Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:089/12.0BEFUN 01256/17
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
ZONA FRANCA DA MADEIRA
Sumário:I - Segundo o disposto no artº.1, do dec.lei 495/88, de 30/12, as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta, quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (cfr.artºs.483, nº.2, e 486, ambos do C.S.Comerciais).
II - O regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), importa denotar que se encontra, na sua totalidade, sujeito às regras comunitárias, designadamente, às normas relativas aos auxílios de Estado. O mesmo regime configura-se, em termos comunitários, além do mais, como um auxílio de Estado, na acepção do artº.87, nº.1, do anterior Tratado CE, devendo qualificar-se como um regime fiscal preferencial, em virtude do estatuto de ultraperifericidade da Região Autónoma da Madeira no contexto comunitário, mais impendendo sobre as instituições comunitárias um dever jurídico de discriminação positiva, conforme estatuía o artº.299, nº.2, do mesmo Tratado CE.
III - Como resulta do artº.34, nº.5, do E.B.F., na redacção em vigor no ano de 2007, os rendimentos das SGPS são tributados em I.R.C. nos termos referidos no n.º 1 do mesmo preceito. Não prevê o legislador, e a letra da norma não permite outra interpretação (cfr.artº.9, nº.2, do C.Civil), a aplicação às mesmas sociedades dos critérios limitativos do benefício fiscal consagrados no nº.3. Por outras palavras, as SGPS não estão sujeitas aos "plafonds" máximos de matéria colectável associados aos números de postos de trabalho gerados com o desenvolvimento da sua actividade/objecto social. Recorde-se que a natureza das SGPS não é, obviamente, compatível com a exigência da criação de postos de trabalho, tal como este requisito se encontra legalmente previsto relativamente às demais entidades previstas na norma sob exegese.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA00071211
Nº do Documento:SA220210713089/12
Data de Entrada:11/15/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Recorrido 1:A............ GESTE, SGPS, S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:EBF ART34 N1 N3
Legislação Comunitária:TRATADO CE ART87 N1 ART299 N2
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Funchal, constante a fls.393 a 416 do processo físico, a qual julgou parcialmente procedente a presente impugnação intentada pela sociedade impugnante, "A………… Geste, SGPS, S.A.", tendo por objecto a liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2007 e no valor total de € 7.418.959,56, já incluindo juros compensatórios.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.432 a 435 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões (numeração nossa):
1-A douta sentença julgou procedente o pedido de anulação da liquidação na parte em que não aceitou como aplicável a toda a matéria colectável da impugnante a taxa reduzida de IRC (3%), em violação do disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais, condenando a Autoridade Tributária na emissão de uma nova liquidação que aplique a referida taxa;
2-Ora, considerou o Tribunal que, nos termos da previsão do nº5 do artigo 34º do EBF, tal como vigorava na data dos factos, que remetia a tributação das SGPS em IRC nos termos do nº1 do referido artigo à taxa reduzida de 3%: “Não se prevê, na literalidade da norma, a aplicação às mesmas do disposto no nº 3. Isto é, as SGPS não estão sujeitas aos plafonds máximos de matéria colectável, os quais estão associados aos nºs de postos de trabalho gerados na ZFM ou relacionados com atividades realizadas na ZFM.”;
3-A Fazenda Pública não se conforma com a presente decisão, por discordar da interpretação acima referida;
4-Entendemos que, à semelhança de qualquer outra entidade licenciada e a operar na Zona Franca da Madeira, que usufrua do benefício de redução de taxa da tributação de IRC, nos termos do artigo 34º do EBF, também às SGPS se terão que aplicar as limitações dispostas no nº3 do mesmo artigo, em virtude de o benefício exigir a criação de postos de trabalho proporcionais ao lucro tributável com benefício fiscal;
5-Nesse sentido, deverá manter-se a liquidação adicional de IRC também na parte em que considerou como não aplicável a toda a matéria colectável da Impugnante a taxa reduzida, por se entender que à mesma deverá ser aplicável não só a norma do nº1 do artigo 34º do EBF, assim como, também, o nº3 do mesmo artigo.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.451 a 453 do processo físico).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.454 e 458 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.395-verso a 404 do processo físico):
1-A Impugnante é uma sociedade gestora de participações sociais (doravante SGPS), constituída em 22/12/2005, tendo como objeto social a atividade de gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas – cfr. Relatório de Inspeção Tributária (adiante RIT) constante do Processo Administrativo Tributário (adiante “PA”) e junto com a PI como documento n.º 4;
2-À data dos factos, a Impugnante tinha sede social no Funchal, exercendo no âmbito institucional da Zona Franca da Madeira – cfr. RIT;
3-A sociedade é detida integralmente pela A………… Holding, SGPS S.A. – cfr. RIT;
4-O quadro de pessoal da sociedade é composto por dois funcionários – cfr. RIT;
5-A inserção da Impugnante no regime especial da Zona Franca da Madeira advém do Despacho proferido pelo Senhor Secretário Regional do Plano e Finanças, a 28 de Novembro de 2005, com emissão a 29 de Novembro de 2005 pela “S.D.M. – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A.” (SDM) e titulado com a licença de exercício de atividade no Centro Internacional de Negócios da Madeira, sob o n.º ……, na qual se prevê como objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas - cfr. documento junto pela Impugnante no âmbito do PA., não contestado;
6-A Impugnante encontrava-se coletada em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), no Serviço de Finanças do Funchal 1 (2810), beneficiando do regime de redução de taxa de IRC até 31 de dezembro de 2011, nos termos definidos no art.º 34.º (Regime especial aplicável às entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira a partir de 1 de janeiro de 2003) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) – cfr. RIT;
7-Por despacho de 08/04/2011 o Diretor de Serviços da Inspeção Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira selecionou a Impugnante para inspeção – cfr. RIT;
8-A inspeção foi realizada pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições de Crédito da Direção de Serviços de Inspeção Tributária (“DSIT”) – cfr. RIT;
9-A ação inspetiva teve início no dia 12/05/2011 – cfr. RIT;
10-Em 21 de julho de 2011, notificada para juntar documentos de suporte para o lançamento de € 2.900,00 registado na conta 622193 – Fornecimentos e Serviços Externos – Outras rendas e alugueres, a Impugnante juntou dois recibos de renda:

[Imagem]


11-Tendo elaborado Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, nesse projeto a DSIT propôs uma correção à matéria coletável do referido exercício no montante de EUR 31.438.250,84, com base:
- Na circunstância de a importância registada na conta 622193 – Fornecimentos e Serviços Externos – Outras rendas e alugueres” configurar uma despesa não devidamente documentada, não se mostrando indispensável para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, no valor de € 2.900,00;
- Na perda do benefício fiscal de redução de taxa de IRC previsto no artigo 34.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante designado apenas por EBF) vigente à data dos factos, aplicável às entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira a partir de 1 de Janeiro de 2003 e consequente transferência dos rendimentos para o regime geral, por entender que o contribuinte não demonstrou a verificação dos pressupostos do benefício fiscal respetivo e não cumpriu com as obrigações impostas aos titulares do direito ao benefício;
12-Em 13/09/2011, a Impugnante foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária – facto não contestado;
13-Em sede de Direito de Audição, a Impugnante contestou o Projeto de Relatório e juntou, como elementos adicionais, vários documentos, que classificou da seguinte forma:
a. Licença de exercício de atividade no Centro Internacional de Negócios da Madeira emitido à Impugnante pela S.D.M. – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A., datada de 29/11/2005 – Documento n.º 1 do Direito de Audição – cfr. fls. 193 e ss PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
b. Declaração de início de atividade apresentado a 01/03/2006 pela Impugnante junto do competente Serviço de Finanças - Documento n.º 2 do Direito de Audição – cfr. fls. 194 PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
c. Cópia da ata da qual consta deliberação da participada B…………, Limited, de 28/12/2007, para proceder à distribuição de Dividendos no montante de € 31.400.000,00 –. Documento n.º 3 do Direito de Audição – cfr. fls. 197 PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
d. Documento comprovativo da saída do referido montante da conta da B………… – Documento n.º 4 do Direito de Audição – cfr. fls. 220 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
e. Documento comprovativo da entrada dos mencionados dividendos na contabilidade da Impugnante através de movimento a crédito registado na conta 411100 no Balancete Analítico desta sociedade a 31 de Dezembro de 2007, bem como extrato da conta da A………… Geste à mesma data - Documento n.º 5 do Direito de Audição – cfr. PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
f. Contas dos exercícios de 2006 e 2007 da Impugnante, assim como Anexo às demonstrações financeiras de 2006 e 2007, que demonstram a variação patrimonial positiva na Impugnante decorrente do reconhecimento dos resultados da participada B…………, € 46.968,00 - Documento n.º 6, 7 e 8 do Direito de Audição – cfr. PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
14-Ainda em sede de Direito de Audição, a Impugnante alegou que aquele valor tinha sido acrescido às contas através do Método de Equivalência Patrimonial mas que, por lapso, o referido valor não tinha sido expurgado do lucro tributável, aquando da apresentação da Declaração Periódica de Remunerações, motivo pelo qual requereu que à DSIT que procedesse à correção do lucro tributável a seu favor – cfr. fls. 180 PA;
15-A Impugnante apresentou também a identificação do senhorio do escritório arrendado, referente ao arrendamento do escritório sito no prédio da Rua ………, n.º ……, ……, como C…………, NIF ……… com domicílio na Rua da ………, n.º ……, 9000-…… Funchal, Madeira – cfr. fls. 175 PA;
16-Em 07/10/2011 foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária, do qual consta, designadamente, o seguinte:

[Imagem]

17-Por ofício n.º 3841 de 07/10/2011, a Impugnante foi notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária – cfr. doc. de fls. 341 do PA apenso;
18-Em 30/11/2011 a Impugnante foi notificada da Liquidação de IRC n.º 2011 8310025920 de 24/10/2011, referente ao exercício fiscal de 2007, acrescida dos respetivos juros compensatórios, respeitante ao exercício fiscal de 2007, emitidas pelo Serviço de Finanças do Funchal-1 – cfr. doc. 1 junto à PI;
Mais se provou:
19-Em 2007, a Impugnante recebeu € 31.400.000,00 (trinta e um milhões e quatrocentos mil euros), a título de dividendos da sociedade participada B…………, Limited – cfr. RIT;
20-Em 2007, a Impugnante registou um ganho de € 46.968,00 referente à sociedade participada B …………, Limited – cfr. RIT;
21-O resultado da participada B…………, Limited, foi registada nas contas da Impugnante na conta Ganhos (conta 7948 – Proveitos e Ganhos Extraordinários – Ganhos em Imobilizações – outros) – cfr. RIT;
22-Esse ganho foi registado no âmbito do método de equivalência patrimonial, nos seguintes termos:

[Imagem]
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não resultaram provados outros factos com relevo para a decisão. Sendo que, não há que relevar na matéria de facto assente conclusões de direito que eventualmente possam resultar dos documentos juntos pela Impugnante…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos, do processo administrativo constam, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu:
a) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação com base na incompetência da DSIT, por ser esta entidade competente para a inspecção realizada;
b) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação na parte em que não aceitou como custo dedutível o montante de € 2.900,00, respeitante ao arrendamento de escritório sito no Funchal, nos termos do disposto no artº.23, do C.I.R.C.;
c) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação na parte em que não aceitou a dedução dos valores, alegadamente incorridos, em resultado da aplicação do método de equivalência patrimonial;
d) Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação na parte em que não aceitou como aplicável a toda a matéria colectável da sociedade impugnante a taxa reduzida (3%) de I.R.C., em violação do disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais, mais condenando a Autoridade Tributária na emissão de liquidação que aplique esta taxa.
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que à semelhança de qualquer outra entidade licenciada e a operar na Zona Franca da Madeira, a qual usufrua do benefício de redução de taxa da tributação de I.R.C., nos termos do artº.34, do E.B.F., na versão em vigor no ano de 2007, também às SGPS se terão que aplicar as limitações dispostas no nº.3, do citado artigo, em virtude do benefício exigir a criação de postos de trabalho proporcionais ao lucro tributável. Com estes pressupostos, deverá manter-se a liquidação adicional de I.R.C., também na parte em que considerou como não aplicável a toda a matéria colectável da sociedade impugnante a taxa reduzida, por se entender que à mesma deverá ser aplicável o regime previsto no artº.34, nºs.1 e 3, do E.B.F., "ex vi" do nº.5, do mesmo preceito (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Os benefícios fiscais revestem a natureza de medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr.artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7).
Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do E.B.F. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.954/13.7BEPRT; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Por último, deve lembrar-se que as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva, tudo em virtude do protagonismo que o princípio da legalidade, na sua vertente da tipicidade tributária, assume neste âmbito (cfr.artº.103, nº.2, da C.R.Portuguesa; artº.10, do E.B.F.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 23/06/2021, rec.907/14.8BEVIS; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, começamos por abordar o regime das "Sociedades Gestoras de Participações Sociais" aprovado pelo dec.lei 495/88, de 30/12 (com alterações introduzidas pelo dec.lei 318/94, de 24/12, pelo dec.lei 378/98, de 27/11, e pelo dec.lei 109-B/2001, de 27/12).
Segundo o disposto no artº.1, do diploma identificado no parágrafo antecedente as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta, quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (cfr.artºs.483, nº.2, e 486, ambos do C.S.Comerciais; ac.S.T.A-2ª.Secção, 3/06/2020, rec.401/13.4BEVIS; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição, Almedina, Março de 2007, pág.391 e seg.; António Meneses Cordeiro e Outros, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª. Edição, Almedina, 2020, pág.1560, em anotação ao artº.482).
O legislador fiscal não assumiu, em concreto, uma definição específica de grupo de sociedades, embora preveja (cfr.artº.63, nºs.2 e 3, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2007) a concretização do perímetro de consolidação ao critério da sociedade-dominante deter o domínio total do capital social das demais sociedades integradas no grupo, na previsão do denominado grupo de domínio total, igualmente consagrado nos artºs.488 a 491, do C.S.Comerciais.
Avancemos para o exame das especificidades do regime das SGPS quando estão em causa sociedades licenciadas para operar no Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM). O regime do CINM, importa denotar que se encontra, na sua totalidade, sujeito às regras comunitárias, designadamente, às normas relativas aos auxílios de Estado. É que o regime do CINM se deve configurar, em termos comunitários, além do mais, como um auxílio de Estado, na acepção do artº.87, nº.1, do anterior Tratado CE, mais se qualificando como um regime fiscal preferencial, em virtude do estatuto de ultraperifericidade da Região Autónoma da Madeira no contexto comunitário, assim impendendo sobre as instituições comunitárias um dever jurídico de discriminação positiva, conforme estatuía o artº.299, nº.2, do mesmo Tratado CE (cfr.Clotilde Celorico Palma, Algumas reflexões sobre o novo regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, nº.1, Primavera 2008, pág.129 e seg.).
Quanto às SGPS licenciadas no CINM a partir de 1 de Janeiro de 2003 ao abrigo do regime aprovado pelo dec.lei 163/2003, de 24/07 (vulgarmente designado como Regime II), aplica-se o disposto no artº.33, nº.5, do E.B.F. (cfr.artº.34, nº.5, do mesmo diploma, na redacção em vigor no ano de 2007). De acordo com esta disposição legal, os rendimentos das SGPS licenciadas a partir de 1 de Janeiro de 2003 e até 31 de Dezembro de 2006, obtidos nas zonas francas portuguesas ou no território de países não membros da Comunidade Europeia, são tributados em I.R.C. às taxas de 1%, nos anos 2003 e 2004, de 2%, nos anos 2005 e 2006, e de 3% no ano de 2007 e seguintes (cfr.Clotilde Celorico Palma, Regime Fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais licenciadas no Centro Internacional de Negócios da Madeira - Aspectos fundamentais, in Revista Fisco, nº.113/114, Abril de 2004, pág.63 e seg.).
É ponto assente neste processo que a sociedade impugnante e ora recorrida está sujeita ao identificado Regime II, dado ter sido inserida/incluída no regime fiscal preferencial do CINM em 2005 (cfr.nº.5 do probatório supra).
No âmbito deste regime, previa o citado artº.34, do E.F.B. (na redacção resultante da Lei 107-B/2003, de 31/12, e em vigor no ano de 2007):
1 - Os rendimentos das entidades licenciadas a partir de 1 de Janeiro de 2003 e até 31 de Dezembro de 2006 para o exercício de actividades industriais, comerciais, de transportes marítimos e de outros serviços não excluídos do presente regime que observem os respectivos condicionalismos previstos no n.º 1 do artigo 33.º são tributados em IRC, até 31 de Dezembro de 2011, nos seguintes termos:
(…)
c) Nos anos de 2007 a 2011, à taxa de 3%.
2 - As entidades referidas no número anterior que pretendam beneficiar do presente regime deverão observar um dos seguintes tipos de requisitos:
a) Criação de um até cinco postos de trabalho nos seis primeiros meses de actividade e realização de um investimento mínimo de € 75000 na aquisição de activos fixos, corpóreos ou incorpóreos, nos dois primeiros anos de actividade;
b) Criação de seis ou mais postos de trabalho nos primeiros seis meses de actividade.
3 - As entidades referidas nos números anteriores ficarão sujeitas à limitação do benefício a conceder através da aplicação de plafonds máximos à matéria colectável objecto do benefício fiscal em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, nos termos seguintes:
a) Criação de 1 até 2 postos de trabalho - € 1500000;
(…)
5 - Os rendimentos das sociedades gestoras de participações sociais licenciadas a partir de 1 de Janeiro de 2003 e até 31 de Dezembro de 2006 são tributados em IRC nos termos referidos no n.º 1, salvo os obtidos no território português, exceptuadas as zonas francas, ou em outros Estados membros da Comunidade Europeia, que são tributados nos termos gerais.
(…).
Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Como resulta do nº.5, do preceito sob exegese, os rendimentos das SGPS são tributados em I.R.C. nos termos referidos no n.º 1. Não prevê o legislador, e a letra do preceito não permite outra interpretação (cfr.artº.9, nº.2, do C.Civil), a aplicação às mesmas dos critérios limitativos do benefício fiscal consagrados no nº.3. Por outras palavras, as SGPS não estão sujeitas aos "plafonds" máximos de matéria colectável associados aos números de postos de trabalho gerados com o desenvolvimento da sua actividade/objecto social. E recorde-se que a natureza das SGPS, supra examinada, não é, obviamente, compatível com a exigência da criação de postos de trabalho, tal como este requisito se encontra legalmente previsto relativamente às demais entidades (cfr.Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição, Almedina, Março de 2007, pág.594; Clotilde Celorico Palma, Algumas reflexões sobre o novo regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, nº.1, Primavera 2008, pág.142).
Com estes pressupostos, este Tribunal confirma a sentença recorrida que decidiu no mesmo sentido, considerando ilegal a posição da A. Fiscal quando concluiu pela sujeição do lucro tributável da sociedade impugnante/recorrida que excedesse € 1.500.000,00 (excesso de € 29.938.250,84) ao regime geral de tributação de I.R.C., à taxa de 25%, com o fundamento de que o benefício previsto no artº.34, nº.5, do E.B.F., para as SGPS, também se encontrava condicionado à exigência de criação de postos de trabalho prevista no número 3 da norma (cfr.nº.16 do probatório).
De resto, esta interpretação da norma foi reconhecida pela própria A. Fiscal como a mais correcta em requerimento que juntou ao processo, levando em consideração a identificada natureza das SGPS (cfr.nº.23 do probatório supra).
Por último, acompanha-se a jurisprudência anterior deste Tribunal e Secção quanto a considerarem-se verificados, no caso concreto, os requisitos de "menor complexidade" a que alude o artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais, não merecendo também censura a conduta processual das partes, razão pela qual se decide dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas, mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
X
Registe.
Notifique.
Requerimento junto a fls.462 do processo físico: passe e entregue a certidão pedida.
D.N.
X
Lisboa, 13 de Julho de 2021

Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Paulo José Rodrigues Antunes e Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.
Joaquim Manuel Charneca Condesso