Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02957/16.0BELRS 070/18
Data do Acordão:07/03/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Sumário:I - O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação graciosa, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.
II - A procedência da impugnação da autoliquidação, com fundamento num juízo de ilegalidade invocado pela impugnante e admitido na sentença recorrida – por ter dado como provado que a Impugnante comunicou à AT o resultado da liquidação da sociedade sua participada, tendo enviado todos os documentos comprovativos do apuramento das referidas menos-valias, da verificação das condições legais da sua dedutibilidade e todos os esclarecimentos complementares que lhe foram solicitados pela AT e por entender não ser aplicável ao caso vertente o artº 45º, nº 3 do CIRC e que, no apuramento do lucro tributável, deverá ser considerada não apenas metade mas a totalidade da menos-valia resultante da liquidação em 2013 da sociedade detida pela impugnante, de acordo com o disposto no artº 81º, nº 2, al. b) do mesmo diploma legal - projecta os seus efeitos na autoliquidação impugnada, e não na reclamação graciosa, e tem mesmo a virtualidade de anular a autoliquidação impugnada, na exacta medida daquela ilegalidade.
Nº Convencional:JSTA000P24762
Nº do Documento:SA22019070302957/16
Data de Entrada:01/24/2018
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – A…………, Ldª melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2013.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) O verdadeiro objeto do processo de impugnação judicial é a liquidação impugnada e não a decisão de indeferimento da reclamação administrativa anterior, sendo os vícios daquela e não os desta que estão, efetivamente, em crise na impugnação. Como resulta da abundante jurisprudência do STA sobre esta questão.
B) Sendo os vícios imputados à liquidação impugnada aqueles que, no entendimento da doutrina e da jurisprudência, estão, verdadeiramente, em crise na impugnação judicial e tendo a decisão recorrida julgado procedente o vício de ilegalidade imputado pela impugnante à autoliquidação, seria forçoso a sentença ter concluído pela total procedência da impugnação e, consequentemente, pela anulação da autoliquidação ilegal, por violação do disposto no artigo 81°, n.º 2, alínea b), do Código do IRC, na parte e na medida em que tal é peticionado pela impugnante. Assim não tendo julgado, enferma a sentença de erro de julgamento de direito.
C) Dando como provado, no probatório, que a impugnante apurou uma menos-valia fiscal de 86.469.672,00 resultante da partilha realizada nos termos do artigo 81° do Código do IRC (facto A) e que enviou, à entidade que proferiu a decisão de indeferimento da reclamação, todos os documentos comprovativos do correto apuramento das referidas menos-valias e da verificação das condições legais da sua dedutibilidade (facto B), não poderia a sentença recorrida, perante tais factos, ter concluído, como erradamente fez, que nada foi invocado pela impugnante sobre a verificação das condições legais da dedutibilidade das menos-valias apuradas. Assim tendo julgado, enferma a sentença de erro de julgamento.
D) Perante os factos dados como provados no probatório, a documentação que ali se identifica como meio de prova e tendo julgado ilegal a autoliquidação impugnada, deveria a sentença recorrida ter retirado, como consequência jurídica, não só a total procedência da impugnação mas, com ela, a anulação da autoliquidação ilegal impugnada na medida do peticionado. Assim não tendo decidido, a sentença recorrida enferma, mais uma vez, de erro de julgamento de direito, pelo que deve ser revogada e substituída por Acórdão que julgue procedente a impugnação e anule a autoliquidação ilegal, por violação do disposto no artigo 81°, n.º 2, alínea b), do Código do IRC, conforme peticionado.
E) A reclamação graciosa foi apresentada com o único fundamento de que, às menos-valias declaradas pelo contribuinte na sua declaração Mod. 22 de IRC referente ao ano de 2013, não é aplicável o disposto no artº 45°, n° 3, do CIRC, pelo que a autoliquidação enferma de erro. Foi com esse único fundamento, mas com a interpretação oposta, que a reclamação foi indeferida pela administração fiscal que manteve (e não anulou) a autoliquidação reclamada. O que, consequentemente, significa que, para a AT, a autoliquidação não enferma de qualquer erro.
F) O facto de a AT ter considerado que a autoliquidação não enferma do erro que lhe é assacado pelo contribuinte e, por isso, ter mantido inalterada a autoliquidação, em vez de a anular, demonstra que, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, é apenas aquele e não qualquer outro, o fundamento que sustentou o indeferimento da reclamação graciosa.
G) Até porque, mesmo considerando verificados os requisitos do artº 81° do CIRC, a AT sempre haveria de entender, de acordo com a interpretação que vem adoptando, que, no caso concreto, seria sempre aplicável o artº 45°, n° 3, do CIRC.
H) Tendo o contribuinte, impugnante, apresentado uma declaração de rendimentos, nos termos previstos na lei e, ainda mais, tendo fornecido à administração tributária os elementos indispensáveis (facto B) dado como provado no probatório) à verificação da sua situação tributária (artº 75°, n° 1, da LGT e artº 59º, n° 2, do CPPT), aquela declaração de rendimentos e os valores nela declarados, gozam, nos termos da legislação citada, da presunção de veracidade. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz — artigo 350.°, n.º 1, do Código Civil.
I) Se tivesse dúvidas sobre os factos ou o valor das menos-valias declaradas pelo contribuinte, nomeadamente sobre se estariam ou não verificadas “as condições de dedutibilidade previstas na alínea b), do n°2, do art.º 81° do CIRC”, caberia à administração fiscal, se fosse o caso, o ónus de provar que os elementos constantes da declaração Mod. 22 de IRC da impugnante, não reúnem as condições para a sua dedutibilidade. Essa prova não cabe ao contribuinte (Cfr. art° 74º, nºs 1 e 2, da LGT).
J) No caso de reclamação graciosa ou impugnação judicial de autoliquidação, de acordo com as regras sobre a repartição do ónus da prova (art° 74º, nºs 1 e 2 da LGT), compete ao contribuinte a prova do fundamento por si invocado (que, no caso, foi julgado provado pela sentença recorrida) e competirá à administração fiscal, e não ao contribuinte, a prova de quaisquer outros fundamentos que aquela entenda invocar, contrariamente ao que foi decidido, mas mal, na sentença recorrida que, assim, incorre em erro de julgamento de direito.
K) Ao ter julgado que não foi feita pela impugnante a prova de algumas das condições de dedutibilidade das menos-valias por si declaradas — quando é certo que a prova de tal facto, a ter de se fazer, caberia à administração tributária que o invocou — e ao ter julgado improcedente a impugnação com tal fundamento, a sentença recorrida incorreu, indubitavelmente, em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 74°, nºs 1 e 2 e 75°, n° 1, da LGT e no artigo 59º, n° 2, do CPPT.
L) Por todo o exposto, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito, por violação de lei substantiva, por erro de interpretação e determinação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que deverá ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a impugnação procedente, por provada e, consequentemente, determine a anulação da autoliquidação impugnada, por ilegalidade. Conforme peticionado.
M) Normas jurídicas violadas pela sentença recorrida:
— artigo 81°, n.º 2, alínea b), do Código do IRC.
— artigos 74°, nºs 1 e 2 e 75°, nº 1, da LGT.
— artigo 350.°, n.° 1, do Código Civil.
— artigos 59°, n°2, 68°, n° 1 e 70°, n° 1, do CPPT. (…)

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu, a fls. 167 e seguintes, parecer no sentido do não provimento do recurso por entender que, por força do princípio do dispositivo e da autorresponsabilização das partes, consagrado no n.º 1 do artigo 5º do CPC, atendendo a que a Impugnante não atacou um dos fundamentos em que se estribou o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, e que essa questão não é do conhecimento oficioso do tribunal, se impõe a asserção de que ficarão incólumes, quer a decisão de indeferimento, quer a autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2013.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No Tribunal Tributário de Lisboa foram dados como provados com interesse para a decisão os seguintes factos:

A) Em dezembro de 2013, a impugnante, como única detentora da totalidade do capital social da sociedade Indústrias B…………, S.A., procedeu à dissolução e liquidação da referida sociedade, tendo sido apurada uma menos-valia fiscal de 86.469.672,00, resultante da partilha realizada nos termos do artigo 81.º do Código do IRC.
(conforme invocado pela Impugnante, não contrariado pelo Representante da Fazenda Pública e corroborado pela decisão da reclamação graciosa impugnada).
B) Em 15/05/2014, a Impugnante comunicou à AT o resultado da liquidação da sociedade sua participada, tendo enviado todos os documentos comprovativos do apuramento das referidas menos-valias, da verificação das condições legais da sua dedutibilidade e todos os esclarecimentos complementares que lhe foram solicitados pela AT, através da Unidade dos Grandes Contribuintes que acompanha permanentemente todas as operações realizadas pela impugnante.
(Conforme resulta do documento n.º 2 junto com a PI).
C) Em 30/05/2014, a Impugnante apresentou a declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2013.
(Conforme resulta do documento n.º 3 junto com a PI).
D) Em 03/06/2015, a Impugnante apresentou a declaração de substituição modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2013.
(Conforme resulta de fls. 16 do processo de reclamação graciosa em apenso).
E) A Impugnante inscreveu no campo 769 da declaração a que se refere a alínea anterior o montante de €43.234.836,00, correspondente a metade das menos-valias.
(Conforme resulta do documento n.º 3 junto com a PI.
F) Em 27/05/2016, a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2013.
(Conforme resulta de fls. 24 e segs do processo de reclamação graciosa em apenso).
G) Em apreciação da reclamação a que se refere a alínea anterior, foi elaborada a INFORMAÇÃO N.° 128-A1R212016, que constituiu fls. 29 e segs do processo reclamação graciosa em apenso, que aqui se dá por reproduzida.
H) Resulta da informação a que se refere a alínea anterior:
«(...) [A] questão a decidir no presente procedimento consiste em saber se a limitação da dedutibilidade prevista no n.º 3 do artigo 45.° do Código do IRC é aplicável às menos valias resultantes de processos de liquidação e partilhas de sociedades.
14. Ora, não obstante a valia da argumentação da Reclamante sobre a questão em causa, entendemos que a eventual menos-valia fiscal resultante da liquidação de uma sociedade participada terá de passar pela limitação da dedução de 50% do valor da perda prevista no n.° 3 do art.º45.º do Código do IRC.
15. Com efeito, o regime de apuramento de mais-valias e de menos-valias encontra-se previsto nos artigos 46.º e seguintes do Código do IRC, sendo o mesmo aplicável quando estão em causa ganhos ou perdas sofridas mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda e de instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do nº 9 do art.º 18 º do Código do IRC.
16. Porém, quando está em causa a partilha pelos sócios dos bens patrimoniais, em caso de liquidação de sociedades, ocorrendo, nesta situação, a extinção da sociedade e não a sua transmissão onerosa, é aplicável o regime previsto no art° 81.º do Código do IRC.
17. De acordo com esse regime, é englobado para efeitos de tributação dos sócios, no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição das correspondentes partes sociais.
18. Se essa diferença for positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor que for atribuído e o que, face à contabilidade da sociedade liquidada, corresponda a entradas efetivamente verificadas para realização do capital, tendo o eventual excesso a natureza de mais-valia tributável; se for negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e desde que a entidade liquidada não seja residente em pais, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
19. Com a Lei n°60-A/2005, de 30.12, foi alterado o nº 3 do artigo 45° (EX. art.º 42.º) do Código do IRC, passando a considerar-se que a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
20. Tendo em conta que esta norma refere, expressamente, tem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio parece que o legislador pretendeu abarcar todas as outras situações relativas a partes de capital que não decorressem unicamente de transmissões onerosas. Neste aspeto, não podemos concordar com a requerente que entende que as menos-valias decorrentes das liquidações não podem cair na segunda parte do preceito.
21. O n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRC é uma norma geral que prevê uma restrição quanto à dedutibilidade das perdas relativas a partes de capital, as quais concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor, estando aqui incluídas quer a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, quer outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente, as menos-valias resultantes da liquidação e partilha.
22. Estão, portanto, incluídas nesta norma todas as perdas relativas a partes de capital. Nestas circunstâncias, caem neste âmbito as menos-valias apuradas numa situação de liquidação e partilha.
23. Tratando-se de uma norma de aplicação geral na determinação da matéria coletável, se o legislador quisesse excluir do âmbito desta norma as perdas resultantes da liquidação e partilha teria de tê-lo dito expressamente, mas não o fez. Não o tendo feito, resulta da letra da lei que estas perdas ficam sujeitas à restrição prevista no n°3 do art.º 45° do Código do IRC. Aliás, não se vislumbra qualquer motivo que justifique o seu afastamento, quando a pretensão do legislador foi a de limitar todas as perdas ou variações patrimoniais relativas a partes de capital.
24. Deste modo, as menos-valias apuradas em resultado de operações de liquidação e partilha concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor, a partir do período de 2006, desde que as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, como parece acontecer na situação em causa e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos durante a aplicação do RETGS. Caso contrário não há lugar à dedução de qualquer montante.
25. Aqui chegados, podemos, deste modo, concluir no sentido de que a menos-valia que vier a ser apurada em resultado da operação de liquidação concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor, desde que as partes sociais, tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e desde que a entidade liquidada não seja residente em pais, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
26. Bem sabemos que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.02.2016, proferido no processo 01401/14, perfilha entendimento oposto ao nosso, mas, quanto a isso, sempre poderemos dizer que a fundamentação em que aquele arresto se sustenta padece de fragilidades ao nível da fundamentação que lhe retiram a idoneidade para constituir a posição mais acertada sobre o assunto em causa. Senão vejamos.
27. O acórdão em causa afasta-se do entendimento de que as menos-valias resultantes da liquidação e partilha de sociedades são subsumíveis à 2.ª parte do n.º 3, do artigo 45.º do Código do IRC, ou seja, no conceito de «outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio».
28. Para tal, recorre ao que ficou consignado no acórdão arbitral de 25 de novembro de 2013, proferido no processo n.º 108/2013-T, no que se refere à interpretação do n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC.
29. A conclusão interpretativa retirada do aludido acórdão arbitral faz alusão a que os três tipos de situações previstas no artigo 45°, n.º 3 são conceitos dotados de um sentido próprio e distinto, sendo necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do Código do IRC para compreender tal facto, atendendo à evolução terminológica operada pelo Decreto - Lei n.º 159/2009, de 13 de dezembro.
30. Considera-se ainda no referido arresto do CAAD que «a previsão do artigo 42.º/3 (predecessor do atual 45.° 13), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23°) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24°), relativas àquelas partes».
31. Mais se refere no acórdão arbitral que «a alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas», incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3. e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”».
32. Assim, conclui-se no aludido arresto que «não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio».
33. Portanto, em termos sintéticos, podemos referir que o acórdão do CAAD considerou que a expressão «outras perdas ou variações patrimoniais negativas» utilizada no artigo 45.°/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido naqueles artigos 23.º e 24°, que decorre desde logo do facto de o legislador ter empregado a mesma distinção.
34. Assim, as «perdas» são apenas os factos qualificáveis como tal à luz do Código do IRC, não incluindo os qualificáveis como «gastos» à luz do referido código legal, ainda que referentes a partes de capital ou outras componentes de capital próprio, e por «variações patrimoniais negativas» se deverá entender apenas as não refletidas no resultado líquido do exercício (tal como definidas no artigo 24°).
35. Exposta a posição constante do acórdão, assinale-se, desde já, que não consideramos evidentes nem a tese defendida nele, nem as doutas considerações e conclusões da decisão do CAAD no processo 108/2013-T, uma vez que a argumentação baseada na dicotomia “gastos” e “perdas” parece assentar numa injustificada sobrevalorização da distinção desses conceitos.
36. É que, no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC, é possível identificar diversas imprecisões terminológicas. ………… dá conta das tentativas de superação dessas imprecisões e de hesitações quanto às soluções por receio de aumentar a perturbação no ordenamento jurídico. Como exemplo, cita as epígrafes dos artigos 20° e 23º do Código do IRC. Quanto à primeira, atualmente “rendimentos e ganhos”, considera que deveria ser apenas intitulada “rendimentos», conceito que envolve créditos e ganhos e quanto à segunda, “gastos e perdas”, observa, que gasto é um conceito que, em contabilidade, já inclui as perdas.
37. Quanto à outra conclusão alcançada no referido acórdão do STA, no sentido de que «o art. 81°, n.° 2, alínea b), do Código do IRC, não só qualificava como menos-valia a diferença negativa entre resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais no caso da dissolução e partilha da sociedade, como também fixava o respetivo regime, especial, para a tributação do resultado da partilha, com uma forma própria de cálculo e com deduções específicas», à qual não era aplicável, por ausência de remissão; importa dar nota das seguintes considerações sobre a classificação das normas.
38. As normas gerais são as que correspondem a princípios fundamentais do sistema jurídico e por isso constituem o regime-regra do tipo de relações que disciplinam.
39. excecionais são, pelo contrário, as normas que, regulando um setor restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele setor de relações ‘6.
40. Finalmente, as normas especiais são as que representam, dentro dessa classificação tripartida, os preceitos que, regulando um setor relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em direta oposição com a disciplina geral.
41. Convém notar que o conceito de lei é um conceito relacional, ou seja, não há normas em si mesmas gerais ou especiais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou determinadas matérias normativamente reguladas.
42. O conceito de que se parte para a distinção das normas em gerais e especiais refere-se, pois, ao seu domínio de aplicação, devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género. Nisto consiste a relação lógica - jurídica de especialidade.
43. As normas especiais podem configurar-se como desenvolvimentos destinados quer a concretizar princípios gerais ou como complementos deles quer a integrar os aspetos específicos não contemplados naqueles mesmos princípios, mas também podem apresentar-se, em um ou outro ponto, como desvio ou derrogação aos princípios gerais.
44. Estas observações respeitantes à diversidade das funções das normas especiais (complemento, integração, derrogação) mostram como podem ser distintas, segundo tais funções, relações lógico-jurídicas intercorrentes entre as normas gerais e as especiais. Tais relações serão de cumulação quando se trate de normas especiais complementares ou integrativas, mas já serão de conflito quando se trata das normas especiais derrogatórias.
45. Ora, a norma prevista no artigo 81.º do Código do IRC, sendo uma norma especial, integra aspetos específicos não previstos na norma geral, assumindo uma natureza complementar em relação a esta.
46. Assim, o regime previsto no n°2, do artigo 81.º do CIRC assume-se como uma regulação de uma situação específica — liquidação e partilha de sociedades - sem contudo estabelecer uma disciplina que colida com a disciplina geral, porquanto estabelece que a menos valia resultante da partilha pode, em certas condições, ser admitida como um custo dedutível, não estabelecendo, contudo, os limites a essa dedutibilidade.
47. Não se tratando de uma norma que esteja em direta oposição com a disciplina geral, entendemos que existe justificação para a aplicação da medida antiabuso (limitação a metade do montante dedutível da menos-valia) por existirem riscos de evasão fiscal por manipulação do resultado fiscal nas situações previstas na norma.
48. Uma ilustração destes riscos de evasão fiscal é-nos dada pelas situações de liquidação de sociedades gestoras de participações sociais (vulgo SGPS),
49. Nestes casos, verifica-se, amiúde, que o valor de aquisição da SGPS é extraordinariamente superior ao respetivo valor de liquidação e partilha, o que se fica a dever ao facto de durante a vida destas sociedades se registar a venda das participações de capital de que são titulares, o que determina uma redução avultada do seu valor.
50. Deste modo, não só a transmissão das partes de capital não concorre para a formação do lucro tributável das sociedades gestoras de participações sociais, ao abrigo do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, como a sociedade que detém a SGPS irá apurar uma menos valia considerável, caso pretenda liquidar e partilhar a SGPS, menos valia esta que influirá negativamente na determinação do seu resultado tributável.
51. Podemos assim concluir que, não obstante o regime no artigo 81.º do Código do IRC constituir um regime especial, regulando aspetos específicos como é o caso da liquidação e partilha de sociedades, o mesmo não contém uma disciplina que colida com o regime geral, registando-se, inclusive, justificação para aplicação das medidas antiabuso previstas na norma geral.
52. Aqui chegados, importa, no que respeita ainda ao teor do referido acórdão do STA, contraditar as ilações que sobre o tema em causa são retiradas do parecer do CEF nº 103/96.
53. No referido acórdão do STA é dito que «a própria AT reconhece que a norma do n.° 2 do art.º 81.º do CIRC não se limita a qualificar a natureza do ganho como mais-valia, mas também lhe define o respetivo regime tributário, com exclusão do regime fiscal das mais-valias e menos-valias» recorrendo para isso ao Parecer 103/96 do CEF.
54. Ora, o referido Parecer é datado de 20 de dezembro de 1996 e a norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, em vigor no exercício de 2012, apenas foi introduzida com a Lei n.º 60-A/2005, de 30/12.
55. Comparando a redação do n.º 1 do artigo 42° do CIRC, contemporânea do Parecer 103/9621, com a redação dada pela Lei n.º 60-A/2005, em vigor no exercício de 2012, verifica-se que esta última adicionou um n.º 3 ao artigo em causa, que previa o seguinte:
«3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital [bloco 1], bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares [bloco 2], concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
56. Assim, sem prejuízo de o legislador ter pretendido com a alteração ao n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC abranger no âmbito da referida norma as perdas apuradas com participações que não figurassem no ativo imobilizado, também realizou outras alterações que não podem ser ignoradas.
57. No n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC podemos distinguir dois blocos em que o legislador agrupa os custos sujeitos à limitação de dedução como custo na proporção de 50%. Isto é, esta norma não se limita a abranger as perdas com a transmissão onerosa de partes capital e também se aplica às perdas de partes de capital.
58. Assim sendo, a posição da AT, expressa no parecer do CEF, tem de ser lida e enquadrada em consonância com a redação do normativo em vigor na altura da emissão do aludido parecer, não podendo ser simplesmente transposta e aplicada em exercícios posteriores em que se verificaram alterações legislativas nesse normativo.
59. Sem embargo do exposto, refira-se ainda que a Reclamante não faz prova de algumas das condições de dedutibilidade previstas na alínea b), do n.º 2 do artigo 81.º do CIRC, concretamente o valor de aquisição da participação na sociedade Indústrias B…………, SA.), o valor atribuído em resultado da partilha, o tempo de permanência da aludida participação na titularidade da Reclamante.
60. Facto que, só por si acarretaria igualmente um juízo de improcedência sobre o pedido da Requerente.»
(Conforme resulta do processo de reclamação graciosa em apenso).
I) Concluiu a AT.
«Em conformidade com o anteriormente exposto, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido de acordo com o teor do quadro-síntese” desde logo melhor identificado no introito desta nossa informação, com todas as consequências legais.
Mais se propõe que, igualmente em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, aqui Reclamante, de acordo com as normas insertas nos artº.s 35.º a 41º, todos do CPPT, através de oficio a remeter sob registo, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto no art.° 60.º da LGT, por sua vez conjugado com a regra contida no artº 121.º, este do CPA, ex vi da al. c) do artº 2.º também da LGT.»
(Conforme resultado processo de reclamação graciosa em apenso).
J) A Impugnante, notificada para exercer o direito de audição, veio referir que não pretendia exercer o direito de audição, mantendo o entendimento expresso na reclamação.
(Conforme resulta do processo de reclamação graciosa em apenso).
K) Por despacho de 15/07/2016, foi indeferida a reclamação graciosa.
(Conforme resulta do processo de reclamação graciosa em apenso).
L) A Impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa em 03/08/2016.
(Conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela AT).
M) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 21/10/2016. (Conforme resulta de fls. 1).


6. Do objecto do recurso
Mostram os autos que a recorrente procedeu, em 30/05/2014, à auto liquidação de IRC referente ao exercício de 2013, tendo aí declarado a totalidade das menos-valias realizadas nos termos do art° 81°, nº 2, b), do CIRC, mas tendo apenas deduzido metade do seu valor, por ser esse o entendimento da administração tributária que vinha considerando ser aplicável a tais menos-valias a norma do art° 45°, n° 3, do CIRC.
Posteriormente, e na sequência da superveniente jurisprudência deste STA (Acórdão 1401/14 de 17.02.2016.) no sentido da não aplicabilidade daquela última norma, pelo que aquelas menos-valias deveriam ser deduzidas não apenas em metade mas na totalidade do seu montante, a recorrente apresentou, em 27/05/2016, a necessária reclamação graciosa prévia, com aquele único fundamento de direito, a qual veio a ser indeferida.
Em 21/10/2016, deduziu impugnação judicial visando a anulação parcial da autoliquidação, com vista à dedutibilidade integral das menos-valias em causa, de acordo com a supracitada jurisprudência, impugnação que rematou com o seguinte pedido:

"Assim, na autoliquidação do IRC efetuada pela ora impugnante na Declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2013, foi cometido um erro, na medida em que apenas foi deduzida metade da menos-valia e não a sua totalidade, como deveria ter sido, nos termos da lei e de acordo com a referida jurisprudência já firmada sobre este mesmo tema.
Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exa., deverá a presente impugnação ser julgada procedente, devendo ser ordenada a anulação parcial da autoliquidação do IRC de 2013 (liquidação 2015 2510006171), por ilegalidade, por violação do disposto no artigo 81.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRC, no sentido de, no apuramento do lucro tributável, dever ser considerada não apenas metade mas a totalidade da menos-valia resultante da liquidação em 2013 da sociedade detida pela impugnante."

A sentença recorrida, depois de eleger como questão que importa conhecer a de saber se a limitação da dedutibilidade prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC é aplicável às menos valias resultantes de processos de liquidação e partilhas de sociedades, louvando-se na fundamentação do supracitado Acórdão 1401/14 concluiu que a limitação da dedutibilidade prevista no n.º 3 do artigo 45.° do Código do IRC, não é aplicável às menos valias resultantes de processos de liquidação e partilhas de sociedades, tal como sustentava a recorrente, e julgou a impugnação procedente quanto a este fundamento (cf. sentença a fls. 125 dos autos).

Porém ponderou-se também na decisão recorrida que a Administração Tributária havia elegido dois fundamentos distintos para indeferir a reclamação graciosa: por um lado a divergente qualificação jurídica efectuada pela AT relativamente às menos-valias resultantes da liquidação e partilha de sociedades e, por outro lado, a falta de prova de algumas das condições de dedutibilidade previstas na alínea b), do n.º 2 do artigo 81.º do CIRC, concretamente o valor de aquisição da participação na sociedade Indústrias B………….., SA.), o valor atribuído em resultado da partilha e o tempo de permanência da aludida participação na titularidade da Reclamante.

Assim considerando que a Impugnante apenas impugnou um desses fundamentos – o enquadramento jurídico efectuado pela Administração Tributária relativamente às menos-valias resultantes da liquidação e partilha de sociedades, mas nada invocou na impugnação relativamente à questão de saber se estão, ou não, verificados os pressupostos previstos no artigo 81°, n.º 2, do CIRC, na redacção então vigente, e que, também, serviu de fundamento ao indeferimento da reclamação graciosa, concluiu que o indeferimento da reclamação graciosa será de manter por falta de impugnação daquele segundo fundamento.

Em suma entendeu o Tribunal Tributário de Lisboa que, constando da decisão de indeferimento da reclamação graciosa um fundamento que não foi objecto de impugnação e que não é do conhecimento oficioso, não pode, quanto a esse fundamento, ser anulada a reclamação graciosa.

No prosseguimento de tal discurso argumentativo concluiu o Tribunal recorrido que a procedência dos fundamentos invocados pela Impugnante — considerando acertada a qualificação jurídica pela mesma efectuada — não determina a peticionada anulação parcial da autoliquidação impugnada, na medida em que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa se mantém quanto ao segundo fundamento não impugnado.
E, com esta fundamentação, julgou a impugnação improcedente.

Não conformada com o assim decidido alega a recorrente que o verdadeiro objecto do processo de impugnação judicial é a liquidação impugnada e não a decisão de indeferimento da reclamação administrativa anterior, sendo os vícios daquela e não os desta que estão, efectivamente, em crise na impugnação.
E que sendo os vícios imputados à liquidação impugnada aqueles que, no entendimento da doutrina e da jurisprudência, estão, verdadeiramente, em crise na impugnação judicial e tendo a decisão recorrida julgado procedente o vício de ilegalidade imputado pela impugnante à autoliquidação, seria forçoso a sentença ter concluído pela total procedência da impugnação e, consequentemente, pela anulação da autoliquidação ilegal, por violação do disposto no artigo 81°, n.º 2, alínea b), do Código do IRC, na parte e na medida em que tal é peticionado pela impugnante, enfermando nessa medida de erro de julgamento de direito.
Conclui ainda que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 74°, nºs 1 e 2 e 75°, n° 1, da LGT e no artigo 59º, n° 2, do CPPT.

As questões a decidir reconduzem-se pois a saber:
a) Se incorre em erro de julgamento de direito a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que concedeu provimento ao alegado pela impugnante quanto ao vício de ilegalidade da autoliquidação impugnada, por violação do disposto no artigo 81°, n.º 2, alínea b), do Código do IRC, no sentido de que, no apuramento do lucro tributável, deverá ser considerada não apenas metade mas a totalidade da menos-valia resultante da liquidação em 2013 da sociedade detida pela impugnante, tendo julgado que quanto a esse fundamento a impugnação deveria proceder, mas, simultaneamente, julgou improcedente o (único) pedido de anulação da autoliquidação, com o fundamento de que, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a AT teria também invocado, um outro fundamento que não teria sido impugnado.

b) Se a sentença recorrida incorreu igualmente em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 74°, nºs 1 e 2 e 75°, n° 1, da LGT e no artigo 59º, n° 2, do CPPT.

7. Como se viu, não é a bondade do decidido quanto à não aplicação da limitação da dedutibilidade prevista no n.º 3 do artigo 45.° do Código do IRC às menos valias resultantes de processos de liquidação e partilhas de sociedades que é posta em causa no presente recurso, mas antes a sua consequência jurídica no que tange à parte dispositiva da sentença.
Com efeito, a Recorrente diverge dos termos da decisão final, sustentando, em suma, que esta deve ser de procedência total da impugnação e não, como se acha decidido, de improcedência.

E, nesta perspectiva, desde já se adiantará que assiste razão à recorrente ao erigir como esteio da sua argumentação o enquadramento e a definição jurídico-processual do que é, afinal, o verdadeiro objecto da impugnação submetido à apreciação do tribunal, visto que será este o alvo da decisão final posta em crise.

Ora no que tange ao objecto da impugnação judicial, cumpre realçar que no caso vertente está em causa uma autoliquidação de IRC, em que a impugnação judicial é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
A razão de ser deste recurso à via administrativa, prévio e obrigatório, consiste em dar à Administração Tributária a possibilidade de se pronunciar em concreto nos casos de autoliquidação.
No caso sub judice a recorrente reclamou graciosamente da auto liquidação em causa, visando a sua anulação parcial, com fundamento em ilegalidade, na parte em que o valor das menos-valias declarado na auto liquidação foi deduzido em apenas metade do seu montante, quando o deveria ter sido na sua totalidade, de acordo com a lei (artigo 81°, n.º 2, alínea b), do Código do IRC) e a jurisprudência TCA e STA sobre esta matéria, que invocou (Acórdão do TCAS, de 17-04-2012, Processo 05315/12 e Acórdão do STA de 17/02/2016, proc. n° 01401/14, disponíveis em www.dgsi.pt).

Sendo este o único fundamento apresentado pela reclamante com vista ao pedido de anulação da auto liquidação, que foi expressamente indeferida, a ora recorrente deduziu impugnação judicial, com aquele mesmo e único fundamento, visando no seu pedido: "a anulação parcial da autoliquidação por ilegalidade, por violação do disposto no artigo 81º n.º 2, alínea b), do Código do IRC, no sentido de, no apuramento do lucro tributável, dever ser considerada não apenas metade mas a totalidade da menos-valia resultante da liquidação em 2013 da sociedade detida pela impugnante."

A sentença recorrida concedeu provimento ao entendimento da impugnante quanto ao vício de ilegalidade da autoliquidação impugnada, por violação do disposto no artigo 81°, n.º 2, alínea b), do Código do IRC, no sentido de que, no apuramento do lucro tributável, deverá ser considerada não apenas metade mas a totalidade da menos-valia resultante da liquidação em 2013 da sociedade detida pela impugnante, tendo julgado que a impugnação deveria proceder: "Assim quanto a este fundamento a presente impugnação é procedente”. "(Cfr. sentença, pag. 17 de 20)
Ora, como bem nota a recorrente, esta conclusão da sentença recorrida, na medida em que julga ilegal a auto liquidação impugnada e procedente a impugnação, já seria o bastante para, lógica e consequentemente, ter sido determinada, sem mais, a anulação da autoliquidação ilegal que constitui o pedido da impugnante.
Assim não entendeu a decisão sindicada com o fundamento de que: «a procedência da presente impugnação apenas tem a virtualidade de anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa quanto à questão concretamente impugnada.
Ora, constando da decisão de indeferimento da reclamação graciosa um fundamento que não foi objeto de impugnação, não pode, quanto a esse fundamento, ser anulada a reclamação graciosa.»

No mesmo sentido se pronuncia o parecer da Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que não merece censura a decisão sindicada «ao pôr ênfase no facto de a decisão de indeferimento da reclamação graciosa em causa revelar uma dupla fundamentação e, por isso, a falta de impugnação de um dos fundamentos implicar a sua manutenção na ordem jurídica, por, além do mais, o outro não constituir matéria do conhecimento oficioso do tribunal».
E em abono desta sua posição invoca a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo no tocante às decisões judiciais, nomeadamente o Acórdão de 31/01/2018, no Processo n.º 0861/16, onde se firmou o entendimento segundo o qual “Quando a decisão judicial de uma questão se alicerça em dois fundamentos distintos, é inútil apreciar o recurso que dela foi interposto se neste se ataca apenas um deles: ainda que fosse julgado procedente, a decisão sempre se manteria com base no outro”.

Não acompanhamos, no entanto, esta tese.
Em primeiro lugar porque olhando para o caso dos autos forçoso é concluir que os fundamentos do Acórdão 861/16 não encontram aqui qualquer espaço de viabilidade.
É que não estamos perante a impugnação de uma decisão judicial mas sim de uma decisão administrativa de indeferimento de reclamação graciosa.
Ora, uma das regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa é a inexistência de caso decidido ou resolvido como consequência da reclamação graciosa (artº 69º, al. c) do CPPT).
Por outro lado, como já por diversas vezes sublinhou a jurisprudência desta Secção o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.
Assim, como se deixou sublinhado no Ac. do STA de 28/10/2009, proferido no recurso n.º 595/09, «nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o ato de liquidação que foi mantido pelo ato de indeferimento da reclamação».
No mesmo sentido se afirmou no Acórdão de 11.09.2013, recurso 1138/12 que a jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo vai «no sentido de que, constituindo embora o despacho administrativo de indeferimento o objecto imediato da impugnação, é, contudo, o acto tributário de liquidação – seu objecto mediato - que verdadeiramente se controverte na impugnação».
Também no Ac. do S.T.A., de 18-05-2011, processo nº 0156/11 se entendeu que «I - O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.
«II- A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.».
E ainda no Acórdão desta Secção de Contencioso Tributário de 03-06-2015, processo nº 0793/14, foi devidamente sublinhado que «Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do ato tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afetem o ato tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.».
Este entendimento acolhido pela supracitada jurisprudência, que subscrevemos, é também o único que é compaginável com princípios constitucionais essenciais à compreensão daquilo que é a atividade jurisdicional e portanto o que melhor se coaduna com o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 20º e 268º, n.º 4 da C.R.P., os quais visam garantir o acesso aos tribunais para obtenção pelos cidadãos da tutela adequada aos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Acresce que, como bem refere Pedro Gonçalves, “Relações entre as impugnações administrativas necessárias e o recurso contencioso de anulação de actos administrativos”, Almedina, 1996, pág. 84, “…a impugnação administrativa prévia ao recurso contencioso não implica qualquer limitação à invocação de fundamentos (causa de pedir) neste recurso, pelo que o recorrente pode alegar vícios não alegados em sede administrativa e pode deixar de alegar vícios que invocou como causa de pedir naquela sede.”.
Assim, abrindo a decisão da reclamação graciosa a porta à discussão judicial do acto de autoliquidação e devendo-se considerar tal acto como ainda não estabilizado na ordem jurídica, não faria sentido que se limitasse o âmbito de conhecimento no processo de impugnação judicial ao âmbito dessa decisão administrativa, desde logo, porque o que verdadeiramente se pretende é a anulação do acto tributário em crise.
Conclui-se pois que os poderes de cognição do tribunal, quanto ao objecto mediato do pedido, não se encontram delimitados pelos poderes de cognição da administração na fase administrativa.
E nessa medida, como bem refere a recorrente, o verdadeiro objecto da impugnação deverá ser esse acto de autoliquidação e não a decisão de indeferimento da reclamação, como erradamente julgou a sentença recorrida.

Não é, pois, juridicamente aceitável a fundamentação, em que se baseia a sentença recorrida no sentido de que "a procedência da presente impugnação apenas tem a virtualidade de anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa".

É que a procedência da impugnação da autoliquidação, com fundamento num juízo de ilegalidade invocado pela impugnante e admitido na sentença recorrida – por ter dado como provado (Cf. al. B) do probatório.) que a Impugnante comunicou à AT o resultado da liquidação da sociedade sua participada, tendo enviado todos os documentos comprovativos do apuramento das referidas menos-valias, da verificação das condições legais da sua dedutibilidade e todos os esclarecimentos complementares que lhe foram solicitados pela AT e por entender não ser aplicável ao caso vertente o artº 45º, nº 3 do CIRC e que, no apuramento do lucro tributável, deverá ser considerada não apenas metade mas a totalidade da menos-valia resultante da liquidação em 2013 da sociedade detida pela impugnante, de acordo com o disposto no artº 81º, nº2, al. b) do mesmo diploma legal - projecta os seus efeitos na autoliquidação impugnada, e não na reclamação graciosa, e tem mesmo a virtualidade de anular a autoliquidação impugnada, na exacta medida daquela ilegalidade.

Daí que se conclua que a sentença recorrida que julgou ilegal a autoliquidação impugnada por violação do disposto no artº 81º, nº2, al. b) do CIRC, mas no seu segmento dispositivo não ordenou a sua anulação, padece do erro de julgamento que lhe é imputado e não pode ser mantida na ordem jurídica.
E, nesta circunstância, impõe-se a revogação dessa parte dispositiva da sentença que assim não julgou, e a sua substituição por acórdão que julgue a impugnação totalmente procedente, determinando-se a anulação da autoliquidação impugnada, por ilegalidade, por violação do disposto no artigo 81°, n.º 2, alínea b), do Código do IRC, no sentido de que, no apuramento do lucro tributável, deverá ser considerada não apenas metade mas a totalidade da menos-valia resultante da liquidação em 2013 da sociedade detida pela impugnante.
Procedem, assim, as conclusões das alegações do recurso, não se conhecendo, por prejudicada, a última questão colocada pela Recorrente neste recurso.

8. Decisão
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando, em consequência, e nos sobreditos termos, totalmente procedente a impugnação.

Custas em primeira instância pela Fazenda Pública, com dispensa do remanescente da Taxa de Justiça, tal como bem decidido pelo tribunal a quo, cuja fundamentação neste ponto se acompanha, e sem custas neste Supremo Tribunal, por não ter contra-alegado.

Lisboa, 3 de Julho de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.