Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0890/13
Data do Acordão:01/28/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
DIVIDENDOS
SUJEITO PASSIVO NÃO RESIDENTE
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
Nº Convencional:JSTA000P18517
Nº do Documento:SA2201501280890
Data de Entrada:05/20/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 168/08.8BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (de fls. 389 a 426), que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A……S.A.” (a seguir Recorrida ou Impugnante), na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2007 por retenção na fonte efectuada quando da colocação à disposição da Impugnante dos dividendos distribuídos pela sociedade, sua participada, “B………, SGPS, S.A.”, condenando a Fazenda Pública à restituição desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que o direito comunitário tinha sido violado, ou seja, o impugnante foi discriminado em relação aos residentes do Estado-Membro, porquanto não poderia deduzir no seu Estado-Membro o correspondente a 15% do dividendo pago, por os mesmos serem isentos de tributação na lei espanhola e porque a CDT com Espanha só permite a dedução do montante de retenção com o limite do imposto espanhol que corresponder a esses dividendos que, no caso, é zero. Assim, verifica-se a distinção de tratamento entre entidades residentes e não residentes, não sendo neutralizada, não sendo neutralizada, redunda num tratamento discriminatório, contrário aos preceitos e princípios de direito comunitário.

II – Por outro lado, a douta sentença considerou que haveria lugar a juros indemnizatórios por [o] erro ser imputável aos serviços.

III - Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se houve ou não discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e, concomitantemente violação do direito comunitário quanto à igualdade de tratamento entre os vários sujeitos passivos.

IV - Relativamente à causa decindendi, a Administração Tributária aquilatou que a douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.

V - O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art. 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.

VI - Ora, se é o Estado-Membro da sociedade-mãe, ou seja, Espanha, que isenta ou tributa, não se vislumbra como é que a legislação portuguesa viola o direito comunitário.

VII - Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, B…….. SGPS, SA, efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.

VIII - Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.

IX - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos arts. 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e do 56.º do Tratado CE.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais».

1.3 A Recorrida contra-alegou, formulando conclusões do seguinte teor:

«A) O Douto Tribunal a quo considerou procedente a impugnação judicial secundando o entendimento da Recorrida de que as liquidações de IRC que lhe foram efectuadas, aquando da percepção de dividendos da sociedade comercial anónima portuguesa B…….., SGPS, S.A., são incompatíveis com o Direito Comunitário por encerrarem uma discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal, em violação da liberdade de circulação de capitais então prevista no artigo 56.º do TCE – actual artigo 63.º do TFUE;

B) Não obstante a sólida fundamentação da pronúncia jurisdicional em referência, a Digna Representante da Fazenda Pública entende existir um erro de julgamento, invocando que o Douto Tribunal a quo apreciou erroneamente as razões de facto e de direito subjacentes «ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação do disposto no art. 90.º n.º 1 al. c), 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC»;

C) À luz do disposto nos artigos 685.º-A, n.º 1, e 684.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, sobre a Digna Representante da Fazenda Pública impende o ónus de alegar e formular conclusões, podendo nessa sede restringir, expressa ou tacitamente, o objecto do recurso;

D) Do exame das alegações de recurso apresentadas pela Digna Representante da Fazenda Pública, e respectivas conclusões, constata-se que o objecto recurso apresentado se circunscreve à questão da compatibilidade com a liberdade de circulação de capitais das disposições do CIRC ao abrigo das quais a retenção na fonte sofrida pela ora recorrida foi feita;

E) Quanto à competência em razão da hierarquia desse Douto Tribunal ad quem, constata-se que a Digna Representante da Fazenda Pública imputa à pronúncia jurisdicional do Douto Tribunal a quo um erro de julgamento de direito, não encerrando as conclusões das alegações de recurso qualquer discordância relativamente à matéria de facto;

F) Encontrando-se perfeitamente estabilizada a matéria de facto subjacente ao litígio, o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo em conformidade esse Douto Tribunal Central Administrativo Sul incompetente para o respectivo conhecimento e competente o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 280.º, n.º 1, do CPPT;

G) Caso assim se não entenda, o que sem conceder por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que a Digna Representante da Fazenda Pública incumpriu com o ónus do artigo 685.º-B, n.º 1, do CPC, motivo pelo qual qualquer recurso sobre a matéria de facto deverá ser rejeitado;

H) A violação do artigo 56.º do TCE pela legislação fiscal portuguesa, no que à situação subjacente aos presentes autos diz respeito, decorre do regime vigente no ano de 2007 no Direito interno português, destinado a evitar ou mitigar a dupla tributação económica, nos termos do qual os accionistas não residentes de sociedades portuguesas eram discriminados em virtude dessa sua não residência em Portugal, sofrendo uma tributação que não era imposta a accionistas com residência fiscal em Portugal, em situações perfeitamente análogas e, nessa medida, objectivamente comparáveis;

I) No caso dos presentes autos, a ora Recorrida, ainda que preenchendo aquando do pagamento dos dividendos em causa os demais requisitos constantes do artigo 46.º, n.º 1, do CIRC, não pôde beneficiar de isenção de tributação idêntica à prevista no artigo 90.º, n.º 1, alínea c), do CIRC pelo facto de não ter a sua sede ou direcção efectiva em Portugal, o que torna evidente a existência de uma situação de discriminação em violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 56.º do TCE;

J) Face ao artigo 56.º do TCE, impende sobre o Estado Português a obrigação de, no âmbito do exercício da sua soberania tributária sobre os dividendos auferidos pela Recorrida, tratar essa distribuição de modo equiparável à auferida por um accionista residente em situação análoga – ou seja, uma obrigação de não discriminar entre accionistas residentes e não residentes;

K) Na medida em que coloca as sociedades residentes em Portugal, que adquirem participações sociais portuguesas, numa situação de vantagem relativamente às sociedades residentes noutros Estados-Membros da União Europeia que efectuem investimentos semelhantes, a discriminação assinalada é proibida pelo artigo 56.º do TCE, constituindo uma restrição à livre circulação de capitais aí prevista;

L) Com efeito, ao contrário do que a Digna Representante da Fazenda Pública pretende fazer crer, a ora Recorrida não se insurge contra o facto de não poder deduzir no seu Estado de residência (Espanha) o montante do imposto português que lhe foi retido na fonte a título de IRC. A Recorrida opõe-se sim, a sofrer, em Portugal, uma tributação em IRC que apenas ocorre em função da sua qualidade de não residente, sendo certo que se fosse residente em território português nenhuma tributação suportaria sobre os rendimentos em causa.

M) Na linha da sua jurisprudência anterior, no dia 22 de Novembro de 2010, em sede do Processo C-199/10 (Secilpar), o Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se expressamente sobre a desconformidade com o Direito Comunitário do regime português em referência, entendendo existir uma violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 56.º do TCE, atenta a discriminação face aos accionistas residentes em Portugal dos accionistas residentes noutros Estados Membros da União Europeia, como é o caso da Recorrida;

N) Inexistem quaisquer argumentos passíveis de justificar o tratamento discriminatório resultante da retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos distribuídos no ano de 2007, motivo pelo qual, ao contrário do sustentado pela Digna Representante da Fazenda Pública, os artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC, consubstanciam efectivamente uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 56.º do TCE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP;

O) A conformidade do regime português destinado a evitar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos com a Directiva n.º 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, não pode justificar a existência de uma violação do disposto no artigo 56.º do TCE;

P) Ao garantir inexistência de tributação sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade portuguesa aos seus accionistas residentes em Portugal em circunstâncias mais favoráveis do que as que resultariam do regime da referida directiva, o Estado português está obrigado, por força do artigo 56.º do TFUE e da obrigação de não discriminar daí decorrente, a estender esse regime mais favorável a todos os accionistas residentes noutros Estados-Membros que se encontrem em circunstâncias análogas;

Q) A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativamente à interpretação dos artigos 63.º e 65.º do TFUE (ex-artigos 56.º e 58.º do TCE) – designadamente Acórdãos Verkooijen (Processo C-35/98), Lankhorst (Processo C-324/00), Bosal Holdings (Processo C-168/01), Saint Gobain (Processo C-307/97), Nicolas Decker (Processo C-1. 20/95), Manninen (Processo C-319/02), ACT4 (Processo C-374/04), FII (Processo C-446/04), Denkavit II (Processo C-170/05), Amurta (Processo C-379/05) Comissão/Itália (Processo C-540/07) e, especialmente, Secilpar (Processo C-199/10) –, reveste inteira aplicação no caso sub judice, determinando a conclusão de que os artigos 63.º e 65.º do TFUE (ex-artigos 56.º e 58.º do TCE) se opõem ao regime ínsito nos artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 88.º, n.º 3, alínea b), 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC;

R) Não obstante, caso esse Douto Tribunal ad quem tenha dúvidas quanto à desconformidade do regime ínsito nos artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 88.º, n.º 3, 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC com os artigos 63.º e 65.º do TFUE (ex-artigos 56.º e 58.º do TCE), estando em causa uma questão de interpretação de Direito Comunitário primário que assume decisiva relevância para a questão sub judice, deverá suspender a presente instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE (ex-artigo 234.º do TCE) a seguinte questão prejudicial:

“Os artigos 63.º e 65.º do TFUE (ex-artigos 56.º e 58.º do TCE) opõem-se à legislação de um Estado-membro, como a dos artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 88.º, n.º 3, alínea b), 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC, que, no âmbito da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, muito embora respeitando os requisitos mínimos de participação previstos na Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, não dispensa de tributação as sociedades accionistas residentes noutro Estado-membro nas mesmas circunstâncias que as sociedades accionistas residentes em Portugal, exigindo para o efeito uma participação social mínima mais relevante, inviabilizando nessa medida por completo a eliminação da dupla tributação económica?”;

S) Padecendo as liquidações de IRC impugnadas de ilegalidade, assiste à Recorrida o direito à percepção de juros indemnizatórios em função da indisponibilidade dos montantes retidos, no valor global de EUR 7.064.442,85, com fundamento em erro imputável aos serviços da Administração Tributária, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, sob pena de violação do princípio da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, previsto no artigo 22.º da CRP;

T) Em face do exposto, não enferma de qualquer erro de julgamento a pronúncia jurisdicional do Douto Tribunal a quo, com o que deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Digna Representante da Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, não pode a pretensão da Digna Representante da Fazenda Pública deixar de ser desatendida, negando-se provimento ao recurso, tudo com as demais consequências legais, o que se requer».

1.4 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, indicando como tribunal competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido mediante requerimento da Recorrente.

1.5 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a impugnação judicial, com a seguinte fundamentação:

«[…] A nosso ver o recurso merece provimento, nomeadamente, pelas razões aduzidas pela recorrente, nas suas conclusões, cujo discurso fundamentador se subscreve.
O STA, já teve o ensejo de apreciar e decidir uma questão, exactamente, similar à, ora em apreciação, no acórdão de 20 de Fevereiro de 2013 1[1 Proferido no recurso n.º 0694/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt], cujo discurso fundamentador se subscreve e cujo sumário é o seguinte:
«I - Não decorre nem do Direito da União Europeia nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça para os sujeitos passivos não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável em território português (e residentes num Estado-Membro da União Europeia) um direito à igualdade de tributação em relação aos residentes (em matéria de impostos directos), prevendo, pelo contrário, o TFUE que a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63.º, n.º 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência [65.º, 1, alínea a), do TFUE].
II - A jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, em termos genéricos, que o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas Convenções sobre Dupla Tributação, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos.
III - No caso em apreço, a Administração Tributária, ao tributar os dividendos através da retenção na fonte à taxa de 10%, limitou-se a dar cumprimento ao estatuído no regime jurídico constante da referida Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, não incorrendo em qualquer ilegalidade, pois decorre do mesmo diploma que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um critério de imposto, nos termos do estatuído no art. 24.º, n.ºs 2 e 4, no País de residência, sendo que se pela via do direito do Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela referida Convenção, tal argumento não pode ser oponível ao Pais da fonte, que se limita a fazer do quadro legal vigente na sua ordem jurídica.»
No caso em análise a retenção na fonte foi efectuada ao abrigo da lei interna, artigos 90.º/1/ c), 46.º/1, 80.º/2/ c), 14.º/3/ e 89.º/1, todos do CIRC e artigo 10.º/2/ b) da CDT Portugal/Espanha.
A retenção em causa será neutralizada pela aplicação de um crédito de imposto, nos termos do estatuído no artigo 23.º/1/ a) da referida CDT.
O facto do Direito Espanhol isentar de tributação os dividendos em causa, impedindo, assim, a efectivação do crédito de imposto conferido pela CDT não pode ser oponível a Portugal que se limita a fazer a aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica.
Parece certo que não há lugar ao sugerido reenvio prejudicial, de acordo com a teoria do acto claro (falta de pertinência, irrelevância da questão despoletada, no processo, para a decisão da causa; existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo TJCE e total clareza da norma disputada), pois existe já interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça, como demonstra o citado douto acórdão do STA».

1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A. A Impugnante é uma sociedade comercial espanhola que reveste a forma “sociedade anónima”, cuja actividade principal tem lugar no sector das telecomunicações (cf. cópia do certificado emitido pelas autoridades fiscais espanholas para efeitos de aplicação do artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes a fls. 77 dos autos e respectiva tradução para o português, a fls. 79 dos autos).

B. A Impugnante não dispõe de sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais em Espanha, nos termos do artigo 4.º da “Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital” (“CEDT), uma vez que é aí considerada residente pela lei fiscal espanhola e sujeita ao imposto espanhol sobre o rendimento de sociedades (“impuesto sobre sociedades”) (cf. cópia do certificado emitido pelas autoridades fiscais espanholas para efeitos de aplicação do artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes a fls. 77 dos autos e respectiva tradução para o português, a fls. 79 dos autos).

C. A 18 de Maio de 2007, a Impugnante detinha uma participação na B………, SGPS, S.A. correspondente a 8,7% do respectivo capital social, atendendo às 99.150.075 acções que então detinha (cf. cópia das declarações emitidas pelas entidades depositárias das referidas acções, Banco Espírito Santo, S.A. e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., e impressão extraída do sítio da B…………, SGPS, S.A. em 7 de Abril de 2009 contendo informação relativa ao capital social da mesma, a fls. 86-87 dos autos).

D. A participação de cerca de 8,7% referida no ponto anterior foi constituída ao longo do período compreendido entre 14 de Outubro de 1997 e 18 de Abril de 2005, nos termos que se descrevem na tabela que se segue (cf. cópia das declarações emitidas pelas entidades depositárias das referidas acções, Banco Espírito Santo, S.A. e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., a fls. 82 e 84 dos autos):

Data
Operação
Acções transaccionadas
Preço
Total de acções detidas
14-10-1997
Aquisição
6.650.000
247.780.349,00
6.650.000
14-07-1999
Aumento de capital
665.000
24.937.500,00
7.315.000
24-11-1999
Renominalização
-
-
36.575.000
04-12-2000
Aumento de capital
7.445.625
69.988.875,00
44.020.625
07-12-2000
Aquisição
2.000.000
18.800.000,00
46.020.625
19-07-2001
Aumento de capital por incorporação de Reservas
920.412
-
46.941.037
28-04-2004
Aquisição
37.128.112
342.321.192,64
84.069.149
28-04-2004
Aquisição
5.063.480
46.938.459,60
89.132.629
17-05-2004
Aquisição
1.500.000
13.037.524,50
90.632.629
22-06-2004
Aquisição
650.000
5.727.578,40
91.282.629
24-06-2004
Aquisição
315.000
2.802.590,28
91.597.629
15-07-2004
Aquisição
200.000
1.731.384,00
91.797.629
14-09-2004
Aquisição
1.115.000
9.553.374,59
92.912.629
17-09-2004
Aquisição
115.000
1.012.234,14
93.027.629
24-12-2004
Aquisição
6.734.270
60.541.087,30
99.761.899
18-02-2005
Alienação
210.970
(2.009.760,49)
99.550.929
12-04-2005
Alienação
25.400
(226.433,98)
99.525.529
18-04-2005
Alienação
375.454
(3.448.161,90)
99.150.075
TOTAL:
839.487.793,08
99.150.075

E. A participação da Impugnação no capital social da B…….., SGPS, S.A. veio a sofrer as variações que se descrevem na tabela que se segue, dispondo actualmente a impugnação de uma participação de 76.327.500 acções no capital social da B………, SGPS, S.A. (cf. cópia da declaração emitida pelo Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., a fls. 84 dos autos):

Data
Operação
Acções transaccionadas
Preço
Total das acções detidas
21-07-2007
Venda
18.558.181
171.106.428,82
80.591.894
22-12-2008
Venda
4.264.394
26.780.394,32
76.327.500
TOTAL:
76.327.500

F. A 14 de Outubro de 1998, a Impugnação completou um ano de detenção ininterrupta de uma participação na B……… SGPS, SA, com valor de aquisição não inferior a EUR 20.000.000,00 (cf. cópia da declaração emitida pelo Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., a fls. 84 dos autos).

G. A 18 de Maio de 2007, a Impugnante auferiu dividendos da sua participação na B……… SGPS, SA no montante de EUR 47.096.285,63 (cfr. cópias de extractos bancários emitidos pelas entidades depositárias das acções, Banco Espírito Santo, S.A. e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., a fls. 100 a 101 e 103 dos autos).

H. Tais dividendos foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal a uma taxa de 15% no valor global de EUR 7.064.442,85 (cfr. cópias de extractos bancários emitidos pelas entidades depositárias das acções, Banco Espírito Santo, S.A. e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., a fls. 100 a 101 e 103, e dos modelos 8 RFI certificados pelas autoridades fiscais espanholas, a fls. 105 a 107 dos autos).

I. Em 18 de Maio de 2009, a ora impugnação apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 2 e ao “abrigo do disposto nos artigos 68.º, n.º 1, e 132.º, n.ºs 3 e 4 do CPPT e 128.º, n.ºs 2 a 4, do CIRC”, reclamação graciosa da liquidação de IRC operada em 18 de Maio de 2007 mediante retenção na fonte, no montante de EUR 7.064.442,85, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. RI da reclamação a fls. 109-166 e carimbo de entrada aposto a fls. 109 dos autos, e a fls. 2 a 59, carimbo aposto a fls. 2, do PAT).

J. Em 3 de Setembro de 2099, a Impugnante tomou conhecimento do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia (cf. cópia do oficio n.º 74397, de 31 de Agosto de 2009 e projecto de decisão, a fls. 200-209 dos autos)

K. Em sede de projecto de decisão, a Administração Tributária veio considerar que a reclamação graciosa apresentada deveria ser indeferida, invocando para o efeito que “ao processar a Liquidação objecto de refutação, os Serviços Tributários limitaram-se a dar cumprimento ao disposto na Lei Fiscal, com relevância nas Disposições do CIRC” e que “não estão habilitados a contrariar a Lei Interna, estando pelo contrário, obrigados a cumpri-la na íntegra, pelo que, a emissão da Liquidação colocada em questão, está imaculada, de acordo com o prescrito na Legislação vigente”, avançando ainda o entendimento de que, para que o art. 56.º do TCE “se torne imperativo, necessário se torna que seja transposto para o Direito interno, o que na situação em apreço, não se consumou” (cf. projecto de decisão, a fls. 200-209 dos autos).

L. Em 14 de Setembro de 2009, a Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia, manifestando a sua concordância com o projecto de decisão em sede de reclamação graciosa referido no ponto anterior através de requerimento escrito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. requerimento a fls. 211 a 216 dos autos).

M. Em 2 de Outubro de 2009, a Impugnante tomou conhecimento do despacho de 29 de Setembro exarado sobre informação dos serviços da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa (DJA/DFL) de 21 de Setembro de 2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual a Administração Tributária indeferiu a reclamação graciosa, assim convolando em definitivo o projecto de decisão de indeferimento referido no ponto I (cf. cópia do despacho e informação, a fls. 219 a 228 dos autos e despacho, informação, ofício de remessa com o n.º 82998 datado de 30-09-2009, e A/R assinado, a fls. 126 a 137 do PAT apenso).

N. Na informação de DJA/DFL em que se suportou o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, lê-se o seguinte (cfr. cópia do despacho e informação, a fls. 219 a 228 dos autos originais a fls. 126 a 135 do PAT apenso):

(…)
4.4 – Através da análise da Petição, juntamente com os elementos entretanto vertidos para o Processo, na sequência do Direito a Participar na Decisão concedido ao Sujeito Passivo, constata-se a inexistência de factos novos e relevantes, passíveis de colocar em questão o sentido do proposto.
4.5 – O Impetrante estriba a sua argumentação, no sentido de considerar que os Serviços estão obrigados a dar cumprimento à Legislação Comunitária, (no caso em apreço, o teor do artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia), dado sobrepor-se às Normas do Direito Interno.
4.6 – No entanto, facto é que os Serviços da Administração tributária estão subordinados à Legislação Interna, com relevância superior na Lei Fiscal.
4.7 – Enquanto as Normas que compõem o Direito Comunitário não houverem merecido a devida transposição, não se torna possível contrariar a Jurisprudência Nacional.
4.8 – Nestas circunstâncias, a Decisão de indeferir o Pedido formulado pelo Obrigado Tributário, “A…….., S.A.”, deverá ser convolado em definitivo.
(…)

O. No ofício da DJA/DFL n.º 82998 de 30 de Setembro de 2009, através do qual a impugnante tomou conhecimento do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, lê-se o seguinte (cf. ofício a fls. 136 do PAT apenso e 218 dos autos):

(…)
Deste despacho poderá recorrer hierarquicamente, no prazo de 30 (trinta) dias, ou impugnar judicialmente no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, nos termos, respectivamente, dos artigos 66.º, n.º 2 e 102.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
(…)

P. A PI da presente impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 19 de Outubro de 2009 (cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)».

2.1.2 Embora fora do local onde se propôs registar a factualidade provada (A lei, impondo que o julgamento da matéria de facto seja feito na sentença, designadamente que aí «[o] juiz discriminará […] a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões» (cf. art. 123.º, n.º 2, do CPPT), designadamente, tomando «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que […] deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer» (art. 659.º, n.º 3, do CPC, na redacção em vigor à data), não exige que o mesmo seja feito de forma autonomizada. No entanto, a praxis levou a que se considere de boa técnica que o julgamento de facto seja feito numa parte perfeitamente delimitada da sentença, a seguir ao relatório (cfr. art. 659.º, n.º 2, do CPC, na mesma redacção, e a que hoje corresponde o n.º 3 do art. 607.º).) – o ponto III.1 da sentença, que tem como epígrafe «De facto» – a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa deu também como assente o seguinte facto, com relevo para a decisão:

«[…] os dividendos provenientes de Portugal recebidos pela Impugnante estão isentos de tributação em Espanha, conforme resulta da lei espanhola» (cfr. fls. 36 da sentença, a fls. 424).


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrida é uma sociedade de direito espanhol e sujeita pelo Reino de Espanha a imposto sobre o rendimento (impuesto de sociedades) sem possibilidade de opção por isenção. Em 2007, recebeu dividendos da sociedade nacional “B…….., SGPS, S.A.”, na qual detinha uma participação no capital social.
Esta última sociedade, quando da colocação desses dividendos à disposição da sociedade ora Recorrida, reteve IRC à taxa de 15%.
A sentença, anuindo à argumentação da ora Recorrida enquanto impugnante, considerou que se verifica a invocada violação do princípio comunitário por restrição não justificada à livre circulação de capitais, pois que no momento da ocorrência dos factos tributários estavam verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos arts. 46.º, n.º 1, e 90.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), pelo que, se a Impugnante fosse, à data de tais factos, residente em território português, não teria sido tributada no ano de 2007, relativamente aos valores em causa, e uma vez que se provou que os rendimentos auferidos pela Impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha.
Atenta a discordância da Fazenda Pública com o assim decidido, importa apreciar se as retenções de IRC efectuadas pela “B………, SGPS, S.A.” sobre os dividendos distribuídos à Impugnante, ora Recorrida, relativos ao exercício de 2007, por força da aplicação conjugada dos arts. 14.º e 89.º do CIRC (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), consubstanciam um tratamento diferenciado dos rendimentos auferidos pela Impugnante, violador dos princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos arts. 12.º, 43.º, 48.º e 56.º do Tratado CE.
Assim, como adiantámos em 1.7, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais.

2.2.2 DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS COMUNITÁRIOS DA NÃO DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA NACIONALIDADE E DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS

A referida questão tem vindo a ser colocada repetidamente a este Supremo Tribunal Administrativo, que lhe tem vindo a dar resposta uniforme, depois de um primeiro entendimento no sentido sustentado no parecer do Procurador-Geral Adjunto (Referimo-nos aos seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 28 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 694/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3647 a 3665, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f4a62f5763b6f8a80257acc004f049c?OpenDocument;
- de 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 1435/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 936 a 948, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b8529491f996261f80257b2c0033bff6?OpenDocument.), mas que foi entretanto abandonado (Vide o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo 1435/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/63f0674f3cf54ef680257d2c00551bb0?OpenDocument.). Por isso, como permite o n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil, vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação expendida no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1319/13 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1760 a 1769, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4f2d3a9f87f4023c80257ce7004a052d?OpenDocument.), que se insere na corrente jurisprudencial actualmente uniforme (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 27 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 654/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32240.pdf), págs. 4578 a 4589, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9d3b6c27269ccb6780257c36005262a6?OpenDocument;
- de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 568/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32240.pdf), págs. 5040 a 5054, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/276e073390b1069c80257c630035c0e0?OpenDocument;
- de 9 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1318/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1465 a 1488, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/227a56f3732597a980257cc4003c8e0f?OpenDocument;
- de 21 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1192/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 1874 a 1885, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/83376c6f4f68659080257ce50031ca6e?OpenDocument;
- de 29 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1502/12, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3b2bfc55416d12bf80257d8600408b20?OpenDocument;
- de 12 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 461/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b2c5971a31e89bf80257d9000438a03?OpenDocument;
- de 26 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 1877/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9ae725112e40b1f080257da400549f42?OpenDocument.), dispensando a junção de cópia do acórdão, uma vez que o mesmo está já publicado no jornal oficial.
De acordo com essa fundamentação, concluímos que a sentença recorrida não padece do vício de ilegalidade que a Recorrente lhe imputa e, pelo contrário, fez, à luz do disposto no art. 8.º da Constituição da República Portuguesa, correcta interpretação e aplicação do direito comunitário, bem como do direito nacional, ao considerar que o regime aplicado à ora Recorrida, consubstanciava, no caso concreto, um tratamento fiscal diferenciado dos rendimentos auferidos por entidades residentes em outros Estados da União Europeia, intolerável à luz dos princípios da não discriminação (art. 12.º TCE) e da livre circulação de capitais (art. 56.º TCE).
A fundamentação aduzida na sentença, aliás, não merece reparo algum, bem pelo contrário, é de louvar pelo primor da sua argumentação jurídica, com uma correcta interpretação e aplicação do direito e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre casos similares.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal do acórdão para cuja fundamentação remetemos:

Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


*

Lisboa, 28 de Janeiro de 2015. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Ascensão Lopes.

Segue acórdão de 18 de Março de 2015:


Pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Requerente), notificada do acórdão proferido nestes autos, que negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A………… S.A.” (adiante Requerida), anulou as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2007 por retenção na fonte efectuada quando da colocação à disposição da Impugnante dos dividendos distribuídos pela sociedade, sua participada, “B…………, SGPS, S.A.”, condenando a Fazenda Pública à restituição desse montante, acrescido de juros indemnizatórios, veio pedir a sua reforma quanto a custas, invocando o disposto nos arts. 616.º, n.º 1, e 666.º do Código de Processo Civil (CPC),

1.2 Sustenta a Requerente, em síntese, que, em face do valor da causa (€ 7.064.442,85), deve o Supremo Tribunal Administrativo usar da faculdade prevista na segunda parte do art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), de modo a dispensá-la do pagamento do remanescente da taxa de justiça em todas as instâncias, pois adoptou «um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os tribunais», o Supremo Tribunal Administrativo baseou a sua decisão em jurisprudência anterior e a fixação de custas num valor global de € 254.592,00 não tem tradução na complexidade do processo e viola os princípios do acesso ao direito e aos tribunais, da proporcionalidade e da correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos.

1.3 Notificada do requerimento, a Requerida não se pronunciou.

1.4 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, dada a simplicidade da questão a dirimir e a anterior fixação de critérios jurisprudenciais sobre a mesma, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTOS

2.1 DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

Pediu a Requerente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP.
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Ou seja, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, o acórdão ocupou-se da questão de saber se as retenções de IRC efectuadas pela “B…………, SGPS, S.A.” sobre os dividendos distribuídos à Impugnante, ora Requerida, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, por força da aplicação conjugada dos arts. 14.º e 89.º do CIRC (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), consubstanciam um tratamento diferenciado dos rendimentos auferidos pela Impugnante, violador dos princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos arts. 12.º, 43.º, 48.º e 56.º do Tratado CE, designadamente, se a sentença fez correcto julgamento quando considerou verificar-se a invocada ilegalidade da liquidação por a retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela Impugnante violar o princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade e o princípio da liberdade de circulação de capitais.
Apesar de a questão em si mesma não pode ser considerada de complexidade inferior à comum, antes pelo contrário, na medida em que exigiu, não só a apreciação de legislação nacional, como também do direito comunitário e de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a verdade é que havia já jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo consolidada sobre o tema; de tal modo que se entendeu, fazendo uso da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do CCP, remeter para a fundamentação expendida por acórdão anterior, dispensando a junção de cópia do mesmo, por ter já sido publicado no jornal oficial.
Podemos, pois, concluir que houve simplificação da tramitação processual, em razão do uso dessa faculdade.
Por outro lado, o valor a pagar a título de remanescente, afigura-se-nos elevado em face do serviço prestado, a justificar a dispensa do pagamento do pagamento do remanescente como modo de obviar à violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da necessidade.
Tudo visto, concluímos que a decisão de negar provimento ao recurso conduziu à condenação da recorrente em custas, como não podia deixar de ser, não decorrendo tal condenação em custas de qualquer erro, lapso ou sequer descuido em que tenha incorrido o acórdão cuja reforma é peticionada, antes da estrita aplicação das normas legais que determinam a responsabilidade por custas (art. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelo que nada há a reformar no acórdão quanto a custas.
No entanto, atento o que deixámos dito quanto à simplificação da tramitação processual, entendemos como justificada a dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pela Requerente ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, sendo também que a conduta processual das partes no recurso não merece censura que obste a essa dispensa.
Cumpre ainda ter presente que a decisão deste Supremo Tribunal Administrativo respeita exclusivamente à taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso. Quanto à taxa de justiça devida em 1.ª instância, entende-se ser o Tribunal a quo que deve pronunciar-se sobre a requerida dispensa do pagamento do remanescente.

2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se o montante da taxa de justiça devida se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, tendo em conta, designadamente, que a questão sujeita a recurso já foi anteriormente objecto de diversas decisões deste Supremo Tribunal e que o acórdão, usando da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do CPC, remeteu para a fundamentação expendida por aresto anterior.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em deferir o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça devido pelo recurso.
Sem custas.

*
Lisboa, 18 de Março de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Fonseca Carvalho – Ascensão Lopes.