Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0218/15
Data do Acordão:10/07/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
NULIDADE
Sumário:I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” (artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT) tem de ser interpretado em correlação necessária com tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pois os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão tais factos tipicamente ilícitos.
II - Se os factos descritos não são factos tipicamente ilícitos e os factos tipicamente ilícitos alegadamente cometidos não vêm descritos na decisão de aplicação da coima, o processo de contra-ordenação enferma de nulidade insuprível (artigos 63.º e 79.º, n.º 1 alínea b) do RGIT).
Nº Convencional:JSTA000P19477
Nº do Documento:SA2201510070218
Data de Entrada:02/24/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 28 de Outubro de 2014, que, no recurso de contra-ordenação deduzido por A………., Lda contra decisão de aplicação de coima no montante de 26.956,12 €, julgou nula a decisão de aplicação da coima recorrida e anulou os termos subsequentes do processo de contra-ordenação n.º 3247201306017401.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou o Recurso de contra-ordenação procedente, declarando nula a decisão da Administração Tributária que aplicou a coima no processo de contra-ordenação n.º 3247201306017401 à arguida A…………, Lda, pela prática das infracções p.p. 117.º, n.º 1, e 26.º, n.º 4, e ainda 114.º, n.ºs 1, 2 e 5, al. c), todos do RGIT, no montante total de 26.956,12€, bem como, e em consequência anulou os termos subsequentes do referido processo de contra-ordenação.
B) O Ilustre Tribunal “a quo” considerou nula a decisão de aplicação da coima, fundamentando a sua decisão nas circunstâncias de, por um lado, a decisão que aplicou a coima, na descrição sumária dos factos, não incluir qualquer matéria factual minimamente subsumível às normas punitivas e infringidas constantes da decisão de aplicação da coima, concluindo que “…resulta de modo evidente que não pode ter-se como minimamente cumprido, na decisão de aplicação da coima, o requisito da “descrição sumária dos factos” a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, enfermando aquela decisão de nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do seu artigo 63.º”, e,
C) por outro lado, “… tendo em conta que vem indicada como norma infringida o artigo 36.º do CIMT (falta de pagamento do IMT, no prazo definido na lei), não se vislumbra, seja de que forma for, como é que a ocorrer essa falta tal comportamento seja punido, sem mais, pelo artigo 114.º, n.º 2 do RGIT, que remete para o n.º 1 do mesmo dispositivo legal…”.
D) No entendimento da representação da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo melhor entendimento, a decisão de aplicação da coima em questão encontra-se devida e suficientemente fundamentada, de facto e de direito, contendo em si a descrição dos factos, de forma sucinta mas explícita, bem como a indicação das normas violadas e punitivas, tal como exige a al. b) do artigo 79.º do RGIT.
E) Tal como resulta da factualidade tida por assente na decisão ora em crise, a decisão de aplicação da coima menciona:

-“Descrição sumária dos factos

Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: O sujeito passivo adquiriu em 04.06.2008 um imóvel que beneficiou de isenção de IMT, sito na freguesia de ………. e inscrito sob o art.º 558. No entanto, o prédio não foi revendido dentro do prazo de três anos, pelo que caducou o direito à isenção. Assim, aquela transmissão fica sujeita ao pagamento de imposto, os quais se dão como provados” – seguindo-se a identificação do imóvel.
Indicam-se depois as normas legais infringidas e as normas que punem tais factos.
F) Para além disso, a decisão ora em crise dá como provados os factos constantes do auto de notícia da fls. 2 dos autos de Recurso, por infracção ao disposto no artigo 38.º, n.º 2 do CIMT, sendo as normas punitivas referidas os artigos 114.º, n.º 2, 5 c9 e 26.º, n.º 4 do RGIT – Vd. O ponto A) da factualidade tida por provada na decisão judicial ora em questão.
G) Como ficou sublinhado no Acórdão do STA de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 269/09, sendo certo que «as exigências legais de fundamentação da decisão que aplica uma coima previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º como requisitos dessa decisão têm como finalidade principal assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, corolário da imposição constitucional de que nos processos contra-ordenacionais seja assegurado o direito de defesa ao arguido (cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP)).
H) Esta exigência deve considerar-se satisfeita quando as indicações contidas na decisão, embora sumárias, sejam seguramente suficientes para permitir ao arguido o exercício efectivo desses direitos, devendo ser aferida à face do direito constitucional a uma fundamentação expressa e aceitável dos actos da Administração que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3, da CRP), o que se reconduz a que a referida descrição deverá conter os elementos necessários para afastar quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta».
I) É exactamente isso que sucede na decisão de aplicação da coima em questão.
Pese embora os termos sucintos da decisão de aplicação da coima, é manifesto que a mesma contém uma descrição sumária dos factos de forma a possibilitar à arguida o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, com perfeito conhecimento dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram, e em termos bastantes para que se considere como adequadamente cumprido o requisito a que alude a al. b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas).
J) E, conforme melhor se pode aferir através da leitura do requerimento inicial de recurso das contra-ordenações em questão, a Recorrente percebeu cabalmente o conteúdo da decisão proferida pela Administração Tributária, exercendo plenamente o seu direito de defesa – tanto na fase administrativa como na jurisdicional – sendo certo que nos seus fundamentos defencionais não coloca em causa a assertividade legal da aplicação da coima em questão.

Por outro lado,

L) e conforme referido pelo Ilustre Tribunal “a quo” no ponto A) dos factos tidos por provados, foi levantado auto de notícia à então arguida por infracção ao disposto no artigo 38.º, n.º 2 do CIMT, sendo as normas punitivas referidas os artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5 al. c) e artigo 26.º, n.º 4, do RGIT.
M) Assim, facilmente se constata que a infracção que foi imputada à arguida foi a constante do n.º 2 do artigo 38.º do CIMT, sendo normas punitivas de tal infracção as constantes do artigo 114.º, n.º 2 e n.º 5, al. c), sendo certo que a al. c) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT equipara, para efeitos contra-ordenacionais, “a falta de pedido de liquidação do imposto que deva ter lugar em prazo posterior à aquisição de bens” à conduta tipificada no n.º 1 desse mesmo artigo 114.º, ou seja, “à não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei…”.
N) Ou seja, a factualidade do tipo objectivo do ilícito contra-ordenacional em questão encontra-se descrita no n.º 1 do artigo 114.º do RGIT, sendo o n.º 5 deste mesmo preceito legal uma norma de equiparação, contendo apenas uma condição objectiva da punibilidade contra-ordenacional equiparável, para efeitos contra-ordenacionais, à ilicitude constante do n.º 1 do artigo 114.º do RGIT, sendo esta a norma punitiva dos factos que integram o ilícito contra-ordenacional em questão.
O) E este normativo do n..º 1 do artigo 114.º do RGIT vem elencado tanto no auto de notícia como na decisão de aplicação da coima, sendo também certo que tanto o auto de notícia como a decisão de aplicação da coima foram oportunamente comunicados à então arguida.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!

2 – Contra-alegou a recorrida, nos termos de fls. 81 a 85 dos autos, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu parecer nos seguintes termos:

1. O presente recurso vem interposto da sentença de fls. 51 e segs. do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente o recurso de contra-ordenação, apresentado contra a decisão de aplicação de coima do senhor chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, que declarou nula, por não conter os elementos fácticos típicos da infracção imputada à arguida e nessa medida enfermar da nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT.
A Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida por no seu entender, “pese embora os termos sucintos da decisão de aplicação da coima, é manifesto que a mesma contém uma descrição sumária dos factos de forma a possibilitar à arguida o exercício efectivo dos seus direitos de defesa”, motivo pelo qual conclui que, ao contrário do entendimento sufragado na sentença recorrida, mostra-se cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT.
E termina pedindo a revogação da sentença recorrida.
2. Como se alcança da sentença recorrida, a Mma. Juiz “a quo” considerou que em face das normas infringidas e punitivas identificadas na decisão recorrida, respeitantes à “falta de apresentação, pelo interessado, de declaração solicitar a liquidação imposto por ter ficado sem efeito a isenção ou redução de taxas” e à “falta de pagamento de IMT, no prazo definido na lei”, «a descrição sumária dos factos não identifica em concreto qualquer comportamento da Recorrente subsumível ao quadro punitivo perante o qual foi aplicada a coima e determinada a sua medida».
A questão que se coloca é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a decisão administrativa de aplicação da coima padece de nulidade insuprível, por não conter os factos típicos integradores das infracções imputadas à arguida.
Como decorre da sentença recorrida à arguida foi imputada a prática de duas contra-ordenações:
a) falta de apresentação de declaração para efeitos de IMT, prevista e sancionada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 34.º do CIMT e 117.º, n.º 1, e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT;
b) falta de pagamento do imposto devido pela aquisição do imóvel, prevista e sancionada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 36.º do CIMT e 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.
Sucede que da decisão administrativa de aplicação da coima apenas consta que o sujeito passivo adquiriu um imóvel em 04/06/2008 para revenda, beneficiando de isenção de IMT, mas não procedeu à sua revenda no prazo de três anos. E que em resultado dessa conduta ficou sujeito ao pagamento de imposto.
Todavia essa conduta – não revenda no prazo de três anos -, apenas constitui o sujeito passivo na obrigação de liquidação do imposto devido e não integra a prática de qualquer conduta censurada com a aplicação de uma coima.
Como decorre do artigo 2.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, “constitui infracção tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei anterior”. Como referem Jorge L. de Sousa e Manuel Simas Santos (in RGIT Anotado, 2001, p. 41), «o facto que constitui infracção tributária (crime ou contra-ordenação) consiste numa conduta humana, voluntária e culposa, que preencheu um dos modelos ou tipos onde a lei arrolou bens jurídicos a proteger», pois «a conduta, o comportamento humano terá de ser o ponto de partida de toda a elaboração do direito sancionatório, abrangendo tanto a acção como a omissão, com referência ao resultado por ela produzido».
Por outro lado para ser sancionado o comportamento do agente que causou aquele resultado tem de ser censurado, já que não há contra-ordenação sem culpa.
No caso concreto as infracções que foram imputadas à arguida na decisão administrativa prendem-se com o incumprimento de uma obrigação acessória prevista no artigo 34.º do CIMT – falta de apresentação de um determinado tipo de declaração num determinado período de tempo – e não pagamento do imposto devido no mesmo prazo – artigo 36.º, n.º 6, do CIMT. Sucede que do enunciado dos factos constantes da decisão administrativa não consta qualquer elemento relativo ao período em que devia ter sido apresentada a declaração e qual foi a conduta adoptada pela arguida, nem sobre o montante pecuniário que devia ter sido liquidado a título de imposto e respectivo prazo e qual a conduta adotada pela arguida (se não pagou ou se pagou quando e como).
Ou seja, do enunciado de factos constantes da decisão administrativa consta apenas a factualidade que deu origem à constituição daquelas obrigações. Mas nada consta sobre a conduta que a arguida adoptou perante tais obrigações e é esta conduta que deve ser objecto de análise para aferir se a mesma integra o tipo de contra-ordenação em causa e se deve ser ou não sancionada.
Que a entidade administrativa que aplicou a coima, de montante assaz elevado (€26.956,12 euros), se alheou de todos esses elementos é bem patente, pois nem sequer analisou as circunstâncias da prática das contra-ordenações e sobre as quais a arguida tinha baseado a sua defesa.
Carecem, assim, de fundamento legal as críticas que a Recorrente tece à decisão recorrida, já que não está em causa a descrição mais ou menos sumária dos factos (ou sobre a necessidade de maior fundamentação na sua análise), mas antes a inexistência de elementos factuais relativos à conduta humana que integrem os elementos objectivo e subjectivo das infracções imputadas à arguida.
Entendemos, pois, que a sentença recorrida deve ser mantida na ordem jurídica e o recurso ser julgado improcedente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

4– Questão a decidir

É a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter julgado ex oficio padecer de nulidade insuprível a decisão administrativa de aplicação da coima por não satisfazer as exigências legais da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, como estatuído no artigo 63.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma.

5 – É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
A) Em 29.01.2013 foi levantado ao Recorrente o auto de notícia de fls. 2 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, por infracção ao disposto no artigo 38.º, n.º 2 do CIMT, sendo as normas punitivas referidas
os artigos 114.º, n.º 2, 5 c) e 26.º, n.º 4 do RGIT.
B) Em 06.02.2013 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 2, contra a Recorrente, o processo de contra-ordenação nº 3247201306017401 (cfr. fls. 1 dos autos).
C) Em 08.10.2013 foi proferido despacho de fixação da coima no montante total de 26.956,12€, aí constando, designadamente, o seguinte:

“Descrição sumária dos factos
Ao (Á) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: O sujeito passivo adquiriu em 04.06.2008 um imóvel que beneficiou de isenção de IMT, sito na freguesia de ………… e inscrito sob o art.º 558. No entanto, o prédio não foi revendido dentro do prazo de três anos, pelo que caducou o direito à isenção. Assim, aquela transmissão fica sujeita ao pagamento de imposto, os quais se dão como provados.
Identificação dos imóveis: 110646 – U – 558; 110646-U-558.

Normas infringidas e Punitivas
(…)
Normas infringidas: Art. 57º CIMT – Falta apresentação, pelo interessado, de declaração solicitar a liquidação imposto por ter ficado sem efeito a isenção ou redução de taxas
Art.º 36.º CMIT – Falta de pagamento de IMT no prazo definido na lei
Normas punitivas: Art.º 117 n.º 1 e 26º nº 4 RGIT – Falta apresentação, pelo interessado, de declaração para liquidação do IMT
Art.º 114.º, n.º 2 e 26º nº 4 do RGIT – Falta entrega prest. Tributária dentro prazo
Período Tributação: 2011 Data Infracção: 2011-07-04 Coima Fixada: 1.741,00
Período Tributação: 2011 Data Infracção: 2011-07-04 Coima Fixada: 25.215,12” (cfr. fls. 14 e 15 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
E) (sic) Através de ofício registado, foi a recorrente notificada em 10.10.2013 (cfr. fls. 17 dos autos).

6 – Apreciando.
6.1 Da nulidade insuprível a decisão administrativa de aplicação da coima

A sentença recorrida, a fls. 51 a 58 dos autos, julgou procedente o recurso interposto pela ora recorrida da decisão de aplicação da coima proferida no processo de contra-ordenação n.º 32472013066017401, no entendimento de que esta padecia de nulidade insuprível por falta de descrição sumária dos factos imputados à arguida, julgando verificada tal nulidade e anulando os termos subsequentes do processo de contra-ordenação.
Para assim decidir, considerou a sentença recorrida que a decisão que aplica a coima, na descrição sumária dos factos, não inclui qualquer matéria factual minimamente subsumível às normas punitivas e infringidas constantes da decisão de aplicação da coima (…) não identificando em concreto qualquer comportamento da Recorrente subsumível ao quadro punitivo perante o qual foi aplicada a coima e determinada a sua medida e não obstante a descrição poder ser sumária, nos termos do preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, ainda assim têm obviamente de ser identificados em concreto os factos pelos quais o arguido é acusado, por forma a aferir se ocorre o efetivo preenchimento do tipo objectivo e subjectivo da contra-ordenação que lhe vem imputada (cfr. sentença recorrida, a fls. 55/56 dos autos). Considerou ainda a sentença recorrida que tendo em conta que vem indicada como norma infringida o artigo 36.º do CIMT (falta de pagamento do IMT, no prazo definido na lei), não se vislumbra, seja de que forma for, como é que a ocorrer essa falta tal comportamento seja punido, sem mais, pelo artigo 114º, n.º 2 do RGIT, que remete para o n.º 1 do mesmo dipositivo legal (…), não se entendendo como se poderá estar perante prestação tributária deduzida nos termos da lei, já que o IMT a pagar ao Estado não resulta de retenção na fonte ou de liquidação de imposto a terceiro, o que implica que, mesmo perante a descrição factual suscetível de preenchimento dos requisitos legais, sempre a decisão revelaria uma errada subsunção dos supostos factos à norma punitiva considerada pelo órgão aplicador da coima (cfr. sentença recorrida, a fls. 57 dos autos).
Não se conforma com o decidido a Fazenda Pública, alegando que a decisão de aplicação da coima em questão encontra-se devida e suficientemente fundamentada, de facto e de direito, contendo em si a descrição dos factos, de forma sucinta mas explícita, bem como a indicação das normas violadas e punitivas, tal como exige a al. b) do artigo 79.º do RGIT, que a Recorrente percebeu cabalmente o conteúdo da decisão proferida pela Administração Tributária, exercendo plenamente o seu direito de defesa – tanto na fase administrativa como na jurisdicional – sendo certo que nos seus fundamentos defencionais não coloca em causa a assertividade legal da aplicação da coima em questão e ainda que a factualidade do tipo objectivo do ilícito contra-ordenacional em questão encontra-se descrita no n.º 1 do artigo 114.º do RGIT, sendo o n.º 5 deste mesmo preceito legal uma norma de equiparação, contendo apenas uma condição objectiva da punibilidade contra-ordenacional equiparável, para efeitos contra-ordenacionais, à ilicitude constante do n.º 1 do artigo 114.º do RGIT, sendo esta a norma punitiva dos factos que integram o ilícito contra-ordenacional em questão e que este normativo do n.º 1 do artigo 114.º do RGIT vem elencado tanto no auto de notícia como na decisão de aplicação da coima, sendo também certo que tanto o auto de notícia como a decisão de aplicação da coima foram oportunamente comunicados à então arguida.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos e supra transcrito pronuncia-se no sentido do não provimento do recurso, porquanto carecem de fundamento legal as críticas que a Recorrente tece à decisão recorrida, já que não está em causa a descrição mais ou menos sumária dos factos (ou sobre a necessidade de maior fundamentação na sua análise), mas antes a inexistência de elementos factuais relativos à conduta humana que integrem os elementos objectivo e subjectivo das infracções imputadas à arguida.
E assim é, efectivamente.
O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada.
No caso dos autos, consta da decisão de aplicação da coima o seguinte:

“Descrição sumária dos factos
Ao (Á) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: O sujeito passivo adquiriu em 04.06.2008 um imóvel que beneficiou de isenção de IMT, sito na freguesia de ………… e inscrito sob o art.º 558. No entanto, o prédio não foi revendido dentro do prazo de três anos, pelo que caducou o direito à isenção. Assim, aquela transmissão fica sujeita ao pagamento de imposto, os quais se dão como provados.
Identificação dos imóveis: 110646 – U – 558; 110646-U-558.

Ora, os factos descritos não são factos tipicamente ilícitos - antes constituem o contribuinte no dever de solicitar a liquidação do IMT devido em razão da caducidade da isenção e de proceder ao respectivo pagamento no prazo de 30 dias (artigos 34.º 36.º n.º 6 do CIMT) -, sendo que os factos tipicamente ilícitos porventura cometidos não se encontram minimamente descritos, sequer através de sumária referência a que foram omitidos os deveres decorrentes das normas tidas como infringidas e em que momento o teriam sido, como poderia sustentar-se ser suficiente perante infracções omissivas puras.
Acresce que é duvidoso que o não pagamento do IMT no prazo em razão da caducidade da isenção seja facto tipificado como contra-ordenação, já que não cumpre o tipo legal de contra-ordenação descrita nos n.ºs 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT – porquanto em causa não está qualquer prestação tributária “deduzida” -, e a norma de equiparação prevista na alínea c) do n.º 4 do artigo 114.º do RGIT equipara à “falta de entrega da prestação tributária” a “falta de pedido de liquidação do imposto que deva ter lugar em prazo posterior à aquisição de bens” e não a falta de pagamento do imposto que venha a ser liquidado.
Ou seja, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e supra transcrito não está em causa a descrição mais ou menos sumária dos factos (ou sobre a necessidade de maior fundamentação na sua análise), mas antes a inexistência de elementos factuais relativos à conduta humana que integrem os elementos objectivo e subjectivo das infracções imputadas à arguida.

Pelo exposto se conclui que bem decidiu a sentença recorrida ao julgar padecer de nulidade insuprível a decisão de aplicação da coima, anulando os termos subsequentes do processo de contra-ordenação (artigos 63.º e 79.º n.º 1 alínea b) do RGIT), estando o recurso votado ao insucesso.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente Fazenda Pública.

Lisboa, 7 de Outubro de 2015. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Fonseca Carvalho.