Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0890/14.0BEVIS 0376/18
Data do Acordão:12/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:OPOSIÇÃO
SOCIEDADE
LIQUIDAÇÃO
RESPONSABILIDADE
SÓCIO
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário:I - Constitui pressuposto da atribuição da responsabilidade solidária dos sócios nos termos do n.º 2 do artigo 147.º do Código das Sociedades Comerciais a partilha imediata dos haveres sociais.
II - Não existindo partilha imediata na sequência da dissolução da sociedade por quotas, designadamente por não existirem haveres da sociedade a partilhar, não estão reunidos os pressupostos da atribuição da responsabilidade dos sócios nos termos deste dispositivo legal.
Nº Convencional:JSTA000P26845
Nº do Documento:SA2202012020890/14
Data de Entrada:04/18/2018
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A representante da fazenda pública recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou totalmente procedente a oposição à execução fiscal n.º 2526201401028430 que o Serviço de Finanças de Castro Daire instaurou contra A……………, contribuinte fiscal n.º …………, com domicílio indicado na Avenida …………., ……….., …….., 3600-…... Castro Daire, na qualidade de responsável solidário pela dívida de B……………., Lda., contribuinte fiscal n.º …………, com última sede na Avenida ………….., ……, …………, em Castro Daire, dívida esta referente a imposto sobre o valor acrescentado de períodos de 2011, custas processuais e juros de mora, no valor global, à data, de € 23.131,03.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da sua admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

a) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção do processo executivo sob o nº. 2526 2014 01028430 no que diz respeito ao oponente;

b) Está em causa nos presentes autos a responsabilização do oponente nos termos do art.º 147º, nº. 2 do CSC, no sentido de que o oponente é solidariamente e ilimitadamente responsável pelo pagamento das dívidas tributárias da devedora originária “B…………. LDA”, NIPC ……………., em razão da “dissolução com partilha imediata” da sociedade;

c) Entendeu o decisor, de forma sucinta, que a responsabilidade dos sócios para efeitos do art.º 147º, nº. 2 do CSC é limitada pelo valor global dos bens partilhados, sendo que, no caso dos autos, o valor dos bens a partilhar era nulo;

d) Razão porque, não tendo o oponente recebido qualquer valor da sociedade aquando da dissolução com partilha, não pode ser responsabilizado na qualidade de sócio pelo pagamento das dívidas fiscais que ulteriormente vieram a ser liquidadas à sociedade devedora;

e) Contudo, salvo melhor posição, não podemos concordar com a interpretação da norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC levada a efeito pelo Meritíssimo Juiz para decidir nos termos em que o fez;

f) Cabe indagar do alcance da norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, com apelo às regras de interpretação das leis, tendo ainda em conta as particularidades dos créditos fiscais;

g) Do nosso ponto de vista, o entendimento subscrito pelo decisor não tem apoio na letra da lei, devendo socorrer-nos para o efeito do disposto no art.º 11º da LGT e do art.º 9º do Código Civil, prevendo o seu nº. 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo reconstituir o pensamento legislativo a partir do texto, tendo em conta a unidade do sistema jurídico;

h) No caso dos autos, temos que a norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, afirma, de forma clara, directa e expressa que, pelas dívidas de natureza fiscal exigíveis em data posterior à dissolução, são responsáveis todos os sócios, responsabilidade que assumidamente é ilimitada e solidária;

i) O que quer dizer que, da letra da lei não se extrai nenhum indício de que o legislador disse menos do que o que pretendia, de forma a que a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios, nas circunstâncias previstas na norma, apenas possa ter aplicação se houver partilha de valores para os sócios e até ao valor dos bens partilhados;

j) Na missão de reconstituir o pensamento legislativo, o texto da lei constitui o ponto de partida da interpretação, que delimita e afasta os sentidos que não tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa;

k) Ora, ressalvada melhor interpretação, não vemos como possa caber no espírito do legislador uma interpretação do art.º 147º, nº. 2 do CSC, que limite a responsabilidade dos sócios apenas se houver partilha de valores para os sócios e até ao valor dos bens partilhados;

l) Queremos com isto dizer que a interpretação da norma tal qual foi efectuada pelo douto Tribunal não tem um mínimo de suporte legal, ainda que imperfeitamente expresso, razão porque uma tal interpretação não cabe no espírito do legislador;

m) Aqui chegados e porque somos de parecer que, a respeito do previsto no art.º 147º, nº. 2 do CSC, o legislador não disse menos do que aquilo que pretendia dizer, então, temos que a norma consagra um regime de responsabilidade dos sócios muito próprio, especial e excecional;

n) E a razão de ser da consagração desse especial regime de responsabilidade prende-se com o facto de estarmos perante créditos de natureza tributária;

o) Foi o próprio legislador que quis consagrar, no caso de partilha imediata de sociedades comerciais, um regime de responsabilidade dos créditos fiscais ainda não exigíveis à data da dissolução, mais grave do que o que se aplica aos créditos não fiscais, não havendo quaisquer dificuldades de interpretação da norma;

p) É que não se pode descurar que estamos perante créditos de natureza e ordem pública (créditos fiscais), cuja arrecadação serve fins de promoção da justiça, da igualdade e da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas;

q) Reflexo da importância dos créditos tributários, em função da missão que lhes está cometida, vigora ainda o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, particularidades também aplicáveis apenas aos créditos fiscais;

r) O que redunda na conclusão de que, a respeito da norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, o legislador pretendeu nele verter um regime de responsabilidade específico para os créditos de natureza fiscal, regime esse distinto e mais gravoso que o aplicável aos demais créditos, em razão de se tratar de créditos que revestem natureza e ordem pública. O Recorrente, na qualidade de trabalhador independente, por se encontrar de doença natural e directa, não procedeu ao pagamento das suas contribuições desde 13/04/2006 a 04/05/2010. s) A norma não suscita problemas de interpretação, não podendo aceitar-se a interpretação veiculada pelo julgador porque a mesma não tem no texto legal um mínimo de correspondência verbal.

s) Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto no art.º 147º, nº. 2 do CSC e art.º 9º e 11º do CC.

Pediu fosse dado provimento ao recurso e fosse a douta sentença recorrida substituída por outra em que fossem julgados improcedentes, por não provados, os vícios imputados ao despacho que imputou a responsabilidade solidária ao oponente.

O Recorrido não contra-alegou.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos e lavrou douto parecer onde, além do mais, consignou o seguinte:

«(…) O normativo do artigo 147.º/2 do Código das Sociedades Comerciais, manifestamente inovatório, interpretado no sentido de estabelecer uma responsabilidade solidária e ilimitada por dívidas tributárias de terceiro, parece ser organicamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária na vertente de reserva de lei parlamentar, ínsito nos artigos 103.º/2 e 165.º/1/i) da CRP, uma vez que o normativo em causa não foi criado por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado, mas sim pelo DL 262/86, de 02/09, emitido ao abrigo do estatuído no artigo 201.º/1/a) da CRP.

O recorrido é, pois, salvo melhor opinião, parte ilegítima na execução, uma vez que, no caso em análise, não é solidária e ilimitadamente responsável pela dívida exequenda, nos termos do estatuído no artigo 147.º/2, do Código das Sociedades Comerciais, apenas podendo responder até ao limite do que eventualmente haja recebido da devedora originária, cabendo à Fazenda Pública a prova de que esta tinha bens e que foram partilhados, o que, no caso em análise, manifestamente, não fez.

Termos em que, ressalvado melhor juízo, pelas razões apontadas, deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.».

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Dos fundamentos de facto

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

A) Em 4 de Novembro de 1993 foi registada a constituição da sociedade «B……………. Lda.» em que figuravam como sócios C……………… e A………………….

[cfr. certidão do registo comercial de fls. 17 a 19 dos autos]

B) Em 31 de Agosto de 2012 foi elaborada ata da assembleia geral da sociedade «B……………… Lda.» onde foi deliberada a dissolução da sociedade e por “já não ter qualquer ativo nem passivo, se encontra em condições de poder ser dada como liquidada”, sendo, ainda declarado o “encerramento da liquidação por inexistência de ativo e passivo”.

[cfr. ata de fls. 30 a 31 verso dos autos]

C) Em 18 de Setembro de 2012 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade «B…………………… Lda.»

[cfr. certidão do registo comercial de fls. 17 a 19 dos autos]

D) Contra «B………………… Lda.» foi instaurado no Serviço de Finanças de Castro Daire o processo de execução fiscal n.º 2526201401028430, para cobrança de IVA, no valor de EUR 22.689,34, referente ao 4.º trimestre de 2011 e cuja data limite de pagamento voluntário era 2014/06/09.

[cfr. certidão de dívida de fls. 13 e verso dos autos]

E) Em 2 de Outubro de 2014 foi elaborada informação no processo de execução fiscal em causa com o seguinte teor:

“Para os devidos efeitos, cumpre-me informar V. Ex.ª que os autos em referência foram instaurados contra a executada B…………….. LDA, pessoa coletiva n.º ………….., com última sede na Av. …………. …., ……. em Castro Daire, por dívidas de IVA ao ano de 2011, no valor de € 22 689,34 acrescido de custas processuais e de juros de mora à taxa legal vigente, cifrando-se o valor global atual em € 23 131,03.

A identificada sociedade encontra-se com a atividade cessada, tendo sido igualmente registada a dissolução, encerramento da liquidação e cancelamento da respetiva matricula na Conservatória do Registo Comercial, tudo com efeitos a 18.09.2012.

No âmbito das diligências efetuadas por este Serviço, verificou-se a inexistência de bens, sendo certo que essa inexistência patrimonial já havia sido declarada e assumida pelos sócios que, reunidos em Assembleia Geral no dia 31.08.2012, afirmaram e lavraram em ata (nº 28) que a sociedade não tinha qualquer ativo ou passivo, estando portando em condições de se proceder à sua liquidação, o que de resto veio a suceder, com a apresentação e registo na Conservatória do Registo Comercial pela ap 001 de 2012/09/18.

Estabelece o n.º 2 do art. 22º da Lei Geral Tributária (LGT) que para além dos sujeitos passivos originais, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas, responsabilidade essa que, nos termos do n.º 1 do citado preceito, abrange não apenas a totalidade da dívida tributária, mas também os juros e demais encargos legais.

Sucede que em matéria tributária, a responsabilidade solidária e a subsidiária apresentam regimes distintos. Isto porque, enquanto que a subsidiariedade do responsável só opera e se efetiva por reversão do processo de execução fiscal, instituto que depende da verificação de um conjunto de pressupostos (essencialmente elencados no art.º 24º da LGT e no n.º 2 do art. 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), o apuramento da responsabilidade solidária depende de um dos dois critérios prescritos no art.º 513º do Código Civil (CC), isto é, da respetiva estipulação legal ou da vontade das partes.

É justamente por isso que, diferentemente do que sucede com os responsáveis subsidiários, o chamamento à execução fiscal dos responsáveis solidários ocorre, verificada a aludida estipulação legal (ou, sendo caso disso, a vontade das partes), de forma imediata, direta, individual e, como acima se disse, integral, ou seja, nos mesmos termos do devedor originário.

Estipula o n.º 3 do referido art.º 22º da LGT que a responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária. Essa determinação em contrário remete-nos para as fontes da solidariedade, que, já se disse, podem ter natureza convencional ou legal.

Ora, não existindo nos autos de execução fiscal em referência qualquer manifestação de vontade nesse sentido, importará apurar se o ordenamento jurídico dispõe de norma habilitante que objetivamente determine essa responsabilização. Ora, referindo-se às dívidas de natureza fiscal, o n.º 2 do art.º 147.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) dispõe que pelas dívidas ainda não exigíveis à data da dissolução ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios.

Na situação em pauta, não pode deixar de observar-se que todo o procedimento que culminou com a extinção da sociedade teve início com a deliberação tomada por unanimidade dos sócios, na qual se declarou em ata a inexistência de ativo e de passivo, verificando-se agora a existência de passivo superveniente.

Nestes termos, entendo estarem verificados os pressupostos para que se proceda à solidária responsabilização das pessoas que ao tempo da dissolução eram titulares do capital social da originária devedora, a saber, A…………, NIF ……….. e, C………………, NIF ……………..”

[cfr. informação constante de fls. 12 e verso dos autos]

F) Na mesma data foi proferido despacho com o seguinte teor:

“Com base nos fundamentos que constam da informação que antecede, que aqui convoco para todos os legais efeitos, verifica-se que no processo executivo em referência se encontram concretamente preenchidas as condições legalmente exigidas para que se proceda à efetivação da responsabilidade solidária dos sócios ao tempo da dissolução da executada originária, nos termos das disposições conjugadas do art.º 22.º da LGT e do art.º 147.º do Código das Sociedades Comerciais.

Com efeito, atenta a qualidade jurídico-tributária de responsáveis solidários que resulta dos supra citados normativos, determino a imediata citação pessoal de A…………., NIF …………. e de C………………….

[cfr. despacho constante de fls. 12 verso dos autos]

G) O despacho de reversão referido anteriormente não foi precedido de audição prévia do Oponente quanto aos fundamentos da responsabilidade solidária.

[cfr. decorre da informação e despacho anteriormente referidos bem como da posição das partes expressa nos respetivos articulados]



3. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, julgando não verificados os pressupostos da atribuição da responsabilidade solidária previstos no artigo 147.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, deu procedência à oposição a execução fiscal.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente Fazenda Pública, por entender que o Mm.º Juiz a quo fez errada interpretação daquele dispositivo legal. E dele fez errada interpretação porque não cabe nem na letra nem no espírito da norma que a responsabilidade ilimitada dos sócios por ela instituída pressuponha a partilha dos bens da sociedade e se limite ao valor dos bens partilhados [alínea “k)” das conclusões do recurso].

A questão que a Recorrente coloca ao tribunal de recurso é, por isso, a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao interpretar aquele dispositivo legal no sentido de que a responsabilidade dos sócios pelas dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução de sociedade de responsabilidade limitada pressupõe a partilha dos haveres sociais e fica limitada ao valor dos bens partilhados.

Em boa verdade, temos aqui duas questões, a colocar sucessivamente.

Em primeiro lugar, a questão de saber se constitui pressuposto da atribuição da responsabilidade (solidária) dos sócios pelas dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução que os haveres sociais tenham sido imediatamente partilhados nos termos do n.º 1 daquele artigo 147.º.

Em segundo lugar, a questão de saber se, verificados os pressupostos dessa responsabilidade, ela fica limitada pelo valor global dos bens partilhados.

À primeira questão respondemos positivamente: a partilha imediata dos bens e haveres sociais constitui pressuposto da atribuição da responsabilidade solidária dos sócios pelas dívidas fiscais constituídas antes da dissolução mas ainda não exigíveis a essa data.

O que significa que, não tendo existido partilha imediata, os sócios não podem ser solidariamente responsabilizados por essas dívidas da sociedade e a coberto daquele dispositivo legal.

Esta interpretação tem cabimento no texto da lei, ao contrário do que alega a Recorrente. Desde logo, porque na epígrafe se anuncia que se vem regular a hipótese da partilha imediata. Mas também porque o corpo do artigo faz referência expressa à partilha e relaciona com a decisão de partilhar a extensão da responsabilidade.

O que, de alguma forma, é também confirmado pela especificação, na parte final do preceito, de que a responsabilidade existe mesmo quando são reservadas importâncias para acautelar o seu pagamento.

Mas também é verdade que é a interpretação que se adequa à finalidade do legislador. Que é a de, por um lado, viabilizar a partilha imediata (não a condicionando à inexistência de dívidas fiscais) e de, por outro lado, desincentiva-la (onerando os sócios com a transmissão da responsabilidade pelo seu pagamento). E, em última análise, obstar à diminuição das garantias do pagamento dessas dívidas através dessa partilha imediata.

E é também a interpretação que faz mais sentido do ponto de vista do seu enquadramento sistemático. Porque se já derivasse do n.º 2 do artigo 147.º do Código das Sociedades Comerciais a responsabilidade solidaria e ilimitada dos sócios em caso de liquidação a sociedade de responsabilidade limitada (independentemente da partilha imediata), não faria sentido que o n.º 2 do artigo 21.º da Lei Geral Tributária viesse consagrar a responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios em caso de liquidação, mas reconduzindo-a a sociedades de responsabilidade ilimitada.

A segunda questão não tem merecido resposta unívoca dos tribunais, mas dela não importa tratar aqui.

Porque se já deriva do sobredito que o tribunal de primeira instância não interpretou erradamente a lei quanto à não verificação do pressuposto da responsabilidade solidária do artigo 147.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais – e que, por isso, este dispositivo não se aplica ao caso – a questão de saber qual o âmbito dessa responsabilidade (e, designadamente, a de saber se o facto de a lei prever ali a responsabilidade ilimitada dos sócios viola os princípios da proporcionalidade e da igualdade) já não tem relevo para a decisão.

Se o oponente não pode ser responsabilizado por aquele dispositivo legal, não interessa saber se o poderia ser ilimitadamente.

Pelo que o recurso não merece provimento.



4. Conclusões

4.1. Constitui pressuposto da atribuição da responsabilidade solidária dos sócios nos termos do n.º 2 do artigo 147.º do Código das Sociedades Comerciais a partilha imediata dos haveres sociais.

4.2. Não existindo partilha imediata na sequência da dissolução da sociedade por quotas, designadamente por não existirem haveres da sociedade a partilhar, não estão reunidos os pressupostos da atribuição da responsabilidade dos sócios nos termos deste dispositivo legal.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 2 de dezembro de 2020. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.