Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0902/14
Data do Acordão:02/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA
ISENÇÃO
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
Sumário:Não cabe recurso da decisão do tribunal Tributário de 1.ª Instância para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o valor da causa é inferior ao fixado para a alçada deste Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P21482
Nº do Documento:SA2201702150902
Data de Entrada:07/16/2014
Recorrente:MFIN E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório
1. A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do TAF do Porto, na parte em que foi concedida provimento parcial à acção intentada por A……….., identificada nos autos, reconhecendo o direito à então autora de isenção de IMI na percentagem de 85,33%.

2. Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:
1. Não é possível, face ao enquadramento legal qualificar a aquisição como onerosa.
2. Havendo instruções administrativas claras sobre esta matéria, decidiu bem o recurso hierárquico posto em causa bem como as diversas decisões que o antecederam, ao indeferirem o pedido de isenção de IMI ao abrigo do n°1 do art°46° do EBF.
3. Não foi atribuída uma isenção de IMI por não haver uma transmissão onerosa de um bem imóvel, como impõe a lei.
4. A Douta sentença entendeu não se pronunciar acerca dos argumentos jurídicos expendidos em sede de contestação e, adicionalmente, sobre aqueles que se pronunciou fê-lo erradamente, na medida em que aplicou mal a lei.
5. As normas jurídicas, ao caso aplicáveis, impunham decisão diversa.
6. Estamos, por isso, perante uma questão exclusivamente de Direito, cuja omissão na apreciação deverá agora ser suprida.
7. A Douta sentença não considerou normas do direito sucessório nem considerou o conteúdo do Oficio-Circulado 160923, de 04/10/1995 da Direcção de Serviços da Contribuição Autárquica.
8. Mais, fez uma interpretação analógica da norma constante do art°46° do EBF, que a lei não permite, sem qualquer suporte, nem na letra nem no espírito da lei, ignorando que a norma se refere a aquisições a título oneroso, exclusivamente.
9. O n° 1 do art°46° do EBF refere-se indiscutivelmente a uma aquisição a título oneroso: não há qualquer ambiguidade na expressão do pensamento do legislador na regra em causa, que quis restringir a possibilidade de concessão de isenção de IMI apenas às aquisições onerosas de imóveis.
10. Não é possível, a partir desta redacção, concluir que o legislador quis equiparar as aquisições a título gratuito às aquisições a título oneroso, a fim de fomentar a aquisição de habitação própria e permanente.
11. A sentença recorrida fez uma interpretação analógica da norma, proibida pelo art°10º do EBF.
12. Nada na norma nos permite inferir que os efeitos pretendidos a partir de uma aquisição onerosa, possam ser igualmente conseguidos a partir de uma aquisição gratuita.
13. A interpretação efectuada pela sentença foi analógica e não extensiva, na medida em que os efeitos pretendidos pela norma que concede a isenção não podem ser conseguidos através de transmissões gratuitas. Tal interpretação é inadmissível em sede de benefícios fiscais.
14. A douta sentença também não considerou as normas de Direito Sucessório, quando o deveria ter feito, na medida em que a transmissão da propriedade do imóvel é de natureza sucessória.
15. No caso presente, constituiu-se um direito de propriedade na esfera jurídica da recorrida à altura da abertura da sucessão.
16. Pelo que a ora recorrida terá sempre de ser considerada como titular do direito de propriedade do imóvel em causa, desde o momento da morte de seu pai, como consequência da abertura da sucessão.
17. Ou seja, a aquisição de propriedade, ainda que levada a cabo por intermédio de acordo estabelecido na escritura de partilhas, por retroagir ao momento do óbito, só pode ser considerada como uma aquisição gratuita, por força da lei.
18. O momento da aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal (Circular n°21/92 de 19/10, do SAIR).
19. A origem das aquisições sucessórias é sempre, pela sua própria natureza, gratuita.
20. Pelo que, qualquer acordo feito em sede de escritura de partilhas tendo em vista o modo como é distribuída a herança, por retroagir ao momento da abertura da sucessão, implica que as aquisições efectuadas ao seu abrigo sejam de natureza gratuita.
21. Tornando por isso impossível qualificá-los juridicamente como actos de alienação.
22. E por isso, impossibilitando que a aquisição do imóvel em causa seja tida como onerosa, ainda que parcialmente.
23. Deveria a sentença ter considerado o conteúdo do Oficio-Circulado 160923, de 04/10/1995 da Direcção de Serviços da Contribuição Autárquica que veio esclarecer, no seu §5°, que no caso de aquisição de prédio, ainda que destinado a habitação própria permanente, ser efectuada parte a título oneroso e parte a título gratuito tal situação não releva para a concessão da isenção a que alude o art°52° do EBF (redacção à altura em vigor).
24. Ou seja, a isenção só pode ser concedida no caso de aquisições totalmente onerosas, admitindo que a figura da aquisição parcialmente gratuita pudesse existir, o que rejeitamos.
25. Também por aqui, o pedido aqui em causa teria de ser indeferido, pelo facto de a aquisição ser, na sua origem, gratuita.
26. Estando assim em presença de uma aquisição gratuita do direito de propriedade, a Autora, ora recorrida, não pode beneficiar de isenção de IMI.
27. Deve ser por isso indeferido o pedido, na íntegra, de anulação do acto recorrido.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deverá substituir-se a sentença recorrida por uma decisão que apoie a tese defendida pela Administração Tributária, julgando improcedente, por não provada, a acção e absolvendo-se a entidade demandada do pedido, com todas as legais consequências.

3. Não houve contra-alegações.

4. O magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
1. A acção administrativa especial, tendo por objecto actos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, na regulação se incluindo o regime dos recursos jurisdicionais nele interpostos (art. 97° n° 2 CPPT; na doutrina Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado 6ª edição 2011 Volume IV anotação 3 ao art. 279° pp. 321/322; na jurisprudência acórdãos STA-SCT 15.01.2014 processo n° 1495/12, 12.02.2014 processo n° 1847/13)
2. São requisitos cumulativos para o conhecimento do recurso per saltum para o STA (art. 151° CPTA):
- fundamento exclusivo em violação de lei substantiva ou processual;
- valor da causa superior a 3 milhões de euros ou indeterminável;
- incidência sobre decisão de mérito;
- inexistência de apreciação de questões respeitantes a funcionalismo público ou segurança social
No caso concreto os requisitos cumulativos enunciados não estão preenchidos, considerando o valor da causa atribuído pela A. na petição inicial, não contestado pelo Réu (€ 5 500,00)
3. Pelo exposto deve ser declarada a incompetência do STA-SCT para o conhecimento do recurso, em razão da hierarquia, e ordenado o envio do processo ao TCA Sul-SCT, para julgamento do recurso como apelação (art.151° n°3 CPTA)
No sentido propugnado tem-se pronunciado recente jurisprudência consolidada do STA (acórdãos STA-SCT 10.09.2014 processos n°s 486/14 e 1283/13 e; 9.07.2014 processo n°1007/12; 15.01.2014 processo n° 1495/12).

Notificadas as partes para querendo se pronunciarem sobre a excepção da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal no prazo de 10 dias, nada disseram.
5. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto
A. A 30 de Junho de 2008 foi lavrada escritura de partilha a qual se considera integralmente reproduzido, e através da qual foi adjudicado à autora, pelo valor de € 86.834,25 (oitenta e seis mil e oitocentos e trinta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos) o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de .............., sob o artigo 2022, pelo valor de € 86.834,25 (oitenta e seis mil e oitocentos e trinta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), dando tornas no montante de € 74.904,37 (setenta e quatro mil e novecentos e quatro euros e trinta e sete cêntimos);
B. Na sequência do referido em A), a autora requereu a 09 de Dezembro de 2009, no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, a isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis — cfr. fls. 04;
C. A 13 de Janeiro de 2010, foi proferido despacho de indeferimento do requerimento referido em B), considerando-se aqui integralmente reproduzido o seu teor, assim como o parecer e a informação que antecede — cfr. fls. 41/42;
D. A autora a interpôs recurso hierárquico do despacho referido em C), o qual foi indeferido a 30 de Março de 2010, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, assim como parecer e informação que lhe antecede — cfr. fls. 20 a 28;
E. Pelo ofício 3402, datado de 08 de Abril de 2010, foi a autora notificada do despacho referido em D) cfr. fls. 19;
F. Os presentes autos deram entrada a 12 de Julho de 2010 cfr. fls. 2.

De direito
A autora interpôs acção administrativa contra a Administração Tributária alegando que contrariamente ao entendido pela ré a aquisição do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ..........., sob o artigo 2022, pelo valor de € 86.834,25 (oitenta e seis mil e oitocentos e trinta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), dando tornas no montante de € 74.904,37 (setenta e quatro mil e novecentos e quatro euros e trinta e sete cêntimos), não podia ser qualificada como tendo sido efectuada a título gratuito, dado que, apesar de a autora o ter adquirido em partilhas, o preço que tivera de pagar em tornas por tal bem em muito excedera a quota hereditária, razão pela qual essa aquisição deveria ser entendida como efectuada a título oneroso beneficiando por isso de isenção de IMI.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerando que muito embora o imóvel em causa fosse adquirido em partilha, na medida em que o preço excedera o valor da quota hereditária da adquirente, deveria a sua aquisição na parte excedente ao valor da quota hereditária ser considerada a título oneroso e consequentemente beneficiar da isenção prevista no artigo 46 do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
E julgou a acção procedente.
A Fazenda Pública insurge-se contra esta decisão e como se vê das conclusões do recurso considera que a sentença fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 46 do Estatuto dos Benefícios Fiscais tendo efectuado até indevidamente uma integração e interpretação analógica.
Porque dado o valor da causa a Secção do Contencioso é incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso foi pelo Mº Pº suscitada tal excepção tendo as partes sido notificadas para querendo se pronunciarem sobre a mesma.
Cumpre assim conhecer desde já desta questão prévia, dado que a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outras matérias cfr artigo 13 do CPTA aplicável “ex vi” do artigo 2-º al.c) do CPPTributário.

As acções administrativas decididas nos tribunais tributários são reguladas, como já tem sido por várias vezes decidido nesta secção do Supremo Tribunal Administrativo, pelas normas do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Efectivamente o recurso dos actos jurisdicionais praticados no processo judicial tributário, em processo tributário e em processo de execução fiscal são regulados nos termos dos artigos 279 e segs. do CPPT.
Mas o nº 2 do mesmo artigo 279 do CPPT estipula que os recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativo.
Constituindo a acção administrativa especial um meio comum à jurisdição e administrava e tributária é forçoso concluir que são as regras do CPTA que deverão regular este processo, até por força de aplicação subsidiária nos termos da alínea c) do artigo 2º do CPPT.
Este entendimento tem sido sufragado pela jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, entre outros, nos acórdãos datados de 12 02 2014 e 15 01 2014 in recursos, respectivamente, nºs 01847/13 e 01495/12.
De acordo como disposto no artigo 151 do CPTA mesmo que o recurso suscite apenas questões de direito, dele só cabe recurso per saltum para o STA se o valor da causa for superior a três milhões de euros.
O presente recurso é interposto da sentença proferida nestes autos que julgou procedente a acção administrativa por considerar que a aquisição em partilhas do imóvel anteriormente referido beneficiava da isenção de IMI relativamente ao montante que excedera o valor da quota hereditária da autora.
No caso, o valor da acção é apenas de € 74.904,37 (setenta e quatro mil e novecentos e quatro euros e trinta e sete cêntimos); sendo este o valor que beneficiou da isenção.
Ora tendo em conta o disposto no art. 31.º, n.º 2, alínea c) do CPTA que prescreve dever atender-se ao valor da causa para determinar se face a tal valor a decisão é passível de recurso e qual o tribunal para onde se pode recorrer, fácil é de constatar que o valor da causa exclui desde logo o recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, sendo competente para dele conhecer, como recurso de apelação, a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte nos termos do nº 3 do artigo 151 do CPTA.

Decisão

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário acordam, em conferência, em declarar este Supremo Tribunal Administrativo incompetente para conhecer do presente recurso e ordenar a baixa dos autos ao competente Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário), para que o recurso aí seja julgado como apelação (n.º 3 do art. 151.º do CPTA).

Custas pela recorrente, com t. j. em 1 UC.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2017. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.