Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0427/12.5BEVIS
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
TRIBUNAL COMPETENTE
RELAÇÃO JURÍDICA ADMINISTRATIVA
RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA
Sumário:I - Resulta do cotejo do disposto, nomeadamente, nos arts. 44.º e 49.º do ETAF, que, no perímetro da jurisdição administrativa e fiscal, os tribunais administrativos funcionam como tribunais comuns, por dotados de uma competência que se pode qualificar como residual ou por exclusão, competindo-lhes o conhecimento de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa [cfr. o n.º 1 do referido art. 44.º], ao passo que a competência dos tribunais tributários está definida com rigor em preceito específico, o que significa que apenas poderão intervir com fundamento em disposição legal expressa que lhes confira competência para o julgamento do litígio [vide n.º 1 do citado art. 49.º].
II - Dado estar em causa a discussão em torno da validade/legalidade da interpretação e aplicação feita pela R. de uma cláusula de contrato administrativo celebrado pelas partes, e já não uma questão relativa à legalidade da liquidação e cobrança de tributo ou cobrança de qualquer prestação pecuniária enquadrável numa relação jurídica tributária, será o «Tribunal Administrativo de Círculo do TAF» o competente para o seu conhecimento.
Nº Convencional:JSTA000P25219
Nº do Documento:SAP201911270427/12
Data de Entrada:02/28/2019
Recorrente:MUNICÍPIO DE RESENDE
Recorrido 1:ÁGUAS DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Plenário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO

1. MUNICÍPIO DE RESENDE [doravante A.], devidamente identificado nos autos, intentou ação administrativa comum, sobre forma ordinária, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu [doravante «TAF/V»] contra «ÁGUAS DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO, SA» [doravante R.], igualmente identificada nos autos, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [cfr. fls. 01/07 - paginação «SITAF» - tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], que seja:
«1. Declarada a ilegalidade da cláusula 3.ª do contrato de fornecimento celebrado entre o Autor e a Ré;
2. Condenada a Ré a proceder à anulação das notas de débito nos valores de 278.947,48 € e 406.068,11 €;
3. Condenada a Ré a abster-se de faturar ao Autor valores de consumo de água superiores ao consumo efetivamente realizado.
Subsidiariamente, e para a hipótese do Tribunal vir a entender que a cláusula 3.ª do referido contrato não é ilegal, deve ser:
4. Condenada a Ré a reconhecer que a cláusula 16.ª do contrato de concessão e a cláusula 3.ª do contrato de fornecimento só impõem ao Autor o pagamento dos valores mínimos de água, independentemente do seu efetivo consumo, no caso da soma do consumo efetivo por parte de todos os acionistas/municípios da Ré não ultrapassar a soma dos consumos mínimos impostos a cada utilizador».

2. Distribuída a referida ação na área do contencioso administrativo do «TAF/V» veio a ser proferida decisão, datada de 02.02.2015, na qual julgou-se o tribunal administrativo de círculo do «TAF/V» como materialmente incompetente para dela conhecer e competente o tribunal tributário, absolvendo da instância a R. [cfr. fls. 357/371].

3. Remetidos os autos à área do contencioso tributário do mesmo Tribunal veio a ser proferida decisão, datada de 24.09.2017, na qual julgou-se o tribunal tributário do «TAF/V» como materialmente incompetente por competente ser o tribunal administrativo, absolvendo da instância a R. [cfr. fls. 443/466].

4. O A. inconformado com esta decisão interpôs recurso para a Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Norte [«TCA/N»], no qual, por despacho da Relatora, datado de 26.10.2018, foi declarado aquele TCA incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento, decisão esta que não foi alvo de qualquer impugnação e não tendo sido requerida a remessa dos autos ao tribunal que seria o hierarquicamente competente vieram os autos a ser remetidos ao «TAF/V» [cfr. fls. 498/508], sendo que neste, perante o confronto de decisões transitadas em julgado que, reciprocamente, declinam a competência, foi proferido despacho a suscitar oficiosamente o conflito negativo de competência e determinada a remessa dos autos a este Supremo Tribunal [cfr. fls. 534/536].

5. Notificadas as partes nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 112.º do CPC [na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013 - tal como todas as referências ulteriores ao referido Código sem expressa referência em contrário] nenhuma delas veio tomar qualquer posição quanto ao objeto do presente conflito negativo de competência [cfr. fls. 542 e segs.] e aberta vista ao Digno Magistrado do Ministério Público [MP] junto deste Supremo Tribunal o mesmo emitiu parecer no sentido de o mesmo ser resolvido mediante a «atribuição ao Tribunal Administrativo de Viseu da competência, em razão da matéria, para o conhecimento da ação administrativa comum» [cfr. fls. 546/549].

6. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.



ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DO CONFLITO

7. De referir, desde logo, que, por um lado, a existência do conflito é manifesta, dado que os Tribunais em confronto [«Tribunal Administrativo de Círculo do TAF/V» e «Tribunal Tributário do TAF/V»], recusaram a competência própria para o conhecimento da causa, atribuindo-a cada um deles ao outro e, por outro lado, a resolução do conflito incumbe ao Plenário deste Supremo Tribunal [cfr. art. 29.º do ETAF], mostrando-se-lhe, assim, colocada a definição do tribunal materialmente competente para a apreciação do litígio vertido na presente ação administrativa.

8. Tem-se como consensual o entendimento de que a competência do tribunal se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, sendo que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa [cfr. art. 05.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais («ETAF»)], na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência [total ou parcial] quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência ou não de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.


9. Resultando em face de outras ordens jurisdicionais o recorte ou delimitação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal do preceituado e disposto, nomeadamente e no essencial, nos arts. 209.º, 211.º, 212.º, da CRP, e 04.º do ETAF, já a repartição/definição da competência em razão da matéria e da hierarquia no quadro desta jurisdição entre tribunais administrativos e tribunais fiscais encontra sua base legal no que se dispõe conjugada e articuladamente, no essencial, nos arts. 24.º, 26.º, 37.º, 38.º, 44.º e 49.º, todos do ETAF.


10. Como vem sendo afirmado de forma reiterada pelo Plenário deste Supremo [cfr., entre outros, os Acs. de 29.01.2014 - Proc. n.º 01771/13, de 03.06.2015 - Proc. n.º 0520/15, de 18.04.2018 - Proc. n.º 046/18, todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/sta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Supremo sem expressa referência em contrário] a «natureza da relação jurídica que está na origem do dissídio» constitui «o elemento chave na tarefa de identificação do Tribunal competente para o julgamento», razão pela qual se estivermos em presença de litígio emergente de uma «relação jurídica administrativa» o tribunal competente será o tribunal administrativo, ao passo que se estivermos em face de litígio gerado no quadro de uma «relação jurídica fiscal» a competência caberá ao tribunal tributário.


11. E de que do cotejo do disposto, nomeadamente, nos arts. 44.º e 49.º do ETAF, resulta que, no perímetro da jurisdição administrativa e fiscal, os tribunais administrativos funcionam como tribunais comuns, por dotados de «uma competência que se pode qualificar como residual ou por exclusão», competindo-lhes o conhecimento de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa [cfr. o n.º 1 do referido art. 44.º], ao passo que a competência dos tribunais tributários está definida com rigor em preceito específico, o que significa que apenas poderão intervir com fundamento em disposição legal expressa que lhes confira competência para o julgamento do litígio [vide n.º 1 do citado art. 49.º] [cfr., entre outros, os Acs. do STA/Plenário de 09.05.2012 - Proc. n.º 0862/11, de 29.01.2014 - Proc. n.º 01771/13, de 10.09.2014 - Proc. nº 0621/14, em 15.10.2014 - Proc. nº 0873/14, de 14.05.2015 - Proc. n.º 01152/14, de 03.06.2015 - Procs. n.º 0520/15 e n.º 0172/15, de 25.06.2015 - Proc. n.º 0664/15, de 25.11.2015 - Proc. n.º 01346/15, de 01.06.2016 - Procs. n.º 079/16, n.º 0417/16 e n.º 0416/16, de 13.07.2016 - Proc. n.º 0619/16, de 29.09.2016 - Procs. n.º 01574/15 e n.º 0290/16, de 12.07.2017 - Proc. n.º 0610/17, de 18.04.2018 - Proc. n.º 01274/17].


12. Tal como afirmado no citado acórdão de 29.01.2014 [Proc. n.º 01771/13] o conceito de «relação jurídica administrativa» «não tem assento legal o que não impede que possamos, para o presente efeito, considerá-la como uma relação que se estabelece entre dois ou mais sujeitos regulada por normas de direito administrativo, em que um desses sujeitos é uma entidade ou um órgão da Administração Pública, que atua no exercício de poderes de autoridade que lhe são próprios, com vista à satisfação do interesse público», sendo quanto à noção de «relação jurídica fiscal» a mesma «não só têm definição legal - são as “estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas” (art. 1.º/2 da Lei Geral Tributária) - como têm o seu objeto normativamente especificado (…) e têm indicadas as entidades da Administração Tributária que podem figurar como sujeitos dessa relação».


13. Mas e continua-se no referido acórdão «[n]ão se pense, porém, que as relações jurídicas administrativas e as relações jurídicas fiscais se repelem mutuamente ou que é possível traçar entre elas uma clara e inultrapassável linha divisória, pois o facto de um dos seus sujeitos ser, forçosamente, uma entidade ou órgão da Administração não só destrói essa ideia como nos leva a concluir que, na sua essência, a relação jurídica tributária é uma espécie de um género mais abrangente, a relação jurídica administrativa. Conclusão que resulta do facto de um dos sujeitos daquela relação estar integrado na Administração e de, por isso, ao menos mediatamente, a mesma ter natureza administrativa e ser, subsidiariamente, regulada por normas de direito administrativo (art. 2.º/c) da LGT). (…) Por ser assim é que, por um lado, a lei fala em competências administrativas no domínio tributário (n.º 3 do art. 1.º da LGT) e, por outro, o legislador teve grande preocupação em definir com rigor o conceito de relação jurídica tributária e de identificar as entidades que, em nome da Administração, nelas podiam intervir. Preocupação resultante da necessidade de a autonomizar, teórica e praticamente, perante a relação jurídica administrativa e de, nessa medida, se evitarem os problemas que poderiam advir de uma eventual confusão de conceitos».


14. Para, de tudo o ali afirmado, concluir que se impunha «dar por adquiridas duas importantes certezas; a primeira, é a de que a identificação do Tribunal competente para o julgamento da causa se afere em função da natureza administrativa ou tributária da relação donde emerge o litígio e, por conseguinte, não é a função - administrativa ou tributária - em que a Administração exerce o seu poder que a determina; a segunda, é a de que só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades legalmente identificadas (art. 1.º/3 da LGT) e o seu objeto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art. 30.º do mesmo diploma) e de que estaremos perante uma relação jurídica administrativa se, por um lado, o sujeito público que nela intervém não for nenhuma das citadas entidades e, por outro, essa intervenção não se destinar a prosseguir as finalidades cometidas à Administração Tributária».


15. O litígio sub specie apresenta-se como emergente de uma relação jurídica fundada no contrato de fornecimento de água para abastecimento público celebrado, em 26.01.2001, entre o A. e a R., como e enquanto concessionária de um serviço público, contrato esse de natureza administrativa e que se mostra submetido a um regime substantivo de direito público [à data o DL n.º 379/93, de 05.11, e, no que aqui releva em especial, o DL n.º 270-A/2001, de 06.10 - (diploma que criou o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios de Alfândega da Fé, Alijó, Armamar, Boticas, Bragança, Chaves, Freixo de Espada à Cinta, Lamego, Macedo de Cavaleiros, Mesão Frio, Mirandela, Mogadouro, Moimenta da Beira, Montalegre, Murça, Peso da Régua, Resende, Ribeira de Pena, São João da Pesqueira, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca, Torre de Moncorvo, Valpaços, Vila Flor, Vila Nova de Foz Côa, Vila Pouca de Aguiar, Vila Real e Vinhais) - diploma que, entretanto, veio a ser revogado pelo DL n.º 93/2015, de 29.05].


16. Sustentou-se no acórdão do Tribunal de Conflitos de 09.12.2014 [Proc. n.º 024/14, consultável in: «www.dgsi.pt/jcon»], após cotejo do quadro normativo que foi disciplinando os sistemas multimunicipais de resíduos sólidos e de águas para consumo humano e os respetivos contratos de concessão, que «as atividades de captação, tratamento e distribuição de água para consumo humano têm natureza de serviço público» e de que «os municípios utilizadores, ainda que ligados à concessionária do sistema multimunicipal por um contrato de fornecimento, não podem ser qualificados como utentes para os efeitos da Lei n.º 23/96», porquanto «no quadro do arranjo institucional criado para cada sistema multimunicipal, os municípios utilizadores não deixam de ser os responsáveis pela prestação do serviço público de distribuição de água aos respetivos munícipes, que emergem aqui como consumidores finais», pelo que «a relação entre municípios utilizadores e empresa concessionária, ainda que regulada pelo contrato de fornecimento previamente outorgado entre ambos, é mais uma relação de parceria (e não de dependência) na prestação do serviço público essencial ao prestador final» e, nessa medida, «segundo o quadro legal dos sistemas multimunicipais, o regime do contrato de fornecimento, que rege as relações entre entidade gestora e os municípios utilizadores, há de ser o que resulta fundamentalmente do clausulado do contrato de concessão, que constitui a matriz em que assenta um dado sistema multimunicipal», sendo que de «entre esse regime destaca-se o relativo às relações com os utilizadores, em especial a Base XXVIII que, sob a epígrafe, “obrigação de fornecimento”, refere designadamente que a concessionária se obriga a fornecer a cada um dos utilizadores, mediante contrato, a água necessária para alimentar os respetivos sistemas municipais, fixando os contratos de concessão e de fornecimento o volume de água para consumo público que cada utilizador se propõe adquirir à concessionária com referência a um valor máximo que a concessionária se obriga a garantir (cfr. n.ºs 1 e 2). (…) Segundo o n.º 3, “Os contratos de concessão e de fornecimento, de forma a garantir o equilíbrio da concessão, fixam os valores mínimos anuais que cada utilizador se compromete a pagar à concessionária sempre que o valor resultante da faturação da utilização do serviço seja inferior àquele».


17. Para concluir que estamos no quadro de uma relação jurídico-administrativa e de um litígio da competência dos tribunais administrativos, visto para «além de os municípios utilizadores de um sistema multimunicipal não poderem ser considerados utentes (no mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STA, de 3/11/2004, proc n.º 33/04), nos termos e para os efeitos da Lei n.º 23/96», também «o regime a aplicar nas relações entre o município utilizador e a entidade gestora é essencialmente o do respetivo contrato de fornecimento, que por sua vez é enquadrado pelo contrato de concessão, não seguindo o regime que decorre daquele diploma», pois «o litígio não assenta, simplesmente, num mero contrato de prestação de serviços, mas antes num contrato de fornecimento contínuo de água "em alta" e de recolha de efluentes, celebrado entre a concessionária do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento (…)» e, por isso, estamos «claramente no domínio de relações entre duas entidades públicas que prosseguem interesses públicos relevantes e nessa qualidade assumiram direitos e obrigações recíprocos, cujo regime se rege essencialmente por um contrato de fornecimento, por sua vez assente num contrato de concessão de serviço público».


18. A questão objeto dos autos sub specie e que importa dirimir nesta ação prende-se com a discussão em torno da validade de uma cláusula do referido contrato de fornecimento de água para abastecimento público [cláusula 03.ª, em especial seu n.º 5], sustentando o A., para o efeito e em suma, que a aquela cláusula ao prever o pagamento do mesmo à R. de consumos não efetuados para os sucessivos anos de utilização de sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento, através da garantia do pagamento de valores mínimos, infringe o disposto nos arts. 53.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 169/99 [«Lei das Autarquias Locais» (LAL) então vigente] e 16.º da Lei n.º 2/2007 [«Lei das Finanças Locais» (LFL) então vigente] e que ao equivaler «ao pagamento de uma prestação unilateral, sem qualquer contrapartida» tal corresponderia «ao pagamento de um imposto» que apenas pode ser decretado pela Assembleia da República [AR], violando-se, assim, também o disposto nos arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), ambos da CRP.


19. Está, assim, em causa, ou em discussão, a validade/legalidade da interpretação e aplicação feita pela R. de uma cláusula de contrato administrativo celebrado pelas partes, e já não uma questão relativa à legalidade da liquidação e cobrança de tributo ou cobrança de qualquer prestação pecuniária enquadrável numa relação jurídica tributária.


20. Com efeito, os valores mínimos a entregar pelo A. município à R. concessionária, que se mostram controvertidos e que constituem objeto de discussão, radicam ou têm como sua fonte direta e imediata o aludido contrato administrativo outorgado entre ambas as partes, como uma alegada forma necessária a garantir o equilíbrio financeiro no quadro da concessão, centrando-se a pretensão deduzida no apurar da validade/legalidade da concreta cláusula do mesmo contrato, não sendo, por conseguinte, uma questão de índole tributária.


21. Nessa medida, porquanto o conflito que se nos apresenta não emerge, única e diretamente, de uma relação jurídica tributária, a competência em razão da matéria para a apreciação do presente litígio cabe ao «Tribunal Administrativo de Círculo do TAF/V» [cfr. arts. 212.º, n.º 3, da CRP, 04.º, n.º 1, al. f), 05.º, n.º 1, 44.º, todos do ETAF], não podendo subsistir a decisão que havia negado a sua competência em razão da matéria.






DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa acordam em anular a decisão que declarou a incompetência do tribunal administrativo de círculo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, e em resolver o presente conflito por forma a atribuir a esse tribunal a competência material para conhecer da presente ação.
Sem custas. D.N..
Lisboa, 27 de Novembro de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Artur Madeira dos Santos – Ana Paula da Fonseca Lobo – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.