Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0811/19.3BEBRG
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
INSOLVÊNCIA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão quaestio juris que assume relevo jurídico e social, já que releva de dificuldade/complexidade jurídica, para além de suscetível de ser recolocada em casos futuros, e cuja dilucidação quanto aos aspetos dubitativos e no contexto apurado carece também de melhor análise/ponderação por parte deste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P28299
Nº do Documento:SA1202110070811/19
Data de Entrada:07/19/2021
Recorrente:INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP
Recorrido 1:A……………..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP [doravante R.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 23.04.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 221/234 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário] que negou provimento ao recurso e manteve a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante TAF/BRG], que havia julgado procedente a ação administrativa contra si instaurada por A………………. [doravante A.] e que anulou o ato que indeferiu o requerimento do A. de atribuição do subsídio por cessação da atividade profissional como membro de órgão estatutário.

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 255/279], na relevância jurídica e social da questão colocada, que reputa revestir de importância fundamental [respeitantes à definição do momento em que ocorre o “encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária” para efeitos da exigência prevista no n.º 1 do art. 07.º do DL n.º 12/2013, de 25.01, em conexão com a problemática das obrigações contributivas em relação à segurança social por parte das sociedades comerciais em situação de insolvência e daquilo que são os termos em que os membros dos órgãos estatutários podem aceder ao subsídio de desemprego após a declaração de insolvência] e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», fundando esta no acometido erro de julgamento em que terá incorrido o TCA/N no acórdão sob impugnação, já que lavrado com incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente nos arts. 06.º, n.º 1, al. c), 07.º, 08.º, 22.º e 30.º, n.º 2, todos do DL n.º 12/2013, 65.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [CIRE], 141.º, 146.º e 160.º todos do Código das Sociedades Comerciais [CSC], 185.º e 208.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social [CRCSPC].

3. O A. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 282/294] nas quais pugna, desde logo, pela não admissão da presente revista.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/BRG proferiu decisão julgando totalmente procedente a pretensão anulatória deduzida pelo aqui recorrido, para tal considerando que o ato impugnado enfermava do «vício de violação de lei assacado pelo Autor ao ato impugnado, violando tal ato os princípios da legalidade, da igualdade, da boa fé, da justiça e imparcialidade [cf. arts. 6.º, n.º 1, alínea f), 22.º e 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 12/2013 – [e não como por lapso de escrita consta DL «13/2003, de 21 de maio»] -; cf. arts. 3.º, n.º 1 e n.º 2, 6.º, n.º 1 e n.º 2, 8.º, 10.º, todos do Código do Procedimento Administrativo (CPA); e, cf. arts. 13.º, 266.º e 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP)]» [cfr. fls. 153/160].

7. O TCA/N negou provimento ao recurso de apelação deduzido pelo aqui ora recorrente e manteve a decisão do TAF/BRG, fundando o seu juízo, em suma, no entendimento de que «o encerramento da empresa e a cessação da atividade profissional se verificou em 14.07.2017», não relevando para o efeito a «data da assembleia de credores em que foi deliberada a liquidação do ativo da sociedade, 21.08.2017», pelo que como «a empresa encerrou e o Requerente cessou a sua atividade profissional em data anterior, em 14.07.2017, data esta em que não estava liquidada e em dívida qualquer contribuição à segurança social, por parte da empresa ou do Requerente», razão pela qual «o Autor reunia os requisitos necessários para lhe ser atribuído o subsídio por cessação da atividade profissional, ao contrário do decidido no ato impugnado».

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar preliminar e sumariamente se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assuma «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal se apresenta como «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. Tal como repetidamente tem sido afirmado constitui questão jurídica de importância fundamental aquela que, incidindo sobre direito substantivo ou adjetivo, apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental uma questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que se revistam de particular repercussão na comunidade.

11. No caso a quaestio juris em discussão nos autos e que se mostra colocada na presente revista nos termos supra explicitados, revestindo de índole substantiva, envolve e encerra dificuldades óbvias dadas as particulares exigências na e de conexão entre o variado quadro normativo posto em confronto, mostrando-se, ainda, a mesma como suscetível de recolocação/replicação em termos substancialmente idênticos num número indeterminado de casos, seja administrativamente noutros procedimentos similares, seja, também, em sede judicial, e, nessa medida, apresenta-se como relevante a pronúncia deste Supremo Tribunal para a comunidade jurídica, já que útil e necessário o aprofundamento e a devida dilucidação como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

12. Flui, assim, do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Não são devidas custas. D.N..

Lisboa, 07 de outubro de 2021. - Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.