Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0502/17
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22569
Nº do Documento:SA2201711220502
Data de Entrada:04/28/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A…………, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra actos de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, relativos aos anos de 2004 e 2005, no valor total de € 184.806,84.

1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

a- O Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

b- No caso, a Mm.ª Juíza a quo entendeu que o conhecimento da falta de fundamentação e inexistência de facto tributário por ausência de simulação das facturas estava prejudicado, declarando-o expressamente, pelo que estamos perante um erro de julgamento, já que consideramos errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, porquanto tais circunstâncias, por si só e isoladamente, constituem fundamento de impugnação concedido pelas alíneas a) e c) do artigo 99º do CPPT levando à anulação do ato em caso de procedência.

c- Foi, por isso, mal considerado o previsto nos artigos 130º e nº 2 do art. 608º do CPC, e alíneas a) e c) do artigo 99º do CPPT.

Nestes termos deve ser decretada a anulação da sentença com as legais consequências.


1.2. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.3. Por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte foi declarada a incompetência, em razão da hierarquia, desse Tribunal para o conhecimento do recurso, e declarado competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo.


1.4. Remetidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer de fls. 300 dos autos, no sentido de que o recurso não merecia provimento, tendo em conta, essencialmente, que «A recusa de conhecimento da questão tem fundamento legal: a apreciação da questão suscitada pelo impugnante estava prejudicada pela inexistência de um dos pressupostos do direito à dedução; de outro modo, o tribunal incorreria na prática de acto inútil, ao resolver questão cuja solução seria indiferente para o sentido da decisão da causa, já determinado pela solução da questão apreciada (arts.130º e 608º nº 2 CPC vigente).».


1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


2. Ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 6, do Código de Processo Civil, aplicável ao recurso de revista para o Supremo Tribunal por força do disposto no artigo 679º do mesmo diploma legal, remete-se para o julgamento da matéria de facto constante da sentença recorrida.

3. A única questão que se coloca neste recurso consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento, por nela se ter julgado que se encontrava prejudicado o conhecimento dos invocados vícios de falta de fundamentação e de inexistência de facto tributário no que toca à simulação das facturas declarada no discurso fundamentador externado pela administração tributária.

Com efeito, na óptica do recorrente, esses vícios constituem, por si só e isoladamente, fundamento legal de impugnação judicial à luz das alíneas a) e c) do artigo 99º do CPPT, e são também susceptíveis de conduzir à anulação dos actos de liquidação impugnados.

Vejamos.
É o seguinte o teor da sentença, na parte que ora interessa:
«(…)
Na situação sub judice, as liquidações adicionais de IVA resultam da não aceitação pela Administração Tributária de factos declarados pelo impugnante como constitutivos do seu direito à dedução do imposto, alegadamente pago a montante, traduzidos em diversas facturas emitidas por “B…………, Lda”, “C…………, Lda”, e D………….
Para o efeito, invoca a Administração Tributária, em simultâneo, dois fundamentos, a saber:
a. A violação do nº 2 do artigo 19º do Código do IVA, na medida em que o impugnante, apesar de notificado para o efeito, não apresentou os elementos integrantes da contabilidade (registos e documentos de suporte), i. é, não exibiu as facturas ou os documentos equivalentes comprovativos do imposto que deduziu;
b. A violação do nº 3 do artigo 19º do Código do IVA, por as operações subjacentes àquelas supostas facturas serem simuladas em virtude de, relativamente aos emitentes das mesmas, haver fortes indícios de inexistência de actividade.

Dispõem os nºs 2 e 3 do artigo 19º do Código do IVA, na redacção aplicável ao caso:
“2- Só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.

3- Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.”.

De tais normas decorre, para o que interessa ao caso, que: a) não há direito à dedução do IVA se as facturas correspondentes não estiverem na posse do sujeito passivo; b) não pode deduzir-se o IVA que resulte de operação simulada.
Acontece que o impugnante apenas põe em causa este segundo fundamento, deixando intocado aquele outro, no qual a Administração Tributária também assentou para não aceitar a dedução de IVA.
Assim, ainda que assistisse razão ao impugnante no sentido de a Administração Tributária não ter carreado elementos suficientes para sustentar a simulação das operações subjacentes às facturas em causa, tal nunca poderia levar à anulação das liquidações impugnadas na medida em que as mesmas assentam também naquele outro fundamento não posto em causa pelo impugnante, traduzido na violação do nº 2 do artigo 19º do Código do IVA por o impugnante não ter exibido as facturas correspondentes, fundamento este que não foi colocado em crise pelo impugnante, razão pela qual sustenta as liquidações impugnadas.
(…)
Por conseguinte, a apreciação da legalidade das liquidações à luz do disposto no nº 3 do artigo 19º do Código do IVA afigura-se um acto inútil porque, qualquer que seja o sentido dessa apreciação, da mesma não se pode extrair a consequência que o impugnante pretende com a presente impugnação. (…).».

Foi neste contexto argumentativo que se julgou prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pelo impugnante e com o qual este visava contrariar a tese da administração tributária no que toca à existência de elementos suficientes para sustentar a simulação das operações subjacentes às facturas em causa.
Não assiste, assim, razão ao recorrente, estando correcta e fundamentada a recusa de conhecimento das questões suscitadas, na medida em que sua apreciação ficou prejudicada pela inexistência de um dos pressupostos do direito à dedução do IVA. De outro modo, o tribunal incorreria na prática de acto inútil, ao resolver questão cuja solução seria indiferente para o sentido da decisão da causa, já determinado pela solução da questão apreciada, em conformidade com o disposto nos artigos 130º e 608º, nº 2, Código de Processo Civil.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 22 de Novembro de 2017. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.