Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:023/18
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário: Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam os respectivos pressupostos se as questões suscitadas não revestem tal relevância e tais características e se, além disso, também se questiona a factualidade julgada provada pelas instâncias.
Nº Convencional:JSTA000P22962
Nº do Documento:SA220180228023
Data de Entrada:01/12/2018
Recorrente:A........, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA, da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, Lda., com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) em 29/06/2017, no processo que aí correu termos sob o nº 185/04.7BEPRT e no qual se negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF do Porto, que julgara totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente contra as liquidações adicionais de IRC, relativas aos exercícios de 1999, 2000 e 2001.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. As correcções aritméticas a que a A.T. procedeu foram efectuadas porque as facturas em causa não consubstanciavam verdadeiras transacções entre os ditos emitentes das facturas e a ora Recorrente;
2. Ficou apurado que entre esses fornecedores e a Impugnante se realizaram transacções de bens e serviços que a Impugnante vendeu a terceiros;
3. Não apurou a A.T. quaisquer outras transacções;
4. As decisões que vêm referidas proferidas no Proc. 183/04.OBEPRT e neste de que recorre e, ainda, no Proc. 2301/04.OBEPRT que vem supra mencionado perfilham e adoptam, face à mesma matéria pontos de vista divergentes o que gera falta de segurança e confiança sob vários aspectos e orientações. Com efeito,
5. No que diz respeito aos indícios que foram considerados como sérios, credíveis, para chegar por indução lógica à existência ou não de um facto que se pretende provar, os acórdãos que vêm referidos não perfilham o mesmo entendimento apesar de em ambos os processos se ter decidido pela improcedência da acção, faz o acórdão errada interpretação e errado entendimento do que são indícios, presunções que neste acórdão, e nos mencionados no número anterior há pontos de vista diferentes;
6. De igual modo as decisões e a ora recorrida não se pronunciaram sobre a falta de parcialidade e de objectividade da inspecção tributária como supra se alega, e resulta do que foi sufragado no acórdão do Proc. 183/04.OBEPRT que a inspecção não tinha capacidade técnica e humana para chegar às conclusões a que chegou quanto às transacções e facturas que considerou não verdadeiras.
E, pelo que devendo a matéria tributável ser avaliada por critérios objectivos, o que neste caso em apreço não o foi com o que foram violados os arts. 81º e 84º da L.G.T.
7. Não tendo provado que além dessas transacções constantes das facturas, e que outras que seriam fictícias ocorreram, foi violado o disposto no nº 1 do art. 74º da L.G.T., e o art. 342º nº 1 do Cód. Civil pois foi violado o princípio do ónus da prova;
8. De igual modo, pelo que supra se alegou a inspecção violou o disposto no art. 55º do citado diploma, pois que foi parcial, não foi objectiva nem obedeceu ao princípio da igualdade, omitindo o dever de respeitar as garantias da Impugnante com ofensa grave do estatuído pelo citado art. 55º da L.G. T., e violando igualmente os nº 1 do art. 81º, nº 2 do art. 83º e o nº 1 do art. 84º da L.G.T. pois que a A.T. procedeu à avaliação indirecta da matéria tributária, apesar de quanto à B………….., LDA. o poder fazer directamente, e ainda, porque essa avaliação indirecta foi feita a partir de indícios que não se verificaram, e não foi feita com a sustentação em critérios objectivos;
9. De igual modo, a A.T. ao recusar considerar as notas de encomenda que a Impugnante lhe tinha facultado violou o disposto nos arts. 58º e 59º do mencionado diploma pois que tal diligência tinha interesse para a descoberta da verdade material o que a Senhora Inspectora omitiu.
10. Também o relatório inspectivo se revela parcial e omitiu os princípios da verdade material e os previstos nos arts. 5º e 7º do Regime Complementar da Inspecção Tributária e Aduaneira ao desvalorar as declarações da Impugnante e do C………….. prestadas conforme consta do doctº nº 6 a fls. 128, pois que “O procedimento de inspecção tributária obedece aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação” (art. 5º do R.C.I.T.), e “As acções integradas no procedimento de inspecção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos de inspecção tributária.” (art. 7º do R.C.I.T.)
11. Ora, é manifesto que não tendo a Senhora Inspectora conhecimentos técnicos para avaliar a produtividade quer a nível material quer humano de C…………., e da B……………, LDª não podia, como consta do relatório da inspecção, proceder às correcções do lucro tributável com base em cálculos apenas sejam subjectivos no que aos emitentes das facturas respeita.
É que tendo a Senhora Inspectora no seu depoimento declarado que nunca se deslocou às instalações antigas do C…….., nunca as viu, tal como consta do Proc. Nº 183/04.OBEPRT e que serviu de prova nos presentes autos.
No entanto, a A.T. considerando que os emitentes das facturas não efectuaram verdadeiras operações de serviços, apesar do que se vem alegando à Impugnante quer em sede de IRC quer em sede de IVA procedeu a correcções técnicas ao lucro tributável para os anos de 1999, 2000, 2001, e, 2002, o que obviamente é ilegal, e sem fundamento.
Na verdade, C……………. cessou a sua actividade em 30/12/2001 pelo que não tendo a A.T. conhecimentos da actividade e capacidade desta firma não podia proceder às liquidações e correcções que respeitam ao valor de 439.091,78€, ou seja o que a A.T. corrigiu relativamente à firma individual C…………… não podia ter por suporte aquilo que a A.T. não conheceu, como atrás se refere.
No que respeita ao IVA em referência aos mesmos anos de 1999, 2000 e 2001 as correcções padecem do mesmo vício, ou seja a inspecção não tinha elementos para a liquidação do IVA no valor de 74.645,60 €.
Quanto à B………….., LDª apenas iniciou, como se disse, a sua actividade em 29/08/2001, e as transacções encontram-se devidamente provadas.
E, ainda, a A.T. não respeitou os princípios da igualdade de critérios, da sua objectividade, pois no que respeita à desconsideração das facturas emitidas à Impugnante na sequência de uma outra inspecção realizada em 2004 ao exercício de 2003, como decorre de fls. 544 a 550 do Proc. 183/04.OBEPRT, foram analisadas facturas emitidas pela fornecedora B…………… LDª com a designação de “execução de várias peças” (factura nº 253 de 29/04/2003 de fls. 550 do Proc. 183/04.OBEPRT) sem que a A.T. a considerasse irregular ou com fundamento para qualquer correcção.
12. E, face à errada interpretação e qualificação do que são indícios sérios, credíveis, a A.T. incorreu em manifesta falta de fundamentos que o Tribunal acolheu de forma clamorosa injusta;
13. É que apesar de da prova produzida resultar com meridiana clareza a realidade das transacções a que as facturas se reportam, devia o Tribunal se fundadas dúvidas se lhe deparassem quanto à existência e quantificação dos factos, fazer aplicação do disposto pelo nº 1 do art. 100º do C.P.P.T. omitido no acórdão em recurso. Efectivamente,
14. Constando de parte das facturas a indicação minuciosa dos produtos e serviços transaccionados e contendo outros apenas a indicação de peças em série pode-se concluir, por tal razão, e pelo que supra vem exposto que não se provando que se tivessem realizado todas as operações pelo menos subsistia uma dúvida séria fundada o que o Tribunal omitiu;
15. Finalmente, a manter-se o decidido incorriam os Tribunais numa clamorosa injustiça de que seria vítima a ora Recorrente que é uma empresa jovem, com contabilidade organizada por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança, e da igualdade que a lei Constitucional prevê e protege nos seus arts. 2º, 7º, 17º, 18º, e, 202º.
16. Em ambos os processos a que se alude se deparam flagrantes violações do direito substantivo e processual que este Supremo Tribunal, como lhe é facultado pelo art. 150º do C.P.T.A., deverá apreciar fazendo uma correcta aplicação do direito.
17. O presente recurso funda-se no nº 1 do art. 20º da C.R.P que assegura o acesso aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses que legalmente são protegidos no caso de uma inspecção tributária justa, objectiva, e imparcial bem como no seu art. 18º que não restringe tal direito de recurso e de garantias e, ainda, no nº 2 do art. 202º do mesmo diploma que comete aos Tribunais a defesa dos interesses protegidos dos cidadãos, omissão que ocorre nestes autos, como, de resto, decorre ainda do seu art. 2º que conjugado com o nº 2 do aludido art. 18º consagra o princípio da confiança que o cidadão deve ter para a defesa dos seus direitos em conformidade com as leis quer de ordem processual quer de ordem substantiva.
18. E, deparando-se nos acórdãos a que se refere uma divergência gritante no que concerne às diferentes interpretações e entendimentos tão diferentes que muito lesam os princípios da confiança, da imparcialidade, e objectividade da justiça com os consequentes danos de que a Recorrente é vítima mercê duma inspecção subjectiva, acintosa, torna-se necessária a admissão do presente recurso para uma melhor aplicação do direito, e para uma orientação lúcida, fundamentada e justa com que os Tribunais da 1ª e 2ª instância devem pautar as suas decisões, acolhendo a muita experiência e saber já que este recurso de revista funciona como salvaguarda do sistema jurisdicional e, no caso trazido á douta apreciação de Vª Exª a matéria trazida aos autos versa sobre questões complexas, bem como a sua apreciação é complexa, e esta complexidade emana das decisões que sobre a mesma matéria, e questões fundamentais nelas debatidas, pois que além deste processo em recurso, nos Procs. 183/04.OBEPRT, 284/05.8BEPRT e, ainda, no já aludido nestas alegações 2301/04.OBEPRT, surpreendem-se diversas orientações e interpretações que urge corrigir bem como errada aplicação de preceitos ou omissão de outros juridicamente relevantes que não foram abordados no acórdão.
Por outro lado, a grande questão nuclear do processo é de saber se a A.T. procedeu na inspecção tributária com objectividade, e se da mesma resulta com segurança que a Impugnante, ora Recorrente, não fez efectivamente transacções com os emitentes das facturas ou se as mesmas se materializaram se tinha direito a proceder às liquidações a que os autos se reportam.
É do conhecimento público, e a lei faculta à A.T., ao Estado, o direito de arrecadar impostos e a impor sanções graves, severas no que a essa sua actividade respeita se o cidadão não acatar as suas decisões.
E, como resulta de toda a legislação que enquadra essa actividade o cidadão que está sempre numa situação mais frágil, às vezes numa situação de não poder reagir como pode em relação a uma entidade privada, é questão de grande relevância social saber se uma empresa jovem, bem organizada, com a sua escrituração em dia, útil à economia, como flui de dois acórdãos citados, e que categoricamente o expressam quer no auto inspectivo, quer no decurso dos autos, efectivamente, simulou operações comerciais, em suma se incorreu na grave falta da estafada prática de facturação falsa.
Ora, a certeza, o bem acertado dos Tribunais concorre para estimular a economia, para estimular ao cumprimento.
Ao contrário, a injustiça não concorre para a pacificação, antes estimula o incumprimento, o artifício fraudulento, a habilidade criminosa.
Pelo que muito se expõe, e já exposto, e porque V. Exas. têm a faculdade de interpretar entendimentos, as normas que foram violadas ou omitidas, e de considerar outros que serão judicialmente relevantes para a reapreciação e reparação do decidido, na convicção de que os Tribunais saberão, como sabem, ter a auto estima, o prestígio e a sabedoria que se lhe reconhece para reapreciar uma questão que é de grande relevo social, e não apenas um conflito, uma quezília entre privados, requer a Vª. Exª se digne admitir-lhe o presente recurso que em confronto com os demais a que alude nestas alegações, e, por certo, noutros que o signatário não conhece, e porque proferido com divergência e entendimento diferente sobre a mesma ou idêntica matéria que tem em vista reparar o que está errado, e é injusto.
Face ao que vem exposto, e porque a Recorrente está convicta de que os autos lhe merecerão um exame, uma análise profunda, e um julgamento justo, e porque a Impugnante pugna por justiça na sequência da admissão do presente recurso deve o mesmo ser provido e, assim, se fará JUSTIÇA!
A Recorrente, mercê dos processos nºs 185/04.7BEPRT, e, 183/04.OBEPRT que vêm supra identificados conterem os mesmos elementos de prova, serem instaurados na sequência da dita inspecção, e apenas serem diferentes os tributos a que respeitam, requer a sua apensação.
Requer, ainda, a V. Exas, igualmente por dever de oficio, se requisite ao Tribunal Central Administrativo o Proc. 284/05.8BEPRT em que foi proferida uma decisão sobre a liquidação do IRC à Impugnante relativamente a 2002 por facturação emitida pela B………….., LDª que também evidencia a sua falta de fundamentação.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emite Parecer, nos termos seguintes:
«A recorrente, A……………, LDA., veio interpor recurso ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão do TCAN, de 29/06/2017, proferido a fls. 704/729, que julgou improcedente recurso jurisdicional interposto de sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, julgando improcedente impugnação judicial deduzida contra as LA de IRC de 1999, 2000, 2001 e 2002, no entendimento de que a AT provou, indiciariamente, de molde a abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da recorrente e respetivos documentos se suporte, que os alegados serviços/bens a que se reportam as faturas em causa, não foram, efetivamente, prestados, não tendo a recorrente cumprido o ónus da prova do direito de deduzir os custos inerentes ao lucro tributável.
A recorrente produziu alegações, tendo concluído nos termos de fls. 749/756.
A recorrida, Fazenda Pública, não contra-alegou.
Vejamos, pois, se o recurso deve ser admitido.
Nos termos do estatuído no artigo 150º/1 do CPTA o recurso excecional de revista ali regulado só é admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
É jurisprudência reiterada da SCT deste STA que:
1. O recurso de revista excecional regulado no artigo 150º do CPTA, pelo seu carácter excecional, estrutura e requisitos, não pode entender-se como de índole generalizada mas antes limitada, de modo a que funcione como uma válvula de escape do sistema, só sendo admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, ou que, por mor dessa questão, a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. Assim sendo, este tipo de recurso só se justifica se estamos perante questão que é, manifestamente, suscetível de se repetir num número de casos futuros indeterminados, isto é, se se verifica a capacidade de expansão da controvérsia que legitima o recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.
Não é de admitir o recurso de revista excecional quando se está perante uma questão pontual e puramente individual, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico e não reveste uma importância fundamental do ponto de vista social, e quando não se invoca que a doutrina e/ou jurisprudência se tenha vindo a pronunciar em sentido divergente sobre a questão, tornando necessária a sua clarificação de forma a obter a melhor aplicação do direito, nem se invoca ou vislumbra que tenha ocorrido um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida”.
“… o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas.
Por outro lado, a clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objetivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Em suma, a intervenção do STA no âmbito de um recurso excecional de revista só pode considerar-se justificada em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador com esse recurso.”
A recorrente pretende que o tribunal ad quem reaprecie a prova produzida nos autos, de acordo com a qual, em seu entender, não resulta demonstrado, indiciariamente, que as operações económicas a que se reportam as faturas não se realizaram, antes estando provado “com meridiana clareza” a realidade dessas transações e que, se dúvidas houvesse, deveria ser aplicado o normativo do artigo 100º do CPPT.
Da análise das conclusões da recorrente resulta, com meridiana clareza, que esta pretende, que o STA reaprecie matéria de facto, quando é certo que este tribunal não pode sindicar a factualidade apurada ou as ilações de facto tiradas pelo tribunal recorrido, atento o disposto no artigo 150º/3/4 do CPTA, tendo, apenas, competência para a reapreciação da decisão de direito, em função de toda a factualidade apurada pelas instâncias.
Na verdade, a recorrente coloca para resolução neste recurso, a questão de saber se a factualidade evidenciada pela AT constitui ou não indício suficiente de que as faturas em causa não correspondem às operações nelas descritas, questão esta de natureza casuística.
Ora, dos factos-índice apurados, o tribunal recorrido tirou a ilação de facto de que os serviços descritos nas faturas não foram prestados.
A decisão de direito do tribunal recorrido mostra-se, absolutamente, plausível, seguindo, aliás, jurisprudência consolidada dos tribunais superiores (Entre muitas outras decisões, acórdão do PLENO da SCT do STA, de 16/11/2016, proferida no recurso nº 0600/15, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt), no sentido de que basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar os custos, factualidade essa suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, cabendo, então, ao contribuinte o ónus da prova do direito de deduzir os custos ao lucro tributável.
Alega, ainda, a recorrente que perante a mesma matéria, no processo 183/04.0BEPRT, embora se tenha decido pela improcedência da ação, foram adotados pontos de vista diferentes sobre o que sejam indícios sérios de que as operações que, alegadamente, subjazem à emissão das faturas não correspondem à realidade.
Como já se disse está em causa matéria de facto que escapa ao controlo do STA, sendo certo que a existir eventual oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito, verificados os respetivos pressupostos, deveria ter sido interposto recurso por oposição de acórdãos, em 10 dias, nos termos do disposto no artigo 284º do CPPT e não o presente recurso excecional de revista, interposto já no 32º dia após notificação da decisão.
Não se verificam, pois, em nosso entendimento, os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista previsto no artigo 150º do CPTA e atrás devidamente enunciados.
Termos em que não deve ser admitido o recurso.».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 663º do Código de Processo Civil dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório constante do acórdão recorrido.

3.1. O acórdão recorrido considerou as seguintes questões a decidir:
— (i) nulidade da sentença
a) por falta de fundamentação da matéria de facto, nomeadamente sobre a apreciação crítica da prova;
b) por omissão de pronúncia:
— sobre factos alegados pela impugnante para a sua defesa, [nomeadamente por a sentença ter deixado de considerar que entre a impugnante e os emitentes das facturas havia actividades adequadas quer para aquela encomendar o serviço aos emitentes das facturas, quer para estes os fabricarem e fornecerem. E que não considerou os períodos em que a s relações se iniciaram desde 1999 a 2002 e que a subcontratação dos emitentes para o fornecimento de bens e serviços e realização de trabalhos a que se alude na alínea ss) da sentença, como deixou de apreciar a matéria das alíneas ddd) e ggg) que nos dão conta que nesses períodos de tempo a impugnante vendeu produtos e peças adquiridas aos emitentes das facturas, compradas a estes];
— bem como por não ter apreciado os procedimentos de inspecção inquinados com várias ilegalidades que ofendem os princípios da objectividade, imparcialidade e proporcionalidade e deixam o cidadão em situação de desigualdade perante a AT.
— (ii) erro de julgamento de facto da sentença quanto às alíneas v) e w) do Probatório e quanto à factualidade julgada como não provada;
— (iii) erro de julgamento da sentença, uma vez que a Fazenda Pública não reuniu indícios que permitam sustentar a falsidade das facturas, incumprindo o seu ónus de prova.

3.2. Apreciando e decidindo, pois, tais questões, o acórdão recorrido concluiu:
- pela improcedência de todas as invocadas nulidades imputadas à sentença de 1ª instância;
- pela improcedência do invocado erro de julgamento de facto [por um lado, o acórdão reformulou as questionadas alíneas v) e w) do Probatório e, por outro lado, no que respeita à discordância sobre o facto não provado, o acórdão rejeitou o recurso, nessa parte, considerando que a recorrente não cumprira o ónus que sobre si recaía, em conformidade com o preceituado no art. 685º-B do CPC, sendo que lhe competia demonstrar o alegado desacerto da valoração da prova testemunhal efectuada, antecipando, para tanto, os concretos motivos susceptíveis de fundar a sua divergência, além de que só quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pre-estabelecida na lei é que é afastado o princípio da livre apreciação - art. 371º do CCivil];
- pela improcedência do também invocado erro de julgamento quanto à (não) verificação e prova dos pressupostos de facto e de direito legitimadores das correcções (por desconsideração das facturas questionadas) operadas pela AT, subjacentes às liquidações de IRC ora impugnadas.

3.3. É do assim decidido pelo TCA Norte que a recorrente interpõe o presente recurso de revista excepcional.

3.4. Vejamos, pois, se o recurso é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1, 4 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

3.5. O STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
No mesmo sentido se pronuncia a doutrina, ponderando-se que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss.)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, (sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.) também a jurisprudência do STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Assim,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo caber, em princípio, ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.6. No caso, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional.
Por um lado, porque se a recorrente, ao invocar nulidades da sentença, pretende também imputar essas mesmas nulidades ao acórdão recorrido, não poderá tal pretensão ser atendida, pois que este recurso de revista excepcional não pode ser utilizado para arguir e apreciar ou reapreciar nulidades das decisões recorridas, devendo elas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido (nº 4 do art. 615º do CPC) – cfr. entre muitos outros, os acs. do STA, de 26/5/2010, proc. nº 097/10, de 12/1/2012, proc. nº 0899/11, de 8/1/2014, proc. nº 01522/13, de 29/4/2015, proc. nº 01363/14, de 16/12/2015, proc. nº 0624/15 e de 15/2/2017, proc. nº 01330/16).
E também a invocada (nas Conclusões 11ª, 15ª e 17ª) desconformidade constitucional, por alegada violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança, e da igualdade, não é idónea para fundamentar este recurso de revista excepcional (cfr., entre muitos outros, o ac. desta Secção de Contencioso Tributário do STA, de 10/9/2014, proc. nº 0659/14, bem como os acs. da Secção de Contencioso Administrativo, de 12/9/2013, proc. nº 0982/13; de 10/7/2013, proc. nº 01123/13; de 26/9/2013, proc. nº 01371/13; de 31/10/2013, proc. nº 01603/13; de 18/12/2013, proc. nº 01788/13) uma vez que as questões de inconstitucionalidade podem discutir-se (e só podem discutir-se definitivamente) em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (art. 70º nº 1, als. a), c) e f) da Lei 28/82, de 15/11).
Por outro lado, a recorrente, invocando embora a relevância excepcional da questão que formula, pretende, no essencial, que o STA reaprecie a prova produzida nos autos, manifestando divergência com a factualidade que foi julgada provada, alegando não ter ficado demonstrado, indiciariamente, que não se realizaram as operações económicas a que se reportam as facturas em causa, antes tendo ficado provada “com meridiana clareza” a realidade dessas transações e que, de todo o modo, se dúvidas houvesse, deveria ser aplicado o normativo do artigo 100º do CPPT.
Ou seja, da análise das Conclusões o que resulta é que a recorrente manifesta discordância quanto à factualidade que as instâncias julgaram provada (sem que se verifiquem os pressupostos previstos no nº 4 do art. 150º do CPTA), questionando, nomeadamente, os critérios de valoração da prova documental e testemunhal produzida e suscitando a questão de saber se a factualidade evidenciada pela AT constitui ou não indício suficiente de que as apontadas facturas não correspondem às operações nelas descritas. Questão esta que, manifestamente, tem natureza casuística e singular, sendo que foi por reporte aos factos-índice apurados que o acórdão recorrido inferiu (ilação de facto) que os serviços descritos nas facturas não foram prestados.
Daí que, não correspondendo o recurso de revista excepcional à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, antes funcionando “como uma válvula de segurança do sistema”, admissível apenas quando se verificarem os requisitos enunciados no citado art. 150º do CPTA (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada ou clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito) se conclua que tais requisitos não se verificam no presente caso, já que as questões invocadas não são particularmente complexas do ponto de vista jurídico, não contendem com interesses especialmente importantes da comunidade e também nem sequer extravasam os limites do caso concreto.
Acresce que, como salienta o MP, também não se vislumbra a existência de um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida (que, aliás, segue jurisprudência consolidada dos tribunais superiores – cfr., entre outras, o acórdão do Pleno desta Secção do STA, de 16/11/2016, no proc. nº 0600/15), no sentido de que basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar os custos, factualidade essa suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, cabendo, então, ao contribuinte o ónus da prova do direito de deduzir os custos ao lucro tributável), pelo que fica igualmente afastada a necessidade de este Tribunal intervir no quadro de uma melhor aplicação do direito.
Diga-se, finalmente, que apesar de a recorrente também alegar (nomeadamente na Conclusão 11ª) que perante a mesma matéria, no processo nº 183/04.0BEPRT, embora se tenha decido pela improcedência da acção, foram adoptados pontos de vista diferentes sobre o que sejam indícios sérios de que as operações que, alegadamente, subjazem à emissão das facturas não correspondem à realidade, tal alegação, como igualmente sublinha o MP, se reconduz, no essencial, a divergência sobre causa matéria de facto (que escapa ao controlo do STA), sendo certo que a existir eventual oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito, verificados os respectivos pressupostos, deveria ter sido interposto recurso por oposição de acórdãos, em 10 dias, nos termos do disposto no art. 284º do CPPT e não o presente recurso excepcional de revista, interposto já no 32º dia após notificação da decisão.
Em suma, não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art. 150º do CPTA.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista excepcional, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – António Pimpão.