Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 041/14.0BEMDL |
Data do Acordão: | 10/27/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR CPPT |
Sumário: | I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Por expressa disposição legal, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. art. 285.º, n.º 4, do CPPT). |
Nº Convencional: | JSTA000P28421 |
Nº do Documento: | SA220211027041/14 |
Data de Entrada: | 10/07/2021 |
Recorrente: | A......... |
Recorrido 1: | AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 41/14.0BEMDL
1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 29 de Abril de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/ad2ee86cd8a71c8e802586cb0047079f.) – que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a qual, julgando procedente a oposição à execução fiscal deduzida pelo ora Recorrente, extinguira, no que a ele respeita, uma execução fiscal que, instaurada contra uma cooperativa, reverteu contra ele –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao artigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «1.ª) O recurso vem interposto do acórdão que concedeu provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira e que consequentemente revogou a sentença recorrida e julgou a oposição improcedente. 2.ª) O recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública visou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a oposição deduzida pelo ora recorrente, à execução fiscal n.º 2364201101005677, inicialmente instaurada contra a Adega Cooperativa de Sanfins do Douro, SCRL, que corre termos pelo Serviço de Finanças de Alijó, para cobrança coerciva de dívida de IRC, relativa ao ano de 2007 e do valor de 222.502,01 Euros. 3.ª) A admissão do recurso é claramente necessária para a boa aplicação do direito. 4.ª) O acórdão recorrido tratou esta matéria de uma forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável. 5.ª) Foi violada a Lei, tanto substantiva como processual. 6.ª) A não ser anulado o acórdão recorrido instalar-se-ia na comunidade um clamor social inteiramente justificado. 7.ª) Ainda admitindo essa possibilidade, não mais se poderia confiar nos Tribunais nem acreditar no Estado de Direito, restando o medo, muito medo. 8.ª) Inexistem fundamentos para a reversão, uma vez que o oponente não praticou qualquer acto ilícito, ou sequer censurável, ao que acresce o facto de não ter contribuído em nenhuma medida para a insuficiência do património da primitiva devedora, tendo sempre agido do modo como agiria um qualquer “bom e honesto pai de família”. 9.ª) Apesar de o oponente estar confrontado com a necessidade de produzir prova sobre uma factualidade negativa, a não verificação de culpa, a verdade é que fez prova bastante, até por abundância, de que estão inverificados quaisquer pressupostos, de facto e/ou de direito, para a responsabilização do seu património pessoal com vista ao pagamento da dívida em mérito. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, por provado, e consequentemente ser revogado o acórdão recorrido, com todas as consequências legais, nomeadamente a extinção da execução contra o oponente, por ilegitimidade – artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça». 1.2 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. 1.3 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo absteve-se de emitir parecer por considerar que «[a]o Ministério Público não compete emitir Parecer sobre a admissão ou não admissão do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de o Recurso de Revista ser admitido». 1.4 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. art. 285.º, n.º 1, do CPPT). 2.2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade: que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicáveis). 2.2.1.3 Por outro lado, a lei exclui expressamente do âmbito da revista o «erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa», «salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. art. 285.º, n.º 4, do CPPT). 2.2.1.4 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.). 2.2.1.5 Vejamos, pois, se o recurso pode ser admitido para melhor aplicação do direito, que foi o requisito de admissibilidade ao abrigo do qual foi efectuado o pedido, designadamente se, como alega o Recorrente, o Tribunal a quo «tratou esta matéria de uma forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável». 2.2.2 O CASO SUB JUDICE 2.2.2.1 O recurso vem interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela e, em substituição, julgou improcedente a oposição deduzida pelo ora Recorrente a uma execução fiscal que prosseguia contra ele, por reversão, e na qualidade de responsável subsidiário. 2.2.2.2 Inconformado com o julgamento efectuado pelo acórdão recorrido, o Opoente, ora Recorrente, vem solicitar a este Supremo Tribunal, mediante a interposição de recurso de revista excepcional, que, em ordem a uma melhor interpretação do direito, reaprecie a questão da culpa enquanto pressuposto da sua responsabilidade subsidiária, questão que considera ter sido decidida pelo Tribunal Central Administrativo Norte «de uma forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável». 2.2.2.3 Salvo o devido respeito, a questão que o Recorrente pretende ver dirimida por este Supremo Tribunal é uma questão que se prende com o julgamento da matéria de facto e a suficiência da prova produzida para afastar a presunção de culpa prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT. A pretensão do Recorrente é que se sindique o julgado relativamente à questão da culpa por parte do Oponente. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Por expressa disposição legal, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. art. 285.º, n.º 4, do CPPT). * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso. * Custas pelo Recorrente. * Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia – José Gomes Correia. |