Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:049/02
Data do Acordão:10/08/2002
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO BELCHIOR
Descritores:FUNDO SOCIAL EUROPEU.
DEPARTAMENTO PARA OS ASSUNTOS DO FUNDO SOCIAL EUROPEU.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE.
AUDIÊNCIA DO INTERESSADO.
Sumário:I - O princípio da audiência decorre do imperativo constitucional inscrito no art.º 267.º da CRP, o qual consagra o principio da participação, tendo sido vertido com carácter geral no CPA, com destaque para o art.º100.º
II - Deve considerar-se cumprido o dever de audiência se tiverem sido fornecidos ao interessado os elementos que presidiram ao projecto de decisão.
III - Não ocorre incongruência na fundamentação do acto administrativo quando a pretensa contraditoriedade e incongruência é aferida em função de elementos, como um parecer emitido para uma acção de formação diferente da que estava em causa nos autos ou com referência a uma informação que não se revelou com interesse para a estatuição contida no acto.
IV - São garantias de imparcialidade que estão em causa na consagração da figura (e dos casos) de impedimentos previstos no art.º 44.º do CPA, visando-se com tais impedimentos obstar a que participem em dado procedimento administrativo os titulares de órgãos que tenham interesse pessoal na decisão do caso.
V - Não integra tal figura, por não estarmos perante entidade que não é titular de órgão ou agente da Administração, a intervenção no procedimento de uma empresa especializada em auditoria contabilístico-financeira, mesmo que por uma segunda vez (depois do cumprimento do citado art.º 100.º), intervenção operada aliás ex vi alínea d) do nº1 do artº 2º do Decreto-Lei nº 37/91,de 18 de Janeiro (ao abrigo da qual o DAFSE pode solicitar a colaboração de outras entidades, públicas ou privadas, para proceder ao acompanhamento e controlo das acções apoiadas pelo Fundo Social Europeu), pese embora a Administração, ao decidir, haja remetido para o conteúdo do relatório produzido por aquela empresa.
Nº Convencional:JSTA00058130
Nº do Documento:SA120021008049
Data de Entrada:01/11/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRGER DO DAFSE
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - APOIO FINANC FORMAÇÃO.
Legislação Nacional:CPA91 ART44 ART100.
CPC96 ART713 N5.
DL 37/91 DE 1991/01/18 ART2 N1 D.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I Relatório
A..., com os demais sinais dos autos, instaurou no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa (TAC) recurso contencioso de anulação do despacho do Sr. Director-Geral do Departamento para os Assuntos Sociais do Fundo Social Europeu (DAFSE) – E.R.-, de 17-05-96 (A.C.I) na parte em que reduziu o pedido de pagamento de saldo da rubrica “Encargos com o pessoal docente” em 3.386.040$00 e ordenou a sua devolução, sob pena de cobrança coerciva, cuja notificação e concernente notificação documentou com a p.i., a fls. 23 e segs., imputando-lhe vícios de forma e de violação de lei.
No TAC, através da douta sentença de fls. 248-264, foi negado provimento ao recurso.
Produzidas alegações, ao final formulou a recorrente as seguintes conclusões:
1. Ao acto impugnado falta fundamentação, a douta sentença recorrida interpreta e aplica mal, contrariando-o, o disposto no artº 125° do C.P.A.
2. O dever de audiência prévia não foi observado porque a fundamentação, na sua totalidade, além de não ter sido notificada à interessada, não foi acessível à ora Recorrente, não podendo esta pronunciar-se sobre elementos havidos como imprescindíveis nos actos para os quais a decisão impugnada remete, pelo que a douta sentença recorrida viola o disposto no artº 100º do C.P.A..
3. A auditoria, base da fundamentação, ainda que per relationem, revela-se falha de elementos tidos pelos seus autores como necessários e indispensáveis à conclusão, e a douta sentença, julgando o contrário, decide mal e contra o direito, designadamente o artº 125° do C.P.A..
4. Objecto dos autos é a perfeição legal da redução de nível praticada, não a bondade dos motivos invocados, pelo que a douta sentença incorre no vício previsto no artº 668º, nº 1, d), conhecendo do que lhe não competia conhecer .
5. Mas confundir, na fundamentação, o nível de acesso e o nível de saída da formação é erro contra legem e vicia, por violação de lei, artº. 125° do C.P.A., e despachos 88/98 e 69/91 do Ministro do Emprego, o acto impugnado, que a douta sentença, julgando como julgou, viola.
6. A omissão de elementos essenciais no projecto de decisão e na decisão e na respectiva comunicação à interessada, viola o dever de audiência prévia e viola o dever de fundamentação do acto, pelo que a douta sentença decidiu contra o disposto nos artºs 100° e 125° do C.P.A..
7. A falta de relação entre o acto impugnado e um outro acto objecto de parecer, mas apontado como parte da fundamentação, é fundamentação obscura e contraditória e equivale à sua falta, violando o artº 125º do C.P.A., que a douta sentença contraria.
8. A auditora não é titular de órgão ou agente da administração, mas um acto praticado por ela, por conta e ao serviço da administração, é um acto que a Administração faz seu por dele se servir para, por remissão, fundamentar um acto definitivo e executório.
9. A auditora intervém Segunda vez no procedimento administrativo e aí fá-lo enquanto perito.
10. Essa intervenção, a dois títulos, viola as garantias de imparcialidade e constitui vício de violação de lei, que a douta sentença corrobora contrariando o direito vertido no art. 44º do C.P.A..
A Entidade recorrida não contra-alegou.
A Exmª. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu o douto parecer seguinte:
“O presente recurso jurisdicional vem interposto de sentença do TAC de Lisboa, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação que teve por objecto o despacho de 17.05.1996 do Director-Geral do DAFSE, defendendo a recorrente nas suas alegações que a sentença recorrida, porque afectada de erro de julgamento, deve ser revogada e substituída por outra que considere verificados os vícios de violação de lei e de forma imputados ao acto contenciosamente impugnado.
Diversamente do que defende a recorrente não vemos, porém, que a decisão recorrida possa merecer censura, porquanto mostra ter rebatido cuidadosamente todos os argumentos desenvolvidos pela recorrente em sede de alegações de recurso contencioso e evidencia ter procedido a adequada apreciação dos factos e a correcta interpretação e aplicação do direito.
Nestes termos, somos de parecer que deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida”.
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1.
De Facto:
A sentença recorrida julgou como assente a seguinte Matéria de Facto (M.ª de F.º):
a)- A Recorrente candidatou-se, no âmbito de Programa Operacional 90 400 P1, aos apoios do FSE para a realização de um curso de formação profissional denominado JOVIN1 , tendo a sua candidatura sido aprovada ao abrigo do n° 2 do art. 12° do Despacho Normativo 112/89, de 28-12, por despacho do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, de 16-10-90, ficando condicionada ao cumprimento de toda a legislação sobre formação profissional e apoios à formação profissional e emprego no âmbito do FSE;
b)- O valor orçamentado na candidatura e aprovado pelo IEFP, na rubrica "Encargos com pessoal docente", foi de 10 322 000$00 para um n° de 1 038 horas de formação teórica e de 562 horas de formação prática, às taxas horárias dos NÍVEIS 4 e 5 do anexo ao DN 88/89, de 12-09;
c)- O curso teve início a 10-12-90 e terminou a 22-06-92;
d)- Em Agosto de 1992 foi entregue o pedido de pagamento de saldo, tendo a Recorrente recebido, de apoio do FSE e do 0SS, o total de 40 761 116$00;
e )- Por solicitação do DAFSE foi efectuada, em 1994, uma auditoria ao curso JOVINI pela empresa ..., Lda;
f)- Por carta de 1-08-94, esta empresa solicitou ao Instituto do Emprego e Formação Profissional informação sobre os níveis atribuídos por esse Instituto às acções JOVINF1- PO 10 90 400P1 B1 e JOVINFII-PC 10 90 400P1 B2, não tendo obtido resposta;
g)- A referida empresa apresentou ao DAFSE o relatório da auditoria, a fls. 47 a 143, datado de 6-01-95, que se dá aqui por integralmente reproduzido e em que consta, nomeadamente, o seguinte:
«... Resultados da Auditoria
(...)
Elegibilidade da acção
(...)
De acordo com as disposições vigentes, a qualificação resultante de uma formação de nível 4 inclui conhecimentos e capacidades que pertencem ao nível superior e permitem assumir, de forma geralmente autónoma ou de forma independente, responsabilidade de concepção e ou de direcção e ou de gestão.
O nível 4 pressupõe assim requisitos que dificilmente são atingíveis por formandos sem qualquer experiência profissional nem habilitações de nível superior (...).
Deste modo, tendo em consideração a estrutura de níveis de formação da CE (Anexo II dos despachos nºs 88/98 e 69/91) e a caracterização dos formandos (jovens desempregados à procura do primeiro emprego, na maioria com habilitações ao nível do 12° ano ou admissão no ensino superior), somos de opinião que a acção em análise teria melhor enquadramento no nível 3 CE.
De referir ainda que este nível 3 foi o considerado para o curso P010 90.4001 P1-B2, de características, objectivos e destinatários bastante semelhantes, embora tenham igualmente sido apresentadas no respectivo pedido de pagamento de saldo as taxas horárias de formação para os níveis 4 e 5.»;
h)- Em 24-05-95, um inspector do DAFSE, concordando com aquele relatório, elaborou um projecto de decisão de que constava uma redução do pedido de pagamento de saldo de 18 739 935$00, onde se incluíam 3 386 040$00 da rubrica « Encargos com pessoal docente» , decorrente da redução das taxas horárias de remuneração do nível 4 para as do nível 3;
i)- Por ofício 006581, de 12-06-95, o DAFSE notificou a Recorrente desse projecto de decisão, com cópia do relatório da auditoria, informando-a de que tal relatório fora analisado e aceite e de que, se pretendesse consultar outros elementos constantes do processo em causa, este estaria disponível para o efeito, dispondo a Recorrente de 10 dias para se pronunciar sobre os referidos relatório e projecto de decisão;
j)- Em resposta, a Recorrente apresentou o relatório de fls. 153 a 168 de uma nova auditoria realizada pela Sociedade de Revisores de Contas ... Associados e, em 3-07-95, a contestação de fls. 148 a 151 que aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual consta, designadamente, o seguinte:
«2.8.2.1.- A candidatura ao curso "Jovinf I" foi apresentada ao IEFP em devido tempo, tendo sido aprovada com base nos critérios nela definidos. No caso concreto dos formadores o nível CE aprovado foi o nível 4/5 (nível de saída).
Durante o processo formativo, antes ou depois dele, nem o IEFP, nem o DAFSE, nos comunicaram qualquer alteração ao previamente aprovado.
Os valores aprovados e constantes do termo de aceitação mostram claramente os valores/hora de 7 500$00 e 6 000$00 para, respectivamente, a formação teórica e prática.
Para além disso, todos os pressupostos de carácter técnico-pedagógico (programa, duração, população-alvo etc.) definidos em candidatura foram cumpridos integralmente e confirmados no relatório de auditoria.
Finalmente apresentámos o pedido de pagamento de saldo ao IEFP, tendo sido aprovado e mais tarde confirmado pelo DAFSE, através do seu pagamento.
Por isso não entendemos e até achamos muito estranho que só agora venham alterar essa decisão com base num relatório que apenas “sugere” que “teria melhor enquadramento no nível 3”, e que no parágrafo 2.1.1.1. sofre algumas imprecisões:
- Se a presente acção foi enquadrada pela D. Regional no nível 2 CE, NUNCA, como já foi referido tivemos conhecimento de tal;
- O nível 4 (nível de saída) implica formação de acesso (nível de entrada) de nível secundário e não habilitações de nível superior. ...»
k)- A ..., Lda., relativamente à contestação da Recorrente apresentou o parecer de fls. 27 a 34 que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que consta, designadamente, o seguinte:
«De acordo com a legislação vigente o nível 4 é atribuído a formação técnica de alto nível, incluindo a qualificação dela resultante conhecimentos e capacidades pertencentes ao nível superior e que permitem assumir, de forma autónoma e independente, responsabilidades de concepção e ou de direcção e ou de gestão.
Na nossa opinião, a formação em análise não permite atingir os objectivos que estão subjacentes ao nível 4, tanto mais que os formandos abrangidos são jovens à procura de primeiro emprego.
De salientar que relativamente ao JOVINF II o próprio IEFP considera o nível 2 de qualidade esperada e o nível 3 de estrutura de níveis de formação de CE, conforme parecer do Gestor do PO10 que anexamos. No que respeita ao JOVINF I é evidenciado na primeira página do Pedido de Pagamento de Saldo os níveis 1 e 2, respectivamente.
Com a finalidade de obtermos confirmação directa do IEFP sobre os níveis e valores efectivamente aprovados em candidatura e saldo enviámos em 1/8/94 a nossa carta ref. 217/94, que anexamos, a qual não mereceu até à presente data qualquer resposta.»
1)- Com esta resposta, a "..." anexou o parecer do Gestor do PO 10, datado de 10 de Abril de 1991, de que consta, designadamente, o seguinte:
CANDIDATURA /PO 10
A...
B2/b2 –2ª candidatura
(...)
Esta candidatura refere-se a um curso de qualificação para jovens desempregados designado “jovinf II”, possibilitando a formação em contabilidade e informática, utilizando as novas técnicas da informação.
Consideram-se os conteúdos programáticos apresentados ajustados à carga horária do curso, ao qual foi atribuído o nível 2 de Qualidade Esperada.
(...)
Feita a análise financeira, ao nível 3 da estrutura de níveis de formação da CEE, o custo/hora/formando apresentado é inferior ao custo padrão.
Atendendo à importância deste curso, dá-se parecer favorável a esta candidatura, tendo existido corte na rubrica “Encargos com Pessoal Docente”, que foi ajustada aos valores legislados.
Considera-se ser de cofinanciar esta candidatura atribuindo-se os seguintes valores, por grande rubrica (em milhares de escudos):
(...)
ENCARGOS COM PESSOAL DOCENTE ...... 19 833
(. . . ) »
m)- Em 27-10-95, um consultor do DAFSE, apreciou a contestação da Recorrente e a resposta da “...”, pondo à consideração de um inspector o seguinte parecer: «Solidarizamo-nos com o teor dos comentários e entendemos não ser de alterar os valores certificados pelo auditor.
Temos assim um total de 23 918 974$00. Como a A... já recebeu 40 761 116$00 tem a devolver a importância de 16 842 142$00»;
n)- Sobre esse parecer, em 15-12-95, o inspector do DASE emitiu a nota de serviço n° 353/95 com o seguinte teor: «Apreciando o parecer em anexo, relativo à contestação apresentada ao relatório de auditoria efectuada ai pedido 1 do PO 10 (90 4001P1), da entidade em referência, tendo em conta os elementos disponíveis, afigura-se-nos o mesmo (parecer) correcto e dever ser reflectido na decisão final da auditoria em causa» ;
o)- Pelo mesmo inspector, em 26-01-96, foi elaborada a Informação de Serviço n° 56/DAFSE/96 de que consta designadamente:
«Assunto: PO 10 (90 4001 P1)- Pedido 1 (...)
- Inspecção no âmbito do Fundo Social Europeu (...)
1. Nos termos do n° 2 do art. 27° do DL 121-B/90, de 12 de Abril, e da alínea d) do art. 2° do DL 37/91, de 18 de Janeiro, foi efectuada uma auditoria ao pedido l do PO acima referido, de A A..., tendo sido efectuada por “..., Lda”.
2. Em conformidade com o disposto nos arts 100º e 101° do Código do procedimento Administrativo, e do despacho do SR. Subdirector-Geral, de 09.05.31, foi o relatório de auditoria enviado à entidade a fim de que se pronunciasse acerca do mesmo.
3. Através do ofício com entrada no DAFSE n° 6242, de 95/07/03, a entidade contestou algumas das correcções efectuadas pelo auditor.
4. Analisada a reclamação apresentada, foram confirmados os montantes certificados pelo auditor, conforme parecer que se anexa.
5. Face ao exposto nos pontos 1 a 4 propõe-se:
a) a aprovação da estrutura de custos, apresentada no relatório, que se traduz na redução de despesas no montante de 18 739 953$00 conforme segue:
(....)
b) a aprovação da nova estrutura como segue:
Contribuição do FSE ...........................................16 223 663
Contribuição pública nacional..............................7 695 311
Contribuição privada.......................................... 0
Receitas próprias................................................. 0
TOTAL 23 918 974
c) que a entidade proceda à devolução da importância de 16 842 142$00, calculada da seguinte forma:
Contribuição pública FSE OSS TOTAL
Montantes certificados 16 223 663 7 695 311 23 918 974
Montantes recebidos 27 761 772 12 999 394 40 761 116
Montante a devolver 11 538 059 5 304 083 16 842 142
que sejam enviadas ao IEFP cópias do relatório nº2/DAFSE/95, de toda a documentação resultante da aplicação dos arts. 100º e 101° do Código do Procedimento Administrativo.
p )- Sobre esta informação recaiu, em 17-05-96, o despacho do Director-Geral do DAFSE «Concordo. Certifico.»
q)- O DAFSE, por ofício datado de 29-07-96, notificou a Recorrente do seguinte:
«Na sequência do ofício n° 6581, de 95.06.08 deste departamento, informa-se de que foi considerada improcedente a contestação dessa entidade relativa ao projecto de decisão que resulta do relatório da auditoria realizada por “..., Lda, de acordo com os fundamentos que se anexam (anexo 1).
Assim, nos termos conjugados dos arts 66° e 106º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo D.L. n° 442/91, de 15 de Janeiro, ficam V. Exªs notificadas que, por despacho do Exmo Sr. Director-Geral do DAFSE, de 96.05.17, aposto na informação n°56/DAFSE/96 (anexo 2), proferido no uso das competências delegadas pelo despacho de 95.12.29, da Exmª Srª Ministra para a Qualificação e o Emprego e com efeitos retroactivos a 95.11.28, foi reduzido o custo total constante do “pedido de pagamento de saldo” em 18 739 935 esc, relativo a despesas não elegíveis apuradas através da citada auditoria.
Considerando que essa entidade já recebeu um total de 40 761 116 Esc., deverá proceder à devolução de 16 842 142 Esc.
FSE ........ ......................................................... 11 538 059 Esc.
OSS......... .............................................................5 304 083 Sc
A devolução deverá ser efectuada no prazo de 8 dias, (...)
d) Acresce salientar que a não restituição no prazo referido determina a sua cobrança coerciva nos termos do Decretos-Lei 158/90, de 17 de Maio, Com as alterações introduzidas pelo Decretos-Lei n° 246/91, de 6 de Julho».
r)- Por despacho n° 65/95, de 29-12-95, publicado no DR, II Série, de 13-02-96, a Ministra para a Qualificação e o Emprego delegou no Director-Geral do DAFSE, ..., a competência para suspender pagamentos, reduzir ou suprimir apoios no âmbito do QCA.
2.
DO DIREITO.
O que estava em causa no recurso contencioso era o despacho do Director-Geral do DAFSE de, «Concordo. Certifico.», exarado sobre a Informação de Serviço n.º 56/DAFSE/96 atinente a pagamento de saldo relativamente a curso de formação profissional (denominado JOVIN 1) co-financiado pelo FSE na qual, depois de sumariar os actos procedimentais levados a efeito e com invocação do relatório de uma auditoria que o DASE mandou efectuar, se propunha a redução e consequente devolução da importância recebida para além do valor certificado, impugnando-se aquele acto na parte relativa à não certificação e ordem de devolução de 3.386.040$00.
Eram atribuídos a tal acto os vicios de, violação do art.º 100.º do CPA, de deficiente fundamentação por contradição e incongruência entre o acto recorrido e o parecer indicado como seu fundamento e violação de garantia de imparcialidade, enunciada na alínea d) do n.º 1 do art.º 44.º do CPA.
A sentença recorrida julgou improcedentes tais vícios.
É do assim decidido que vem interposto o presente recurso.
Vejamos se assiste razão à recorrente, começando pela invocada violação do art.º 100.º do CPA.
Deve dizer-se liminarmente, pecado que aliás já vem da fase contenciosa, que muito do que a recorrente invoca a este propósito muito se prende com o vicio de falta de fundamentação.
Ora, como fundamento da violação do art.º 100.º, invocava a recorrente em sede contenciosa, e em resumo, que o projecto de decisão não continha todos os elementos que o próprio acto recorrido teria considerado essenciais para poder decidir, pelo que sobre eles não foi ouvida. Estavam em causa, alegadamente, o facto de o projecto de decisão não incluir uma carta de 1/AGO/84 enviada pela empresa auditora (CBC) ao IEFP bem como o parecer de 10/ABR/91 do Gestor do PO 10 e ainda o facto de não lhe terem sido facultados os esclarecimentos que a CBC considera essenciais, tudo como se alcança da p.i. sob os artºs conjugados, 38.º, 26.º a 31.º, 20.º, 21.º e 22.º.
O princípio da audiência decorre do imperativo constitucional inscrito no art.º 267.º da CRP, o qual estabelece que “o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial que assegurará...a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito”,
Tal principio da participação foi consagrado com carácter geral no CPA (art.º8.º)para toda a actividade administrativa, tendo a nível procedimental afloramento, v.g., nos arts. 59.º, 61.º e segs., 88.º, n.º 2, 96.º, 97.º, 118.º e, no que ora interessa, no art.º100.º
Efectivamente, reza o n.º 1 do art.º 100.º do CPA que, “concluída a instrução...os interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
Deverá reter-se, como decorre do acima exposto, que o direito a ser ouvido e que se opera através da audiência prévia deve traduzir-se na efectiva possibilidade de audiência a ser concedida aos interessados de molde a que possam ter uma participação útil no processo. É que, com a formalidade em causa pretende-se conferir um controle preventivo por parte do particular relativamente à Administração. Por outro lado, a sua observância é de molde a beneficiar o interesse público na medida em que, vindo ao procedimento perspectivas diferenciadas ou (e) eventualmente contrapostas, as mesmas integrarão um acervo de elementos pertinentes à formação de uma correcta e adequada vontade por parte do órgão ou agente competente para a decisão (cf. abalizada doutrina in. anotação ao art.º 100.º do CPA, por Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho).
Como se alcança da M.ª de F.º, um inspector do DAFSE, elaborou um projecto de decisão que foi de concordância com o aludido relatório da empresa auditora, e de que constava uma proposta de redução do pedido de pagamento de saldo de 18 739 935$00, onde se incluíam 3 386 040$00 da rubrica «Encargos com pessoal docente», decorrente da redução das taxas horárias de remuneração do nível 4 para as do nível 3 e do porquê dessa redução, do que a recorrente foi notificada com cópia do sobredito relatório, informando-a de que tal relatório fora analisado e aceite (cf. pontos g a i). Realce-se como o aludido relatório da CBC, que se transcreve parcialmente em g da M.ª de F.º, justifica para a situação vertente a aludida redução das taxas horárias de remuneração do nível 4 para as do nível 3.
Ora, sendo embora certo que o projecto de decisão não incluiu a aludida carta de 1/AGO/84 enviada pela empresa auditora (CBC) ao IEFP, como se afirmou na sentença recorrida, e que não vem infirmado, o facto de o projecto de decisão não aludir a tal carta deve considerar-se irrelevante no plano em causa na medida em que não constituiu fundamento do projecto de decisão, como aliás também não veio a integrar a decisão recorrida. Quanto àquele parecer do Gestor do PO 10, não constituiu o mesmo, de igual modo, algum fundamento para o que foi sugerido (pela empresa auditora), enquadramento no nível 3 e não noutro superior, pelo que também, e para os fins do cumprimento do dever de audiência, não cumpria dele dar conhecimento ao interessado.
De referir ainda que a Administração ao proceder à notificação do interessado para os fins do artº 100.º citado, nos termos já referidos, informou-o de que, se pretendesse consultar outros elementos constantes do processo em causa, este estaria disponível para o efeito, para o que lhe indicou prazo (cf. ponto i da M.ª de F.º), o que na sentença foi trazido à colação no sentido de que, pese embora a desconsideração daqueles elementos – carta e parecer – nos termos já referidos, sempre deles o administrado poderia, se assim o entendesse, inteirar-se do seu conteúdo. Tal asserção da sentença é evidenciada agora pela recorrente no sentido de tentar demonstrar que o fornecimento daqueles elementos sempre se tornavam necessário no plano em causa. Mas não deve aceitar-se tal entendimento.
Na verdade, cumprindo à Administração ouvir os interessados no procedimento antes de ser tomada a decisão final, informando-os, nomeadamente, sobre o sentido provável desta, e tendo sido dado cumprimento a tal dever, a afirmação de tal disponibilidade, naquele contexto, terá querido apenas significar que a Administração quis tornar efectivo, e não meramente formal, o controle preventivo por parte do particular que o art.º 100.º em causa visa proporcionar.
Deste modo, e em resumo, tendo sido fornecidos ao interessado os elementos que relevantemente presidiram ao projecto de decisão, deve considerar-se que foram cumpridas as referidas finalidades que a garantia do dever de audiência visa satisfazer.
O mais que a tal respeito é aduzido, independentemente de se mostrar imbricado com o cumprimento do dever de fundamentação, como já referido, poderia prender-se com eventual vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, o que a recorrente não intentou demonstrar.
Que dizer do julgado quanto à arguida fundamentação pretensamente inquinada por contradição e incongruência entre o acto recorrido e o parecer indicado como seu fundamento?
Sendo certo que ocorre incongruência na fundamentação quando for manifesta a contradição entre os fundamentos e a decisão, ou seja, quando dos motivos indicados não se possa extrair logicamente a conclusão extraída, tal como o decidido, e a que se adere e se invoca de harmonia com o disposto no n.º 5 do art.º 713.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º da LPTA, não pode verificar-se tal vicio quando a pretensa contraditoriedade e incongruência é aferida em função de um parecer emitido para uma acção de formação que não a dos autos, com o consequente desconhecimento das possíveis afinidades entre ambas, bem como com referência a um elemento – a aludida informação, referida no ponto f da M.ª de F.º, solicitada pela ... ao IEFP e que este não chegou a enviar – que a Administração jamais invocou como fundamento do A.C.I.; isto é, que não se revelou com interesse, ao menos essencial, para ter operado o enquadramento da acção no nível 3 de formação.
Improcede, assim, também a impugnação ao decidido a propósito do pretenso incumprimento do dever de fundamentação.
Curemos agora de averiguar da impugnação ao decidido a respeito da violação de garantia de imparcialidade, enunciada na alínea d) do n.º 1 do art.º 44.º do CPA.
Segundo o recorrente ocorreria tal violação em virtude de a empresa auditora não sendo embora titular de órgão ou agente da administração, no entanto um acto praticado por ela, por conta e ao serviço da administração, é um acto que a Administração fez seu, tanto mais que a auditora interveio segunda vez no procedimento administrativo enquanto perito, intervenção essa, a dois títulos, que viola as garantias de imparcialidade e constitui vício de violação de lei, contrariando o direito vertido no art. 44º do C.P.A., em contrário do decidido pela douta sentença.
Vejamos.
Prescreve o art.º 44.º, n.º 1, alínea d) do CPA que, “nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública...quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver”.
São garantias de imparcialidade que estão em causa na consagração da figura (e dos casos) de impedimentos. Isto é, com tais impedimentos pretende-se obstar a que participem em dado procedimento administrativo os titulares de órgãos que tenham interesse pessoal na decisão do caso.
Ora, tal como foi decidido, não se antolha que garantias de imparcialidade possam ter sido quebradas, ou que impedimento possa ter corporizado a intervenção de uma empresa especializada em auditoria contabilístico-financeira (mesmo que por uma segunda vez, depois do cumprimento do citado art.º 100.º), isto é uma entidade que não é titular de órgão ou agente da administração, como a própria recorrente reconhece, sendo certo aliás que o DAFSE pode solicitar a colaboração de outras entidades, públicas ou privadas, para proceder ao acompanhamento e controlo das acções apoiadas pelo Fundo Social Europeu (cf. alínea d) do nº1 do artº 2º do Decreto-Lei nº 37/91,de 18 de Janeiro). Sublinhe-se que, quer uma quer outra intervenção da empresa auditora, tal como o evidencia a M.ª de F.º (cf. pontos h e m), foram objecto de análise e subsequente assumpção por parte de agentes do DAFSE e para o respectivo conteúdo remeteram os pareceres por si elaborados e que originaram o acto recorrido; isto é, a decisão que produziu efeitos jurídicos na esfera jurídica da recorrente pertenceu por inteiro à E.R.
Improcede também, deste modo, o enunciado fundamento da impugnação deduzida à sentença.
III. DECISÃO.
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, fixando-se
- a taxa de justiça em 500 euros
- a procuradoria em metade daquele valor
Lx aos 8 de Outubro de 2002.
João Manuel Belchior – Relator – António Madureira – Pires Esteves