Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0140/20.0BALSB
Data do Acordão:05/04/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
RECLAMAÇÃO
INIMPUGNABILIDADE
ACTO CONFIRMATIVO
Sumário:I - As reclamações das deliberações das Secções do Conselho Superior do Ministério Público para o respectivo Plenário, previstas no art. 29º, n.º 5, da Lei 47/86, de 15 de Outubro, deixaram de ser necessárias por força do n.º 1 do artigo 3.º do diploma preambular do novo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.
II - As decisões meramente confirmativas, proferidas no âmbito de uma impugnação administrativa facultativa, não são contenciosamente impugnáveis.
Nº Convencional:JSTA00071724
Nº do Documento:SA1202305040140/20
Data de Entrada:12/02/2020
Recorrente:AA
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:Artigo 29.º, n.º 5, da Lei 47/86, de 15 de Outubro
Artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro
Artigos 34.º e 286.º da Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto
Aditamento:
Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. Relatório
1.1. AA, Magistrada do Ministério Público, à data com a categoria de Procuradora-Adjunta no DIAP ..., devidamente identificada nos autos, intentou a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA, que tem como objecto o Acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, proferido em ... e notificado em 12 de Outubro de 2020, o qual na sequência de inspecção ao seu serviço e reclamação da Secção de Classificação e Mérito Profissional, manteve a classificação de serviço de Bom com Distinção.

1.2. Termina pedindo:
«(…)
que a presente ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência, por violação do Art. 266º, da CRP e Art. 7º, do CPA, dos Arts. 110º e 113º, do EMP e dos Arts. 13º e 14º, do RIMP, ser a decisão proferida pelo Plenário do CSMP anulada (Art. 163º, do CPA), por inválida e, em consequência ser atribuída a classificação de Mérito Profissional da A. de Muito Bom, com as legais consequências

1.3. Alega para o efeito, em síntese:
“1. A A. não era inspecionada há mais de 10 anos.
2. Pelo que a avaliação e classificação de serviço, não podem sair prejudicados pela adoção e manutenção de procedimentos superiormente determinados sem que, por exemplo, em atividade inspetiva concomitante, os mesmos fossem objeto de reparo, por inadequabilidade, parcidade ou linearidade.
3. É assim que se entende a classificação atribuída à A. de Bom Com Distinção desajustada e desproporcionada, face à ponderação exigível dos diversos elementos e circunstâncias da atividade funcional da A. e que não foram atendidos.
4. E que, obviamente, levariam à atribuição de uma classificação de Muito Bom, em face das supra referidas disposições legais do EMP (Arts. 110º e 113º) e do RIMP (Arts. 13º e 14º).
5. Sendo estas circunstâncias relevantes e vinculadas para a decisão a tomar, são, também, limitativas do poder discricionário do R. na sua atividade avaliativa.
6. É assim que entende a A. que existe erro de facto, relativo às circunstâncias relevantes para a decisão, o que gera invalidade e a consequente anulabilidade da decisão de atribuição da classificação de Bom com Distinção - Cfr. Art. 163º, do CPA.
7. Existe falta de fundamentação, porquanto em face da reclamação apresentada pela A., o R. limitou-se a reiterar a posição da Secção de Mérito.
8. Pois o exercício da mera adesão aos termos e fundamentos já vertidos não cumpre o dever de fundamentação do ato decisório.
9. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, careceria de fundamentação ou de uma fundamentação mais sustentada, uma decisão que objetivamente teria de concluir pela atribuição da classificação de Muito Bom, mas que só assim não ocorreu, para poder afastar a excecionalidade no desempenho funcional da A..
10. O que gera invalidade e a consequente anulabilidade da decisão de atribuição da classificação de Bom com Distinção - Cfr. Art. 163º, do CPA.”

1.5. Citado para o efeito, o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, contestou por excepção e por impugnação, concluindo, em síntese:
“(…)
1. O acto em causa é impugnável põe ser meramente confirmativo e encontra-se consolidado na ordem jurídica, pois o Acórdão proferido pela secção do CSMP não foi nem vem impugnado.
2. A deliberação emitida pela Secção para Apreciação do Mérito Profissional do Conselho Superior do Ministério Público (doravante CSMP) em ... podia desde logo ter sido impugnada, uma vez que não dispõe o referido EMP, aqui aplicável, que da mesma deliberação tenha de ser forçosamente apresentada reclamação.
3. As reclamações das deliberações da Secção Permanente do Conselho Superior do Ministério Público para o respetivo Plenário deixaram de ser necessárias, por força do n.º 1 do artigo 3.º do diploma preambular do novo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro – recente e douto Ac. do STA, de 23-04-2020, proc. n.º 0102/19.0BALSB.
4. Assim, “… as disposições legais do EMP de 1986, e a Deliberação n.º ...14, que preveem a reclamação dos atos da Secção Permanente para o Plenário do CSMP não utilizam nenhuma destas três expressões, pelo que, atento o seu inequívoco valor interpretativo, tem de se entender agora que o n.º 1 do citado artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015 afasta a qualificação daquela reclamação como necessária – em sentido concordante, v. o Acórdão desta Secção, de 4 de maio de 2017, proferido no Processo n.º 163/17, disponível em www.dgsi.pt. pt. (Ac. citado).
5. Configurando-se como um ato imediatamente lesivo, a exigir acionabilidade contenciosa imediata, mas não o foi e nem é impugnado na presente ação.
6. Pelo que, a deliberação emitida pela Secção para Apreciação do Mérito Profissional do CSMP de ..., notificada à Sr.ª Procuradora em …, consolidou-se na ordem jurídica, uma vez que não foi entretanto objeto de impugnação.
7. Ainda que se entendesse suspender- se o respetivo prazo até ao decurso dos prazos legais de decisão da reclamação (artigos 58.º, n.º 1, al. b) e 59.º, n.ºs 4 e 5 do CPTA e 188.º, 189.º, n.º 2, 190.º, n.ºs 2 e 3, e 192.º, n.º 2 do CPA).
8. Por outro lado, a deliberação ora impugnada emitida em 12 de outubro de 2020, como a própria Autora o reconhece, limita-se a confirmar a deliberação da referida Secção, mantendo-a.
9. Isto é, emana da mesma entidade e é dirigido à mesma destinatária e repete, perante os mesmos pressupostos de facto e de direito, o conteúdo e a fundamentação do ato anterior, sem nada acrescentar ou retirar ao conteúdo deste.
10. Tendo decidido: “Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam no Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, aderindo aos fundamentos do Acórdão reclamado, não atender a reclamação apresentada e manter na íntegra aquela decisão “, utilizando exatamente a mesma fundamentação usada na deliberação anterior da Secção do mesmo Conselho.
11. Assim, a deliberação em apreço, embora com a devida fundamentação e apreciação sucinta da reclamação apresentada pela Autora, limita-se a reiterar ou reproduzir a deliberação da Secção.
12. Assim, o primeiro Acórdão deliberativo referido produz já, por si próprio, efeitos jurídicos externos, uma vez que o Acórdão proferido pelo Plenário do CSMP, de ..., não contém um conteúdo decisório de carater inovador relativamente àquele primeiro ato, do qual é meramente confirmativo.
13. Na situação dos autos a Autora foi notificada do ato primário, imediatamente impugnável contenciosamente, e dele não cabendo reclamação necessária, ainda assim optou por apresentar impugnação administrativa facultativa, mediante a qual o CSMP -Plenário - emitiu decisão que apenas veio confirmar o ato reclamado.
14. Deste modo, a deliberação em apreço não sé impugnável nos termos expostos - artigo 53. º, n.º 1 do CPTA, recente Ac. do STA de 24-09-2020, proc. n.º 0940/12.4BESNT e também doutrina nele citada.
15. O Acórdão do CSMP em apreciação, no ponto 8 do mesmo, pelas quais foi entendido não poder a Autora beneficiar da notação máxima de “Muito Bom” e que já respondem ao teor da reclamação apresentada, porquanto correspondem à respetiva fundamentação para a indeferir, pois que sobre os argumentos apresentados na referida reclamação já o mesmo relatório inspetivo se havia pronunciado, nos segmentos em apreço
16. Razões que contribuíram para que a mesma não obtivesse a nota máxima na inspeção, designadamente, os atrasos constatados, a elevada taxa de processos com pendência superior a 8 meses, a taxa de acusações (baixa atenta a média nacional) e a produtividade, sendo salientado que a 1ª secção, a par com a homóloga da ..., foi a que pior desempenho teve quantitativamente, a par e passo com o aumento das pendências, muito embora se tenha mitigado este elemento, pelo volume e natureza do serviço existente.
17. Bem como constam do mesmo Acórdão a transcrição das informações dos seus superiores hierárquicos, motivo pelo qual seria dispensável ouvir as testemunhas indicadas, não cabendo ao CSMP realizar a instrução de processos de inspeção na fase deliberativa final em que se encontrava o referido processo e proceder à inquirição de testemunhas, porquanto “ (…) os factos apurados se encontram, já devidamente esclarecidos e assentes, sem necessidade de mais demonstração (…)”.
18. Atendendo à factualidade descrita e assente, em parte acima transcrita, de acordo com os artigos 110.º do EMP revogado e 20.º do RIMP, considerou o CSMP que não era de deferir a pretensão da ora Autora por entender, na esteira de jurisprudência assente, que a autoridade decidente está vinculada ao dever de justiça na atribuição de uma classificação, mas dispõe de uma margem de liberdade quando elege um de entre os parâmetros classificativos em vigor, e na efectiva valoração de um desempenho.
19. Em consequência do que conclui que a Senhora Procuradora não atingiu o patamar exigido para a aplicação da nota máxima pretendida, não obstante ter sido apreciada e muito valorizada, de forma correta e proporcionada, a globalidade do trabalho que prestou.
20. A conclusão que a Senhora Magistrada retira dos factos que expôs e que invoca na PI para lhe dever ser atribuída a notação de “Muito Bom”, tal como decidiu o CSMP, traduzem uma apreciação por si que realizada desconforme com a parte negativa evidenciada na Inspeção, relativamente ao seu desempenho, que não constituem simples falhas e meros reparos sem vícios, não atendíveis.
21. Tendo sido avaliados e ponderados todos os fatores positivos que contribuíram para uma classificação de mérito, contrabalançados com os aspetos negativos, embora estes fossem em menor quantidade do que aqueles, mas foram considerados relevantes para a conclusão final.
22. Não podendo ser ignoradas e desvalorizadas as deficiências relatadas no processo de inspeção, avaliação do seu mérito profissional que se mostra em conformidade com os artigos 109.º, 110.º e 113.º, todos do EMP revogado e 13.º, 14.º e 20.º do RIMP, não ocorrendo qualquer violação da lei.
23. Pelo que, não se verifica erro notório e evidente na apreciação da factualidade conducente à classificação atribuída.
24. Não se verifica falta de fundamentação.
25. Uma leitura atenta do Acórdão do CSMP impugnado permite concluir que um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante da concreta deliberação em causa, fica em condições de saber o motivo por que se decidiu num sentido e não noutro.
26. Bastando uma fundamentação sucinta, clara, concreta, congruente e que se mostre contextual e lógica, não tendo de ser exaustiva, mas que, no caso sub judice, até se mostra bastante detalhada e fundamentada.
27. Não subsistindo quaisquer dúvidas de que existe e sobre qual foi iter cognoscitivo-valorativo da decisão em apreço, a qual se mostra suficientemente fundamentada e congruente, contendo a conclusão lógica e necessária com referência às razões nela vertidas.
28. Fundamentação que, além de suficiente, igualmente é minuciosa, clara e expressa, satisfazendo manifestamente o dever legal de fundamentação dos atos administrativos, não sendo suscetível de causar qualquer vício de forma do ato, sendo certo que nela tratou de todas as questões que se suscitavam a propósito da inspeção da Autora, suscitadas pela mesma.
29. Em consequência do deferimento da anulação do ato, ser condenada a atribuir-lhe a classificação pretendida, não compete ao Tribunal, com o devido e merecido respeito, a apreciação do seu desempenho profissional em termos concretos.
30. A classificação de serviço dos funcionários em geral, e neste caso dos Magistrados do Ministério Público em particular, é uma atividade que se situa no âmbito da função administrativa, e no exercício dessa atividade a Administração dispõe de uma ampla margem de liberdade para, segundo os seus critérios de justiça retributiva e relativa, valorar e classificar a prestação funcional de cada um.
31. Esta atividade classificativa só é jurisdicionalmente sindicável se exibir erro manifesto, ou devido à adoção de critérios ostensivamente desajustados.
32. Ora, no caso em apreço manifestamente não ocorrem tais erros, pois, como já se demonstrou, a classificação atribuída à Autora resultou de uma ponderação criteriosa dos aspetos positivos e negativos do seu desempenho funcional, pelo que nenhuma razão existe para censurar o ato impugnado.
33. Também não se verifica desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, designadamente pelo excessivo peso atribuído às insuficiências funcionais apontadas, contrabalançadas com os aspetos positivos do desempenho.
domínio, de poderes de revista, só estando por isso autorizado a conhecer matéria de direito (art. 150.º-1 e -2 do CPTA).

1.6. A Autora replicou, alegando em síntese:
“(…)
1. Sendo aplicável o Regulamento Interno da Procuradoria-Geral da República nº 1/2002, de 28 de fevereiro, prevê o respetivo Art. 13º, nº 5, que das deliberações da secção única ou das secções cabe reclamação para o plenário do Conselho.
2. O sentido inequívoco desta norma é a de que a reclamação para o plenário do Conselho é uma reclamação necessária, pois só cabe recurso contencioso das deliberações do Conselho. Cfr. Art. 29º, nº 5 e Art. 33º, do Estatuto do Ministério Público (EMP), aplicável (Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro)
3. Solução que o EMP atual mantém no Art. 34º, nº 8, mas ao qual foi acrescentado, para que dúvidas não subsistissem (e não para lhe atribuir outro efeito), o termo “necessário (…).”

1.7. Foi proferido despacho pelo Relator dispensando a audiência prévia, por entender que a excepção pode e deve ser conhecida “em sede de mérito da causa”, ordenando ainda notificação das partes para “(…) indicarem nos autos se prescindem de apresentar alegações finais escritas (…)”.

1.8. Notificadas as partes apenas o Conselho Superior do Ministério Público veio dizer que prescindia da apresentação de alegações finais escritas, nada tendo dito a Autora.


2. Saneador
O Tribunal é competente. Não existem nulidades que invalidem todo o processo. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas. Foi suscitada a questão da impugnabilidade da deliberação objecto da acção, questão, cujo conhecimento foi relegada para momento posterior. Não existem, para além das relegadas para conhecimento posterior, quaisquer outras questões prévias ou excepções que obstem conhecimento do mérito.
Fixa-se o valor da causa em € 30.001,00 (valor indicado pela Autora, não impugnado e em conformidade com o disposto nos art.ºs 34º, 2 do CPTA; 6º, 4 do ETAF e 44º, 1, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto)


3. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento das seguintes questões:
(i) Impugnabilidade da decisão objecto da presente acção, isto é, do Acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público;
(ii) Vícios imputados à deliberação impugnada (falta de fundamentação; erro nos pressupostos de fato) e respectivas consequências.
(iii) Isenção de custas da autora.


4. Fundamentação
4.1. Matéria de facto
Para julgamento das questões suscitadas nos autos consideram-se provados os seguintes factos e ocorrências processuais:

a) A Autora foi notificada em …, da deliberação proferida pela Secção para Apreciação do Mérito Profissional do Conselho Superior do Ministério Público, em 24-9-2019, que aqui se dá como integralmente reproduzida, e donde consta além do mais:
(…)
Prestação qualitativa:
Mostrou-se qualitativamente valioso a sua intervenção nos momentos do direção e investigação criminal:
- "Conduziu adequadamente os processos, despachando-os, regra geral, em prazo.
- Denotou uma direção adequada do inquérito por parte do Ministério Público, acompanhando com proximidade exigível e controlando adequadamente as investigações delegadas embora se entenda referir que o controlo dos tempos das averiguações delegadas aconselhe uma maior intervenção quer paro em cada momento corrigir rumos ou encontrar as soluções mais pertinentes em vista do esclarecimento dos factos e, desse modo, lograr a diminuição dos prazos de duração do inquérito e, desse modo, uma diminuição mais consistente da pendência processual.
- Instruiu os procedimentos por forma completo e eficiente.
- Atento o tipo de criminalidade em investigação e a necessidade de controlo da execução eficaz dos diversos de meios de obtenção de prova em execução teve um papel interveniente no rumo das investigações, designadamente proferindo despachos de detenção fora de flagrante delito para posterior apresentação a primeiro interrogatório judicial de arguido detido;
- Lançou mão dos meios prova e da sua obtenção úteis e viáveis em vista das finalidades da investigação.
- Mostrou-se atenta às questões relativas à intervenção do defensor e do intérprete e à definição do estatuto coativo do arguido.
- Promoveu ou decidiu sempre de forma correta e minimamente fundamentada - quer de facto quer de direito.
- Foi, em suma, em patamar positivo e de qualidade o seu desempenho e prestação funcionais nesta área fundamental de intervenção do Ministério Público situando-se no patamar do mérito.
Na fase de encerramento do inquérito teve, igualmente, desempenho de nível meritório.
Com efeito:
- No tocante aos despachos de arquivamento:
- Proferiu atos relativamente bem fundamentados, tanto em questões de “forma" como de "fundo" com conhecimento do «objeto» do processo.
- Mostrou um bom domínio da dogmática criminal, tipificando adequadamente as condutas.
- Decidiu-se corretamente por decisões fundadas no art. 277º, n.º 1 do CPP.
- Avaliou equilibrada e sensatamente os indícios recolhidos, proferindo justificados e minimamente fundamentados despachos de abstenção ao abrigo do art. 277.º, n.º 2 do CPP (embora se nos afigure que, em determinados casos, deveriam ter uma outra completude por forma a cumprir os pressupostos subjacentes à fundamentação dos atos decisórios).
- Deu uso correto aos institutos de diversão, simplificação e de consenso tendo presente a competência material do 1.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal ... (2/3 das decisões de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo foram proferidos no turno semanal na fase preliminar do Processo sumário). Do ponto de vista qualitativo, o despacho-proposta de suspensão deu satisfação às exigências do art. 281.º n.ºs 1 e 2 do CPP, embora de alguma linearidade: nem sempre com o identificação do arguido, descreveu os factos indiciados e o seu enquadramento jurídico, a menção à concordância manifestada pelo(s) arguido(s) e, nos pertinentes casos, pelos ofendidos e assistentes, a descrição do condicionalismo suspensivo e a ordem de apresentação do processo ao juiz de instrução; todavia, nem sempre procedeu à indicação da sua situação económico, laboral e social e sobretudo da explanação das concretas razões que no plano da culpa e da prevenção aconselhavam a solução de oportunidade e consenso mostrando-se algo parco e linear.
- Os despachos acusatórios que proferiu evidenciaram, em geral, uma qualidade acima da média:
- Traduzindo correta ponderação dos indícios, regra-geral, descreveram de forma eficiente a tipicidade objetiva e subjetiva do ilícito, enquadraram corretamente a conduta na previsão legal, indicaram com completude a prova e pronunciaram-se adequadamente sobre a situação coactiva do arguido;
- Documentaram opções muito corretas quando deferiram a competência de julgamento a tribunal singular ao obrigo do art.º 16.º, n.º3 do CPP embora o requerimento se nos afigure algo parco, tabelar e linear;
- Acresce como aspeto muito positivo a taxa de condenações alcançada o que denota a eficiência do seu desempenho, em matéria de despachos de acusação.
Tendo presente o acréscimo do volume processual decorrente dos diversos instrumentos hierárquicos, a tipologia da criminalidade em investigação, as solicitações permanentes em matéria de processos de arguidos presos ou com recurso permanente a especiais meios de obtenção de prova (interceções telefónicas, buscas domiciliárias, quebras de sigilo bancário, etc.), as paralisações noticiadas têm alguma justificação não nos merecendo um especial reparo.
Foram recenseados 41 (quarenta e um) os casos de pedidos de abertura de instrução em inquéritos da titularidade da senhora Dr.ª AA, 28 (vinte e três) subscritos por arguidos inconformados com despachos acusatórios, 13 (treze) por assistentes discordantes de despachos de abstenção.
Não se pode considerar significativos os números relativamente aos pedidos de abertura de instrução formulados pelo arguido - 15,22% dos 184 processos sob a forma comum em que acusou - sendo que a percentagem de despachos de pronúncia é elevada o que é bastante positivo quanto à justeza dos juízos indiciários da senhora magistrada inspecionada.
Por outro lado, não muito significativos os números relativamente ao requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente - no fim de contas, não mais do que 0,89% dos 1465 em que arquivou!
Intervenção em sede de reação às decisões judicias ou respostas a recursos interpostos.
Atento o âmbito de intervenção funcional da senhora magistrada inspecionada, as peças de motivações e de respostas noticiadas têm por objeto basicamente questões relacionadas com pressupostos de aplicação e manutenção de medidos de coação (mormente a de prisão preventiva).
Nos recursos e das respostas apresentadas, a senhora magistrada inspecionada demonstra empenho, inconformismo e qualidade em patamar positivo em função das temáticas em discussão.
Com efeito, quer nas peças que subscreveu como recorrente, quer naquelas em figurou como recorrido, demonstrou um domínio dogmático adequado das questões (penais) e processuais de que tratou, evidenciando estar a par das posições mais recentes (designadamente em termos jurisprudenciais e doutrinais).
Revelam também uma boa capacidade expositiva e argumentativa bem como um raciocínio claro e persuasivo.
Em sede de respostas, todas as peças, pronunciam-se com o detalhe adequado e completo sobre todas as questões colocadas na interposição do recurso.
A estrutura das peças é metódica, bem elaborada, com a amplitude adequada rematando as peças de motivação e de contra-motivação com conclusões que poderiam estar melhor sintetizadas.
Todos os trabalhos apresentados permitem corroborar e reforçar todos os considerados quanto aos desempenhos e prestações funcionais da senhora magistrada inspecionada que se enquadram no grau do mérito.
- Cultivou um muito bom relacionamento com as autoridades administrativas e policiais.
- Estabeleceu bons níveis de articulação com as instituições e demais organismos públicos com quem teve que interagir.
- Manteve muito bom relacionamento hierárquico e, em geral, com todos os profissionais do foro, aí incluídos os juízes e os funcionários com quem mais diretamente trabalhou.
- Evidencia um empenho inexcedível e muito boas qualidades de trabalho.
- Patenteia, sem margem paro quaisquer dúvidas, caraterísticas pessoais e profissionais perfeitamente adequadas ao corgo que exerce.
- Tem merecido elogio da hierarquia («) Considero que, atentas as difíceis condições em que exerceu funções, o seu desempenho se pode considerar como tendo revelado um bom compromisso quantidade/qualidade.
Considero-a magistrada de mérito, em quem se pode depositar total confiança (...) e (...)
«Em conclusão, trata-se de uma magistrada com mérito, experiente, pragmática, que, não obstante as condições supra descritas - pouco favoráveis-, sempre tentou controlar e reduzir as pendências. É uma magistrada em quem se pode confiar, com um bom desempenho atenta a relação qualidade/quantidade de trabalho, com uma prestação acima da média») que se encontra espelhado no trabalho inspecionado (...)».

(…)

Pelo exposto, considera-se que à PA AA deve ser atribuída a nota de «BOM COM DISTINÇÃO", atento a previsão dos artigos 110º do EMP e artigos 13.º, 20.º alínea b) e 21.º do RIMP, na linha, aliás, do que vem proposto pelo senhor inspetor do Ministério Público».
(…)

b) Inconformada com a notação atribuída a Autora reclamou, em 14/10/2019, do Acórdão da Secção para Apreciação do Mérito Profissional para o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, arrolou 4 testemunhas e juntou vários documentos, alegando no essencial:

“(…)

- No estado actual que se vive nos tribunais, com falta de meios humanos, no se pode exigir um trabalho imaculado na tramitação das bagatelas quando um magistrado tem a seu cargo uma secção vocacionada para a criminalidade grave e violenta e de investigação prioritária (e com a cargo processual já referida e afeta à reclamante e aceite, quer pelo Senhor Inspector quer pelo ilustre Relator) sob pena de os magistrados que exercem funções neste tipo de secção e nestas condições serem manifestamente prejudicados.

- As poucas imprecisões detectadas à reclamante têm que ser contextualizadas e hierarquizadas.

- O acréscimo de trabalho e a sua elevada eficiência diluem os pequenos reparos encontrados.

- Elevar as pontuais imprecisões formais detetadas a um patamar tão elevado que impede que seja atribuída à reclamante a classificação de Muito Bom é afirmar que, neste caso concreto, foi mais relevante o aspecto formal de SPP (ainda que nenhuma critica se faça em termos do mérito) do que ... acusação sem reparos e procedente.

- Sobrevalorizar o facto de não ter cumprido, pontualmente, as orientações superiores quanto à notificação do arguido para concordância do SPP mos subvalorizar o esforço e mérito da reclamante, reconhecido superiormente, quanto às orientações que seguiu, sempre, e relativas as investigações financeiras e patrimoniais, as quais foram na maioria das vezes procedentes cumprindo assim os objectivos do PGD quanto à criminalidade reditícia será desproporcionado e desadequado.

- A reclamante fez uma óptima gestão dos recursos, dando prioridade a investigação de crimes graves, violentos, de investigação prioritária e às vítimas, tendo sido bastante eficiente, conforme resulto da taxa de condenações.

- Teve a reclamante que interiorizar, com dificuldade, dado o brio que sempre imprimiu no exercício da função, que não era possível ser eficiente e dar exímia resposta a todas as solicitações.

- Conciliar a tramitação e prolação de despachos finais em processos com presos preventivos nomeadamente por crimes de homicídio, abuso sexual, de tráfico de estupefacientes, associação criminosa, branqueamento, de capitais, a maioria das vezes, com diversos arguidos e vários presos, inquéritos com intercepções telefónicas, dar resposta a diversos requerimentos apresentados pela defesa, realizar investigações financeiras e patrimoniais com o consequente requerimento de perda alargada, investigar negligências médicas, assegurar as declarações para memória futura, o turno semanal e o estágios de auditores, despachar bagatelas penais e média criminalidade e tentar não derrapar a estatística é, para um ser humano médio, tarefa extraordinariamente exigente, absorvente e exaustiva, foi-o seguramente para a reclamante!

- O desempenho eficiente da reclamante na 1ª secção teve igualmente que ser conciliado com a exigente função de formadora, atividade que tem cumprido com todo o brio, sentido de responsabilidade e profissionalismo.

- Deve ser valorado o volume e complexidade do serviço atribuído e respectiva competência territorial, as difíceis condições em que desempenhou o trabalho, a especificidade e dinâmica da secção onde exerceu funções, a forma como geriu as prioridades, a utilização que fez dos instrumentos jurídicos, em sede de recuperação de activos, quer através do perda alargada, quer em sede de perda directa, a colaboração com o CEJ, a eficiência demonstrada, a taxa de condenações, as informações dos imediatos superiores hierárquicos, os anos de serviço e o teor do relatório elaborado aquando a inspecção anterior. Por todas estas razões, considera a inspeccionada, e entenderam também quatro dos membros da Secção Para Apreciação do Mérito Profissional, que votaram vencidos no acórdão reclamado, que o serviço por si prestado justifica a atribuição de uma classificação de Muito Bom, nos termos do disposto nos arts 110º EMP e art.s 20º a) e 21º, nº 1 e 2 als. c), d) e e) do RIMP pelo que, deve a presente reclamação ser julgada procedente».

c) O Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, por deliberação de ..., notificada à autora em 12-10-2020, manteve a decisão objecto de reclamação, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e donde consta além do mais:

“(...)

Por isso a classificação a atribuir a um magistrado não só não deve reconduzir-se a uma forma de incentivo ou estímulo à superação de insuficiências no desempenho das funções, como também não deve servir de punição por essas insuficiências.

A classificação deve reflectir, de forma objectiva, a produtividade e qualidade da prestação funcional no período objecto de inspecção, dando ao órgão de gestão do quadro de magistrados uma imagem do exercício funcional elevado a cabo e do estado do serviço que lhe serve de contexto.
Na decisão sob reclamação considerou-se que à prestação funcional da inspeccionada, durante o período avaliado, não corresponde uma classificação de "Muito Bom", atendendo aos critérios definidos nos artºs 20º e 21º do RIMP, embora se mantenha num patamar de mérito.
Este Conselho tem vindo a considerar que para a obtenção da notação máxima e necessário, para além de um desempenho de nível excepcional, (designadamente ao nível da produtividade, da celeridade, da qualidade jurídica, da capacidade e fluência decisórias atinentes a temas ou tarefas de elevada complexidade ou em circunstâncias de grande adversidade), que se evidenciem qualidades de investigação, de iniciativa, de inovação, de criatividade e eficiência.
No entendimento deste Conselho há que reservar a notação de Muito Bom para desempenhos de índole excepcional ou verdadeiramente incomuns para que o parâmetro classificativo não seja banalizado.
Ora, no caso em apreço, constatam-se aspectos menos conseguidos na actuação da Senhora Magistrada reclamante, e que são referidos no relatório de inspecção e no Acórdão da Secção Classificativa, que aqui se dão por reproduzidos.
Aliás, a própria Magistrada reclamante, implicitamente, reconhece que a sua actuação teve algumas falhas, embora as procure desvalorizar.
A classificação de "Muito Bom" deve traduzir um patamar de excelência, de uma prestação funcional qualitativa e quantitativa de nível excepcional e embora a senhora Magistrada inspeccionada tenha inegáveis méritos, entende este Conselho que do relatório de inspecção não se infere que tenha atingido um desempenho que justifique a atribuição desse patamar de excelência.
Para a obtenção da classificação máxima é necessário uma prestação de excelência, sustentada no tempo, que se situe muito acima da medida e com traço de excepcionalidade, nomeadamente ao nível das especiais qualidades de investigação, de iniciativa, de inovação, de criatividade, de celeridade, produtividade e eficiência.
Os elementos e considerações agora apresentados pela Senhora Magistrada não têm a virtualidade de infirmar a apreciação feita pela Secção para Apreciação do Mérito Profissional, não pondo em causa a apreciação e deliberação de … daquela Secção.
Revela-se dispensável a produção de quaisquer outros elementos probatórios, uma vez que os factos apurados se encontram, já, devidamente esclarecidos e assentes, sem necessidade de mais demonstração.
Assim, a conclusão que a magistrada retira de lhe dever ser atribuída a notação "Muito Bom" não se mostra conforme ao levantamento feito do seu desempenho em sede de relatório de inspecção e que a secção recorrida acolheu. Por conseguinte, não pode entender-se, face aos critérios legais e regulamentares, que o trabalho da magistrada reclamante seja na sua globalidade merecedora da notação máxima da escala de classificações dos magistrados.
III - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam no Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, aderindo aos fundamentos do Acórdão reclamado, não atender a reclamação apresentada e manter na íntegra aquela decisão.”
(…)”.

d) A presente acção foi intentada em 3-12-2020.

A matéria de facto dada como provada resulta dos documentos dados como reproduzidos, a aceitação das partes e rosto da petição inicial.

4.2. Matéria de direito
4.2.1. Questões a decidir e ordem da sua apreciação
Como acima referimos as questões a decidir são as seguintes:
(i) Impugnabilidade da decisão objecto da presente acção, isto é, do Acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público;
(ii) Vícios imputados à deliberação impugnada (falta de fundamentação; erro nos pressupostos de fato) e respectivas consequências.
(iii) Isenção de custas da autora.

Apreciaremos as questões pela referida ordem, sem prejuízo das inerentes relações de prejudicialidade.

4.2.2. Impugnabilidade da deliberação objecto da presente acção.
4.2.2.1. Tese do Conselho Superior do Ministério Público
O Conselho Superior do Ministério Público alega, em suma, que as reclamações para o Plenário das deliberações da Secção Para Apreciação do Mérito Profissional são meramente facultativas e, consequentemente, não necessárias. Tal qualidade implica que, se não forem impugnadas dentro do respectivo prazo legal, consolidam-se na ordem jurídica. No presente caso, a Autora não impugnou judicialmente a deliberação da Secção para Apreciação do Mérito, e, portanto, a mesma consolidou-se na ordem jurídica. Invoca no sentido da sua alegação a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, mais concretamente, o Acórdão de 23-4-2020, proferido no processo 0102/19.0BALSB. Por outro lado, argumenta ainda o Conselho Superior do Ministério Público, a deliberação do Plenário é meramente conformativa e, por essa razão, não é impugnável.

4.2.2.2. Tese da Autora
A autora alega que as deliberações do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público são impugnáveis contenciosamente e que a reclamação das deliberações das Secções, previstas no art. 29º, n.º 5 do Estatuto do Ministério Público, é uma reclamação necessária. Tanto é assim que, no art. 34º, n.º 8, do novo Estatuto do Ministério Público “foi acrescentado, para que dúvidas não subsistissem (e não para lhe atribuir qualquer outro efeito), o termo necessário”. Tanto é assim, continua a Autora, que nos termos do art. 10º, n.º 4 do Regulamento Interno da Procuradoria – Geral da República n.º 530/2020, de 25 de Maio, se diz expressamente que “das deliberações das secções cabe reclamação necessária para o plenário do Conselho Superior do Ministério Público”.
Relativamente ao argumento fundado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, citada pelo Conselho Superior do Ministério Público, e no disposto no art. 3º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, entende a Autora que a expressão “(…) cabe reclamação para (…)” usada na redacção do Estatuto do Ministério Público aplicável, deve ser incluída na previsão do art. 3º, 1, al. b) daquele preceito legal.

4.2.2.3. Análise das teses em confronto.
Para apreciar a procedência, ou não, da excepção suscitada nos autos, torna-se necessário abordar duas questões jurídicas: (a) natureza necessária ou facultativa da reclamação das deliberações das Secções para o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público; (b) natureza meramente confirmativa da deliberação do Plenário, objecto desta acção. Clarificadas estas questões podemos então concluir pela impugnabilidade, ou não, da deliberação do Plenário (objecto desta acção).

(a) Reclamação facultativa ou necessária?
Relativamente à natureza jurídica das reclamações das Secções para o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público devemos notar, antes de mais, a existência de três regimes legais, sucessivamente vigentes.

Um primeiro período a destacar é que ocorreu durante a vigência da Lei 47/86, de 15 de Outubro, até à entrada em vigor das alterações ao CPA, introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro. Neste período de tempo, o Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei 47/86, de 15 de Outubro, no seu art. 29º, n.º 5, dizia-nos que “das deliberações das secções cabe reclamação para o Plenário do Conselho”. O art. 33º da mesma Lei dispunha que “Das deliberações do Conselho Superior do Ministério Público cabe recurso contencioso, a interpor nos termos e segundo o regime dos recursos dos actos do Governo”.
De acordo com a jurisprudência do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, reportada a este período temporal, e mesmo depois da entrada em vigor do CPTA, essa reclamação era necessária e não facultativa – cfr neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 4-6-2009, proferido no recurso 0377/08, que decidiu:
“(…) O art.º 51, n.º 1, do CPTA, introduzindo um novo paradigma de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos, convive com a existência de impugnações administrativas necessárias, não só quando a lei o disser expressamente, como também em todos aqueles casos, anteriores à vigência do CPTA, que contemplavam impugnações administrativas, previstas na lei, comummente tidas como necessárias. II - A reclamação contemplada no art.º 29, n.º 5, do EMP é, só por isso, uma reclamação necessária. III - A menção feita no respectivo Estatuto ao CSMP, sem qualquer especificação, corresponde ao seu Plenário já que o funcionamento em secções, para além de ser excepcional e só estar especialmente previsto para a Secção disciplinar (art.º 29) corresponde a uma faculdade que o plenário utilizará ou não (nos termos do n.º 1 o Conselho "pode funcionar em secções"). IV - Em consequência, quando o art.º 33 do Estatuto assinala que das deliberações do CSMP (plenário) cabe recurso contencioso está a dizer que só delas cabe recurso, assim saindo claramente qualificada como necessária a reclamação contemplada no citado n.º 5 do art.º 29”.


Um segundo período temporal a ter em conta decorre desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 4/2015, de 7 de Janeiro, que alterou o CPA até à entrada em vigor no Novo Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto). O Decreto-Lei 4/2015, de 7 de Janeiro, no seu art. 3º, veio dispor sobre a natureza necessária ou facultativa das impugnações administrativas “existentes à data da sua entrada em vigor”.
Relativamente a este período temporal, a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – de resto citada na contestação do Conselho Superior do Ministério Público – é a de que as reclamações previstas no art. 29º, 5, do Estatuto do Ministério Público, na redacção da Lei 47/86, de 15 de Outubro, tendo em conta as normas constantes do art. 3º do Decreto-Lei 4/2015, tinham natureza meramente facultativa.
Neste sentido decidiu o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 23-4-2020, no processo 0102/19.0BALSB:

“(…)
É certo que, relativamente à impugnação necessária das deliberações das Secções do CSMP para o Pleno do mesmo órgão, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo uniformemente a reconhecer que o artigo 51.º do CPTA não é aplicável quando «houvesse determinação legal expressa, anterior ou posterior à sua entrada em vigor, que previsse a necessidade de impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa» - cfr. Acórdão de 13 de julho de 2016, proferido no Processo n.º 516/14; v. também, no mesmo sentido, o Acórdão de 4 de junho de 2009, proferido no Processo n.º 377/08, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Mas aquela jurisprudência não entrou em linha conta com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do diploma preambular do novo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que não era ainda aplicável aos casos a que respeita, e nos termos do qual as impugnações administrativas só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma de três expressões:
«a) A impugnação administrativa “é necessária”;
b) Do ato em causa “existe sempre” reclamação ou recurso;
c) A utilização de impugnação administrativa “suspende” ou “tem efeito suspensivo” dos efeitos do ato impugnado»
Ora, as disposições legais do EMP de 1986, e a Deliberação n.º ...14, que prevêem a reclamação dos actos da Secção Permanente para o Plenário do CSMP não utilizam nenhuma destas três expressões, pelo que, atento o seu inequívoco valor interpretativo, tem de se entender agora que o n.º 1 do citado artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015 afasta a qualificação daquela reclamação como necessária – em sentido concordante, v. o Acórdão desta Secção, de 4 de maio de 2017, proferido no Processo n.º 163/17, disponível em www.dgsi.pt.
De acordo com o referido entendimento jurisprudencial, o regime passou a ser o seguinte: a partir da entrada em vigor do Decreto-lei 4/2015, a reclamação prevista no art. 29º, n.º 5 do Estatuto do Magistrados Judiciais, na redacção da Lei 47/86, de 15 de Outubro, não era necessária, mas sim facultativa.

A autora, na réplica, não põe em causa que a lei aplicável ao seu caso seja a Lei 47/86, de 15 de Outubro, mais concretamente o art. 29º, n.º 5. Também não discute que deva ser atendido o regime-critério, definido no citado art. 3º, 1, do Decreto - Lei n.º 4/2015.
Entende, todavia, que do teor literal do referido art. 29º, 5, da Lei 47/86, resulta que a reclamação ali prevista deve ser qualificada como necessária e não facultativa. Para tanto, alega que o legislador no art. 3º do Dec-Lei 4/2015 não adoptou um método fechado pelo que “a proximidade semântica com as expressões previstas nas alíneas b), b) e c) do n.º 1, do art. 3º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, deverão também ser entendidas nesse sentido”.
Contudo, quanto a este argumento, a Autora não tem razão.
O artigo 3º do Decreto-Lei 4/2005, faz uma enumeração taxativa das expressões reveladoras da natureza necessário do meio impugnatório previsto na legislação anterior: “(…). só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões: a) a impugnação administrativa é “necessária”; b) do ato em causa “existe sempre” reclamação ou recurso; c) a utilização de impugnação administrativa “suspende” ou “tem efeito suspensivo” dos efeitos do ato impugnado”.
A natureza taxativa e não meramente exemplificativa, decorre dos termos usados: “…só são… quando a lei (…) utilize uma das seguintes expressões).

Mesmo que o alcance das expressões acima referidas possa não ser totalmente fechado, podemos, quando muito, aceitar uma extensão do sentido literal daquelas expressões a outras com sentido jurídico equivalente.

A expressão usada no art. 29º, n.º 5, do Estatuto do Ministério Público, é a seguinte: “Das deliberações das secções cabe reclamação para o plenário do Conselho.” O sentido literal da expressão “cabe reclamação” não é juridicamente equivalente a “existe sempre” reclamação. Ainda que “caber” e “existir” possam ter um significado similar, a verdade é que o advérbio “sempre” usado num caso e não no outro, marca uma significativa diferença. Equivalente a “existe sempre reclamação” seria sem dúvida a expressão “cabe sempre reclamação”. O advérbio “sempre” tem na expressão onde é usado, o sentido de não atribuir ao interessado a opção de reclamar, ou não reclamar, configurando, em termos processuais, um verdadeiro “ónus”. Enquanto a expressão “cabe reclamação” sem aquele advérbio, não contém idêntica imposição, ou dito de outro modo, não contém idêntico ónus. Daí que não possa entender-se que a expressão usada no art. 29º, 5, do Estatuto do Ministério Público (Lei 47/86) satisfaça os requisitos a que se refere o art. 3º do Decreto-Lei 4/2005, para que a reclamação ali prevista seja qualificada como necessária.
Alega ainda a Autora (na réplica) que têm natureza necessária os procedimentos administrativos de segundo grau, dos quais resulte a suspensão de eficácia do acto reclamado. Contudo, não demonstra que a reclamação ora em causa tenha efeito suspensivo do acto reclamado, pelo que também nesta parte a sua argumentação é inconcludente.

Deste modo, de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo acima citada, no domínio de vigência da Lei 47/86 e art. 3º do Dec. Lei 4/2005, e com a qual se concorda inteiramente, a reclamação prevista no art. 29º, n.º 5 daquela Lei, tinha natureza meramente facultativa.

A reclamação deduzida pela Autora ocorreu em 14-10-2019, e, portanto, na ocasião em que estava em vigor a referida Lei 47/86, que só foi revogada pelo artigo 286º da Lei 68/2019, de 27 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2020 e portanto, a mesma tinha, sem qualquer dúvida, natureza facultativa, na data em que foi deduzida.

Finalmente, temos ainda um terceiro período de tempo em que o quadro legislativo é radicalmente diferente. Com efeito, a Lei 68/2019, de 27 de Agosto que aprovou o novo Estatuto do Ministério Público, veio no art. 34º regular o funcionamento das Secções do Conselho Superior do Ministério Público, dizendo expressamente no seu n.º 8: “Das deliberações das secções cabe recurso necessário para o plenário do Conselho Superior do Ministério Público”. Esta Lei entrou em vigor, como vimos acima, em 1 de Janeiro de 2020 e, portanto, a partir desta data as reclamações previstas no artigo 34º, têm sem qualquer dúvida natureza necessária. Todavia, este regime não é aplicável à reclamação da Autora, uma vez que ainda não estava em vigor na data em que a mesma foi deduzida.

Do exposto resulta que a reclamação que a autora apresentou em 14-10-2019 tinha natureza meramente facultativa, com as consequências inerentes a tal natureza. Tais consequências são, para o que agora nos interessa, as seguintes:

(i) A decisão da Secção Para Apreciação do Mérito tornou-se impugnável contenciosamente a partir da sua notificação à autora (ocorrida em ...) no prazo de 3 meses, uma vez que não foram invocados vícios geradores de nulidade (art. 58º, 1, b) do CPTA).

(ii) Com a dedução da reclamação facultativa, em 14-10-2019, o prazo de impugnação contenciosa ficou suspenso, como decorre do art. 58º, n,ç 4, do CPTA, e só retomaria o seu curso “com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa, ou com o decurso do respectivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar”.

(iii) O Plenário do Conselho Superior do Ministério Público proferiu decisão sobre a reclamação, que foi notificada à autora em 12 de Setembro de 2020.

(iv) O prazo para decidir a reclamação era, na falta de um prazo especialmente previsto no Estatuto do Ministério Público, o prazo geral previsto no art. 192º do CPA, de 30 dias, a contar da data da reclamação (14-10-2019).

(v) É assim manifesto que este prazo decorreu antes da decisão proferida pelo Plenário, pelo que decorridos os referidos 30 dias, o prazo da impugnação contencioso retomou o seu curso.

(vi) O prazo da impugnação contenciosa iniciou-se em 13 de Setembro de 2019 (dia seguinte à notificação) e esteve suspenso entre 14-10-2019 e 20-11-2019, ou seja, 30 dias úteis, retomando nesta data o seu curso. Deste modo entre 13 de Setembro de 2019 e 14 10-2019 decorreram 29 dias, pelo que o prazo de dois meses e um dia, retomado em 20-11-2019, terminou no dia 19 de Janeiro de 2020.

(vii) O prazo para impugnar a deliberação da Secção terminou, como se viu, em 19 de Janeiro de 2020, estando tal deliberação, desde há muito consolidada na ordem jurídica na data em que foi intentada a presente acção (2-12-2020).


(b) Deliberação do Plenário e sua natureza confirmativa.

Resta averiguar se a deliberação do Plenário é impugnável ou seja se a mesma tem conteúdo inovador e, portanto, pode ser autonomamente impugnada ou se é meramente confirmativa de decisão anterior já consolidada na ordem jurídica, e por esse motivo não impugnável, nos termos do artigo 53º, 1 do CPTA

Diz-nos o artigo 53º, 1 do CPTA que não são impugnáveis os actos confirmativos, entendendo-se como tal os que se limitam a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores. Por seu turno, o art. 89º, 4, do CPTA enumera como excepção dilatória a “i) inimpugnabilidade do ato impugnado”, cuja verificação determina a absolvição da instância (art. 89º, 2º, do CPTA).

No presente caso, do confronto das deliberações da Secção e do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público resulta que o seu sentido e conteúdo são idênticos.

A decisão do Plenário manteve “na íntegra” a decisão reclamada, ou seja a decisão é idêntica.

Na fundamentação da decisão referiu-se além do mais que
“(…) os elementos e considerações agora apresentados pela Senhora Magistrada não têm a virtualidade de infirmar a apreciação feita pela Secção para Apreciação do Mérito Profissional, não pondo em causa a deliberação de … daquela Secção. Releva-se dispensável a produção de quaisquer outros elementos probatórios, uma vez que os factos apurados se encontram, já, devidamente esclarecidos e assentes sem necessidade de demonstração. Assim, a conclusão que a magistrada retira de lhe dever ser atribuída a notação "Muito Bom" não se mostra conforme ao levantamento feito do seu desempenho em sede de relatório de inspecção e que a secção recorrida acolheu. Por conseguinte, não pode entender-se, face aos critérios legais e regulamentares, que o trabalho da magistrada reclamante seja na sua globalidade merecedora da notação máxima da escala de classificações dos magistrados.”.
Como se vê, o Plenário acolheu na íntegra a fundamentação de facto e de direito da decisão reclamada, nada inovando.

O art. 58º, n.º 4 do CPTA refere expressamente “que a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar”. Quer isto dizer que, no caso em que decisão proferida sobre a impugnação administrativa facultativa seja meramente confirmativa, não é essa a decisão que pode ser impugnada contenciosamente, mas sim a decisão confirmada. Caso contrário a lei não mandava retomar (mandando, ao invés, iniciar) a contagem do prazo para essa impugnação contenciosa. Em coerência com este regime, o art. 53º, 1 do CPTA diz-nos expressamente que os actos confirmativos não são impugnáveis.

Podemos concluir, em suma, que a decisão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, (i) por ser meramente confirmativa, e (ii) ter sido proferida no âmbito de uma impugnação administrativa facultativa, não é impugnável contenciosamente.

Verifica-se, assim, a excepção dilatória da inimpugnabiliade da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, o que implica a absolvição do réu instância – art. 89º, 2 e 4, al. i) do CPTA.

Uma vez que, como vimos acima, o prazo para impugnar a deliberação da Secção foi largamente ultrapassado não é possível modificar o objecto do processo (convolação) visando a apreciação da legalidade daquela deliberação.

Fica, em consequência, prejudicada a apreciação do mérito da pretensão da autora (vícios do acto) e respectivas consequências.


4.2.3. Isenção de custas da autora
Na parte final da petição a Autora refere a isenção do pagamento da taxa de justiça, citando os artigos 4º, 1, c) do RCP e 111º do NEMP.

Apesar de tal invocação efectuou o pagamento da taxa de justiça.

O Conselho Superior do Ministério Público na contestação entende que a isenção de custas prevista no art. 111º do Novo Estatuto do Ministério Público e no artigo 107º, 1 b) do revogado Estatuto do Ministério Público e reproduzida no art. 4º, 1, c) do Regulamento das Custas Processuais só é aplicável aos casos em que o Magistrado em situações em que, por causa do exercício de funções, lhe sejam movidas acções, ou quando tenha de as instaurar por causa desse exercício, mas não quando tenham sido afectados os seus direitos remuneratórios ou outros de carácter estatutário.

O Conselho Superior do Ministério Público tem razão.

Efectivamente é entendimento uniforme que o exercício de funções a que a lei se refere não engloba as acções em que o magistrado, na defesa de direitos próprios, pessoais e profissionais inerentes à sua carreira profissional (v.g. aqueles que atinam com acções disciplinares ou de progressão) pugna pelo reconhecimento de um direito que estima ter sido denegado, ou deficientemente avaliado, num procedimento promovido pelo órgão de controlo e disciplina. Neste sentido entre muitos outros os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 17-10-2006, proferido no processo 044846; de 11-4-2002, processo 048434; de 10-10-2002, proferido no processo 48434-A; 26-1-2023, proferido no processo 0115/22.4BALSB; do Tribunal Constitucional n.º 463, de 30 de Junho de 199 e do Supremo Tribunal de Justiça de 28-6-2017, proferido no recurso 63/16.7YFLSB.

Em suma, a Autora não beneficia, neste processo, da isenção de custas concedida pelo art. 111º, 1, i) do Novo Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto) e art. 4º, 1, c) do Regulamento das Custas Processuais.

5. Decisão
Face ao exposto e pelos fundamentos acima referidos os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo julgam procedente a excepção da inimpugnabiliade do acto objecto desta acção e, consequentemente, absolvem o Conselho Superior do Ministério Público da instância.
Custas pela Autora.

Lisboa, 4 de maio de 2023. – António Bento São Pedro (relator) – Claúdio Ramos Monteiro - José Augusto Araújo Veloso.