Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0895/14
Data do Acordão:01/18/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
REVERSÃO
Sumário:I - De acordo com o disposto no artº 48º, nº 3 da LGT, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
II - Mas, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao 5.° Ano, se ele for citado até ao fim do 8.° ano a contar do início do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele.
III - A aplicação conjugada das regras constantes do disposto nos artigos 48º, n.º 3 e 49º, n.º 3, ambos da LGT, não implica que a interrupção da prescrição só possa ocorrer uma única vez relativamente ao conjunto de todos os devedores, originais, solidários e subsidiários, antes pelo contrário, a citação de cada um deles para o processo de execução constitui uma causa interruptiva própria e singular, que se repercute de forma negativa na sua esfera jurídica, iniciando-se novo prazo apenas nos termos do disposto no artigo 327º, n.º 1 do CC.
Nº Convencional:JSTA00069976
Nº do Documento:SA2201701180895
Data de Entrada:07/15/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART48 N2 N3 ART49 N3.
CCIV66 ART9 ART327 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0719/08 DE 2008/08/27.; AC STA PROC033/12 DE 2012/02/08.; AC STA PROC0601/13 DE 2014/03/06.; AC STA PROC0951/16 DE 2016/10/12.; AC STA PROC01012/15 DE 2015/08/26.; AC STA PROC01670/13 DE 2014/01/15.; AC STA PROC0661/13 DE 2014/03/06.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS 2010 PÁG119.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem o Ministério Público recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que, julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida por A……………. e B……………………, contra eles revertida para cobrança de dívidas de IVA relativas ao segundo e terceiro trimestres de 2003, da qual era originalmente devedora a sociedade “C…………….., Ldª”, melhor identificada nos autos.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1° O Mm° Juiz “a quo” entendeu que o n° 3 do art. 48° da LGT não impede que a citação do responsável subsidiário, posteriormente aos cinco anos após a liquidação, interrompa o prazo de prescrição das dívidas revertidas;
2° Para além de ter violado essa norma, tal interpretação viola também os princípios do instituto da prescrição, que se prende em razões de certeza, segurança e paz jurídica;
3° Com efeito, a aceitar-se essa interpretação, poderão ocorrer consequências nefastas para tais princípios, como sejam datas de prescrição diferentes para devedora originária e responsáveis subsidiários, e também entre estes próprios;
4° E até chegar-se ao ponto de não poder ter lugar a excussão prévia dos bens da devedora originária, por ter ocorrido a prescrição das dívidas em relação a ela apenas, impossibilitando a continuação da reversão contra os responsáveis subsidiários;
5° Mesmo que se entenda não ser aplicável ao caso concreto a redacção anterior do n°2 do art. 49° da LGT, ainda assim a interpretação em causa do n°3 do art. 48° citado não pode manter-se, por violar o n° 3 do referido art. 49°, visto que na mesma execução não pode haver várias interrupções do prazo de prescrição, mas apenas uma, pois só assim se afastam as consequências atrás referidas, e a possibilidade de violação dos princípios já citados, e do instituto da prescrição.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – Sendo o recorrente o Ministério Público os autos não foram com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo (arts. 289º, nº 1 e 146º, nº 1 do CPTA, aplicável por força do disposto no artº 2º, al. c) do CPPT).

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
A. Em 16.04.2004, os Oponentes cederam, por escritura pública, a D…………. as quotas que detinham na sociedade C………………… Lda. e renunciaram à gerência desta sociedade — cfr. documento de fls. 9 a 13 dos autos, que se dá por reproduzido;
B. Em 16.04.2004, D…………… emitiu uma declaração na qual, além do mais, consta o seguinte:
“ (...) declara-se devedor, para todos os efeitos legais, de todas as dívidas existentes até à data da assinatura da presente com reconhecimento notarial, contraídas pela firma C……….., Lda. (…), e pelos seus sócios, no exercício da actividade da mesma, A…………… E B……………….. (...).
A responsabilidade pelos dívidas existentes no âmbito do exercício da firma supra identificada, serão transferidas para o declarante na íntegra, quer digam respeito a dívidas para com a Segurança Social, Finanças, e processos judiciais, pendentes ou não, instaurados até à presente data ou que venham a ser instaurados por terceiros em data posterior a esta, mas que digam respeito a dívidas contraídas em momento anterior ao da presente assinatura, na âmbito do exercício da firma C…………. (...) “ — cfr. documento de fls. 14 dos autos, que se dá por reproduzido;
C. Contra os Oponentes foi revertido o processo de execução fiscal n.º 2054200301001396 e apensos, instaurado contra a sociedade C………… Lda. para cobrança de dívida de IVA relativa ao segundo e terceiro trimestres de 2003 - cfr. documentos a fls. 2, 15, 16, 17 e 18 dos autos;
D. Em 13.07.2011, foram os Oponentes citados da reversão contra si dos processos de execução fiscal indicados no ponto C. supra — confissão e cfr. documentos de fls. 15 a 18 dos autos.

6. Do objecto do recurso
Da análise do segmento decisório da sentença e dos fundamentos invocados pelo Ministério Público para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso é a de saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou não prescritas as dívidas exequendas relativas a IVA do exercício de 2003, nomeadamente por ter entendido que o n° 3 do art. 48° da LGT não impede que a citação do responsável subsidiário, posteriormente aos cinco anos após a liquidação, interrompa aquele prazo de prescrição.

Não conformado com tal entendimento alega o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que a interpretação acolhida na decisão recorrida ao considerar que o n° 3 do art. 48° da LGT não impede que a citação do responsável subsidiário, posteriormente aos cinco anos após a liquidação, interrompa aquele prazo de prescrição, viola a referida norma e ainda o disposto o n° 3 do art. 49° do mesmo diploma, visto que na mesma execução não pode haver várias interrupções do prazo de prescrição, mas apenas uma.


6.1 No caso vertente a sentença recorrida começou por apreciar a questão da prescrição suscitada pelo Ministério Público em primeira instância ponderando que, de acordo a Lei Geral Tributária, o prazo de prescrição das dívidas tributárias em causa é de 8 anos, e que, sendo, no caso, tais dívidas de IVA, esse prazo é contado a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo considerou a decisão sindicada que, sendo as dívidas do ano de 2003, o prazo de prescrição de 8 anos teve início em 01.01.2004 e terminou em 31.12.2011.
E concluiu que, tendo os oponentes sido citados em 13.07.2011, como resulta do probatório, tais dívidas não se encontram prescritas.

Ou seja, embora a sentença não se pronuncie explicitamente sobre a questão da aplicação ou não aplicação ao caso do disposto no artº 48º nº 3 da LGT, de facto, implicitamente, decorre da mesma o entendimento de que o n° 3 do art. 48° da LGT não impede que, no caso, a citação do responsável subsidiário, posteriormente aos cinco anos após a liquidação, interrompa aquele prazo de prescrição.

6.2
Desde já se adiantará que a tese defendida pelo ilustre recorrente não pode obter provimento.
Com efeito, importa sublinhar que, no que toca à interrupção da prescrição tanto a citação do devedor principal como a citação do devedor subsidiário têm eficácia interruptiva própria.
Porém, de acordo com o disposto no artº 48º, nº 3 da LGT, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação
Ou seja, se o devedor subsidiário for citado após o quinto ano subsequente ao da liquidação, o prazo de prescrição corre ininterruptamente, não se suspendendo por qualquer causa relativa ao devedor principal (prevista no artigo 49º do mesmo diploma legal).

Por outro lado é de notar, como salienta o Consº. Jorge Lopes de Sousa, (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, p. 119.), «que esta subordinação do efeito das causas interruptivas em relação aos responsáveis subsidiários não é um prazo especial de prescrição em relação ao responsável subsidiário.
O prazo de prescrição, à face da LGT, é de 8 anos, tanto em relação ao devedor originário como ao responsável subsidiário. E o termo deste prazo pode ser diferido, se ocorrerem causas de interrupção e suspensão tanto em relação ao devedor originário como ao responsável subsidiário.
É apenas a relevância das causas de interrupção que se verifiquem apenas em relação ao devedor originário (e o consequente diferimento do termo do prazo que delas deriva) que é afastada em relação ao responsável subsidiário, se a sua citação não ocorrer até ao 5.° Ano posterior ao da liquidação.
Mas, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao 5.° Ano, se ele for citado até ao fim do 8.° Ano a contar do início do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele (e também em relação ao devedor originário, por força da regra do n° 2 do art. 48°). (Também adoptando este entendimento, vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: acórdãos de 27.08.2008, recurso 719/08, de 08.02.2012, recurso 33/12, e de 06.03.2014, recurso 601/13 e de 12.10.2016, recurso 951/16.
Em suma o efeito daquele nº 3 do art. 48° é apenas de tornar irrelevante em relação ao responsável subsidiário as causas de interrupção que se verifiquem em relação ao devedor originário.
No caso subjudice resulta do probatório que o devedor subsidiário foi citado no prazo de oito anos, a 13.07.2011, pelo que a dívida exequenda não estará prescrita.

6.3 Alega também o recorrente que a interpretação acolhida na sentença viola também o disposto no n° 3 do art. 49° da LGT, visto que na mesma execução não pode haver várias interrupções do prazo de prescrição, mas apenas uma.
Argumenta para o efeito que a interrupção só pode ser obtida com a citação da devedora originária que é a executada, não podendo outra citação (do responsável subsidiário ou responsáveis subsidiários) na mesma execução ter novamente um efeito interruptivo da prescrição.
Em síntese sustenta o recorrente que, face às disposições conjugadas dos arts. 48º, n.º 2 e 49º, n.ºs. 3 da LGT (na redacção posterior à Lei 53-A/2006), uma vez interrompida a prescrição com a citação do devedor principal no âmbito do processo de execução fiscal e citado o devedor subsidiário mais de 5 anos após a data da liquidação do imposto, nesse mesmo processo, esta última citação já não tem qualquer repercussão sobre tal prazo de prescrição, nomeadamente no que toca à sua interrupção.

Também aqui se nos afigura que o recorrente não faz, daqueles preceitos, a melhor interpretação.

A questão, nestes termos suscitada, foi já objecto da jurisprudência deste Supremo Tribunal que por várias vezes se pronunciou no sentido de que a citação de cada um dos devedores, principal ou subsidiário, ocorrida no âmbito do processo de execução fiscal, constitui uma causa interruptiva própria e singular e só pode ocorrer uma vez relativamente a cada um deles, no entanto, as causas de interrupção da prescrição ocorridas relativamente ao devedor principal são oponíveis ao devedor subsidiário, cfr. artigo 48º, n.º 2, a não ser que a citação deste (devedor subsidiário) ocorra mais de 5 anos após a liquidação do imposto - cf. neste sentido acórdãos de 26.08.2015, recurso 1012/15, de 15/01/2014, recurso n.º 1670/13 e de 06/03/2014, recurso nº 601/13.
De facto, como vimos, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao 5° ano, se ele for citado até ao fim do 8° ano a contar do início do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele (e também em relação ao devedor originário, por força da regra do n° 2 do art. 48°).
O efeito daquele nº 3 do art. 48° é apenas de tornar irrelevante em relação ao responsável subsidiário as causas de interrupção que se verifiquem em relação ao devedor originário.
E como sublinha Jorge de Sousa (ob. citada, pag. 119), «esta interpretação é a que melhor se adequa à teleologia global do art. 48º da LGT, permitindo, aliás, a conjugação do estatuído nos seus nºs 2 e 3. Ou seja, não fica afastada a necessidade de aferir se a citação do responsável subsidiário ocorre antes do termo do prazo de prescrição, aferindo esta (prescrição) também em função da causa interruptiva que é a própria citação do responsável subsidiário.
E o sentido e alcance deste preceito não podem ser fixados de forma isolada, mas atendendo a outros preceitos do próprio artigo 48º da LGT, em especial, o seu nº 2, que é inequívoco no sentido de que o prazo de prescrição é de 8 anos tanto em relação ao devedor originário como ao responsável subsidiário, (….)».

Ora, como se referiu no supra citado Acórdão de 26.08.2015, recurso 1012/15, o regime legal consagrado neste artigo 48º, n.º 3 da LGT determina um regime mais favorável no que toca ao devedor subsidiário que «não implica que se interprete o disposto no artigo 49º, n.º 3 da mesma LGT em contrário das regras de interpretação das leis consagradas no artigo 9º do Código Civil, isto é, sem respeito pelo próprio texto da lei e em contrário do pensamento legislativo.
Ou seja, o que resulta da interpretação e aplicação conjugada do disposto naqueles preceitos legais é que a citação de cada um dos devedores, principal ou subsidiário, ocorrida no âmbito do processo de execução fiscal, interrompe a prescrição, cfr. artigo 49º, n.º 1, e só pode ocorrer uma vez relativamente a cada um deles, no entanto, as causas de interrupção da prescrição ocorridas relativamente ao devedor principal são oponíveis ao devedor subsidiário, cfr. artigo 48º, n.º 2, a não ser que a citação deste (devedor subsidiário) ocorra mais de 5 anos após a liquidação do imposto, cfr. artigo 48º, n.º 3.»
No caso em apreço a citação dos oponentes, responsáveis subsidiários ocorreu mais de 5 anos após a liquidação, mas dentro do prazo prescricional, pelo que se aplica à situação concreta dos autos o disposto no artigo 48º, n.º 3, ou seja, tudo se passa relativamente ao responsável subsidiário como se nunca tivesse havido qualquer outra citação no processo com virtualidade interruptiva do prazo de prescrição, isto é, o prazo de prescrição só se interrompe com a sua própria citação e por uma única vez - cfr. artigo 49º, n.º 3 da LGT.
Daí que se entenda também que, ao contrário do que pretende o recorrente, a aplicação conjugada das regras constantes do disposto nos artigos 48º, n.º 3 e 49º, n.º 3, ambos da LGT, não implica que a interrupção da prescrição só possa ocorrer uma única vez relativamente ao conjunto de todos os devedores, originais, solidários e subsidiários, antes pelo contrário, a citação de cada um deles para o processo de execução constitui uma causa interruptiva própria e singular, que se repercute de forma negativa na sua esfera jurídica, iniciando-se novo prazo apenas nos termos do disposto no artigo 327º, n.º 1 do CC.
7. Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Sem custas, por não serem devidas pelo Ministério Público.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2017. - Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.