Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0746/10.5BECBR
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO
FORMA DE PROCESSO
QUESTÃO FISCAL
Sumário:I - A questão de saber se determinada quantia pode ou não ser cobrada coercivamente no âmbito da execução fiscal é matéria própria a ser discutida no âmbito da oposição à execução fiscal nos termos da alínea i) do artigo 204º do CPPT.
II - Trata-se de questão fiscal a que emerge da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas.
Nº Convencional:JSTA000P27816
Nº do Documento:SA2202106090746/10
Data de Entrada:10/28/2020
Recorrente:ASSOCIAÇÃO DE BENEFICIÁRIOS DA OBRA DE FOMENTO HIDROAGRÍCOLA DO BAIXO MONDEGO
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Associação de Beneficiários da Obra e Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, inconformada interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF de Coimbra) datada de 16 de Junho de 2016, que considerando improcedente a exceção de erro na forma de processo julgou procedente a oposição e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal instaurada contra a oponente A…………, no processo de execução fiscal com o número 0850201001007610, do Serviço de Finanças de Soure, por dívidas provenientes de taxas de exploração e conservação relativas aos anos de 2008 e 2009.

Alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1-Nenhum dos fundamentos invocados pela oponente se integram nos fundamentos da oposição à execução previstos no artigo 204º do CPPT.
2-Dispõe o nº 2 do artigo 97º da LGT que “A todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”. A ilegalidade em concreto da liquidação, tal como é alegado pela oponente, só pode constituir fundamento de oposição à execução, nos termos da al. h) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, “(...) sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação;”
3-Ora, no caso concreto, a oponente deveria ter-se socorrido da impugnação judicial, o que não fez, sendo impossível, por intempestividade, a convolação dos presentes autos para tal forma de processo.
4-Verifica-se, pois, erro na forma do processo, o que constitui nulidade (nº 3 do artigo 98º do CPPT e artigo 193º do CPC, aplicável ex vi al. e) do artigo 2º do CPPT), que obsta à apreciação do mérito da causa e, consequente, à absolvição da instância da ora recorrente.
5-O termo “lei” constante do nº 2 do artigo 148º do CPPT é aí usado em sentido amplo, abrangendo, assim, os Decretos-Regulamentares do Governo, e não no sentido estrito de diploma emanado da Assembleia da República ou do Governo com ou sem autorização daquela (DL).
6-O Decreto-Regulamentar 84/82, de 4/11, é pois um ato legislativo no sentido amplo tal como é usado no nº 2 do artigo 148º do CPPT.
7-Por isso, a ABOFHBM, que é uma pessoa colectiva de direito público, poderá proceder à cobrança de outras dívidas, para além das TEC, através do processo de execução fiscal.

Nestes termos e nos demais de direito, que Vªs Exªs doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e ser revogada a douta sentença recorrida.”.

A ora Recorrida – A………… - contra-alegou, concluindo assim:
“1. A ABOFHBM é nos autos mera auxiliar da A.T., uma assistente civil;
2. A actividade dos Assistentes está subordinada à da parte principal (art.º 328º nº 2 do C.P.C.);
3. A Autoridade Tributária não interpôs, nem motivou recurso algum;
4. A interposição de recurso pela ABOFHBM é legalmente inadmissível, por falta de legitimidade da mesma para estar, por si só, em tal impulso processual: o recurso não deveria ter sido admitido e deverá, agora, ser rejeitado;
5. Na sua oposição a Recorrida alegou:
-que não estamos perante dívida que deva ser paga por força de acto administrativo, tão pouco taxa alguma.
-que a ABOFHBM não tem concessão para o Arunca pelos anos (2008 e 2009) referidos nas facturas, assim afastando a possibilidade de dívida de pessoa colectiva de direito público que deva ser paga por força de acto administrativo;
-que aquela Associação condicionou qualquer intervenção sua no Arunca a um contrato e adesão escrita de todos os agricultores, nunca celebrado com a Recorrida;
- que a estar-se perante contrato de prestação de serviços, não se está perante uma taxa: as facturas não aludem a taxas, antes “V/PART. DESR. C. ARUNCA”., debitando, como em qualquer prestação de serviços IVA a 20% ao invés de 5% (como seria própria de uma taxa); a alusão – falsa – a taxa de conservação e exploração só aparece na certidão de dívida, emitida para propositura de execução;
- outra factualidade, esta sim, atinente à ilegalidade em concreto da dívida exequenda – v.g ausência de obras de fomento hidroagrícola no Arunca;
6. O facto de não estar autorizada a cobrança da taxa à data em que ocorreu a sua pretensa liquidação, enquadra-se no disposto na alínea a) do artº 204º do CPPT - pelos anos e local em causa nos autos (anos 2008 e 2009/ Arunca) a Associação não era concessionária nada ali lhe tendo sido entregue por quem de direito;
7. De acordo com o disposto na alínea h) do artigo 204º do CPPT, qualquer ilegalidade concreta da liquidação pode ser arguida na Oposição quando, como aqui acontece, estamos perante um daqueles casos em que por via do âmbito da execução fiscal, definido no artº 148º do CPPT, são extraordinariamente cobradas dívidas que não foram criadas por acto administrativo, não sendo dada à Recorrida chance de reacção mais precoce, com prejuízo para a tutela jurisdicional efectiva dos direitos desta última;
8. Também cabe na Oposição a falsidade do título executivo consistente na discordância entre os seus termos formais e a realidade que o mesmo se destina provar, com influência nos termos da Execução conforme alínea c) do artº 204º do CPPT - aquilo que na factura era uma prestação de serviços com incidência de IVA a 20% passou a ser, mercê de emissão de uma certidão encerrando falsidade, uma taxa de conservação ou exploração;
9. Segundo o Decreto Regulamentar n.º 84/82 de 4 de Novembro a atribuição de competências de exploração e conservação de obras de fomento hidroagrícola às Associações com cobrança das inerentes receitas (e sequente recurso ao processo de execução fiscal) depende de um duplo requisito, subjectivo e objectivo.
- só Associações com reconhecimento formal do Ministério da Agricultura podem proceder à cobrança (artºs. 1.º e 2.º);
- e só o podem fazer relativamente às obras que lhes forem entregues - ficou provado que o Vale do Arunca não foi entregue à Associação (artº 4º, aln. b);
10. Segundo os Estatutos da própria Associação (artigo 4º. parágrafo 10º) a mesma só pode remeter às Secções de Finanças, para efeitos de cobrança, mapas de liquidação relativos a taxas de beneficiação e não a cobrança de preços por contratos de prestação de serviços:
11. As facturas que integram o título executivo complexivo que serviu de impulso à Execução encerram a cobrança de una participação em despesas do campo do Arunca pelos anos de 2008 e 2009 com incidência de IVA à taxa de 20%, típico de uma prestação de serviços e acto de comércio;
12. Existe impropriedade do processo de execução fiscal para cobrar dívida que não é tributária oriunda de Associação que não é concessionária e que pelos seus estatutos se auto-exclui da possibilidade de usar tal processo para cobrança coerciva da mesma, para mais não assente em qualquer acto administrativo ou contrato por força do qual a Associação a pudesse cobrar;
13. A inidoneidade (ou impropriedade) do meio processual é excepção dilatória inominada que, inexoravelmente e sem aproveitamento, impõe absolvição da instância:
14. A inidoneidade do meio processual é aqui tão relevante quanto a adopção do meio processual utilizado pela Exequente pode, por si só, subverter e inquinar o resultado da lide - outro seria esse resultado quando a adopção do meio processual adequado à cobrança da pretensa "participação em despesas" teria que passar pelo crivo declarativo prévio da injunção ou AECOPEC com produção de prova de contratação com a Recorrida:
15. A Recorrida alegou e demonstrou na sua Oposição que as faturas referem a participação em despesas com IVA a 20% como toda a prestação de serviços mas a subsequente certidão de dívida que suportou o impulso da Execuções, sem fidelidade à fatura, apenas alude a taxa de exploração e conservação (se assim fosse sobre tudo deveria ter incidido IVA a 5%);
16. Assim arguindo e demonstrando a falsidade do título executivo consistente na discordância entre os seus termos formais e a realidade que o mesmo pretende provar;
17. A falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução, constitui fundamento autónomo de Oposição à Execução e aqui a Falsidade tem tanta influência quanto:
-não existe qualquer contrato que tivesse investido a Associação na qualidade de concessionária para o Arunca pelos anos de 2008 e 2009;
- não existe qualquer contrato celebrado entre a Associação e a Recorrida:
18. Não fosse a falsidade introduzida na certidão de dívida e estava, radicalmente vedado à Associação o acesso à Execução Fiscal;
19. A Recorrente revela nas suas alegações persistência numa senda de má-fé quando continua a tentar chamar “TEC” (taxa de exploração e conservação) a putativas prestações de serviços.
Termos em que, mantendo a douta decisão recorrida se fará JUSTIÇA!”.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se emitindo parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso devendo ordenar-se a baixa dos autos à 1.ª Instância para apreciação dos restantes fundamentos invocados

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
“1. Em 4.08.1988 foram aprovados os estatutos da Associação de Beneficiários do Baixo Mondego, cuja cópia a fls. 36 a 41 dos autos aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“(…)
Artigo primeiro – É criada a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego.
(…)
Artigo segundo – A Associação é uma pessoa colectiva de direito público, sujeita a reconhecimento formal do ex-Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, actual Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação e a sua duração é por tempo ilimitado.
(…)
Artigo quarto – A Associação tem como objecto a defesa dos interesses agrícolas do Vale do Mondego, ao abrigo do Decreto-Lei número duzentos e sessenta e nove, barra oitenta e dois, de dez de Julho. Assim compete-lhe:
Primeiro – Pronunciar-se sobre o projecto de regulamento definitivo da obra e propor as modificações que entender convenientes;
Segundo – Assegurar a exploração e conservação da obra de fomento hidroagrícola ou das partes desta que lhe forem entregues; Terceiro – Elaborar os horários de rega, em íntima colaboração com a Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola e assegurar o seu cumprimento de harmonia com os princípios estabelecidos no regulamento da obra e as disponibilidades de água.
Quarto – Realizar trabalhos complementares destinados a aumentar a utilidade da obra, de acordo com os projectos elaborados pela Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola.
Quinto – Promover a criação e participação em unidades industriais e cooperativas nos termos da legislação em vigor.
Sexto – Elaborar em cada ano o orçamento das suas receitas e despesas para o ano seguinte e submetê-lo, com a acta da sessão a que se refere o artigo oitavo, à aprovação da Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola até à data que for fixada no respectivo regulamento, enviando simultaneamente cópia à Direcção Regional de Agricultura respectiva;
Sétimo – Elaborar os mapas de liquidação anual das taxas de exploração e conservação e de beneficiação, de harmonia com o disposto no regulamento da obra, promover a sua afixação e decidir sobre as reclamações que, relativamente a elas, sejam apresentadas pelos utentes, remetendo à Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola os recursos que dessas decisões sejam interpostos;
Oitavo – Fazer directamente a cobrança das taxas de conservação e exploração e arrecadar as demais receitas que lhes caibam;
Nono – Administrar as receitas e os bens próprios ou entregues à sua administração;
Décimo – Remeter às secções de finanças dos conselhos respectivos, para efeitos de cobrança, os mapas de liquidação das taxas de beneficiação e os recibos pertinentes;
Décimo-Primeiro – Manter actualizados os elementos cadastrais que lhes forem fornecidos em relação aos prédios rústicos situados na zona beneficiada; Décimo Segundo – Efectuar os registos da produção anual das terras beneficiadas;
Décimo Terceiro – Promover as acções de melhoramento do perímetro que conduzam a uma utilização racional da terra e da água e fomentar o uso das tecnologias de manejo de água e do solo mais apropriadas;
Décimo Quarto – Assegurar a defesa e policiamento das obras em colaboração com os serviços oficiais competentes;
Décimo Quinto – Pronunciar-se sobre reclamações dos beneficiários relativas a matérias das suas atribuições e deliberar sobre transgressões ao regulamento da obra e aos estatutos;
Décimo Sexto – Colaborar com todos os serviços do Estado no estudo e execução das medidas atinentes ao desenvolvimento técnico, económico e social da zona beneficiada em tudo quanto respeita à realização das obras, desde a fase de concepção das mesmas;
Décimo Sétimo – Apresentar, para aprovação, à Direcção Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola, por intermédio da Direcção Regional de Agricultura respectiva, um relatório anual de que constem os elementos necessários para um conhecimento da forma como decorre a exploração e conservação da obra e dos resultados económicos e sociais da exploração das terras, bem como das demais actividades desenvolvidas. Desse relatório anual deve ser remetida cópia à ex Direcção Geral de Agricultura, actual Direcção Geral de Planeamento e Agricultura.
(…)
Artigo quinquagésimo sétimo – Constituem receitas da Associação; Primeiro – O produto da taxa de exploração e os lucros das centrais hidroeléctricas administradas pela Associação, depois de deduzidas; Alínea a) – A quota que for fixada para a Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola de acordo com a alínea d) do número um do artigo quinquagésimo segundo do Decreto-Lei número trezentos e setenta e cinco, barra oitenta e seis, de seis de Novembro;
Alínea b) – A quota devida em relação à parte da obra que, nos termos do regulamento da obra, não seja explorada e conservada pela Associação; Segundo – O produto das quotas dos sócios a fixar pela direcção;
Terceiro – A importância das multas e indemnizações arbitradas em benefício da Associação, nos termos legais;
Quarto – O produto do fornecimento da água sobrante;
Quinto – Quaisquer donativos ou legados;
Sexto – As importâncias cobradas por serviços prestados pela Associação;
Sétimo – Quaisquer outros rendimentos ou subsídios que lhe sejam atribuídos; Oitavo – O produto de quaisquer empréstimos contraídos pela Associação, ao abrigo das disposições legais em vigor.
(…)
Artigo sexagésimo – A cobrança coerciva das taxas e bem assim das multas, indemnizações e outras dívidas à Associação, nos termos deste Estatuto, efectuar-se-á pelo processo de execuções fiscais, nos tribunais de primeira instância das Contribuições e Impostos de Lisboa e Porto ou nas repartições de finanças nos demais concelhos do País e far-se-á trinta dias após a falta de pagamento voluntário.
Parágrafo único- Quando se trata de áreas nacionalizadas, a Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola providenciará no sentido de reembolsar a Associação de beneficiários da importância correspondente às taxas de dívida.
Artigo sexagésimo primeiro – A execução terá por base certidão, extraída pela direcção, do título da cobrança ou documento onde conste a dívida ou ainda da decisão que tiver condenado o beneficiário ao pagamento da multa e da indemnização. A certidão será, para o efeito, enviada ao tribunal ou repartição de finanças competente. (…)”. – cfr. fls. 36 a 41.
2.Em 20.05.2005 o Diretor Delegado da Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego elaborou um ofício dirigido à Oponente com o seguinte teor:
“A Associação de Beneficiários reuniu, a 5 de Abril p.p. com um grupo alargado de agricultores do Vale do Arunca, para discutir algumas questões relativas à rega.
Nessa reunião foi decidido intervir na limpeza da Vala Nova e da Vala da Margem Direita (em ambos os casos no troço a seguir ao açude) e refazer o Açude da Ponte Mucate. Foi igualmente decidido que a Associação iria identificar os agricultores beneficiados e propor-lhes um contrato de prestação de serviços, de forma a serem os mesmos a suportar o custo dessa intervenção. Nesta data, as valas já foram limpas e o açude reparado.
Assim sendo, pede que faça chegar à sede desta Associação o P2 dos prédios beneficiados pelo trabalho realizado, para que a Associação possa dar seguimento ao processo.” – cfr. fls. 18 dos autos.
3.O Diretor Delegado da Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego subscreveu o ofício datado de 11.01.2006, sob o assunto “Ficha de Exploração”, cuja cópia a fls. 19 a 23 aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“A Associação de Beneficiários do Baixo Mondego interveio no Vale do Arunca, na campanha agrícola de 2005, de forma a garantir a rega numa área que estava em dificuldades. Após essa intervenção, foi feito o levantamento dos prédios beneficiados, para dividir as despesas por todos.
De acordo com esse levantamento, o senhor explora os prédios indicados na ficha anexa. Caso haja algum erro nessa ficha, a Associação agradece que o comunique até ao próximo dia 20 de Janeiro, para se proceder à respectiva correcção antes de facturar.
(…)”.
4.Em 02.04.2007 os agricultores da zona sul do Vale do Arunca reuniram com a Associação de Beneficiários do Baixo Mondego, tendo como objetivo o pedido de intervenção da Associação na gestão da rega e drenagem da referida área, tendo sido eleita uma Comissão de Agricultores para acompanhar os trabalhos da Associação – cfr. Ata da reunião de 04.04.2007, ocorrida em Vila Nova de Anços, de fls. 108 e 109 dos autos.
5.Em 30.06.2008 a Presidente do Júri Avindor elaborou um ofício dirigido ao mandatário da Oponente, sob o assunto “Aproveitamento Hidroagrícola do Baixo Mondego. Reclamação de A…………”, que aqui se transcreve:
“Como é do conhecimento da sua representada, desloquei-me ao Vale do Arunca, acompanhada pelo Eng.º B…………, representante do Estado junto da Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, para observar as condições de serviço do regadio naquela área. Recolhi informação importante, no entanto não estou esclarecida quanto à legitimidade e forma de intervenção da Associação em áreas não entregues pelo Estado, questão que o Representante do Estado colocou à DGADR e para a qual ainda não obteve resposta.
Aguardaremos a instrução do processo, para apreciar a reclamação exposta por V. Exª.” – cfr. fls. 52 dos autos.
6.Em 05.11.2008 a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego emitiu em nome da Oponente a fatura n.º 1271, com data de vencimento em 05.12.2008, com a seguinte descrição “Esc. 3 – V/ PART. DESP. C. ARUNCA / MONTANTE * 2008”, no valor de EUR 1.647,45 acrescida de IVA no valor de EUR. 329,49 – cfr. fatura de fls. 239 dos autos.
7.Em 27.11.2008 foi assinado o aviso de receção da carta datada de 26.11.2008, remetida pelo mandatário da Oponente à Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, pela qual foi devolvida a fatura n.º 1271, no valor global de EUR 1.976,94 – cfr. fls. 42 a 46.
8.Em 16.11.2009 a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego emitiu em nome da Oponente a fatura n.º 2262, com data de vencimento em 16.12.2009, com a seguinte descrição “Esc. 3 – V/ PART. DESP. C. ARUNCA / MONTANTE * 2009”, no valor global de EUR 1.523, 56 – cfr. fls. 242.
9.Em 23.12.2009 foi assinado o aviso de receção da carta datada de 21.12.2009, remetida pelo mandatário da Oponente à Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, pela qual foi devolvida a fatura n.º 2262, no valor de EUR 1.523,56 – cfr. fls. 47 a 51.
10.Em 13.09.2010 o Presidente da Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego emitiu em nome da Oponente a certidão de dívida cuja cópia a fls. 56 dos autos aqui se dá por reproduzida, no valor de EUR 3.500,50 relativa a taxas de exploração e conservação dos anos de 2008 e 2009 – cfr. fls. 56.
11.Em 22.01.2010 o Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural homologou o “Contrato de Concessão para a gestão do aproveitamento hidroagrícola do Baixo Mondego”, celebrado entre o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, cuja cópia junta a fls. 118 a 171 dos autos aqui se dá por reproduzida, pelo qual foi concessionado em regime de exclusividade a gestão do Aproveitamento Hidroagrícola do Baixo Mondego – cfr. contrato de concessão de fls. 118 a 171 dos autos.
12.Em 07.11.2013 a Presidente do Júri Avindor elaborou um ofício, dirigido à Oponente, sob o assunto “Vale do Arunca – Atribuições do Júri Avindor”, cuja cópia a fls. 324 aqui se dá por reproduzida – cfr. fls. 324 dos autos.
13.Em 13.01.2014 o Ministério da Agricultura e do Mar e a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego outorgaram um contrato intitulado “1.ª Adenda ao Contrato de Concessão para a Gestão do Aproveitamento Hidroagrícola do Baixo Mondego Infraestruturas de rega do Vale do Arunca”, cuja cópia a fls. 443 a 445 aqui se dá por reproduzida, e transcreve parcialmente:
“(…)
Considerando que:
A – Foi celebrado o Contrato de Concessão para a Gestão do Aproveitamento Hidroagrícola do Baixo Mondego, em vinte e dois de Janeiro de dois mil e dez, entre o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, representado pela Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) e a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego (ABOFHBM);
B – A concessão da gestão, que inclui a conservação e exploração de todas as infraestruturas afetas ao Aproveitamento é efectuada ao abrigo da Portaria n.º 1473/2007, de 15 de Novembro;
C – A DGADR é a entidade do Ministério da Agricultura e do Mar a quem compete a outorga dos contratos de concessão para a gestão dos Aproveitamentos Hidroagrícolas;
D – As infraestruturas de Rega do Vale do Arunca permitem o abastecimento de um bloco de rega que amplia a intervenção da entidade gestora do Aproveitamento;
E – A Agência Portuguesa do Ambiente, IP formalizou a Transferência das Infraestruturas de Rega no Vale do Arunca para a DGADR, através de contrato n.º 2013/02/APA;
F – Se mantêm todas as condições de atribuição do Contrato de Concessão;
(…)
Cláusula I
Objecto da concessão
A presente Adenda tem por objecto, em regime de exclusividade, a gestão das Infraestruturas de Rega no Vale do Arunca, nos termos da cláusula primeira do Contrato de Concessão.
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
E primeiramente conhecer-se-á da questão suscitada pela recorrida nas suas contra-alegações no tocante a saber se a interposição de recurso pela ABOFHBM é legalmente inadmissível, por falta de legitimidade da mesma para estar, por si só, em tal impulso processual: o recurso não deveria ter sido admitido e deverá, agora, ser rejeitado.
Dispõe o artigo 17º, alínea a) do Decreto regulamentar 84/82 de 04.11 que compete à direcção da associação de beneficiários representá-la em juízo e fora dele.
Não obstante a cobrança da dívida ser feita através do processo de execução fiscal (a que a lei atribui carácter judicial – cfr. o nº 1 do art. 103º da LGT) e a oposição à execução fiscal apresentar dependência estrutural relativamente a tal processo de execução, daí não se retira que caiba ao RFP assegurar nesse meio processual a representação do credor tributário. (cfr. os acs. do STA, de 20/05/2009, proc. nº 0388/09, de 13/01/2010, proc. nº 01129/09, de 30/03/2011, procs. nº 092/11 e 0197/11, e de 08/07/2015, proc. nº 0743/14.)
Na verdade, o n.º 3 do citado artigo 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que «Quando a representação do credor tributário não for do representante da Fazenda Pública, as competências deste são exercidas pelo mandatário judicial que aquele designar».
Extrai-se, então, do regime legal supra descrito que não compete ao representante da Fazenda Pública representar em juízo a Associação recorrente, uma vez que, de acordo com a lei, tal representação cabe à sua direcção.
Conclui-se, portanto, que no caso e ao invés do entendimento preconizado pela recorrida nas contra-alegações do recurso, não obstante se tratar de oposição à execução fiscal, a representação em juízo da Associação recorrente caberá a mandatário especialmente designado para o efeito pela respectivo direcção, carecendo o RFP de legitimidade para assegurar tal representação.
Improcede, assim, a questão que vinha suscitada.

A recorrente suscita duas questões no seu recurso:
-a primeira, a de saber se há erro na forma de processo no que toca à dedução da oposição à execução fiscal por aí não terem sido invocados fundamentos que se enquadrem no disposto no artigo 204º do CPPT;
-a segunda, a de saber se as quantias em execução podem, efectivamente, ser cobradas por via da execução fiscal, independentemente de se tratarem de preços ou taxas.

Quanto à primeira questão dir-se-á que não assiste razão à recorrente.
A recorrida deduziu a sua oposição à execução fiscal e terminou com o seguinte pedido: …deve a presente oposição ser julgada procedente, por provada, com todas as consequências legais que decorrem no que à instância executiva diz respeito…
Ora, o pedido formulado neste termos não pode deixar de visar a extinção da execução fiscal, total ou parcialmente, face aos fundamentos invocados na petição inicial.
E, na verdade, ao contrário do alegado pela recorrente, é evidente que, pelo menos, a questão de saber se determinada quantia pode ou não ser cobrada coercivamente no âmbito da execução fiscal, tal como foi tratada pela recorrida na sua petição inicial e resolvida na sentença recorrida, é matéria própria a ser discutida no âmbito da oposição à execução fiscal nos termos da alínea i) do artigo 204º do CPPT, aliás, nem se vislumbra que outro meio processual estaria disponível para discutir tal questão uma vez que se encontra pendente, precisamente, a execução fiscal.
Assim, sem necessidade de mais considerandos conclui-se que o recurso não procederá nesta parte.

No tocante à segunda questão, a mesma já se encontra resolvida por acórdão do Tribunal de Conflitos datado de 18.05.2006, recurso n.º 04/05.
Aí escreveu-se com interesse:
A questão que se discute nos presentes autos é a da competência, em razão da matéria, dos tribunais judiciais ou dos tribunais administrativos e fiscais para julgar a acção que o autor, ora recorrente, propôs contra a ré Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, pedindo que se declare não lhe serem exigíveis quaisquer quantias a título de taxas de conservação, exploração ou qualquer outro e se condene a ré a devolver, por terem sido indevidamente exigidas e pagas, as taxas anteriormente cobradas pela mesma ré ao autor recorrente.

Ora, a presente acção foi intentada contra a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego.
A fundamentar a mesma acção, o autor, ora recorrente, alega que essa obra de fomento hidroagrícola, justificativa das taxas que lhe vêm sendo liquidadas e cobradas, ainda não abrange os terrenos de que é proprietário, não lhe sendo, por isso, exigíveis tais taxas de exploração e conservação.
O pedido formulado é, em síntese, o de que se declare a inexigibilidade das quantias que lhe foram e vêm sendo cobradas e se condene a ré, por enriquecimento sem causa, na devolução dos montantes correspondentes às taxas abusivamente liquidadas e cobradas, bem como no pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, na quantia que se mostrar devida, a liquidar em execução de sentença.
Na petição (nºs 20º a 24º), refere o autor, como direito violado, os arts 66, nº 1, 67., nº 1 e 68, do DL 269/82, de 10 de Julho, actualizado pelo DL 86/2002, de 6 de Abril, que prevêem o pagamento, pelos beneficiários de obras de fomento hidroagrícola, de taxas de conservação e exploração em função do volume de água utilizado, bem como a respectiva cobrança, a partir da disponibilização da água para regra, que, segundo defende o autor, ainda não aconteceu, nos terrenos de que é proprietário.
A ré Associação de Beneficiários da Obra e Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego foi reconhecida como «pessoa colectiva de direito público», por Portaria, de 29.8.88, do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, publicada no DR, II Série, de 15.9.88, nos termos do DR 84/82, de 4 de Novembro, que estabeleceu a disciplina jurídica das associações de beneficiários de obras de fomento hidroagrícola, conforme o previsto no art. 90 daquele DL 269/82.
Entre outras, são atribuições da ré, definidas no art. 4 do indicado DR 84/82, «b) Assegurar a exploração e conservação das obras de fomento hidroagrícola …» e «d) Realizar trabalhos complementares destinados a aumentar a utilidade da obra…», competindo-lhe, para tanto, «f) Elaborar em cada ano o orçamento das suas receitas e despesas para o ano seguinte …», «h) Fazer directamente a cobrança das taxas de exploração e conservação…», recorrendo, se necessário, às execuções fiscais, conforme o previsto no nº 5 (Artigo 69º Afixação dos mapas da taxa de conservação e exploração

5 – Na falta de pagamento voluntário das taxas de conservação e de exploração no prazo de 30 dias contados do termo do prazo para reclamações, serão cobradas coercivamente pelos tribunais das execuções fiscais, revertendo ainda a favor da respectiva entidade responsável pela conservação e exploração, 50% dos juros de mora devidos.) do art. 69 do citado DL 269/82.
Assim, como bem considerou o recorrido acórdão da Relação de Coimbra, a ré, entidade de direito público, actuou na prossecução de um interesse público definido por lei (DL 269/82), munida de poderes de autoridade e praticando actos de gestão pública.
Pelo que, diversamente do que defende o autor recorrente, o litígio que o opõe à ré Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego emerge de uma relação jurídica administrativa.
O que, desde logo, afasta a competência dos tribunais judiciais para o conhecimento da acção em causa (arts 18, nº 1 LOFTJ, 212, nº 3 CRP e 3 ETAF 84).
Para além disso, importa ainda notar que o referido litígio resulta da exigência, feita pela ré, do pagamento de quantias que, nos termos legais (vd. arts. 66 (Artigo 66º
Taxa de conservação

2 – A taxa de conservação destina-se exclusivamente a cobrir custos de conservação das infra-estruturas …) e 67 (Artigo 67º Taxa de exploração

2 – A taxa de exploração destina-se exclusivamente a cobrir os custos de gestão e exploração da obra, incluindo os custos de utilização da água …), do DL 269/82), se destinam à satisfação dos encargos com a conservação, gestão e exploração da obra de fomento hidroagrícola, em que, por lei (art. 49º (Artigo 49º Participação das associações de beneficiários
Determinada a elaboração do projecto de execução de uma obra dos grupos I, II e III, a DRA em cuja área de jurisdição se situe a maior parte dos terrenos a beneficiar, em conjunto com a IHERA, apoiará a constituição de uma associação de beneficiários e promoverá a sua audição nas componentes do projecto que lhe digam directamente respeito), DL 269/82 e art. 4, DR 84/82, cit.), a mesma ré participa, no prosseguimento do interesse público do desenvolvimento agrícola da região correspondente à respectiva área de intervenção.
Estamos, assim, perante questão fiscal, sendo que, como tal, devem entender-se, conforme o entendimento repetidamente afirmado na jurisprudência (vd., entre outros, os acs. STA, de 8.9.93-Rº 36624, de 18.3.97-Rº 34327, de 29.3.01-Rº 47165 e de 29.5.01-Rº 47383.), «todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas» – Ac. STA, de 6.10.93 – Rº 26369 (Ac. DR de 15.10.96, 4792.
Pelo que, face às disposições dos citados artigos 51º, nº 3 e 62º, nº 1, al. m) do ETAF 84, deve concluir-se, em suma, que o conflito deve decidir-se atribuindo a competência para o julgamento da acção em causa à ordem dos tribunais administrativos e fiscais, concretamente aos tribunais tributários.

Ressalvadas a diferente numeração dos artigos que contêm normas idênticas e a actualização dos diplomas legais invocados, v.g. o ETAF, não se vê agora que se possa decidir diferentemente e concluir pela impossibilidade da cobrança das quantias em questão nestes autos por meio da execução fiscal.
Nesta parte o recurso merece provimento.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a secção do contencioso tributário deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para que sejam conhecidas as restantes questões suscitadas pela oponente e identificadas na sentença recorrida.
Custas pela recorrida.
D.n.

Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento.

Lisboa, 9 de Junho de 2021. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Gustavo André Simões Lopes Courinha.