Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0582/10
Data do Acordão:12/07/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ENTIDADE REGULADORA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
TAXA DE REGULAÇÃO E SUPERVISÃO
Sumário:I - A “taxa de regulação e supervisão” prevista nos artigos 4.º a 7.º do Regime das Taxas da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, tem natureza de “verdadeira contribuição”, figura a meio caminho entre a taxa e o imposto (cfr. SÉRGIO VASQUES, O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/2008, de 2 de Julho, proc. n.º 22/2008), para cuja criação a Constituição apenas exige lei parlamentar no que respeita à definição do seu regime geral (cfr. a parte final da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP), exigência esta que, no caso, se mostrou cumprida, em conformidade com a jurisprudência constitucional, através da aprovação parlamentar da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, de valor reforçado, por via do seu artigo 51.º (taxas).
II - Os critérios que presidem à fixação do montante da “taxa de supervisão e regulação”, constantes do artigo 7.º do Regime das Taxas da ERC e do anexo II do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, cumprem os objectivos que lhes são assinalados pelo n.º 2 e 4 do artigo 51.º da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro (fixação do montante do tributo de forma objectiva, transparente e proporcionada, entendendo-se esta como na proporção dos custos necessários à regulação das suas actividades), não sendo, como tal, violadores dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, pois que as distinções que operam para efeitos de fixação do valor do tributo se não revelam arbitrárias e desprovidas de fundamento material bastante.
Nº Convencional:JSTA00066733
Nº do Documento:SA2201012070582
Data de Entrada:07/05/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:ERC - ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2009/07/13 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - TAXA.
Área Temática 2:DIR CONST - DIR FUND.
Legislação Nacional:DL 103/2006 DE 2006/06/07 ART3 N1 ART5 N1 ART7 N1 N2 ANEXO2.
CONST76 ART2 ART13 N1 ART103 N2 ART165 N1 I ART167 I.
L 53/2005 DE 2005/11/08 ART51.
CCIV66 ART8 N3.
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC22/08 DE 2008/07/02.; AC TC PROC425/08 DE 2008/12/10.; AC TC PROC277/08 DE 2009/05/26.; AC TC PROC239/09 DE 2009/06/24.; AC TC PROC98/09 DE 2009/07/09.
Referência a Doutrina:SÉRGIO VASQUES AS TAXAS DE REGULAÇÃO ECONÓMICA EM PORTUGAL UMA INTRODUÇÃO IN AS TAXAS DA REGULAÇÃO ECONÓMICA EM PORTUGAL 2008 PAG31-34.
SÉRGIO VASQUES O PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA COMO CRITÉRIO DE IGUALDADE TRIBUTÁRIA 2008 PAG197-199.
DIOGO ORTIGÃO RAMOS E OUTRO AS TAXAS DE REGULAÇÃO ECONÓMICA NO SECTOR DA COMUNICAÇÃO SOCIAL IN AS TAXAS DA REGULAÇÃO ECONÓMICA EM PORTUGAL 2008 PAG163-169.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A… com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 13 de Julho de 2009, que julgou totalmente improcedente face ao juízo de conformação das referidas normas com a lei fundamental, a impugnação por si deduzida contra acto de liquidação de taxa de regulação e supervisão efectuada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social relativa ao ano de 2007, no valor de € 2.400,00, apresentando as seguintes conclusões:
A) Por violação do disposto na CRP – art.ºs 103, 2 e 165, 1 i), são materialmente inconstitucionais os art.ºs 3, 1 e 5, 1 do DL 103/2006 de 7/6;
B) Se assim senão entender, por violação do disposto na CRP – art.ºs 2º e 13º, 1, são materialmente inconstitucionais os art.ºs 7, 1 e 2/anexo II do mesmo DL;
C) Deve, assim, dando-se provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida, e a revogação da liquidação da taxa de regulação e supervisão, e cujo pagamento foi notificado pelo Ofício junto aos autos.
Enviado o recurso ao Tribunal Central Administrativo Sul, veio este, por Acórdão de 12 de Maio de 2010, a julgar-se incompetente em razão da hierarquia para o conhecimento do recurso e competente este Supremo Tribunal, a quem os autos foram remetidos.
2 – Contra-alegou a recorrida ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, concluindo nos seguintes termos:
A – A taxa de regulação e supervisão consubstancia uma verdadeira taxa, porquanto obedece aos requisitos da bilateralidade e proporcionalidade.
B – É um tributo bilateral posto que há uma contraprestação: o acompanhamento e monitorização contínuos e regulares que asseguram a cada um dos sujeitos regulados a conservação das condições institucionais de pluralismo, da liberdade de expressão e até da livre concorrência, garantindo que cada um dos operadores cumpre idênticos e recíprocos deveres e goza de idênticos direitos para eles decorrentes da lei.
C – É um tributo proporcional na medida em que o respectivo montante é calculado segundo critérios baseados nas efectivas exigências e “esforço” de regulação: pagará mais a título de taxa quem obriga a ERC a uma actividade mais intensa de regulação.
D – Ainda que se entenda que a taxa de regulação e supervisão não consubstancia uma verdadeira taxa – no que não se concede e apenas se equaciona como mera hipótese de raciocínio -, o tributo em causa sempre caberia na categoria das “contribuições financeiras a favor das entidades públicas” (art.º 165.º, n.º 1, alínea i), CRP e art. 3.º, n.º 2, LGT).
E – “Independentemente da discussão sobre a natureza jurídico-tributária da taxa de regulação ou supervisão, conclui-se que as normas extraídas dos art.ºs 3.º, n.º 3, alínea a) e 4.º do Anexo I que consagra o Regime de Taxas da ERC […] não são inconstitucionais, pois não violam os n.ºs 2 e 3 do art. 103.º e alínea i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP, nem se vislumbram outros fundamentos de inconstitucionalidade […]. – cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 613/2008.
Termos em que deverá negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida que julgou a impugnação improcedente, com todas as consequências legais.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos termos seguintes:
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra liquidação de taxa de regulação e supervisão efectuada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) no montante de € 2 400,00
FUNDAMENTAÇÃO
1. O Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade das normas constantes dos arts. 3º nº3 al. a) e 4º do Regime de Taxas da ERC (aprovado pelo DL nº 103/2006, 7 de Junho), por alegada violação dos arts. 102º nºs 2/3 e 165º nº1 al. i) CRP com argumentário que, merecendo a concordância do Ministério Público, se pode sintetizar nas seguintes proposições:
- o tributo designado por taxa de regulação e supervisão tem natureza de contribuição financeira a favor de autoridade pública
- a normação constante do art. 51º Lei 53/2005, 8 de Novembro (lei de valor reforçado que criou a ERC), estabelecendo a incidência objectiva e subjectiva da taxa, o critério para a fixação do valor e os prazos de pagamento é suficiente para satisfazer a exigência constitucional de um regime de contribuições financeiras a favor de entidades públicas (acórdãos nº 365/2008, 2 Julho 2008; 613/2008, 10 Dezembro 2008 disponíveis em www.dgsi.pt)
2. Os critérios para fixação do valor da taxa de regulação e supervisão previstos no art.7º DL nº 103/2006, 7 de Junho densificam os princípios fundamentais de objectividade, transparência e proporcionalidade estabelecidos no art. 51.º n.º 2 Lei n.º 53/2005, 8 Novembro como se extrai do excerto do parecer do Prof Gomes Canotilho onde se exprime o entendimento de que «(…) as necessidades de supervisão são directamente proporcionais, por exemplo, ao alcance geográfico do meio de comunicação utilizado, o qual permite diferenciar, desse ponto de vista, uma publicação nacional de uma publicação regional; ou ao impacte da actividade desenvolvida pelo operador de comunicação social, uma vez que a actividade de regulação de um meio audiovisual é claramente superior ao de uma publicação periódica doutrinal (…)»; «afigura-se claro e transparente que as exigências de regulação e supervisão são cada vez mais intensas à medida que aumentam os indicadores estabelecidos no art. 7.º, pelo que nos parece perfeitamente razoável e aceitável um sistema de gradação que tenha em conta os factores aí enumerados» (alegações fls. 248)
3. Esta observância do princípio da proporcionalidade repercute-se na observância do princípio da igualdade, na sua dupla dimensão de tratamento igual para situações substancialmente idênticas e tratamento diferenciado para situações substancialmente distintas.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.
Notificadas as partes do parecer do Ministério Público, nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
São as de saber se é ilegal a liquidação do tributo impugnado, em virtude da alegada inconstitucionalidade material dos artigos 3.º n.º 1 e 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho (por violação do princípio da legalidade tributária, na sua vertente de reserva relativa de competência legislativa para a criação de impostos – artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1, alínea i) da Constituição da República), ou em virtude da alegada inconstitucionalidade material dos artigos 7.º n.º 1 e 2 daquele diploma e do anexo II do mesmo Decreto-Lei, por violação dos artigos 2.º e 13.º n.º 1 da Constituição (CRP).
5 – Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1) A impugnante vem impugnar o acto de liquidação da taxa de regulação e supervisão, instituída pelo Dec.-Lei n.º 103/06, de 07.06., relativo ao ano de 2007, na importância de € 2 400,00 efectuada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, devidamente notificada à entidade sujeita, na categoria de Imprensa, subcategoria de “regulação alta”, nos termos conjugados do n.º 2, do art. 4.º, artº 5.º, n.º 1, alínea a), e art. 6º, nº3, alínea a), do Anexo I, daquele Decreto-Lei. – cfr p.i. de fls 3 e segs e Ofício de Notificação de fls 47 e 48, dos autos.
2) A E.R.C.S. foi criada através da Lei n.º 53/05, de 08.11., de cujo anexo consta os respectivos estatutos, enquanto pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, exercendo os poderes confiados por lei, de regulação e supervisão cometidos pela Constituição e pela lei, constituindo suas receitas, além das verbas provenientes do Orçamento do Estado, das taxas e outras receitas a cobrar junto das entidades que prosseguem actividades no âmbito da comunicação social incluídas no seu âmbito de intervenção e segundo critérios de incidência e valor de taxas definidos por decreto-lei e regulamentada por portaria conjunta do Ministro das Finanças e do membro do Governo responsável – Cfr artºs 1º, artº 6º, artº 50º, alínea b), e art. 51º, do Estatuto criado pela Lei nº 53/05, de 08.11.
6 – Apreciando
6.1 Da alegada inconstitucionalidade dos artigos 3.º n.º 1 e 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, por violação dos artigos 103.º n.º 2 e 165.º,n.º 1, alínea i) da CRP (taxa de regulação e supervisão)
A sentença recorrida, a fls. 193 a 199 dos autos, julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação da taxa de regulação e supervisão, relativa ao ano de 2007 efectuada pela ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, por ter considerado, aderindo à jurisprudência constante de dois Acórdãos do Tribunal Constitucional junto aos autos, não serem inconstitucionais as normas constantes dos artºs 3, nº3, alínea a), artº 4º, 5º e 6º do Anexo I, do Regime de Taxas da ERC, aprovado pelo Dec-Lei n.º 103/2006, de 07.06, face à normação primária relativa a estas taxas constante dos Estatutos da ERC, aprovado pela Lei n.º 53/2005, de 08.11., entendendo-se que esta definiu “…os princípios e regras elementares respeitantes aos elementos essenciais da taxa de regulação e supervisão a favor do ERC …”, pelo que nesta senda será de considerar que tais normas contidas naquele Decreto-Lei não sofrem de inconstitucionalidade, pelo que improcede a pretensão de desaplicação daqueles preceitos legais com esse fundamento (cfr. sentença recorrida, a fls. 198 e 199 dos autos).
Discorda do decidido o recorrente, pugnando pela inconstitucionalidade dos artigos 3.º n.º 1 e 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, por violação dos artigos 103.º n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, atenta a alegada natureza de imposto daquela prestação coactivamente exigida às entidades reguladas e à sua criação por Decreto-Lei do Governo, alegadamente em desrespeito do princípio da legalidade tributária.
A recorrida e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal sustentam o decidido, a primeira pugnando pelo reconhecimento da natureza de taxa à prestação em causa, o Ministério Público manifestando concordância com a argumentação do Tribunal Constitucional quanto à natureza de “contribuição financeira” da prestação em causa e ao cabal cumprimento do princípio da legalidade tributária na sua criação por Decreto-Lei, considerando que o artigo 51.º da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro é suficiente para satisfazer a exigência constitucional de um regime geral das contribuições financeiras a favor das entidades públicas.
Vejamos.
São do seguinte teor as normas do Regime das Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, que o recorrente reputa de inconstitucionais por violação do princípio da legalidade tributária:
Artigo 3.º
Natureza e espécies de taxas da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social
1 – As taxas definidas no presente decreto-lei visam remunerar de forma objectiva, transparente e proporcionada o exercício pela ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social das suas atribuições de regulação e supervisão das actividades de comunicação social, bem como promover os padrões de eficiência dos mercados correspondentes.
(…)
Artigo 5.º
Categorias da taxa de regulação e supervisão
1 – A taxa de regulação e supervisão incide sobre os operadores das seguintes categorias de meios e suportes de comunicação social, sendo o seu montante calculado de acordo com os custos relativos imputáveis a cada uma delas pelo desenvolvimento da actividade contínua e prudencial permanente de regulação e supervisão:
a) Imprensa;
b) Rádio;
c) Televisão;
d) Cabo;
e) Comunicações móveis;
f) Sítios informativos submetidos a tratamento editorial.
(…)
Pretende o recorrente que se reconheça à taxa de regulação e supervisão natureza de imposto, pois que, não obstante o seu nomen iuris, nela não avultariam os elementos definidores da noção de taxa, por falta de contraprestação específica (cfr. alegações de recurso, a fls. 235 dos autos).
Entendemos, contudo, com SÉRGIO VASQUES (cfr. SÉRGIO VASQUES, «As taxas de regulação económica em Portugal: uma introdução», in As Taxas da Regulação Económica em Portugal, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 31 a 33 e O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Coimbra, Almedina, 2008, em especial pp. 197 a 199) que as taxas de regulação, entre as quais se conta a questionada “taxa de regulação e supervisão”, são figuras que se encontram a meio caminho entre a taxa e o imposto, não podendo ser qualificadas como verdadeiras e próprias taxas, por não se dirigirem à compensação de prestações efectivas, nem verdadeiros e próprios impostos, pois que o seu propósito não reside na “pura e simples” angariação de receita” (…), antes tendo por finalidade a compensação de prestações de que se presumem causadores ou beneficiários grupos de operadores económicos que se distinguem com clareza do todo da comunidade. Estaremos, por isso, perante verdadeiras contribuições, isto é, prestações pecuniárias e coactivas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de prestações administrativas presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo.
Foi esta, aliás, a qualificação reconhecida à “taxa de regulação e supervisão” pelo primeiro Acórdão do Tribunal Constitucional que apreciou da sua conformidade à Constituição, concluindo pela sua não inconstitucionalidade (Acórdão n.º 365/2008, de 2 de Julho, proc. n.º 22/2008 - DR, 2.ª Série, n.º 155, 12.08.2008, pp. 35822/35828), juízo de não inconstitucionalidade que se reiterou em todos os acórdãos e decisões sumárias subsequentes por nós conhecidos que incidiram sobre o tributo questionado nos presentes autos (cfr. Acórdãos n.º 613/08, de 10 de Dezembro, n.º 261/09, de 26 de Maio, 315/09, de 9 de Julho e 361/09, de 9 de Julho; decisões sumárias 66/09 de 11/02, 87/09 de 4/03, 200/09 de 30 de Abril, 358/09 de 22/07 e 362/09 de 29/07, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Qualificado como “contribuição” o tributo em causa nos autos, importa verificar se padecem de inconstitucionalidade as normas sindicadas, por violação do princípio da reserva de lei.
Reconhecendo embora que a resposta a esta questão não é consensual na doutrina, mas ponderando que o juiz deve procurar obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. a parte final do n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil), em prol da igualdade na aplicação da lei, entende-se ser de acolher o julgamento de não inconstitucionalidade das normas sindicadas, várias vezes reiterado pelo Tribunal Constitucional, no sentido de que desde a revisão constitucional de 1997 apenas o regime geral das contribuições financeiras está sujeito à reserva de lei parlamentar (cfr. a parte final da alínea i) do artigo 167.º da CRP), tendo essa exigência constitucional sido cumprida no caso concreto da taxa de regulação e supervisão da ERC, pois que da análise da concreta configuração da lei de valor reforçado que criou a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, em especial do artigo 51.º dos seus Estatutos, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, resulta que deve dar-se por preenchida a exigência de previsão parlamentar de um regime geral das contribuições financeiras (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 365/2008 e 261/2009, para cuja fundamentação se remete).
Pelo exposto, necessário é concluir que os artigos 3.º n.º 1 e 5.º, n.º 1 do Regime das Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, não padecem da inconstitucionalidade que lhes é imputada (violação dos artigos 103.º n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP), improcedendo deste modo as alegações do recorrente sintetizadas na conclusão A) das suas alegações de recurso.
6.2 Da alegada inconstitucionalidade dos artigos 7.º n.º 1 e 2 e do do anexo II do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, por violação dos artigos 2.º e 13.º n.º 1 da CRP
Alega, ainda, o recorrente (cfr. conclusão B) das suas alegações de recurso), que, caso não proceda a sua anterior alegação de inconstitucionalidade, se deve entender serem materialmente inconstitucionais os critérios fixados para a determinação do valor da “taxa” nos artigos 7.º n.º 1 e 2 e no o anexo II do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, por violação dos artigos 2.º e 13.º n.º 1 da CRP, pois que há falta de fundamento para a fixação dos critérios preceituados na lei e acresce que a sua utilização provoca situações de desigualdade, que não são de admitir por não se tratar de casos que mereçam distinto tratamento: sendo a mesma a prestação a realizar pela ERC aos órgãos da comunicação social, resultará que a taxa será mais elevada no caso da regulação alta (cfr. alegações de recurso, a fls. 238 dos autos).
Contra-alega a recorrida, defendendo que o tributo em causa é um tributo proporcional na medida em que o respectivo montante é calculado segundo critérios baseados nas efectivas exigências e “esforço” de regulação: pagará mais a título de taxa quem obriga a ERC a uma actividade mais intensa de regulação (cfr. a conclusão C) das contra-alegações), sustentando o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal não se verificar violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, pois que, como defende GOMES CANOTILHO no parecer citado nas contra-alegações de recurso, os critérios para fixação do valor da taxa de regulação e supervisão previstos no art. 7º DL nº 103/2006, 7 de Junho densificam os princípios fundamentais de objectividade, transparência e proporcionalidade estabelecidos no art. 51.º n.º 2 Lei n.º 53/2005, 8 Novembro, pois que «(…) as necessidades de supervisão são directamente proporcionais, por exemplo, ao alcance geográfico do meio de comunicação utilizado, o qual permite diferenciar, desse ponto de vista, uma publicação nacional de uma publicação regional; ou ao impacte da actividade desenvolvida pelo operador de comunicação social, uma vez que a actividade de regulação de um meio audiovisual é claramente superior ao de uma publicação periódica doutrinal (…)»; «afigura-se claro e transparente que as exigências de regulação e supervisão são cada vez mais intensas à medida que aumentam os indicadores estabelecidos no art. 7.º, pelo que nos parece perfeitamente razoável e aceitável um sistema de gradação que tenha em conta os factores aí enumerados».
Vejamos.
O facto de se ter defendido que a “taxa de regulação e supervisão” tem natureza de “contribuição financeira” e se ter aceite terem sido cumpridas no momento da sua criação normativa as exigências constitucionais, tal como entendidas pelo Tribunal Constitucional, postuladas pelo princípio da legalidade tributária, não dispensa que se apure a questão de saber se os critérios legais de distribuição dos encargos em sede de taxa de regulação e supervisão, constantes do artigo 7.º do Regime das Taxas da ERC, complementados pelo anexo II do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, violam o princípio da igualdade (artigo 13.º n.º 1 da CRP).
Embora o recorrente alegue ter sido igualmente violado pelas normas sindicadas o artigo 2.º da CRP – Estado de Direito Democrático – não fundamenta em que termos as questionadas normas legais ferem aquele dispositivo constitucional, não descortinando nós também tal violação.
Importará, pois, indagar da legitimação material dos tributos em causa em face do princípio da igualdade tributária, verificando se as normas questionadas cumprem a exigência de proporcionalidade, sem a qual o princípio da igualdade seria abalado.
Não desconhecemos que o “princípio da equivalência” é convocado pela doutrina mais recente como necessário conformador do “quantum” das taxas, entendendo-se que essa conformação de conteúdo é igualmente exigível para as contribuições (cfr. op. cit., pp. 41/48 e 243/244).
No caso concreto, os critérios que presidem à fixação do montante da “taxa de supervisão e regulação”, constam do artigo 7.º do Regime das Taxas da ERC, que dispõem nos seguintes termos:
Artigo 7.º
Distribuição dos encargos em sede de taxa
de regulação e supervisão
1- O método de fixação da taxa de regulação e supervisão, constante do anexo II ao presente decreto-lei e do qual faz parte integrante, assenta numa distribuição dos encargos de regulação e supervisão contínuas e prudenciais entre os diversos operadores de comunicação social, segundo os seguintes critérios:
a) Volume de trabalho repercutido na actividade reguladora;
b) Complexidade técnica da actividade reguladora;
c) Características técnicas do meio de comunicação utilizado;
d) Alcance geográfico do meio de comunicação utilizado;
e) Impacte da actividade desenvolvida pelo operador de comunicação social.
2 - Os critérios repercutidos no método de fixação da taxa de regulação e supervisão constante do anexo II ao presente decreto-lei e do qual faz parte integrante determinam o quantitativo da taxa a suportar, que será reproduzido por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da comunicação social, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º dos Estatutos da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro.
Dispõe, por sua vez, o anexo II Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho: ANEXO II
Método de determinação do valor das taxas de regulação e supervisão da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
(nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 51.º dos Estatutos da ERC — Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro)
Critérios base para a fixação do valor das taxas:
1.º O valor das taxas corresponde ao valor da unidade de conta processual, fixada ao abrigo dos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro;
2.º O valor da unidade de conta processual, para efeitos de fixação das taxas, reporta-se, respectivamente, ao dia 31 de Dezembro do ano anterior, quando o pagamento seja devido no mês de Janeiro, e ao dia 30 de Junho do mesmo ano, quando o pagamento seja devido no mês de Julho;
3.º O valor da unidade de conta processual será actualizado anualmente, em função do salário mínimo nacional, sem prejuízo de outro prazo que venha a ser fixado pela lei aplicável à data do facto gerador da dívida tributária.
(Taxa de regulação e supervisão
Em unidades de conta)

Imprensa Rádio Televisão Operadores de cabo Operadores de telemóveis ISP

Regulação
alta—valor
individual . . . . 50 . . ... .85 . . . . 562. . . . ……422. ..........……....…281..............................0
Regulação
média—valor
individual . . . 3. . ........33.........148. . . . ......127. . . ...... ..............0.................................. 0
Regulação
baixa—valor
individual . . . .1 . ........... 4. . . . . .0 . . . ....... 34 . . . . .………........0................................ 0
Julgamos que os enunciados critérios têm em conta as exigências e “esforço” de regulação, que é adequado presumir serem mais intensos à medida que aumenta o alcance geográfico ou o impacte da actividade desenvolvida pelo operador (cfr. aos indicadores estabelecidos no art. 7.º), e bem assim justificar-se a diferenciação da taxa a pagar em função do suporte utilizado e nível de regulação requerido (cfr. a tabela constante do anexo II do Decreto-Lei n.º 103/2006).
Escreve, a propósito da conformidade da “taxa de regulação e supervisão” com o princípio da proporcionalidade, GOMES CANOTILHO, no parecer junto aos autos (pp. 36/39):
«Também não nos oferece dúvidas a constitucionalidade da taxa de regulação e supervisão à luz do princípio da proporcionalidade. (…) Ora, no caso concreto da taxa de regulação e supervisão o montante do valor da taxa é calculado tendo em conta a inserção de cada entidade na respectiva categoria, atendendo ao tipo de meio de comunicação (imprensa, rádio, televisão, cabo, comunicações móveis, sítios informativos submetidos a tratamento editorial – artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 103/2006), e subcategoria, que é estabelecida com base na intensidade da actividade de regulação exigida, como já vimos. Bem se compreenderá que as necessidades de supervisão são directamente proporcionais, por exemplo, ao alcance geográfico do meio de comunicação utilizado, o qual permite diferenciar deste ponto de vista uma publicação nacional, de uma publicação regional; ou ao impacte da actividade desenvolvida pelo operador de comunicação social, uma vez que a actividade de regulação de um meio audiovisual é claramente superior ao de uma publicação periódica doutrinal, por exemplo. Em suma, afigura-se claro e transparente que as exigências de regulação e supervisão são cada vez mais intensas à medida que aumentam os indicadores estabelecidos pelo art. 7.º, pelo que nos parece perfeitamente razoável e aceitável um sistema de graduação da taxa que tenha em consideração os factos aí remunerados.
Sucede, ainda, que o legislador optou por fixar uma taxa anual para a remuneração global dos serviços de regulação e supervisão, e não uma taxa individualizada referida a cada actividade realizada. Não se encontra, porém, qualquer entrave jurídico à solução gizada. De facto, não existe nenhuma imposição legal que obrigue a quantificar o pagamento das taxas por actos individualmente praticados, podendo, em tese, optar-se pelo modelo de pagamento global de um conjunto de serviços, como parece ser o resultante da taxa de regulação e supervisão em análise. Ponto é que se possa dizer que a fórmula encontrada pelo legislador corresponde à remuneração de serviços prestados pela ERC àquela categoria de pessoas em particular.
Ora, a existência de um mercado concorrencial, sobretudo no plano dos produtos e conteúdos oferecidos, exige um acompanhamento diário, o qual não é susceptível de individualização por cada acto praticado e que beneficia directamente os operadores nesse mercado». (fim de citação).
Também Sérgio Vasques parece aceitar essa conformidade constitucional, ao escrever («As taxas…, cit., pp. 33/34»): “(…) vemos que no contexto do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, se representam as taxas de regulação e supervisão devidas à ERC como contrapartida do trabalho que esta leva a cabo na regulação e supervisão “contínua e prudencial do sector”, um trabalho com custos diferentes consoante as características técnicas, alcance geográfico, volume e impacto social da actividade de comunicação desenvolvida pelos operadores económicos (…), sendo tal juízo de conformidade constitucional como princípio da proporcionalidade também assumido por DIOGO ORTIGÃO RAMOS e PEDRO SOUSA MACHADO («As taxas de regulação económica no sector da comunicação social», in As Taxas da Regulação Económica em Portugal, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 153/169, em especial pp. 164/165), embora GOMES CANOTILHO e estes últimos autores propendam para atribuir à taxa de regulação e supervisão a natureza jurídica de verdadeira taxa.
Entendemos, assim, que os critérios legais sindicados pelo recorrente cumprem os objectivos que lhes são assinalados pelo n.º 2 e 4 do artigo 51.º da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro (fixação do montante do tributo de forma objectiva, transparente e proporcionada, entendendo-se esta como na proporção dos custos necessários à regulação das suas actividades), não violando os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, pois que as distinções que operam para efeitos de fixação do valor do tributo nos parecem ter fundamento material bastante na diferente intensidade dos serviços de regulação e supervisão que as diferentes categorias de sujeitos postulam, não sendo arbitrárias e desprovidas de fundamento material bastante.
Improcedem, deste modo, as alegações do recorrente, estando o seu recurso votado ao insucesso.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2010. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Brandão de Pinho – António Calhau.