Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0159/21.3BALSB
Data do Acordão:05/26/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
PRAZO DE DECISÃO
Sumário:Não há lugar a juros indemnizatórios nas situações em que o pedido de revisão do acto tributário foi decidido em período inferior a um ano, contado da apresentação do referido pedido de revisão, por força do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.
Nº Convencional:JSTA00071473
Nº do Documento:SAP202205260159/21
Data de Entrada:12/13/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Jurisprudência Nacional:LGT ART43 N3 AL.C)
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.ºs 2 a 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no Processo n.º 756/2020–T, em 02/11/2021, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrida A……….., Lda., com os sinais dos autos, com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com o Acórdão proferido pelo STA no Processo nº 022/18.5BALSB, de 27/02/2019, na parte referente à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação, por iniciativa do contribuinte, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Inconformada, formulou a recorrente Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes conclusões:

A) A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral proferida em 02.11.2021, no processo n.º 756/2020-T, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 27.02.2019, no Processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do respetivo pagamento até à data do integral reembolso, mais precisamente, o dies a quo a partir do qual devem ser contabilizados os juros indemnizatórios.
B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 27.02.2019, no processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do ato tributário por iniciativa do contribuinte.
C) O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência do despacho de rejeição de 20.10.2020, da Diretora da Alfândega de Aveiro, prolatado após o pedido de revisão oficiosa, apresentado em 05.03.2020, de liquidação de Imposto sobre Veículos, efetuada pela Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, que sustentou a tempestividade da pretensão da Requerente junto da instância arbitral.
D) A Decisão Arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento ao enquadrar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios de acordo com o peticionado pela Requerente quanto à condenação em juros, que invocou os artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT para defender que os juros indemnizatórios devem ser contados desde 31.05.2018 (dia seguinte ao da data de pagamento do imposto), até ao integral reembolso.
E) Ao considerar como termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios a data do pagamento do imposto, a decisão arbitral contraria a Jurisprudência reiterada do STA, que se cita, por todos, o Acórdão proferido em de 23.05.2018, pelo Pleno STA no Processo nº 01201/17, que determina, quanto ao termo inicial dos juros indemnizatórios de revisão oficiosa do ato tributário por iniciativa do contribuinte, de acordo com o entendimento vertido no respetivo Sumário que: “O artigo 43º, nº 3, c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do ato tributário em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.”
F) Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com o Acórdão fundamento, condenar a AT a pagar à Requerente arbitral juros indemnizatórios contados, conforme peticionado, desde a data do pagamento do imposto por aplicação do nº 1, do artigo 43º da LGT e do artigo 61º do CPPT, diversamente do que determina esse normativo legal para as situações, como a dos autos, de revisão de atos tributários por iniciativa do contribuinte, em que são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
G) No Acórdão fundamento estava em causa “a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º n.º 3 al. c) LGT)”, tendo esse douto STA decidido quanto à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43º, nº 3, al c) da LGT), que “A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação”, concluindo que “não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.”.
H) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 6, do artigo 152º do CPTA.
I) A infração a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral viola o disposto no nº 3, alínea c), do artigo 43º da LGT, o qual determina que, nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
J) Ora, o pedido de revisão oficiosa, cuja decisão constitui o objeto da ação arbitral, foi apresentado no dia 05.03.2020, sendo que, apenas são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após aquela data, de acordo com o prazo estabelecido no n.º 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, e que, tendo o mesmo pedido sido objeto de decisão em 20.10.2020, ao contrário do que decidiu a Decisão arbitral recorrida, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
K) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA, para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
L) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.
M) Está em causa a aplicação, de forma diversa, dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p. 809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.
N) Decorre, de todo o exposto, que a Decisão recorrida, ao não ter subsumido o caso sub judice à alínea c), do nº 3 do artigo 43º da LGT, evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, devendo ser substituída por nova decisão que julgue improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada a contradição entre a Decisão Arbitral proferida no Proc. nº 756/2020-T e o Acórdão fundamento, proferido pelo STA no Proc. nº 022/18.5BALSB, de 27.02.2019, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral no segmento decisório sob recurso, e substituído por decisão consentânea com o quadro legal vigente, de acordo com o qual não existe direito a juros indemnizatórios.

A recorrida A…………., Lda. veio apresentar as seguintes contra-alegações:

Em virtude da notificação da decisão de arquivamento que julgou procedente o pedido arbitral formulado, determinando a anulação parcial da liquidação de ISV nº 2018/0034723, de 29.05.2018 e a consequente restituição à Requerente da quantia de € 1.511,20, veio a Autoridade Tributária apresentar alegações de recurso quanto ao tema dos juros indemnizatórios.
Em face das alegações apresentadas pela Recorrente, cumpre transmitir que não poderá a Recorrida aceitar o conteúdo do recurso apresentado, porquanto a legislação aplicável é bem clara quanto à aplicação de juros indemnizatórios, existindo diversa jurisprudência sobre a atribuição do direito a juros ao contribuinte, bem como sobre o início da contagem dos juros ser o momento do pagamento do imposto indevidamente liquidado.
No caso vertente, a Recorrente vem alegar que existe jurisprudência do STA que se encontra em contradição com a decisão arbitral proferida, indicando para o efeito um acórdão datado de 27.02.2019, não obstante existem decisões de Tribunais superiores, com data posterior, onde se reconhece o direito a juros indemnizatórios, com início na data de pagamento do imposto indevido, conforme se demonstrará infra.
Vejamos, estabelece o artigo 100.º da LGT que “[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso).
É, neste sentido, pacificamente aceite pela doutrina que, “[a] administração está assim obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um seu acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados”.
“Trata-se, aliás, de uma simples explicitação do princípio geral de direito de que devem ser apagados todos os efeitos jurídico-práticos consequentes do acto ilícito, reconstituindo-se a situação que existiria se ele não houvera ocorrido (…)”.
Esclarecem, ainda, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que “a reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigatoriedade da restituição do imposto que houver sido pago, do pagamento dos juros indemnizatórios previstos no art. 43.º e da indemnização resultante da prestação de garantia bancária ou equivalente a que alude o art. 53.º” (sublinhado nosso) e que “[a]pesar de neste art. 100.º se fazer referência apenas a juros indemnizatórios, o sujeito passivo poderá ter também direito a juros de mora, nos termos do n.º 4, do art. 43.º, aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro”.
Deste modo, conforme refere Jorge Lopes de Sousa “[o] que está em causa, em qualquer caso, é sempre a obrigação de respeito pelo caso julgado formado sobre a decisão judicial anulatória, que impede a administração tributária de actuar de forma que com ele seja incompaginável e implica que os actos praticados na sequência de anulação judicial que violem o caso julgado sejam nulos, por força do disposto no referido art. 133.º, n.º 2, alínea h), do CPA”.
No presente caso, a situação hipotética atual, consistirá na situação que existiria caso não tivesse sido praticado o ato anulado no âmbito da decisão arbitral já identificada, porquanto, caso não tivesse a AT erroneamente procedido ao cálculo errado de ISV, a Recorrida teria tido na sua esfera, desde sempre, aquele montante, resultante do cálculo de ISV, que foi indevidamente pago.
Neste sentido, tendo a Recorrente sido privada do montante indevidamente pago, são devidos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da LGT.
Sucede que, no entendimento da AT os referidos juros não são devidos, situação com a qual não pode a ora Recorrida concordar, pelos fundamentos que adiante se referirão.
Por forma a evitar a repetição dos argumentos já trazidos para os presentes autos pela Recorrente, a Recorrida limitar-se-á a realçar que o erro na aplicação do direito por parte da AT, quando fez um erróneo enquadramento jurídico, resultou no pagamento do imposto em valor superior ao legalmente devido, razão pela qual, o erro de direito na liquidação do imposto, uma vez demonstrado – como o foi –, só pode ser imputável aos serviços da AT.
Em virtude da errada aplicação do direito a Recorrida e ficou privada da mencionada quantia.
Assim, encontram-se preenchidos todos os pressupostos de que depende a constituição do direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
Em suma, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios está legalmente consagrada enquanto consequência da decisão judicial favorável ao contribuinte.
Pelo exposto, são devidos juros indemnizatórios desde a data de pagamento do valor de € 1.511,20 até à emissão da nota de crédito relativa ao reembolso total deste montante.
Neste sentido, e em contradição com o acórdão indicado pela Recorrente, vide acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, pronunciado no âmbito do proc. 1387/11.5BELRA, que consagrou o seguinte:
“1. O direito a ser indemnizado pelo pagamento de juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resultou pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (art.º 43º/1 LGT), reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação.
2. Quando ocorre atraso no recebimento do valor a pagar pelos contribuintes, o prejuízo correspondente do credor tributário é reparado com o pagamento dos juros compensatórios e juros moratórios.
3. O conceito de erro imputável aos serviços deve ser contraposto ao conceito de vício.
4. O “vício” refere-se, segundo a jurisprudência dominante, ao procedimento, traduzindo-se na violação, pela AT, das normas que regulam concreto procedimento.
5. O “Erro”, por seu turno, restringe-se às situações de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, traduzindo-se numa inadequada aplicação do quadro legal à factualidade sujeita a imposto.
6. Sinteticamente, dir-se-á que o “vício” corresponde a uma ilegalidade formal no procedimento; o “erro” decorre da aplicação ilegal das normas de incidência.
7. Apenas os “erros” são suscetíveis de reparação pelo pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte.”
E ainda a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no proc. 037/19.6BALSB, datado de 04.11.2020:
“I - Há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito.
II - Quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou …) não fica demonstrado que tenha sido exigido, ao sujeito passivo, o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas, apenas, que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.”
Por último, vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 06-10-2021, no âmbito do processo 03009/12.8BELRS:
“Na verdade, a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, radica no facto de esse vício implicar a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito e decorre da imposição constitucional de o Estado reparar os danos causados pelos seus actos ilegais (cfr. art. 22.º da Constituição da República Portuguesa). Assim, os juros indemnizatórios a favor do contribuinte destinam-se a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida.
No caso, a ilicitude que determina o dever de indemnizar não reside no erro dos serviços aquando da liquidação, mas na demora na decisão da reclamação graciosa. Vejamos:
O art. 43.º, n.º 3, alínea c), do CPPT consagra a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à AT. Esse regime, como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «embora previsto especificamente para a revisão do acto tributário, deve aplicar-se também aos casos em que há erro imputável ao contribuinte e foi apresentada reclamação graciosa» (JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, 2010, pág. 65.).
Ora, como também diz JORGE LOPES DE SOUSA, «nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte [...], bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos». (Ob. cit., pág. 52.”.
Ora, em face do que se expôs, parece que não deverá ser tida em conta a tese apresentada pela Recorrente, que solicita que se declare a inexistência do direito a juros indemnizatórios, ou que seja alterado o dies a quo a partir do qual devem ser considerados. Parece resultar evidente que o período temporal de referência para a contagem dos juros indemnizatórios sofre uma redução no caso da revisão oficiosa, em que o contribuinte poderia ter lançado mão de outros meios de reação e não o fez (esta redução assume um caráter punitivo), por contraposição aos casos em que, tendo lançado mão desses outros meios de reação – por exemplo, deduzindo reclamação graciosa ou impugnação judicial – não é penalizado por essa redução temporal para efeitos de contagem dos juros indemnizatórios, Ou seja, os juros indemnizatórios serão devidos desde o momento do pagamento indevido e não desde a decisão da reclamação apresentada.
A distinção, para efeitos de contagem dos juros indemnizatórios, entre uma situação em que, em tempo, o contribuinte lança mão de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e aquela em que, deixando esgotarem-se esses prazos, apenas despoleta a discussão da legalidade do ato tributário mais tarde, através de pedido de revisão oficiosa do ato tributário, afigura-se especialmente relevante na medida em que, salvo o devido respeito, a argumentação em que a Recorrente se baseia parece ter partido da fundamentação doutrinal e jurisprudencial referente à situação da revisão oficiosa e transposto a consequência que se aplica a esta para uma situação distinta, em que é apresentada reclamação graciosa e em que não existe qualquer inércia do contribuinte que haja de ser penalizada através da redução do período de contagem dos juros indemnizatórios.
Assim estendendo, para efeitos de cálculo de juros indemnizatórios, a censurabilidade do comportamento do contribuinte que apenas reage ao ato tributário via pedido de revisão oficiosa, ao comportamento do contribuinte que o faz através de reclamação graciosa deduzida em tempo, numa lógica conflituante com aquela que subjaz ao Acórdão fundamento, no qual se pode ler, de forma expressa, que o encurtamento que impacta os juros indemnizatórios nos casos em que a ilegalidade do ato tributário é declarada na sequência da apresentação de pedido de revisão oficiosa existe por contraponto às situações em que essa ilegalidade é declarada na sequência da apresentação dos meios de reação ao ato tributário nos ‘prazos normais’.
Ou seja, decorre dos Acórdãos supracitados que se o contribuinte lança mão dos meios de reação ao seu dispor para discutir a legalidade do ato tributário nos prazos ‘normais’ legalmente previstos para o efeito, como os de reclamação graciosa ou impugnação judicial – por contraponto ao prazo ‘alargado’ do pedido de revisão oficiosa – não serão encurtados os juros indemnizatórios, o que, nos termos conjugados do disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT e no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, significa que aqueles juros são devidos desde o pagamento indevido do imposto e até emissão da respetiva nota de crédito.
Em face de tudo o que se expôs é patente que a Recorrida tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios e que a contagem para pagamento dos mesmos iniciará no momento em que a mesma efetuou o pagamento indevidamente até à emissão de nota de crédito correspondente ao montante pago.
Em conclusão, deverá o recurso apresentado ser considerado improcedente, porquanto existindo erro imputável aos serviços é manifesto que o contribuinte terá direito aos juros indemnizatórios desde a data de pagamento do imposto.
Termos em que, requer a V. Exas. que as alegações apresentadas sejam consideradas totalmente improcedentes, e seja a Recorrente condenada ao pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre o valor de € 1.511,20, desde a data do pagamento efetuado e até à data da emissão das notas de crédito referentes ao seu integral reembolso, mantendo-se a decisão arbitral inalterada, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser admitido o recurso e ser julgado parcialmente procedente, no seguinte parecer:

I - Objeto do recurso
A recorrente interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do artigo 25.º n.º2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RGAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, em obediência ao regime do artigo 152º do CPTA, pugnando pela revogação da decisão arbitral proferida em 2.11.2021, nos autos n.º 756/2020-T e pela correcção da interpretação perfilhada no acórdão do STA de 27.02.2019, proferido no processo nº 022/18.5BALSB, convocada como acórdão fundamento, relativamente à questão da extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação por iniciativa do contribuinte, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
II - Admissibilidade do presente recurso
1- A recorrente interpôs o presente recurso ao abrigo do estatuído nos artigos 25.º e 26.º do RJAT e 152º do CPTA.
São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência:
- contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais;
- trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento;
- existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
- ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Por sua vez quanto à caraterização da questão fundamental de direito:
- deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto;
- a oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
- não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
- as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
- em oposição ao acórdão (decisão) recorrido podem ser invocados mais de um acórdão (decisão) fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas.
2- Defende a recorrente que o entendimento perfilhado pelo Tribunal Arbitral na decisão recorrida, datada de 2.11.2021, proferida no processo nº 756/2020-T, está em contradição com no acórdão do STA, datado de 27.02.2019, proferido no processo nº 022/18.5BALSB (decisão fundamento). (Disponível, tal como os demais, em www.dgsi.pt.)
Em ambos os processos está em discussão a interpretação e aplicação da extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação, por iniciativa do contribuinte, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
3- A recorrente defende que decisão arbitral recorrida colide com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 27.02.2019, no processo n.º 022/18.5BALSB, que indica como acórdão fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do ato tributário, por iniciativa do contribuinte.
O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência do despacho de indeferimento de 20.10.2020, da Diretora da Alfândega de Aveiro (DAV), proferido na sequência de pedido de revisão oficiosa, apresentado em 05.03.2020, de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV).
O pedido de revisão oficiosa refere-se à liquidação da DAV n.º 2018/0034723 de ISV, datada de 29.05.2018, no valor de € 15.134,98, a qual foi paga em 30.05.2018, referente ao veículo de matrícula n.º………….
A decisão arbitral enquadrou o pedido de pagamento de juros indemnizatórios de acordo com o peticionado pela requerente nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, decidindo que os juros indemnizatórios devem ser contados desde 31.05.2018, que corresponde ao dia seguinte ao da data de pagamento do imposto e até ao integral reembolso.
Defende a AT que tal entendimento contraria o decidido no acórdão fundamento, onde se decidiu que o artigo 43º, nº 3, c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do ato tributário, em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.
Ou seja, a recorrente defende o acertado da decisão fundamento por considerar que, tratando-se de revisão oficiosa, a pedido do contribuinte, existiu uma estabilização dos atos de liquidação, considerando não ter o contribuinte usado da faculdade de reclamação ou de impugnação das mesmas, nos prazos legais.
4- Na decisão do CAAD considerou-se serem devidos juros indemnizatórios por ter existido erro imputável aos serviços, na esteira do decidido do acórdão do STA proferido no processo nº 0886/14, tendo-se concluído “que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago em excesso” (fls. 251-258 do SITAF).
5- No acórdão do Pleno da Seção do Contencioso Tributário do STA de 27.02.2019 decidiu-se que “só são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária - art. 43º, nº3 da Lei Geral Tributária”.
6- Da análise da decisão do CAAD recorrida resulta que o pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 78º da LGT, foi formulado em 5.03.2020, tendo sido proferido despacho de indeferimento, pela Diretora da Alfândega de Aveiro, em 20.10.2020, pelo que, como refere a AT, a decisão foi tomada dentro do prazo de um ano.
7- No acórdão do STA de 27.02.2019 (Relatora: Conselheira Ana Paula Lobo), considerou-se que sendo a decisão do pedido de revisão oficiosa proferida em prazo inferior a um ano, não há fundamento para serem contabilizados juros indemnizatórios, desde o dia seguinte ao da data de pagamento do imposto e até ao integral reembolso.
8- Ou seja, a questão jurídica em discussão - extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação, por iniciativa do contribuinte, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária - é idêntica.
9- Em ambas as situações analisadas, se tratou da anulação de liquidação de imposto subsequente a pedido expresso de revisão oficiosa, a decisão do pedido de revisão foi proferida antes de decorrido um ano sobre o pedido, sendo que em ambas as situações os respectivos impostos, oportunamente liquidados, foram pagos pelos contribuintes.
10- Assim sendo, salvo melhor opinião, existe fundamento para o presente recurso para uniformização de jurisprudência, não apenas por a questão jurídica em discussão ser a mesma, na decisão recorrida e no acórdão fundamento, como, na verdade, a factualidade essencial ser de igual modo idêntica nas duas decisões, verificando-se também preenchido o requisito da contradição de julgados ser expressa.
III - Posição defendida
1-Tendo presente as duas posições divergentes importa tomar posição sobre a orientação jurisprudencial que deve ser fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
2- A recorrida defende que, nos termos do artigo 100.º da LGT, a AT está obrigada, em caso de procedência de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o princípio geral de direito de que devem ser apagados todos os efeitos jurídico consequentes do acto ilícito, reconstituindo-se a situação que existiria se ele não houvera ocorrido.
3- No presente caso, a situação hipotética atual, consistirá na situação que existiria caso não tivesse sido praticado o ato anulado no âmbito da decisão arbitral porquanto, caso não tivesse a AT erroneamente procedido ao cálculo de ISV, a recorrida teria tido na sua esfera aquele montante, resultante do imposto que foi indevidamente pago.
4- Propugna, assim, que são devidos juros indemnizatórios desde a data de pagamento do imposto até à emissão da nota de crédito relativa ao reembolso total deste montante, invocando, no sentido defendido, os acórdãos do STA de 06.10.2021, no âmbito do processo nº 03009/12.8BELRS, de 04.11.2020, no processo nº. 037/19.6BALSB e o acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 1387/11.5BELRA.
5- É inequívoco que os tribunais superiores têm decidido que devem ser atribuídos juros indemnizatórios ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito e que os juros indemnizatórios se destinam a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida.
6- Todavia, a questão colocada nos presentes autos, consiste em saber se, não tendo o contribuinte questionado a legalidade da liquidação nos prazos legalmente estabelecidos para a reclamação graciosa ou para a impugnação judicial, vindo a utilizar o meio excecional previsto no artigo 78º da LGT, que permite a revisão oficiosa do ato tributário, a pedido do contribuinte, nos quatro anos subsequentes à liquidação, os juros indemnizatórios devidos pela AT devem ser contabilizados desde a data do pagamento indevido, ou seja, desde o dia seguinte ao pagamento do tributo.
7- Ou, ao invés se, como defende a recorrente, não haver lugar a juros indemnizatórios, considerando ter o pedido de revisão do ato tributário sido decidido em período inferior a um ano, contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.
8- A jurisprudência do STA tem entendido que, decorrendo um período (mais ou menos) extenso entre a data da liquidação e a data do pedido de revisão, em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não impulsionou, tal justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida (acórdão do Pleno da Seção do Contencioso Tributário do STA de 23.05.2018, proferido no processo nº 01201/17).
9- Tendo o citado acórdão decidido que o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do ato tributário, em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.
10- No mesmo sentido, apenas com a especificidade de se tratar de situações em que houve indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, o acórdão do Pleno da Secção do CT do STA de 29.01.2020 (proferido no processo nº 045/19.7BALSB) decidiu que os juros indemnizatórios apenas são devidos, depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada.
11- Bem assim, como se decidiu no acórdão do STA de 6.12.2017 (P. 0926/17) “ […] o princípio da igualdade impõe tratamento semelhante entre o contribuinte cujo pedido de revisão obtém êxito, para além do prazo de um ano, junto da administração, e o contribuinte que obtém idêntico resultado, também para além desse prazo, junto do tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à administração e deriva da prática de ato ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito.”
Ou seja, na presente situação o contribuinte apenas obtém decisão favorável à sua pretensão com a decisão arbitral, pelo que a AT podia ter corrigido a sua posição e não o fez no momento e local próprios, pelo que a demora na reposição da legalidade lhe é parcialmente imputável. Na verdade, considerou o legislador ser o período de um ano o prazo razoável para os serviços da administração tributária analisarem e decidirem o pedido de revisão e executarem a decisão favorável ao contribuinte.
12- Pelo exposto, deve a decisão arbitral, no segmento indicado, ser revogada e substituída por outra que julgue serem devidos juros indemnizatórios desde 5.03.2021, ou seja, após um ano contado desde a data do pedido de revisão oficiosa.
Conclusão
Nestes termos, somos do parecer que deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser admitido e, subsequentemente, ser o mesmo julgado parcialmente procedente, com a consequente revogação do segmento decisório da decisão arbitral proferida no processo n.º 756/2020-T, do CAAD, referente à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, sendo os mesmos devidos após o decurso de um ano sobre o pedido de revisão oficiosa formulado pelo contribuinte.
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Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A Requerente introduziu em Portugal, com origem na Alemanha, pelo valor de € 67.142,86, o veículo automóvel ligeiro de passageiros usado de marca ..., modelo..., movido a gasolina, n.º de motor..., n.º de quadro..., com o código de homologação..., cilindrada..., de cinzenta & outras (Declaração aduaneira).

2. O veículo foi matriculado pela primeira vez na Alemanha a 06.04.2017, tendo-lhe sido atribuída a matrícula ... (Declaração aduaneira).

3. Após a concretização da compra e venda do veículo, a Requerente procedeu à sua importação e, em 28.05.2018, deu entrada com o mesmo em território nacional, tendo apresentado a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) dentro dos 20 dias posteriores à entrada do veículo em território nacional (Declaração aduaneira).

4. A DAV (à qual foi atribuído o n.º 2018/..., de 31.05.2018), foi apresentada pela Requerente através de representante directo, tendo o declarante inscrito nos Quadro F e G (referentes à apresentação do veículo e matrículas anteriores), que o mesmo era uma viatura usada, proveniente da Alemanha e com 13.071 km percorridos (Declaração aduaneira).

5. No Quadro E da DAV, relativo às características do veículo, no item 51 (atinente à emissão de partículas) consta o valor de 0.0004 g/km, e no item 50 (relativo à emissão de gases CO2) consta o valor de 203 g/km (Declaração aduaneira).

6. Atenta a data da 1.ª matrícula do veículo no país de origem, o veículo foi considerado um veículo entre “Mais de 1 a 2 anos de uso”, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1, do artigo 11º do CISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 20% (Declaração aduaneira).

7. No Quadro R da referida DAV, alusivo ao cálculo ISV, o cálculo desse imposto foi efectuado, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 15.134,98 (Declaração aduaneira).

8. Do valor total de imposto, € 7.578,99 são relativos à componente cilindrada, e € 7.555,99 são relativos à componente ambiental (Documento 4).

9. No que concerne à componente cilindrada, ao valor inicial de € 9.473,74 foi deduzido a quantia correspondente a 20% do seu montante, ou seja, € 1.874,75, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11º, do CISV, aplicável aos veículos usados (Declaração aduaneira).

10. No que concerne ao montante de € 7.555,99, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental não foi aplicada qualquer percentagem de dedução (Declaração aduaneira).

11. A liquidação de ISV em causa tem o n.º 2018/..., de 29.05.2018, e a Requerente, procedeu ao seu pagamento na totalidade, no montante de € 15.134,98, em 30.05.2018 (Declaração aduaneira).

12. Em 05.03.2020, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação (procedimento nº...), que foi indeferido por despacho de 20.10.2020 (Processo administrativo).

13. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 11.12.2020.

No acórdão fundamento proferido no processo nº 022/18.5BALSB foi dada como provada a seguinte matéria factual:

1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, descrito na Caderneta Predial Urbana como terreno para construção urbana, inscrito sob o nº…, da Freguesia de…, Concelho de Loulé, Distrito de Faro.
2. O Valor Patrimonial Tributário (VPT) era, para efeitos das liquidações de Imposto do Selo em crise (ano 2012 e ano 2013), de EUR 1.009.490,00, determinado em 2012.
3. Sobre o imóvel acima identificado foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1.):
4. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2012, deveria ser pago até 31 de Dezembro de 2013, através da nota de cobrança nº 2013…
5. Dado que o referido montante não foi pago dentro do prazo limite para pagamento voluntário, a dívida evoluiu para cobrança coerciva, tendo dado origem ao processo de execução fiscal (PEF) nº …2014…, instaurado em 20 de Janeiro de 2014, no valor total de EUR 10.324,52.
6. O imposto (EUR 10.094,90) e o respectivo acrescido (EUR 229,62) foram pagos, em 25 de Junho de 2014, em sede de execução fiscal.
7. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2013, deveria ser pago de acordo com as seguintes prestações:
8. A Requerente não pagou nenhuma das prestações de imposto, relativas ao ano 2013, dentro do prazo para pagamento voluntário legalmente estabelecido para o efeito, tendo a dívida evoluído para cobrança coerciva, dando origem aos seguintes PEF, instaurados em 30 de Junho de 2014, nos seguintes termos (montantes em Euros):
9. A Requerente apresentou, em 30 de Outubro de 2015, requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loulé …, no âmbito dos PEF identificados nos pontos 5.1.5, 5.1.6. e 5.1.8., no sentido de requerer a extinção das referidas execuções fiscais e “(…) o levantamento de eventuais penhoras que possam ter sido (…) realizadas para garantia das alegadas dívidas (…), bem como o cancelamento do seu registo se a este tiver havido lugar (…)”.
10. A Requerente apresentou, em 28 de Setembro de 2016, dois pedidos de revisão oficiosa de acto tributário relativos aos actos de liquidação acima identificados no ponto 5.1.3., no sentido de peticionar, para cada um dos anos em causa (2012 e 2013), a “(…) rescisão do acto tributário de imposto do selo da verba 28.1 da TGIS (…)”; e em consequência, requerer “(…) a anulação desse acto tributário (…)”, e “(…) a restituição à Requerente da quantia indevidamente paga (…) acrescida de juros indemnizatórios sobre essa importância, contados desde o pagamento indevido (…) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal (…)”.
11. A Requerente foi notificada dos despachos de deferimento parcial de cada um dos pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários acima identificados (com dispensa do direito de audição prévia), formulados com base na Informação nº I2017…, de 04-05-2017 (processo nº 2016… relativo ao Imposto do Selo de 2012) e com base na Informação nº I2017…, de 04-05-2017 (processo nº 2016… relativo ao Imposto do Selo de 2013), ambas da DS de IMT, as quais foram emitidas no sentido de decidir “(…) o deferimento parcial da (…) revisão oficiosa (…)” para cada um dos actos, “(…), com as seguintes consequências:
a. Relativamente ao ano 2012, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 229,62, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo;
b. Relativamente ao ano 2013, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 455,35, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo.

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2.2.- Motivação de Direito

2.2.1.- Objecto de recurso

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento se encontram em manifesta e evidente contradição, na medida em que defenderam soluções opostas relativamente ao arbitramento de juros indemnizatórios no caso de revisão oficiosa do acto tributário, por iniciativa do contribuinte, nos termos do artigo 43.º da LGT, justificando a recorrente o acertado da decisão fundamento com o argumento de que, tratando-se de revisão oficiosa, a pedido do contribuinte, existiu uma estabilização dos actos de liquidação, considerando não ter o contribuinte usado da faculdade de reclamação ou de impugnação dos mesmos, nos prazos legais.
À guisa de enquadramento, diga-se que a tese da recorrente é a de que o entendimento perfilhado pelo Tribunal Arbitral na decisão recorrida, datada de 2.11.2021, proferida no processo nº 756/2020-T, está em contradição com o acórdão do STA, datado de 27.02.2019, proferido no processo nº 022/18.5BALSB (decisão fundamento) pois em um e outro dos processos está em discussão a existência do direito a juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação, por iniciativa do contribuinte, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Para a recorrente, a existência dessa divergência é de molde a permitir o recurso para uniformização de jurisprudência, consubstanciado no artigo 152.º do CPTA.

Vejamos.

2.2.2.- Da admissibilidade do recurso de uniformização

Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado, aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1) na redacção da lei nº119/2019, de 18/09.
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, págs. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, de 11/12/2019, Recurso nº 46/19.5BALSB, de 04-11-2020, Recurso nº 24/20.1BALSB, de 09/12/2020, Recurso nº 43/20.8BALSB e de 20-01-2021, Recurso nº 60/20.1BALSB, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.° 3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e evocando Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsí.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) - ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá de emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.
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2.2.3.- Da análise do caso concreto:

No caso posto, seguindo a factualidade fixada nas decisões fundamento e recorrida, segundo o iter traçado no douto Parecer do Ministério Público e que, com a devida vénia, iremos seguir, a situação de paridade que importa considerar é a seguinte:
O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência do despacho de indeferimento de 20.10.2020, da Diretora da Alfândega de Aveiro (DAV), proferido na sequência de pedido de revisão oficiosa, apresentado em 05.03.2020, de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV).
O pedido de revisão oficiosa refere-se à liquidação da DAV n.º 2018/0034723 de ISV, datada de 29.05.2018, no valor de € 15.134,98, a qual foi paga em 30.05.2018, referente ao veículo de matrícula n.º………….
A decisão arbitral enquadrou o pedido de pagamento de juros indemnizatórios de acordo com o peticionado pela requerente nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, decidindo que são devidos os juros indemnizatórios e devem ser contados desde 31.05.2018, que corresponde ao dia seguinte ao da data de pagamento do imposto e até ao integral reembolso.
Defende a AT que tal entendimento contraria o decidido no acórdão fundamento, onde se decidiu que o artigo 43º, nº 3, c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do acto tributário, em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.
Ou seja, a recorrente defende o acertado da decisão fundamento por considerar que, tratando-se de revisão oficiosa, a pedido do contribuinte, existiu uma estabilização dos atos de liquidação, considerando não ter o contribuinte usado da faculdade de reclamação ou de impugnação das mesmas, nos prazos legais.
Na decisão do CAAD considerou-se serem devidos juros indemnizatórios por ter existido erro imputável aos serviços, na esteira do decidido do acórdão do STA proferido no processo nº 0886/14, tendo-se concluído “que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago em excesso” (fls. 251-258 do SITAF).
No acórdão do Pleno da Seção do Contencioso Tributário do STA de 27.02.2019 decidiu-se que “só são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária - art. 43º, nº3 da Lei Geral Tributária”.

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2.2.4.-Da contradição entre os dois arestos

Da análise da decisão do CAAD recorrida resulta que o pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 78º da LGT, foi formulado em 5.03.2020, tendo sido proferido despacho de indeferimento, pela Diretora da Alfândega de Aveiro, em 20.10.2020, pelo que, como refere a AT, a decisão foi tomada dentro do prazo de um ano.
No acórdão do STA de 27.02.2019, considerou-se que sendo a decisão do pedido de revisão oficiosa proferida em prazo inferior a um ano, não há fundamento para serem contabilizados juros indemnizatórios, desde o dia seguinte ao da data de pagamento do imposto e até ao integral reembolso.
Ou seja, a questão jurídica em discussão – existência do direito a juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação, por iniciativa do contribuinte, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária - é idêntica.
Em ambas as situações analisadas, se tratou da anulação de liquidação de imposto subsequente a pedido expresso de revisão oficiosa, a decisão do pedido de revisão foi proferida antes de decorrido um ano sobre o pedido, sendo que em ambas as situações os respectivos impostos, oportunamente liquidados, foram pagos pelos contribuintes.
Destarte, afigura-se-nos que existe fundamento para o presente recurso para uniformização de jurisprudência, não apenas por a questão jurídica em discussão ser a mesma, na decisão recorrida e no acórdão fundamento, como, na verdade, a factualidade essencial ser de igual modo idêntica nas duas decisões, verificando-se também preenchido o requisito da contradição de julgados ser expressa, assim se devendo passar ao conhecimento do mérito do recurso.
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2.2.3.-Do mérito do recurso

Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões em antagonismo.
Na perspectiva da contribuinte, ora recorrida, por força do disposto no artigo 100.º da LGT, a AT está obrigada, em caso de procedência de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o princípio geral de direito de que devem ser apagados todos os efeitos jurídico consequentes do acto ilícito, reconstituindo-se a situação que existiria se ele não houvera ocorrido, sendo eu, no caso sub judice, a situação hipotética actual, consistirá na situação que existiria caso não tivesse sido praticado o acto anulado no âmbito da decisão arbitral já que, se a AT não tivesse erroneamente procedido ao cálculo de ISV, a recorrida teria tido na sua esfera o referido montante, decorrente do imposto que foi indevidamente pago.
Por assim ser, defende que são devidos juros indemnizatórios desde a data de pagamento do imposto até à emissão da nota de crédito relativa ao reembolso total deste montante, invocando, no sentido defendido, os acórdãos do STA de 06.10.2021, no âmbito do processo nº 03009/12.8BELRS, de 04.11.2020, no processo nº. 037/19.6BALSB e o acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 1387/11.5BELRA.
Adversamente, a recorrente sustenta que não há lugar a juros indemnizatórios, uma vez que o pedido de revisão do acto tributário foi decidido em período inferior a um ano, contado da apresentação do referido pedido de revisão, invocando a favor dessa tese o disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.
E, na verdade, até por apelo ao artigo 8º do Código Civil, deve aqui aplicar-se a solução consagrada no acórdão fundamento tirado no âmbito de recurso para uniformização de jurisprudência, por mor da qual, uma vez que in casu o pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 78º da LGT, foi formulado em 5.03.2020, tendo sido proferido despacho de indeferimento, pela Directora da Alfândega de Aveiro, em 20.10.2020, a decisão foi tomada dentro do prazo de um ano pelo que não há fundamento para serem contabilizados juros indemnizatórios
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3.- Decisão:

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral no segmento recorrido por não serem devidos os juros indemnizatórios peticionados.

Custas pela recorrida.

Comunique-se ao CAAD.

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Lisboa, 26 de Maio de 2022. - José Gomes Correia (Relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.