Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01848/16.0BELRS
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
IVA
Sumário:I - A liquidação de IVA, mesmo a respeitante a retificações e liquidações oficiosas, pelos serviços competentes da autoridade tributária e aduaneira (AT), regra geral, só é legal, se for, validamente, notificada ao contribuinte, no prazo de 4 (quatro) anos, contado a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se tornou exigível o imposto, contagem esta que pode ser suspensa, apenas, nas situações, taxativamente, fixadas no art. 46.º da Lei Geral Tributária (LGT).
II - O legislador, em relação às hipóteses, com (possíveis) origens e incidências várias, de exercício do direito à dedução de IVA, não previu, em qualquer caso, restrições ao funcionamento, geral, abrangente, do instituo da caducidade do direito de liquidar tributos, pela AT, pelo que, consequentemente, só se pode entender estar a execução desta última faculdade (privativa) sujeita, em nome da legalidade, ao prazo e forma de contagem enunciados, independentemente, das vicissitudes/particularidades que possam envolver cada pedido de reembolso, de IVA, existente a crédito do sujeito passivo.
Nº Convencional:JSTA000P26989
Nº do Documento:SA22021011301848/16
Data de Entrada:07/07/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
***

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


O/A representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 11 de fevereiro de 2020, que, entre o mais, julgou totalmente procedente esta impugnação judicial, apresentada, por A………., S.A., com os demais sinais dos autos, contra ato de liquidação (corretiva) de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), respeitante ao ano de 2015 (06T), no valor de € 177.386,97.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

i. A liquidação adicional impugnada, referente ao ano de 2015 - período 2015-06T, foi emitida na sequência de procedimento inspetivo interno, que visou a análise do pedido de reembolso de IVA do período 2015-06T, no montante de € 180.000,00.

ii. Da ação de inspeção, conforme relatório final junto os autos, resultou uma correção de natureza meramente aritmética por dedução indevida de IVA, declarada no campo 20 da DP IVA do período 2010-06, no montante de € 357.506,13, inscrito na nota de débito nº 70000011, emitida por SP B…….., Lda., relativa à aquisição de um imóvel pelo valor de € 2.145.036,80.

iii. A dedução indevida do IVA, liquidado na nota de débito, foi corrigida nos termos do art. 19º do CIVA pelo facto de aquela transmissão estar isenta de IVA nos termos do nº 30 do art.º 9º do mesmo código e pelo facto de não ter sido comprovada a renúncia à isenção do IVA prevista no art.º 12º do mesmo diploma legal.

iv. Esta dedução indevida originou a decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA, no montante de € 180.000,00 e uma correção ao IVA dedutível, no valor de € 177.506,13.

v. Tendo a sentença recorrida considerado, inclusive, que, de facto, não assistia à Impugnante o direito à dedução do IVA incorrido com a aquisição do imóvel que adquiriu à sociedade B……...

vi. Se o sujeito passivo ficar, relativamente a um determinado período, numa situação de crédito de imposto, ou seja, que o montante de imposto a deduzir exceda o montante devido pelas operações tributáveis, tal excesso será deduzido nos períodos de imposto seguintes (n.º 4 do artigo 22.º do CIVA).

vii. Mas, como decorre do n.º 8 do artigo 22.º do CIVA, tais reembolsos são efetuados quando devidos, isto é, após a confirmação de que, no período a que se refere o pedido de reembolso, a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis.

viii. É que, como se salienta no preâmbulo do Despacho Normativo n.º 342/93 do Ministro das Finanças, e sem prejuízo de se acolher o princípio da verdade da declaração, em que assenta a estrutura instrumental do IVA, há que reconhecer que o crédito invocado pelos contribuintes materializado no pedido de reembolso não pode ser um mero ato de inscrever um número, ou uma determinada quantia, numa declaração, tratando-se, antes, de um direito que deve ser comprovado por parte de quem o invoca, através de elementos que possam sustentar a verdade e exigibilidade desse mesmo direito.

ix. Assim, contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, o que está em causa nos presentes autos é saber se a análise do crédito invocado pelos contribuintes na declaração periódica de imposto, ou seja, a análise dos pressupostos do direito ao reembolso, está sujeita ao prazo de caducidade do artigo 45.º da LGT.

x. Pelo que tem toda a pertinência para o caso o Acórdão do STA de 12-07-2007, Proc. 0303/07, invocado na contestação da Fazenda Pública.

xi. Sendo que se conclui em tal aresto que não há suporte jurídico para entender que a Administração Tributária estava limitada pelo prazo de caducidade do direito de liquidação, ao apreciar a existência dos pressupostos do reembolso de IVA.

xii. Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir.

xiii. A não ser assim, podia acontecer que os sujeitos passivos deixassem decorrer o prazo de caducidade de 4 anos, como aconteceu no presente caso, e só solicitarem os reembolsos após essa data, no sentido de serem ressarcidos do valor total dos mesmos, mesmo que a isso não tivesse direito.

xiv. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença, o disposto no art.º 45º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA »


*

A recorrida (rda) apresentou contra-alegação, que termina concluindo: «

a. O problema em discussão nos presentes autos reside em saber se a liquidação adicional de IVA controvertida, ainda que emitida para materializar correções efetuadas na sequência de uma ação de inspeção tributária originada por um pedido de reembolso de IVA, está ou não sujeita ao prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º da LGT.

b. O Tribunal a quo decidiu, com acerto, que estando em causa uma dedução de IVA de 2010, o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária, teve início em 1 de janeiro de 2011, tendo terminado em 1 de janeiro de 2015, motivo pelo qual, à data da emissão da liquidação adicional de IVA (12 de dezembro de 2015), já havia decorrido o prazo de caducidade.

c. Nos presentes autos não se discute se a AT está sujeita ao prazo de caducidade para indeferir um pedido de reembolso de IVA, como a Recorrente pretende, mas antes o prazo de caducidade do direito à liquidação para corrigir (a favor da AT) uma dedução indevida de imposto.

d. A decisão do Tribunal a quo foi acertada e não merece qualquer censura, tendo procedido a uma adequada interpretação e subsunção das normas aplicáveis aos factos dados como provados.

e. Como ficou devidamente demonstrado nos autos em recurso, não tendo a Recorrente posto em causa a matéria de facto dada como provada por intermédio do presente recurso, o prazo de caducidade para a liquidação adicional do imposto deduzido em 2010 iniciou a sua contagem a 1 de janeiro de 2011, terminando o período de quatro anos previsto no artigo 45.º da LGT a 1 de janeiro de 2015, inexistindo quaisquer causas de suspensão da contagem daquele prazo.

f. Ademais, e ao contrário do invocado pela Recorrente para contestar a decisão recorrida, em função da forma como a petição inicial e o objeto da impugnação estão delimitados, é evidente que o objeto dos autos de impugnação judicial que deram origem ao presente recurso consiste no ato de liquidação adicional de IVA praticado pela AT para corrigir uma dedução de IVA e em relação ao qual se invocou a caducidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 45.º da LGT.

g. Cumpre destacar que a posição defendida pela Recorrente já foi expressamente recusada por este Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 16 de dezembro de 2015 (processo n.º 0773/14), decisão na qual se consagrou o entendimento de que as liquidações adicionais, ainda que efetuadas após o indeferimento do pedido de reembolso [no caso por o sujeito passivo ter deduzido “indevidamente” imposto], estão sujeitas ao regime da caducidade do direito à liquidação, à semelhança de qualquer outro ato tributário.

h. Por todo o exposto, a decisão recorrida, ao considerar que aquando da emissão, em 19 de dezembro de 2015, da liquidação adicional de IVA n.º 2015 00015100060, já havia decorrido o prazo de quatro anos previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária, procedeu a uma correta interpretação e aplicação do direito, não merecendo qualquer censura ou reparo, devendo improceder totalmente as conclusões do recurso apresentado.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se integralmente a sentença recorrida, assim se fazendo a boa e costumada


JUSTIÇA! »

*


A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, concluindo que o presente recurso deve improceder e ser mantida a sentença recorrida nos seus precisos termos.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

A) Desde 01/01/2013, que a Impugnante A……… S.A. se encontra enquadrada em IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, inscrita com a atividade principal de “ATIVIDADES DE ENGENHARIA E TÉCNICAS AFINS”, CAE 71120 - cf. informação cadastral da impugnante a fls. 5 a 8 do PAT apenso aos autos;

B) Em 20/05/2010, a Impugnante adquiriu à sociedade B……….., Lda., a fração urbana inscrita na matriz predial sob o artigo 4579, fração ……., sito no Edifício …….., Parque …….., Avenida …….., Lote …….., 1998-…….., em Lisboa, pelo montante de € 2.145.036,80 - cf. escritura pública a fls. 37 a 40 do PAT apenso aos autos;

C) A aquisição do imóvel referido em B) foi sujeita a Imposto Municipal sobre Transações, no valor de € 139.427,39, e Imposto de Selo, no valor de € 17.160,29 - cf. fls. 26 a 28 do PAT apenso aos autos;

D) Em 20/05/2010, foi emitida pela empresa B…….., Lda. à Impugnante A………, S.A, a nota de débito n.º 70000011, no montante de € 1.787.530,67, acrescido de IVA à taxa normal de € 357.506,13, com a descrição “Venda de Imóvel ………..” - cf. nota de débito a fls. 36 do PAT apenso aos autos;

E) Em 10/08/2010, foi entregue pela Impugnante A…….., S.A., a declaração periódica do IVA n.º 102159251370, respeitante ao período de 2010/06, onde consta, no respetivo campo 20 (relativo a dedução), o valor de € 357.506,13 - cf. declaração periódica do IVA a fls. 20 do PAT apenso aos autos;

F) Em 10/08/2015, foi entregue pela Impugnante A………, S.A., a declaração periódica do IVA n.º 112108949585, respeitante ao período de 2015/06T, onde consta, no respetivo campo 61, o valor de € 434.076,93, e no campo 95 (relativo a pedido de reembolso), o valor de € 180.000,00 - cf. declaração periódica do IVA a fls. 21 do PAT apenso aos autos;

G) Na sequência do pedido de reembolso de € 180.000,00 referido em F), foi efetuada uma ação inspetiva à Impugnante, pelos serviços inspetivos da AT - cf. relatório de inspeção tributária de fls. 31 a 32 do PAT apenso aos autos;

H) Em 04/12/2015, foi elaborado o relatório da ação de inspeção referida em G), onde consta o seguinte:

“(…)


I. CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA

IMPOSTO SI VALOR ACRESCENTADO

Pelos motivos descritos nos pontos seguintes, propõe-se a correção no montante de € 357 506.13, correspondendo ao indeferimento do pedido de reembolso do período 15-06T, no montante de € 180 000,00 e a emissão de liquidação adicional no montante de € 177 506,13.


II. OBJETIVO, ÂMBITO DA AÇÃO INSPETIVA

11.1- CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A AÇÃO

A presente ação teve por base a Ordem de Serviço n.° OI201506148 de 07-08-2015 enquadrada no PNAIT 1212110501.

11.2- MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL

Esta ação visa a análise do reembolso de IVA, solicitado pelo Sujeito Passivo, na Declaração Periódica de IVA do período 15-06T, no montante de € 180.000,00 €.


III - CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

111.1- ANALISE DOS ELEMENTOS CONTABILÍSTICOS EM SEDE DE IVA

Da análise efetuada constatou-se o seguinte:

O valor do crédito de que resultou o montante de imposto solicitado, foi originado pela contabilização de nota de débito n° 70000011 emitida pela SP B…….., Lda e relativo a aquisição de um imóvel, pelo montante de 2 145 036,80 €, com imposto Incluído de 357 506,13 €.

Procurando saber as razões para a emissão da nota de débito solicitámos esclarecimentos e concluímos o seguinte:

A "A……… SA" em 2015/05/20, adquiriu um Imóvel à empresa “B……….. Lda" CN ………., pelo valor de € 2 145 036,80 de acordo com escritura notarial que nos foi remetida cópia. Tal escritura diz respeito à fração autónoma correspondente à matriz predial sob o artigo 4579, fração O, (atual artigo 559) e está localizada no Edifício ………..- Parque ……… - Avª ………, lote ……… 1998-…….. Lisboa, atual morada fiscal da sede da empresa “A……… SA".

Como prova documental deste negócio, foi também enviado:

o Liquidação em 2010/05/14 de Imposto de Selo (IS) no montante de € 17 160,29 (…);

o Liquidação em 2010/05/14 de IMT no montante de € 139 385,13 (…).

Assim poderemos concluir que se tratou de uma simples transmissão de imóvel sujeita às regras de IMT e I Selo.

Porém, inexplicavelmente na mesma data foi emitida a referida Nota de Débito pela empresa vendedora “B……… Lda” à compradora “A……… SA” no montante de € 1 787 530, 67, acrescida de IVA à taxa normal de € 357 506, 13.

O contribuinte exerceu o direito à dedução deste imposto, inscrevendo-o no respetivo campo 20 da DP referente ao período 10-06.

Procedendo à análise da situação concluímos que não o poderia ter feito pois a transmissão de imóveis está afastada da sujeição do Código do IVA, neste caso nos termos do art.º 9.º, n.º 30.

Esta isenção poderia ser objeto de renúncia, nos termos do art.º 12.º do CIVA, mas só se preenchesse as diversas condições aí previstas, nomeadamente os seus números 5 e 6, e também o Dec Lei n.º 21/2007, e simultaneamente apresentar o certificado de renúncia obtido por via eletrónica.

Tal não aconteceu, nem poderia ter acontecido uma vez que o mesmo não reunia as condições necessárias para a renúncia, nomeadamente a condição imprescindível de apresentação do respetivo certificado de renúncia.

Acresce o facto de, a ter havido renúncia, caso tal fosse possível, ficando a transmissão sujeita a IVA, a competência para a liquidação do respetivo imposto cabe ao adquirente, inscrevendo o valor tributável no campo 3 e a liquidação do mesmo no campo 4.

(…)”

- cf. relatório da ação inspetiva de fls. 31 a 32 do PAT apenso aos autos;

I) Em 04/12/2015, pelo Chefe de Equipa da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, foi proferido parecer de concordância com o relatório da ação inspetiva referido em H) - cf. parecer a fls. 30 do PAT apenso aos autos;

J) Em 04/12/2015, foi proferido, pelo Chefe de Divisão da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, despacho de concordância com o relatório referido em H) e com o parecer referido em I) - cf. despacho a fls. 30 do PAT apenso aos autos;

K) A Impugnante não solicitou renúncia à isenção do IVA, relativamente à aquisição referida em B), não tendo sido emitido qualquer certificado de renúncia - facto não controvertido;

L) Em 19/12/2015, foi emitida, em nome da Impugnante A………, S.A., a demonstração de liquidação do IVA n.º 2015 00015100060, respeitante ao período 201506T, da qual consta a importância a pagar de € 177.386,97, e a seguinte fundamentação: “liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária” - cf. documento 1 junto com a petição inicial. »


***

A rte imputa, em exclusivo (Apesar de terem sido conhecidos outros vícios assacados, pela impugnante, ao ato de liquidação, todos foram desatendidos, por não verificados.), erro de julgamento, à forma como, na sentença recorrida, se apreciou e decidiu a invocada, pela impugnante, caducidade do direito à liquidação (de IVA). Em síntese, aí, foi defendido que o direito de liquidar o imposto em causa tinha de ter sido exercido no período de 4 anos - art. 45.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), a contar de 1 de janeiro de 2011, pelo que, aquando da emissão da liquidação impugnada, em 19 de dezembro de 2015, o prazo disponível já havia decorrido. Entre o mais, com relevo, expendeu-se: «

Note-se que não está em causa saber se a AT pode indeferir um pedido de reembolso de IVA, com fundamento numa irregularidade ocorrida em 2010. Não foi invocada, pela impugnante, a caducidade do ato de indeferimento do pedido de reembolso da quantia de € 180.000, por si indevidamente efetuado, conforme supra explanado, mas tão só a caducidade do ato de liquidação adicional identificado na alínea L) do probatório, cuja anulação é peticionada pela Impugnante. »

Na ótica da rte, contrariamente a isto, “…, o que está em causa nos presentes autos é saber se a análise do crédito invocado pelos contribuintes na declaração periódica de imposto, ou seja, a análise dos pressupostos do direito ao reembolso, está sujeita ao prazo de caducidade do artigo 45.º da LGT.” - conclusão ix.. Formula esta afirmação, no seguimento das referências a que, a liquidação adicional impugnada, referente ao ano de 2015 - período 2015-06T, foi emitida na sequência de procedimento inspetivo interno, que visou a análise do pedido de reembolso de IVA do período 2015-06T, no montante de € 180.000,00, inspeção da qual resultou uma correção, de natureza meramente aritmética, por dedução indevida do IVA, mencionado no campo 20, da declaração periódica de IVA, do período 2010-06, no montante de € 357.506,13, inscrito na nota de débito nº 70000011 …, tendo tal dedução indevida originado a decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA, no montante de € 180.000,00 e uma correção ao IVA dedutível, no valor de € 177.506,13.

Nos termos do art. 94.º n.ºs 1 e 2 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) (Redação vigente em 1 de janeiro de 2015 - Lei n.º 82-B/2014 de 31 de dezembro.), com a epígrafe “Caducidade”, só pode ser liquidado imposto (IVA) nos prazos e nos termos dos arts. 45.º e 46.º da LGT, sendo que, até ao final desses prazos, as retificações e tributações oficiosas podem ser integradas ou modificadas com base no conhecimento ulterior de novos elementos, nas condições fixadas por lei. Outrossim, o art. 22.º do mesmo código, fixa várias regras, prazos … sobre o exercício do direito à dedução do IVA, o qual consubstancia o mecanismo, angular, para o apuramento, pelo sujeito passivo (autoliquidação), regular, do imposto devido, nos termos do art. 19.º, ainda, do CIVA.

Entre as regras daquele art. 22.º, cumpre destacar que:

- o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível;

- efetua-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período;

- deve ser formalizado na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas…;

- sempre que a dedução supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes, sendo que, passados 12 meses do período em que começou a haver excesso, se persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a € 250,00, este pode solicitar o respetivo reembolso;

- os reembolsos de IVA, quando devidos, devem ser efetuados, pela autoridade tributária e aduaneira (AT), em regra, até ao fim do 2.º mês seguinte ao da apresentação do pedido.

Deste conjunto de regras, decorre, impressivo, em primeira linha, que a liquidação de IVA, mesmo a respeitante a retificações e liquidações oficiosas (Que se suportam, por princípio, em conhecimento supervenientes de, relevantes, elementos novos.), pelos serviços competentes da AT, regra geral, só é legal, se for, validamente, notificada ao contribuinte, no prazo de 4 (quatro) anos, contado a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se tornou exigível o imposto, contagem esta que pode ser suspensa, apenas, nas situações, taxativamente, fixadas no art. 46.º da LGT. Assim, julgamos, desde já, necessário, afirmar que o legislador, em relação às hipóteses, com (possíveis) origens e incidências várias, de exercício do direito à dedução de IVA, não previu, em qualquer caso, restrições ao funcionamento, geral, abrangente, do instituo da caducidade do direito de liquidar tributos, pela AT, pelo que, consequentemente, só se pode entender estar a execução desta última faculdade (privativa) sujeita, em nome da legalidade, ao prazo e forma de contagem acima enunciados, independentemente, das vicissitudes/particularidades que possam envolver cada pedido de reembolso, de IVA, existente a crédito do sujeito passivo.

É que, não podemos olvidar as determinantes/exigências decorrentes de a caducidade (ou perenção) ter por objeto direitos potestativos, poderes ou faculdades de constituir ou anular uma situação jurídica subjetiva, que encontra a sua razão de ser no facto, objetivo, da falta de exercício do direito no prazo pré-estabelecido. Por isto, este instituto é justificado por razões de ser assegurada a certeza dos direitos e das relações jurídicas, bem como, de interesse público da paz familiar e segurança social da circulação e interesse da brevidade das relações jurídicas, pelo que, a respetiva relevância/entrada em ação está, apenas, dependente do decurso do tempo, fixado na lei (Ver, A caducidade face ao direito tributário - Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, Vislis, Joaquim Gonçalves, pág. 227 segs.). Deste modo, temos de assumir e dirimir as casuísticas situações, sempre, orientados pela ideia de que a caducidade (de direitos/poderes/faculdades) atua, liga-se ao campo da subjetividade jurídica, no sentido de regular, disciplinar, as relações entre sujeitos (entidades/indivíduos) das diversas relações, em particular, jurídico-tributárias. Por outras palavras, o instituto da caducidade pretende assegurar que, correndo (ou não) determinado período de tempo, o sujeito titular de um direito não pode (ou pode) exercê-lo contra, visando a esfera jurídica (económica, financeira…) de outro sujeito, devidamente identificado na sua individualidade, que passa a ser o beneficiário (ou não) da extinção, quanto a si, do direito em causa.

Servem estes apontamentos para, na situação sub judicie, sustentar, sem hesitações, a nossa decisão, no sentido de que, na sentença recorrida, se julgou com acerto, ao considerar-se que o direito de liquidar o imposto em causa (IVA respeitante a junho de 2010) tinha de ter sido exercido no período de 4 anos, a contar de 1 de janeiro de 2011, pelo que, aquando da emissão da liquidação impugnada, em 19 de dezembro de 2015, o prazo disponível já havia decorrido, independentemente (no sentido, de sem consequências), de a liquidação adicional impugnada, referente ao ano de 2015 - período 2015-06T, ter sido emitida na sequência de procedimento inspetivo interno, que visou a análise do pedido de reembolso do período 2015-06T, no montante de € 180.000,00, inspeção da qual resultou uma correção, de natureza meramente aritmética, por dedução indevida do IVA, mencionado no campo 20, da declaração periódica de IVA, do período 2010-06, no montante de € 357.506,13, inscrito na nota de débito nº 70000011 …, tendo tal dedução indevida originado a decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA, no montante de € 180.000,00 e uma correção ao IVA dedutível, no valor de € 177.506,13.

Sem prejuízo desta certeza no veredicto a tomar, face ao conteúdo das conclusões ix. a xii., sobretudo, em ordem a antecipar uma (possível e muito frequente(s)) oposição de acórdãos, impõe-se registarmos que a leitura atenta e repetida do acórdão, do STA, de 12 de julho de 2007 (0303/07), permite percecionar que a hipótese, aí versada, é diversa da corrente, porquanto, nesse aresto, como decorre, imediatamente, do respetivo sumário (Disponível, no sítio www.dgsi.pt), se cuidou duma situação em que se discutia a questão de saber se para apreciar a verificação dos pressupostos do direito ao reembolso, a AT, está (ou não) limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação (Enquanto, aqui, curamos, como foi dito na sentença, “tão só (d)a caducidade do ato de liquidação adicional identificado na alínea L) do probatório, cuja anulação é peticionada pela Impugnante.”.). Para vincar a dissemelhança, transcrevemos estes excertos, elucidativos: «
(…).
… A Administração Tributária indeferiu um pedido de reembolso de IVA, apresentado pela Impugnante, por entender que esta havia efectuado anteriormente deduções desse imposto indevidas, em montante superior ao do pedido de reembolso, relativamente ao mesmo período de tempo.
(…).
…, a questão que é objecto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se, para efeitos de reembolso de IVA podem ser considerados créditos da Administração Fiscal, derivados de anteriores deduções indevidas efectuadas pelo mesmo contribuinte, relativas ao período de tempo a que se refere o pedido de reembolso, que não foram objecto de liquidação, dentro do respectivo prazo legal para a liquidação de tributos.
(…).
Assim, não se verificam as condições para efectuar reembolso, pelo contrário, justificar-se-ia que, se não tivesse transcorrido o prazo de caducidade, se efectuasse a liquidação do imposto deduzido a mais.
(…).
É apenas em relação a estes actos de liquidação, em sentido estrito, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais actos podem ser praticados.
Não é esse, porém, o caso dos actos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente.
(…).
… não há suporte jurídico para entender que a Administração Tributária estava limitada pelo prazo de caducidade do direito de liquidação, ao apreciar a existência dos pressupostos do reembolso de IVA. »

Finalmente, um apontamento, ainda mais breve, para, quanto ao conteúdo (à primeira vista, muito impressivo) da conclusão xiii., se concluir, caso fosse como a rte quer, estarmos a dar cobertura a situações em que os serviços da AT podiam cobrar impostos que, por ineficiência (vulgo, distração), não arrecadaram no tempo próprio; como, in casu, em que o sujeito passivo deduziu, o IVA, na declaração periódica de 2010/06 (pontos D) e) dos factos provados) e só em 2015 a AT reage, vendo ilegalidades que, logo, no ano de 2010 podia descortinar …

*******

# III.


Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.

*

Custas pela recorrente.

*****

[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 13 de janeiro de 2021. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.