Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01079/03
Data do Acordão:10/29/2003
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:IRC.
FALÊNCIA.
ACTIVO IMOBILIZADO.
VENDA JUDICIAL.
MASSA FALIDA.
MAIS VALIASS.
MENOS VALIAS.
Sumário:I - A venda de bens que integravam o activo imobilizado de uma sociedade entretanto declarada falida, efectuada nos autos de liquidação do respectivo activo, não integra o conceito de mais-valias e menos-valias previsto no artº 43º do CIRC.
II - Com efeito, com a declaração de falência, não há mais activo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo património, a chamada "...": um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos.
Nº Convencional:JSTA00060061
Nº do Documento:SA22003102901079
Data de Entrada:06/05/2003
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST AVEIRO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC88 ART1 ART3 ART20 ART23 ART43 ART65.
CPEREF93 ART1.
CONST97 ART103 ART104.
Jurisprudência Nacional:AC STA DE 1994/10/12 IN BMJ N440 PAG203.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA:
Vem o presente recurso jurisdicional, interposto pela Fazenda Pública, da sentença do TT de 1ª Instância de Aveiro, proferida em 09Fev03, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., relativamente à liquidação adicional de IRC, do exercício de 1993 e respectivos juros compensatórios, no montante de 56.753.065$00, a qual declarou nula.
Fundamentou-se a decisão, no que ora interessa, em que os artºs 65º e segts do CIRC, na redacção então em vigor, não se aplicam às liquidações do património societário em processo de falência, com excepção da 1ª parte do seu nº 4, "até porque, ao tributar-se autónomamente as mais-valias resultantes da liquidação do património da falida, não se estaria a tributar o rendimento líquido da empresa mas o produto afecto aos pagamentos de dívidas desta reconhecidas e graduadas, o que chocaria com o príncipio constitucional de que as empresas são tributadas pelo seu rendimento e com o princípio da capacidade contributiva – art. 103 nº 3 e 104 nº 4" sendo que “a liquidação e cobrança de IRC que afronte as regras que delimitam o conteúdo fundamental deste imposto, na Constituição, é nula".
A Fazenda recorrente formulou as seguintes conclusões:
" I - A douta decisão começa por evidenciar dois conjuntos de argumentos, uns militando no sentido de que a liquidação no decurso da falência seguia as regras gerais das demais liquidações subsequente à dissolução de qualquer sociedade e outros negando essa possibilidade.
II - Não se vê motivo para que a liquidação derivada da dissolução em processo de falência tenha um tratamento diferenciado das demais liquidações a que o ilustre julgador apelida de voluntárias. A razão porque no nº 5 do artº 65º do CIRC se faz estender a sua disciplina aos casos de anulação ou nulidade dos contratos de sociedade é porque o legislador fiscal seguiu de perto o Comercial nesta matéria sendo que no capítulo referente à dissolução das sociedades está incluída e regulamentada a falência, v. g. al. e) do nº 1 do artº 141º e nº 1 do artº 143º, ao passo que aquelas causas de extinção vêm previstas muito antes, no capítulo relativo aos contratos de sociedade (artº. 42º e segt.s).
III - Os prazos estabelecidos na legislação para prestação de contas na falência são ditados pelo ritmo dos procedimentos desta e pelo critério do Juiz para informar da "conta corrente" da liquidação, em nada os prazos de índole Fiscal, fixados para o cumprimento de obrigações, têm que seguir a par e passo aqueles outros.
IV - Não é o facto de se tratar de uma execução universal de bens e se estar em presença de uma situação económica altamente deficitária que impede que se verifiquem, ora ganhos fortuitos e inesperados durante o período de liquidação, ora vendas de bens por valores impensáveis, aquando da avaliação prévia, que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.
V - A consideração dos prejuízos dos anos anteriores só se não operou por inacessibilidade dos elementos de escrita, mas os custos com a própria venda tiveram a relevância respectiva no presente caso.
VI - O espírito e a filosofia que orientaram a jurisprudência ditada no acórdão de 94/10/12 (rec.17 655), são válidos para as mais-valias geradas na liquidação do património ainda que forçado, porque a sua natureza e razão de ser são rigorosamente as mesmas, independente da forma integrada ou autónoma como o legislador no tempo determinou a sua tributação.
VII - Ao decidir-se como se decidiu, com o máximo respeito, não se terá interpretado correctamente o disposto no então artº 65º e ainda incorrido na violação da al. f) do nº 1 art. 20º, ambos do CIRC.
VIII - Não se praticou qualquer inconstitucionalidade na determinação do rendimento e na liquidação, porquanto, ainda assim, se procurou o rendimento real quando se tiveram em conta os custos e só não se admitiram prejuízos dos anos anteriores porque estes se desconheceram.
Nos termos expostos e nos que Vª.s Exª.s, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a decisão por outra que julgue a impugnação improcedente na totalidade, como em nossa opinião se apresenta mais conforme com o que achamos ser a melhor expressão do DIREITO E DA JUSTIÇA:"
A impugnante não contra-alegou.
O Exmº magistrado do MP emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, já que, declarada a falência da sociedade, cessa a prossecução do seu objecto social - e, portanto, a obtenção de lucros, que é a base do IRC (artºs 1º e 3º do CIRC) - não mais havendo activo imobilizado nem existências enquanto tais, sendo apreendidos todos os bens que passam a constituir o património “...”: "um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente e, depois de liquidado para pagar, primeiro as custas processuais e as despesas de administração e depois, os créditos reconhecidos", faltando, pois, o facto tributário pois que o não pode ser nunca a própria liquidação da ....
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
"3.1.1 A Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária II da Direcção Distrital de Aveiro elaborou em 20 de Novembro de 1998 o relatório de que se junta cópia de fls. 9 a fls. 12 dos autos de reclamação graciosa em apenso e preencheu na mesma data o Mapa de Apuramento Mod. DC - 22, anotando no quadro 20 ("APURAMENTO DO RESULTADO PARA EFEITOS FISCAIS") Campo 40 ("TOTAL DAS CORRECÇÕES") a quantia de 80.868.000$00 e no quadro 22 ("Fundamentação das correcções efectuadas") o seguinte:
"Depois de efectuada a análise aos modelos 22 de 1993 a 1994, verificou-se que não apresentavam algum valor, até mesmo no balanço. Com o objectivo de apurar a existência de bens pertencentes à empresa e eventuais vendas, foi consultado o processo de falência da empresa, tendo-se chegado às seguintes conclusões:
A empresa "B.." comprou à contribuinte o navio de pesca longínqua denominado "..." no valor de 75.000.000$00;
O sujeito passivo teve como custos as comissões pagas à "B..." no valor de 651.900$00.
Pelo facto de a fiscalização não ter tido acesso à contabilidade da empresa, não foi possível determinar com exactidão o valor de aquisição e as respectivas amortizações praticadas para cada bem vendido em 1993. Tal situação também não foi possível de ultrapassar através das declarações modelo 22, pois das existentes no arquivo nesta Direcção de Finanças, nenhuma apresenta mapas de amortizações. Assim, propõe-se que sejam considerados totalmente amortizados os bens alienados em 1993. Desta forma, porque se trata de bens totalmente amortizados, a mais valia contabilística é igual à mais valia fiscal, isto é, igual ao valor de realização.
Relativamente às comissões recebidas pelas "B...", propõe-se que sejam consideradas custo da empresa.
Assim, a matéria colectável passará de 0$00 para 80.868.000$00 (81.519.000$00-651.900$00" (fls. 1 a 2v. do processo administrativo em apenso) ;
3.1.2. Em 98.12.15, procedeu-se à liquidação adicional em sede de I.R.C., a qual recebeu o nº 8310021289, sendo o montante do imposto a pagar de Esc. 56.753.065$00 e terminando o prazo de pagamento voluntário em 99.02.03 (fls. 14 a 15 dos autos de reclamação em apenso) ;
3.1.3. Da liquidação a que alude o nº anterior foi a impugnante notificada por carta registada datada de 98.12.23 (facto documentado a fls. 15 dos autos de reclamação em apenso e no essencial reconhecido pela Impugnante no artigo 2.º da douta P.I.) ;
3.1.4. A Impugnante reclamou da liquidação a que alude o nº anterior por douto requerimento entrado a 99.01.22 no Serviço de finanças de Ílhavo (cfr. carimbo aposto no cabeçalho da peça respectiva em apenso);
3.1.5. Da decisão de indeferimento da reclamação a que alude o nº anterior, proferida em 2001.10.29 pelo Ex.mo Director de Finanças Adjunto da D.D.F. de Viseu, foi a Impugnante notificada por carta registada com aviso de recepção, recepcionada em 2001.11.05 (fls. 23 e 24 do apenso);
3.1.6. A douta Impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Ílhavo em 2001.11.20 (cfr. carimbo aposto no cabeçalho da peça respectiva) ;
Mais se provou que:
3.1.7. A sociedade por quotas denominada Parceria Marítima Esperança, Ldª, pessoa colectiva nº 500 211 639, com sede em Gafanha da Nazaré, foi declarada falida no processo nº 680/89, do 2º Juízo Cível da Comarca de Aceiro (facto alegado no artigo 6º da douta P.I. e confirmado pelos documentos juntos com a mesma peça) ;
3.1.8. Entre os bens da Impugnante vendidos em 1993 nos Autos de Liquidação do Activo apensos ao Processo de Falência identificado no nº anterior encontrava-se o navio denominado "...", destinado à pesca longínqua do bacalhau, com o nº LX-61-N, matriculado na Capitania do Porto de Lisboa sob o nº 1424, a fls. 114v. do Livro D4, vendido a Carlos Manuel Lopes Ferreira pelo preço de 75.000.000$00 (facto extraído do alegado nos artigos 11.º a 14.º da douta P.I. e confirmado, nesta parte, pelos documentos insertos a fls. 9 e 10 dos autos, não impugnados na sua origem nem no seu teor e valorados positivamente pelo Tribunal) ;
3.1.9. Do valor da venda a que alude o nº anterior, a Impugnante apenas recebeu a quantia de 12.000.000$00 e 287.500$00 de juros, tendo o referido Carlos Manuel Lopes Ferreira sido condenado na acção ordinária nº 298/00, do 3º Juízo Cível do Tribunal de Aveiro a pagar à ora Impugnante a quantia de 67.529.434$00, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 26.938.561$00 e juros sobre aquele montante contados desde 13.06.2000 até efectivo pagamento (facto alegado no artigo 16º e confirmado pelos documentos de fls. 10 a 11, também não impugnados na sua origem);
3.1.10. A Impugnante já instaurou por apenso à acção ordinária a que alude o nº anterior a correspondente execução de sentença (facto alegado no artigo 17º da douta p. i. e confirmado pelos doc.s de fls. 13 a 14, também não impugnados na sua origem e valorados positivamente).”
Vejamos pois:
Os arts. 65º e segts (actuais artºs 73º e segts) do CIRC regulam a "liquidação de sociedades e outras entidades", não fazendo, todavia, qualquer referência expressa à falência, parecendo todavia não a englobar já que prevêm a partilha dos bens pelos sócios.
Como resulta do probatório, a Administração Fiscal considerou a existência de "proveitos" advindos da venda de bens do activo imobilizado da empresa.
Tal venda teve lugar “nos Autos de Liquidação do activo apensos ao processo de falência”.
Ora, o activo imobilizado compreende o conjunto de bens e direitos com que a sociedade cumpre ou concretiza a consecussão do seu objecto social.
Ou, de outro modo: aquele conjunto de bens que, constituindo parte integrante do seu património activo, tenham sido adquiridos - ou, até produzidos, - pela empresa com outro destino que não seja a revenda, que não constituam, pois, objecto do seu comércio, que, em suma, não constituam mercadoria, correspondente ao seu activo indisponível, por contra-posição ao activo realizável.
Trata-se de bens duradouros, corpóreos ou incorpóreos, da empresa, directamente afectos à produção e nela utilizados, concretizando o respectivo capital fixo, cujo destino normal não e a alienação mas a afectação à actividade empresarial.
Eventualmente, podem ser alienados e, muitas vezes, o são.
É esta última a situação prevista no artº 43º do CIRC, que estabelece o conceito de mais-valias: "os ganhos obtidos ou as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título porque se opera".
Ora, como bem refere o Exmº magistrado do MP, decretada a falência, cessa a prossecução do objecto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC - artº 1º e 3º do CIRC - , não mais havendo, consequentemente, activo imobilizado, como tal.
Todos os bens da empresa são, então, apreendidos e passam a integrar a chamada "...": "um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar (desde logo) os créditos reconhecidos", como bem refere o MP.
Ora, como acima se referiu, a venda em causa teve lugar nos autos de liquidação do activo da empresa, uma vez decretada a respectiva falência.
Pelo que, em rigor, se não trata da venda de bens do seu activo imobilizado.
Trata-se, antes, da venda de bens da referida massa em ordem, nomeadamente e sobretudo, à satisfação dos credores, em concurso universal.
Assim, a venda de bens da ..., não se integra no disposto no artº 43º do CIRC.
Aliás, ainda por um outro caminho - afinal o seguido na sentença - se chega à mesma solução.
É que - a haver lugar a tributação - não podiam deixar de deduzir-se os prejuízos fiscais anteriores à data da dissolução e com referência a todo o período de liquidação - cfr, aliás, o artº 65º do CIRC - da ....
Como ali se refere, "a declaração de falência pressupõe uma situação claramente deficitária e que esta seja económicamente inviável" - artº 1º do CPEREF – “só através de uma ficção jurídica se poderia considerar lucro tributável o produto da alienação de património afectado ao pagamento de dividas que já não consegue cobrir.”
Por outro lado, admitir a tributação sem lucros, reais ou presumidos, seria claramente inconstitucional - artº 103º nº 3 e 104º nº 4º da Constituição da República.
Ora, "a liquidação impugnada não levou em conta os prejuízos existentes à data da declaração de falência ... nem lhes faz qualquer referência".
E, ainda que tal tivesse acontecido, como pretende a recorrente, "por inacessibilidade dos elementos de escrita" - cfr. conclusão V - ou por serem os prejuízos desconhecidos - cfr.conclusão VII - , isso não invalida o exposto.
Não pode haver tributação de rendimentos ficcionados, sem consideração dos respectivos prejuízos, sob pena de inconstitucionalidade, nos referidos termos.
Aliás e fundamentalmente, a Administração Fiscal efectuou a liquidação em termos muito próximos do revogado CIMV.
Ou seja, considerou as mais-valias e os custos da venda (menos-valias!) de modo totalmente desintegrado do rendimento global.
Como é sabido, aquele diploma legal consagrava uma tributação autónoma em relação à Cont. Industrial - cfr. seu artº 1º e artº 25º do CCI.
Mas não assim no CIRC e no CIRS.
Aí, adoptou-se, para efeitos fiscais, uma noção mais ampla de rendimento - o chamado rendimento acréscimo, - que não o rendimento produto - que "abrange "não só os ganhos resultantes da actividade produtora, como outros ganhos alheios a ela" e, por conseguinte, também as mais valias realizadas".
Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª edição, citada na sentença.
Ora, o ac. do STA, de 12-10-94, in BMJ 440 pag 203, ao decidir que, apesar de declarada a falência de uma sociedade comercial, os ganhos resultantes nas alienações do respectivo activo imobilizado, obtidos no domínio do CIMV, são imputáveis à sociedade, ficando, por isso, sujeitos ao respectivo imposto, insere-se naquele conceito de rendimento vigente naqueles diplomas mas agora abandonado nos novos impostos sobre o rendimento.
Como se disse, a tributação das mais-valias assim obtidas deixou de ser autónoma para se integrar no rendimento global da empresa, onde terão de ser considerados tanto os proveitos como os custos ou perdas - artºs 20º e 23º do CIRC.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso.
Termos em que se acorda negar-lhe provimento, confirmando-se a sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Outubro de 2003
Brandão de Pinho – Relator – Lúcio Barbosa – Alfredo Madureira –