. 2º n.ºs 3 al. b) e 8 al. c) CIRS em vigor à data dos factos)”.

De toda a argumentação exposta resulta evidente que a impugnação não poderá proceder com a argumentação expendida pela sentença recorrida.
Vejamos, no entanto se é possível proceder ao conhecimento em substituição.
Entendemos que este STA enquanto tribunal de revista, não só não dispõe de elementos para tal como não poderá substituir-se ao tribunal de 1ª instância no conhecimento de questão que ficou prejudicada pela solução encontrada na sentença recorrida.
É que o recorrido continua a sustentar em contra-alegações no presente recurso que: “jamais poderá - em circunstância alguma ocorrer a tributação, posto o reembolso de todas as quantias/valores obtidos” o que resulta provado em parte, conforme o ponto 20 do probatório). Tal, remete-nos para essa questão desde o início suscitada pelo recorrido (vide articulados 14) 36) e 37 da petição inicial) e é intrínseca e inerente ou consequente da efectivação do referido reembolso pelo menos parcialmente satisfeito, à data da prolação da sentença recorrida (15/05/2019) e em montante que, é devidamente quantificável conforme o que consta dos pontos 2) e 19) e 20 do probatório).
Assim as questões suscitadas pelo impugnante ora recorrido, desde o início do presente processo, para além da natureza da referida bolsa foi ainda a da inexistência de rendimento que deva ser sujeito a tributação. Ora, esta questão não obteve pronúncia por parte do tribunal de 1ª instância que, implicitamente, a considerou prejudicada pela resposta dada à primeira questão da referida natureza e incidência/isenção de IRS da dita bolsa.
Perante esta decisão e circunstância processual e dada a posição deste STA na resposta distinta acerca da sujeição da referida bolsa a IRS impõe-se concluir que a sentença recorrida não se pode manter, sendo quanto a esta matéria procedente o recurso e, devendo a mesma ser revogada, impondo-se, no entanto, a baixa dos autos à primeira instância para que ali seja apreciada a referida segunda questão suscitada, apurando-se, se tal for entendido necessário, o montante exacto do reembolso efectuado pelo impugnante à Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores, proferindo-se depois nova decisão judicial.
4. DECISÃO:
Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à primeira instância para os efeitos determinados.

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa 25 de Setembro de 2019.- Ascensão Lopes (relator) – José Gomes Correia – Joaquim Condesso (revendo posição anterior quanto à questão da tributação das ‟bolsas de formaçãoˮ).