Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0881/08
Data do Acordão:04/22/2009
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:FERNANDA XAVIER
Descritores:CONCURSO
DIRECTOR DE SERVIÇOS
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE E TRANSPARÊNCIA
Sumário:I- As disposições atinentes à publicitação e objectividade dos actos de selecção no âmbito dos procedimentos concursais do funcionalismo público visam assegurar a transparência e a imparcialidade da actuação administrativa, de molde a cumprir os princípios enunciados no n.º 2 do art.º 266 da CRP e também no art.º 5º e 6.º do CPA.
II- A violação dos referidos princípios não está dependente da prova de concretas actuações parciais, bastando que haja o perigo de que tal possa acontecer.
III- Não existe esse perigo se à data em que teve lugar a reunião do júri para fixação dos critérios de avaliação, nos termos do artº 27º, nº1 g) do DL 204/98, de 11.07 e do artº10º, nº1 d) da Lei nº49/99, de 22.06, ainda não tinha sido apresentada qualquer candidatura.
Nº Convencional:JSTA000P10362
Nº do Documento:SA1200904220881
Recorrente:A...
Recorrido 1:SEA DO MINECON
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I- RELATÓRIO
A…, com os sinais dos autos, interpõe recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido a fls. 173 e segs., que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho de 28.08.2000 do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, que homologou a lista de classificação final de Serviços de Qualidade do quadro de pessoal dirigente da Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia.
Termina as suas alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
a) O douto acórdão recorrido nega provimento ao recurso contencioso de anulação interposto do despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia de 28 de Agosto de 2000 que homologou a lista de classificação final do concurso público para provimento do cargo de Director de Serviços de Qualidade do quadro do pessoal dirigente da Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia, aberto por aviso nº5858, publicado na II Série do DR nº77 de 31 de Março de 2000.
b) No entanto, tal acto administrativo que constitui o objecto do recurso contencioso, encontra-se viciado por violação de lei, a saber artº5º do Decreto Lei nº204/98, de 11 de Julho, mormente alínea b), o seu artº 27º, artº19º e alínea d) do nº1 do artº10º da Lei nº 49/99, de 22 de Junho.
c) Ofende outrossim o princípio da imparcialidade e transparência procedimental e de boa fé – nº2 do artº266º da Constituição e artº5º e 6º-A do Código do Procedimento Administrativo.
d) Este acto apropria-se das descritas ilegalidades praticadas no procedimento que lhe foi prévio, em resultado do que padece rigorosamente dos mesmos vícios.
e) Ao decidir da forma que decidiu, desconsiderando tais ilegalidades, o Tribunal a quo decidiu com erro de interpretação e aplicação da lei, razão pela qual deve ser revogado e substituído por decisão que anule o acto administrativo objecto do recurso contencioso.
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Não houve contra-alegações.
O Digno PGA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, por considerar que «não se verificou o vício de forma, uma vez que o júri na altura da 1ª reunião ainda não conhecia a identidade dos candidatos».
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II- OS FACTOS
O acórdão recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
a) Em 31.03.2000, foi publicado no Diário da República II Série, nº77, o Aviso nº5858, que publicitou a abertura de um concurso para Director de Serviços de Qualidade do quadro de pessoal dirigente da Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia.
b) O recorrente foi opositor a tal concurso.
c) Do ponto 9.5 do Aviso de Abertura consta o seguinte:
Os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de selecção, bem como o sistema de classificação final, concluindo a respectiva fórmula classificativa, constam de actas das reuniões do júri do concurso, sendo as mesmas facultadas aos candidatos sempre que solicitadas».
d) Em 26.05.2000, o requerente requereu ao Sr. Presidente do Júri, entretanto nomeado, cópias das mencionadas actas.
e) Na posse destas actas, o requerente verificou que a acta da primeira reunião do Júri, realizada em 07.04.2000, da qual constam os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de selecção, bem como o sistema de classificação final, incluindo a respectiva fórmula classificativa, é posterior à publicação do mencionado Aviso de Abertura.
f) No exercício do direito de participação procedimental garantido pelos artº 14º do DL 231/97, de 3 de Setembro e 100º e sgs. do Código de Procedimento Administrativo, a ora recorrente expôs a situação ao júri e requereu a anulação do concurso.
g) No dia 18.09.2000, a recorrente foi notificada da lista de classificação final do respectivo concurso público, bem como do despacho homologatório desta mesma lista, proferido pelo Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministério da Economia.
h) Do segundo parágrafo de tal notificação constava que “a referida lista foi homologada por despacho de 28.06.2000, do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministério da Economia, dela cabendo recurso hierárquico com efeito suspensivo, a interpor no prazo de dez dias úteis para o membro do Governo competente, de acordo com o nº2 do artº43º do DL 204/98, de 11 de Julho”.
i) Inconformado com este acto administrativo, o recorrente interpôs recurso hierárquico necessário para o Sr. Ministro da Economia.
j) Este recurso hierárquico foi objecto de um parecer de uma assessora jurídica da autoridade recorrida que concluiu dever o recurso ser recorrida, que concluiu dever o recurso ser rejeitado, nos termos do artº 173º, alínea b) do CPA.
k) Sobre tal parecer, a autoridade recorrida, em 02.02.01, emitiu um despacho de concordância que foi notificado ao recorrente em 14.02.01.
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Ao abrigo do artº712º nº1 a) do CPC, adita-se o seguinte facto à matéria provada, com interesse para a decisão:
l) As candidaturas ao referido concurso foram apresentadas, entre 10.04.2000 e 17.04.2000 (cf. nº3, a), iii) da acta nº6, junta a fls. 124 e segs., cujo teor aqui se dá por reproduzido).
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III- O DIREITO
1. O presente recurso contencioso tem como fundamento uma alegada violação, no procedimento concursal aqui em causa, do artº5º, nº2, alínea b) do DL 204/98, de 11.07 e, nessa medida, dos princípios da transparência, da imparcialidade e da isenção que o citado preceito pretende garantir, a qual afectaria de ilegalidade o acto impugnado, isto porque, segundo o recorrente, os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de selecção, bem como o sistema de classificação final do concurso aqui em causa, foram fixados pelo júri já após publicação do aviso de abertura do concurso e, portanto, no entender do recorrente, após o júri ter, ou poder ter, acesso às candidaturas (vide petição inicial e conclusões das alegações de recurso contencioso apresentadas no tribunal a quo, a fls.147/149 dos autos).
O acórdão recorrido negou provimento ao recurso contencioso, acolhendo a posição da entidade recorrida, também sustentada pelo contra-interessado e pelo MP junto do tribunal a quo, porque, em síntese, «(…) no caso concreto, do Aviso de Abertura constavam os elementos referidos nas alíneas c) e g) do nº1 do artº27º do Dec. Lei nº204/98, de 11 de Julho, bem como a indicação de que os critérios de avaliação a fixar pelo júri constariam das Actas das suas reuniões. E resulta dos autos que o júri só teve acesso às candidaturas após a elaboração da Acta nº1, que data de 07.04.2000 (cfr. Doc. Nº3); no momento de fixação dos critérios de avaliação, ainda nenhuma candidatura tinha sido apresentada na Direcção Geral do Norte do Ministério da Economia, como se comprova pelo teor da Acta nº6, junta aos autos a fls.124 e seguintes.
Não houve, portanto, violação da al. b) do artº5º do DL nº208/98, de 11 de Julho, ou de quaisquer regras do procedimento concursal».
2. Ora, nas alegações do presente recurso jurisdicional, o recorrente reitera o que já havia alegado no tribunal a quo, acrescentando que mesmo que se entenda que o júri só teve conhecimento das candidaturas na reunião que consta da acta nº6, mesmo assim há muito havia transcorrido o prazo para a formalização de candidaturas dos diversos interessados.
E conclui que o acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação da lei.
Invoca ainda ex novo na conclusão b) das alegações de recurso, também violação, pelo acto impugnado, do princípio da boa fé contido no artº6ºA do CPA. Mas sendo essa uma questão nova, pois não foi invocada no tribunal a quo e não sendo de conhecimento oficioso, está subtraída à apreciação deste tribunal de recurso.
O digno PGA, neste STA, pronunciou-se pelo improvimento do recurso, em concordância com o acórdão recorrido.
Vejamos, então, se ocorre o apontado erro de julgamento:
3. O concurso aqui em causa, como consta do ponto 1 do respectivo aviso de abertura publicado no DR nº77 de 31.03.2000 e junto a fls.14 dos autos, destinava-se a recrutamento para o cargo de Director de Serviços de Qualidade do quadro de pessoal da Direcção Regional do Ministério da Economia, regendo-se, de acordo com o ponto 3 do referido aviso de abertura de concurso, pela Lei nº 49/99 de 22. 06 e pelo DL 204/98, de 03.09.
A Lei 49/99, de 22.06, estabelecia, à data, o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central e local do Estado e da administração regional, bem como, com as necessárias adaptações, dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos.
O DL 204/98, de 03.09 regulava o concurso como forma de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública.
O artº5º, nº2 b) do DL 204/98 impõe, para garantia dos princípios a que obedece o concurso, previstos no seu nº1 (princípios da liberdade de candidatura, de igualdade de condições e de igualdade de oportunidades de todos os candidatos), «A divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final».
Essa divulgação (dos métodos de selecção, do programa das provas de conhecimento, se for caso e do sistema de classificação final), é feita no aviso de abertura do concurso e com os elementos que a lei que o regula determina, como se vê do artº10º, nº1 c) da Lei 49/99 e do artº27º, nº1 f) do citado DL 204/98.
Deve ainda constar do aviso de abertura do concurso, a «Indicação de que os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de selecção, bem como o sistema de classificação final, incluindo a respectiva fórmula classificativa, constam de actas de reuniões do júri do concurso, sendo a mesma facultada aos candidatos sempre que solicitada.» (cf. artº10º, nº1 d) da Lei 49/99, artº27º, nº1 g) do DL 204/98).
4. Ora, como se vê do aviso de abertura do concurso aqui em causa, publicado no DR nº 77, de 31.03.2000 e junto a fls. 14 dos autos, em observância das supra referidas disposições legais do DL 204/98 e da Lei 49/99, fez-se constar do ponto 9 desse aviso o seguinte:
«9. Os métodos de selecção a utilizar são:
a) A avaliação curricular;
b) A entrevista profissional de selecção.
9.1. Na avaliação curricular são obrigatoriamente consideradas as habilitações académicas, a formação profissional e a experiência profissional.
9.2. Na entrevista profissional de selecção o júri avaliará os candidatos de acordo com o disposto no artº23º do DL 204/98, de 11 de Julho.
9.3. Os resultados obtidos na aplicação dos métodos de selecção são classificados na escala de 0 a 20 valores. A classificação final é expressa na escala de 0 a 20 valores e resulta da média aritmética simples ou ponderada das classificações obtidas nos métodos de selecção, sendo que a entrevista profissional de selecção não pode ter um índice de ponderação superior a qualquer dos métodos de selecção.
9.4. No sistema de classificação aplica-se ainda o disposto nos nº3, 4 e 5 do artº13º da Lei nº49/99, de 22 de Junho.
9.5. Os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de selecção, bem como o sistema de classificação final, incluindo a respectiva fórmula classificativa, constam de actas das reuniões do júri do concurso, sendo as mesmas facultadas aos candidatos sempre que solicitadas.»
Provou-se também que a acta de reunião do júri para fixação dos critérios a que se alude no ponto 9.5 do aviso de abertura de concurso, teve lugar em 07.04.2000 e que as candidaturas ao concurso só foram apresentadas entre 10.04.2000 e 17.04.2000, portanto, já após a fixação dos critérios de avaliação.
5. Não obstante, o recorrente continua a defender que havia o risco de o júri poder ter acesso às candidaturas.
Mas não tem razão.
É, efectivamente, entendimento jurisprudencial pacífico, que as disposições atinentes à publicitação e objectividade dos actos de selecção no âmbito dos procedimentos concursais do funcionalismo público visam assegurar a isenção, a transparência e a imparcialidade da actuação administrativa, de molde a cumprir os princípios enunciados no n.º 2 do art.º 266 da CRP. O respeito por aquelas regras e destes princípios não é consentâneo com qualquer procedimento que, objectivamente, possa permitir a manipulação dos resultados de um concurso, bastando figurar a esse respeito uma lesão meramente potencial. (neste sentido, vide, entre outros, os acórdãos do Pleno da Secção Pleno de 16/11/95, AP. DR de 30/9/97, 788; de 19/12/97, Proc.° n.° 28.280, in AP DR 28-5-99,307, de 20.01.98, rec.36184, de 16.2.98, rec. 30145, de 11.2.98, rec. 32073, de 02.07.98, rec.42302 e de 21.6.00, rec. 41289, de 30.04.2003, rec. 32377 e de 12.11.03, rec. 39386. )
Ou seja, a violação dos princípios da transparência, da imparcialidade e da isenção consagrados n.º 2 do art.º 266.º da CRP, e também no art.º 5º e 6.º do CPA, não está dependente da prova de concretas actuações parciais, bastando que haja o perigo de que tal possa acontecer, independentemente de se ter produzido, em concreto, essa actuação.
Mas, obviamente, para que ocorra a violação dos citados princípios é necessário que, pelo menos, aquele risco de uma actuação parcial exista. É esse perigo que, como vimos, se pretende evitar, por poder levantar suspeita sobre a isenção e imparcialidade do júri e, assim, afectar a transparência exigida na actuação da Administração.
Ora, se não houver qualquer possibilidade de o júri do concurso ter acesso às candidaturas ou sequer à identidade dos candidatos, por, à data em que foram fixados os critérios, nenhuma candidatura ter sido ainda apresentada a concurso, não se vê como possa ocorrer violação dos citados princípios.
Nesse caso, não só não existe violação efectiva da imparcialidade e transparência exigidas, como não há sequer o perigo de o júri conhecer os curricula dos candidatos ou a sua identidade.
6. E foi, como vimos, o que aconteceu no presente caso, atento a data em que foi realizada, pelo júri, a reunião para fixação dos critérios e as datas em que foram apresentadas as diversas candidaturas e que constam da acta nº6, junta aos presentes autos pelo contra-interessado com a sua contestação, a qual não foi impugnada pelo aqui recorrente, ou arguida a sua falsidade.
Diz o recorrente que mesmo que se entenda que o júri só conheceu da lista dos candidatos na reunião a que corresponde a acta nº6, já há muito estava transcorrido o prazo para formalização de candidaturas pelos diversos interessados, com isso pretendendo fundamentar ainda a possibilidade de o júri ter acesso a essas candidaturas e, consequentemente, o risco de quebra de imparcialidade.
Só que o que releva para aferir desse risco, não é a data em que teve lugar a reunião constante da acta nº6, onde foram apreciadas as candidaturas ao concurso, mas sim, como considerou o acórdão recorrido, a da reunião constante da acta nº1, em que o júri fixou os critérios de avaliação e que teve lugar em 07.04.2000. Ora, seguramente, nesta data, não estava esgotado o prazo para a formalização de candidaturas, sendo certo que, como se provou, a primeira candidatura só foi apresentada em 10.04.2000, pelo que, como referimos, não havia, no presente caso, qualquer risco do júri do concurso poder ter acesso a candidaturas.
Com efeito, o perigo que aqui se pretende afastar é o da conformação dos critérios a fixar pelo júri com candidaturas já formalizadas e não com eventuais candidaturas de eventuais candidatos ao concurso.
Ora, sustentando o recorrente a sua pretensão de anulação do acto impugnado, apenas no facto de o júri ter podido aceder às candidaturas antes da fixação dos critérios e com isso ter violado os princípios da imparcialidade e da transparência garantidos pelas normas citadas, o que já vimos não aconteceu, a mesma terá necessariamente de improceder.
Face ao exposto, o acórdão recorrido não merece censura, improcedendo todas as conclusões das alegações do recorrente.
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IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente. Taxa de Justiça: €400 Procuradoria: €200
Lisboa, 22 de Abril de 2009. – Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) – Rosendo Dias José – Jorge Manuel Lopes de Sousa.